Mostrar mensagens com a etiqueta Obvious. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta Obvious. Mostrar todas as mensagens

sexta-feira, novembro 18, 2016

O fantástico clube dos intensos




Se houver cura, dispenso. As coisas normais não me atiçam. Não me aceleram. Não me continuam.

Preciso da sofisticação do que é aparentemente simples. Do abraço da brisa nos poros. Dos respingos do sol adornando a tarde. Da carícia na ponta dos dedos, da massagem demorada nas costas. Preciso sentir que há um outro. Preciso senti-lo existindo, respirando perto, pulsando, trocando ideias e experiências. Preciso dessa vizinhança das almas que conversam até mesmo sem nada dizer.

O ritmo lento da normalidade não me empurra, não me anima. Não me agita. Não me faz querer voar para a voragem dos olhares que troco na rua, para os encontros que fazem com que as almas se encaminhem para dentro de si mesmas e se abracem por dentro.

Eu não nasci para o morno. Eu não nasci para a realidade pálida que não se oferece à ousadia. Eu não nasci para os dias parados e sem cores. Eu nasci para pintar. Eu nasci para amar intensamente, de dentro para fora! Por dentro e por fora, sem medo do não e do adeus repentino. O único medo é não avançar quando quero. Não amar quando posso. Quando o coração sinaliza que já não dá para desconversar e mudar a estrada.

Eu nasci para o fogo, para intimidade quente de um cobertor dividido. Para um sorriso que se abre sem procurar motivo. Para o café forte coado no coador de pano. Para o delírio de uma bela canção executada no violino.



Quem é intenso, é delicado, é esvoaçante. Tem renda no pensamento e mania de levitação.

E quem disse que não tem lágrimas?

O coração do intenso não é blindado. Vez ou outra, uma pancada forte o acerta em cheio, e ele, dolorido, reclama, arde, soluça no travesseiro e pede proteção. A tristeza às vezes bate à porta, maltrata, derruba algumas certezas, revira alguns sonhos, esculacha, mas não é capaz de matar a esperança.

A esperança nos intensos é como um membro primordial do corpo, não é possível arrancar. Não se desfaz à toa. A esperança nunca anda só. Quem tem esperança tem artimanha e carta na manga para reerguer o castelo depois da tragédia e ainda sobra disposição para fazer graça.

O grande trunfo do intenso é, sem dúvida, a sua capacidade de não saber disfarçar o que sente. Os sentimentos estão sempre falando alto, se espalhando pelos gestos, orquestrando as ações. O intenso nunca nega o que é. A alma não deixa…

______


No fim de um dia bem complicado, não encontro palavras minhas. Mas curiosamente encontrei palavras que podiam ser minhas no texto que transcrevo quase integralmente, um texto de Ester Chaves na Obvious
Da carícia na ponta dos dedos, da massagem demorada nas costas. Preciso sentir que há um outro. 
Eu diria isto. Eu digo isto. E o resto.
Apeteceu-me meter-lhe pelo meio fotografias de Sarah Moon. E, vá lá eu saber porquê, enquanto compunha isto, apeteceu-me ouvir Tom Waits em Hold on. Talvez porque, ao longo do dia, me apeteceu ter quem, de vez em quando, ao meu lado, me dissesse:

You gotta hold on, hold on
Babe, you gotta hold on
And take my hand, I'm standing right here
You gotta hold on

_________________________________________________

Sobre a perplexidade que se abateu sobre alguns americanos, queiram ouvir o que abaixo se partilha.

___

terça-feira, novembro 08, 2016

Vazio é o mundo sem 'femmes fatales'


Elas querem a lealdade dos indulgentes, o vigor dos apaixonados e a canção dos poetas. Quem tiver o privilégio de encontrar uma remanescente de carne e osso, que não hesite em denunciá-la. Sem dúvida, les femmes fatales preferem ser cultuadas de perto e por muitos, simultaneamente.
________




Algo no jeito de sorrir, de ousar acender o cigarro encarando o companheiro e pedir que ele feche o zíper da blusa, sei lá, uma personalidade surpreendente, formada de pequenos e elegantes gestos e geradora de grande excitação. Uma coisa é certa: essa especie de fêmea é sutil e deve ser cortejada nos detalhes.

Pode ser a nuca exposta pelo coque despretensioso, consequência do mau humor do dia, que dispensa um penteado mais elaborado; e ainda o sinuoso movimento do quadril, insistindo em pelear com o vestido ingênuo, de corte reto, enquanto caminha; ou simplesmente uma voz doce e meio infantil, que entoa palavras inteligentes, com a delicadeza de quem está cantando.

A verdade é que não há como resistir à femme fatale, uma realeza, adorada por machos que abdicaram em disputar o poder entre si, para simplesmente aproveitar o melhor das suas existências, compartilhando momentos com ela.Nesse mundo de completa entrega masculina, crianças são bem-vindas, vícios são consumados sem culpa, a transa é frequente e o campo intelectual filosófico, verdejante.



Qual seria então a essência desse ser tão provocador? A fêmea fatal se alimenta da sedução e é ávida por liberdade. A sua identidade não é ser apenas sexual, mas sensorial. Quer provar de tudo, de todo jeito e abundantemente. Quer fazer isso em comunhão. Para tanto, não abre mão de cúmplices, sempre seus parceiros apaixonados.

A história registra um elenco considerável de mulheres dessa estirpe. Temos desde Cleópatra, soberana do Egito - por quem o general romano Marco Antonio desistiu de um império e foi convencido a doar a vida - à intelectual russa Lou Andreas Salomé (1861 -1937), que reuniu em sua alcova, ao mesmo tempo e outrora, o marido e escritor francês Paul Rée, além de Freud e Nietzsche, num quadrilátero amoroso insuspeitável.

Tamanho poder não torna mulheres fatais arrogantes e soberbas, o que presumivelmente ocorreria a alguém ciente da sua grande capacidade de deslumbrar. É da natureza da fêmea fatal atrair, mas se é insaciável na persuasão, também é generosa no amor. 

Infelizmente, as fêmeas fatais, se não foram extintas, hoje operam em petit comité.

Quem tiver o privilégio de encontrar uma remanescente de carne e osso por aí, que não hesite em denunciá-la. Sem dúvida, “les femmes fatales” preferem ser cultuadas de perto e por vários, simultaneamente. Se ninguém quer perder essa chance, o mundo também agradece.


_______________



________

Fotografias de Bruce Weber

Excertos de artigo com o título 'Vazio é o mundo sem femmes fatales' da autoria de Ilma Pessoa em Obvious

....

domingo, agosto 21, 2016

O elefante e a estaquinha.
- E o que é necessário para uma vida completa?








Uma vez chegou a um circo um novato assistente que ficou admirado ao ver um grande elefante preso somente a uma corda amarrada em uma estaca fincada ao chão. Obviamente o elefante teria força de sobra para se livrar daquilo, se quisesse; assustado, o rapaz perguntou aos mais experientes se eles não tinham medo do animal escapar. Depois de rirem da inocência do rapaz, um experiente domador explicou que isso seria impossível, pois o elefante “aprendeu” que não poderia fugir. Vendo a expressão de dúvida ainda no rosto do jovem, o domador contou que quando o elefante ainda é pequeno, eles o amarram à mesma corda e estaca. O pequeno elefante tenta se soltar com toda sua força, mas não consegue. Depois de grande, o elefante não tenta mais por ter “aprendido” que não consegue, transformando dessa forma, a corda e a estaca em uma prisão perpétua independentemente do seu tamanho.

Esta parábola do elefante é contada para nos falar de força e o quanto desconhecemos nossa capacidade. Porém, se pensarmos por outro ângulo, esta metáfora tem muito a nos ensinar sobre a aprendizagem.

Assim como o elefante da história, muitas vezes aprendemos coisas e não questionamos sobre elas, elas ficam no automático e simplesmente não refletimos sobre aquilo. Em nosso caso, a estaca e corda podem ser elementos mais enraizados e subjetivos, coisas que são ditas desde que somos pequenos e agem como um “adestramento”, decidindo inclusive sobre nossas necessidades e desejos. 


(...)
(...)

Mas como saber o que é necessário para uma vida completa? Quais caminhos nos levam a experiências saudáveis e frutíferas? Talvez exista uma resposta. Um estudo chamado de Estudo de Desenvolvimento Humano, de Harvard (provavelmente o maior estudo em duração do mundo), analisou por 75 anos a vida de 724 pessoas para identificar o que faz a vida valer a pena. Ele observou escolhas e aplicou periódicos questionários, incluindo para as pessoas que conviviam com os participantes. Este estudo pioneiro ainda está em curso, conduzido pela quarta geração de pesquisadores e com apenas 60 das pessoas iniciais ainda vivas. Porém, hoje ele abrange também os mais de 2 mil filhos destes candidatos e prossegue gerando uma rica fonte de informação.

Neste estudo, dois grupos foram criados: um formado por pessoas da alta sociedade e outro com pessoas de famílias bastante desfavorecidas. A mensagem central das centenas de páginas que este estudo nos trouxe é somente uma (para ambos os grupos) e bastante simples: “Bons relacionamentos nos mantêm felizes e saudáveis”. Ponto-final. Não é o dinheiro, nem o sucesso na carreira, nem a fama que traz a felicidade, mas sim a valorização das pessoas ao seu redor. O estudo afirma que as conexões sociais são extremamente benéficas à saúde, já a solidão, mata – pessoas solitárias têm qualidade de vida inferior e uma degeneração biológica mais acelerada.

(...)

__________

As fotografias foram feitas este sábado in heaven - as 3 primeiras fora e as 2 últimas dentro de portas (o tempo que passa, a sombra, a luz).

Lá em cima é a Opéra National de Paris com Brahms-Schönberg Quartet numa coreografia de Balanchine e com fatos e decoração concebidos por Karl Lagerfeld.

O texto é um excerto de Aprender a desaprender de Ahas para a Obvious, que se apresenta dizendo que é escritor mas que se prostitui como redator.




________

E desçam, por favor, para irem de visita a umas certas sereias que saíram da Odisseia directamente para a Expo. Coisas de Homero que teima em manter-se vivo.


sábado, fevereiro 20, 2016

E a resposta é... Basílio. Primo Basílio.
Who else meus caros, who else por amor da santa...?


Acabei o post lá de baixo assim: Não, cara amiga leitora, ele não é o canalha que partiu o seu coração. 

E agora completo:

Ele é Basílio, personagem de Eça de Queiroz do livro "O Primo Basílio", que levou sua prima Luísa, de vinte e poucos anos, à ruína.





Publicado em 1878, o romance deveria ser leitura obrigatória para todas as meninas em fase de formação. 

Não apenas porque a narrativa é pungente e questiona os valores das famílias ditas tradicionais, tampouco por tratar-se de um grande clássico, com personagens riquíssimos; nem por nos prender à sua narrativa do começo ao fim das 266 páginas; mas porque, para além da chantagem que Luísa - a prima que se apaixona pelo primo galanteador – sofre da sua criada invejosa Juliana (que descobre a traição da patroa, casada com Jorge), podemos entender a lógica desse tipo de homem:
"Não lhe faltava mais nada senão partir para Paris com aquele trambolhozinho! Trazer uma pessoa, havia sete anos, a sua vida tão arranjadinha, e patatrás! Embrulhar tudo, porque à menina lhe apanharam a carta de namoro e tem medo do esposo! Ora, o descaro! No fim, toda aquela aventura desde o começo fora um erro! Tinha sido uma ideia de burguês inflamado ir desinquietar a prima da Pratiarcal. Viera a Lisboa para os seus negócios; era tratá-los, aturar o calor e o boeuf à la mode do Hotel Central, tomar o paquete e mandar a pátria ao inferno - e ele, burro, ficara ali a torrar em Lisboa, a gastar uma fortuna em tipoias para o Largo de Santa Bárbara para quê? Para uma daquelas! Antes ter trazido a Aphonsine! Que verdade, verdade, enquanto estivesse em Lisboa o romance era agradável, muito excitante; porque era muito completo! Havia o adulteriozinho, o incestozinho. Mas aquele episódio agora estragava tudo! Não, realmente, o mais razoável era safar-se"!
Imagino que se eu tivesse lido a obra de Eça de Queiroz aos dezasseis anos teria poupado muitas lágrimas inúteis em minha vida e teria pensado algumas vezes antes de me jogar de cabeça em certas relações com janotas como Basílio. Talvez nunca tivesse pensado, como Luísa:
"As qualidades de Basílio apareciam-lhe então magníficas e abundantes como os atributos de um Deus. E estava apaixonado por ela! E queria vir viver ao lado dela! O amor daquele homem, que tinha esgotado tantas sensações, abandonado de certo tantas mulheres, parecia-lhe como a afirmação gloriosa de sua beleza e da irresistibilidade da sua sedução. A alegria que lhe dava aquele culto trazia-lhe o receio de o perder. Não o queria ver diminuindo; queria-o sempre presente, crescendo, balançando sem cessar diante dela, o murmúrio lânguido das ternuras humildes".
A pomba Luísa teve um final trágico - aliás, o final do livro é arrebatador –, porém não senti pena dela. Afinal, não passava de uma mocinha que vivia numa província, em 1878, que nada sabia da vida. Senti pena de nós, mulheres ditas modernas, que vivem sua sexualidade livremente, trabalham, têm acesso à informação, grau universitário; mulheres viajadas, inteligentes, cultas, independentes, que sabem se vestir, falam várias línguas, comandam empresas, escrevem romances, mas que ainda, sim, caem nessa pantomina.

___


Na música "Amor I love You", de Marisa Monte, consta um trecho do livro - referente aos sentimentos de Luísa ao receber a primeira carta “apaixonada” de Basílio – na voz de Arnaldo Antunes. 
___

Nota: Para os que têm dificuldade de interpretar texto, informo que as características citadas no começo dessa resenha (beleza, educação, erudição, gentileza, etc) são sempre muito bem vindas, em homens e mulheres, não há nada de errado com elas. O erro acontece quando tais características são usadas de modo perverso, como ferramentas de manipulação, como Eça de Queiroz nos demonstra brilhantemente com seu personagem Basílio.
_____

Quer o texto acima quer os que constam dos posts anteriores não são de minha autoria. Foram escritos por  Mônica Montone para a Obvious e trouxe-o aqui porque me parece uma forma inteligente de motivar o gosto pela leitura. Nos excertos anteriores dei um ou outro pequeno toque para não se perceber que estava escrito em português do Brasil.

Claro que me dá uma certa pena que, se for ao Youtube procurar vídeos sobre o Primo Basílio, só me apareçam (ou, pelo menos, apareçam nos primeiros lugares) vídeos brasileiros. E canções com excertos de Eça de Queiroz...? Alguma vez alguém se lembrou disso? Que eu saiba, zero.

Mas nós, portugueses de Portugal somos assim: parece que só damos valor ao que vem de fora. Valorizarmos a nossa literatura de uma forma abrangente e 'viva' parece que não é connosco. 
....


Transcrevo ainda do Youtube, o texto que acompanha o vídeo que, veja-se bem, é obra de alunos de uma escola pública brasileira:

Publicado a 30/09/2013

Trabalho Escolar do 3º1Escola: Profª Magdalena Sanseverino Grosso - Artur Nogueira-SP (Brasil)


SINOPSE:

"O Primo Basílio" conta a história de Luísa, jovem sonhadora e ociosa da sociedade lisboeta, que acaba envolvida por Basílio, seu primo, com quem se reencontra, após anos de distância. Achando-a sozinha, já que Jorge, o marido, viajara a negócios, Basílio serve-se de sedução e galanteios, até levá-la a se envolver profundamente consigo, tornando-se sua amante. Juliana, a criada, descobre a corres­pondência trocada por ambos e chantageia a patroa.

Após sofrer muitas humilhações e ter que se submeter aos caprichos da crudelíssima criada, Luísa consegue, ajudada por um amigo, reaver as cartas; e Juliana, pressionada a entregá-las, ante as ameaças, acaba morrendo do coração. Após tanto sofrimento, Luísa adoece. Basílio, de há muito, encontra-se longe de Lisboa. Jorge regressa ao lar. Certo dia, chega uma carta do primo para a esposa e o marido intercepta a correspondência e toma conhecimento de tudo que ocorrera.

Desesperado e sofrendo demasiadamente, ainda assim Jorge resolve perdoar Luísa. Ela, no entanto, piora muito ao saber que o marido descobrira tudo o que fizera de errado, e vem a falecer. A reação de Basílio, ao saber da morte dela, é de pesar, por ter perdido sua diversão em Lisboa. Destaca-se, ainda, na obra, a figura do Conselheiro Acácio, amigo do casal, caricatura repleta de formalismo e hipocrisia.

A obra, um dos clássicos da literatura, é de Eça de Queirós.
_____

E, portanto, o louvor vai em exclusivo para a Teresa Diniz que adivinhou. Parabéns!


------

Desejo-vos, meus Caros Leitores, um bom sábado.

...

sexta-feira, fevereiro 19, 2016

É assim tão difícil...? Ainda ninguém adivinhou... Vou dar mais umas pistas. Vá lá.


Vá lá. Pense, recorde-se. Ele é bem conhecido. Na continuação do que ontem já escrevi, acrescento agora:

Quando (supostamente) apaixonado, escreve mensagens matinais como: "Que outros desejem a fortuna, a glória, as honras, eu desejo-te a ti. Só a ti, minha pomba, porque tu és o único laço que me prende à vida, e se amanhã perdesse o teu amor, juro-te que punha um termo, com uma boa bala, a esta existência inútil".

E faz promessas ardentes e enlouquecidas de paixão como: "Quando estou ao pé de ti sinto-me tão feliz; parece-me tudo tão bom... Queres que fujamos? Foge comigo, vem, levo-te! Vamos para o fim do mundo".

À medida que a relação progride e um certo grau de intimidade é estabelecido, ele passa a criticar paulatinamente o objecto de sua "paixão": "não use esse tipo de sapato", "aprenda a tocar tal música no piano", "fale baixo", "não acredito que nunca leu esse livro?!", “você é infantil”, “solte esse cabelo”.

E quando a dama finalmente se entrega, aceita os seus apelos e faz as malas para viver com ele, ele fica irritadiço, diz que as coisas não podem ser feitas de modo tão precipitado; diz que está a trabalhar demais e que em breve terá que viajar para o exterior a negócios, e... desaparece.

Não, cara amiga leitora, ele não é o canalha que partiu o seu coração. 


Este é outro. E você, caro Leitor, conhece-o.

Um tipo de homem a evitar
Com certeza V. já se deparou com um homem que achou que era a última coca-cola do deserto. Só que não.


No post a seguir a este lembrei coisas cá minhas, relatei como se portam os executivos cheios de nove horas quando se desinibem, mostrei o efeito da ausência de gravidade e mais umas quantas cenas.

Mas isso é lá mais para baixo e quem quiser já saltar para lá pois que não faça cerimónia.

Agora, aqui, vou falar de uma certa pessoa, alguém muito conhecido, um que se acha um charmoso e que pensa que arrasta atrás de si uma corte de seguidores (e seguidoras).

Passo, então, a descrevê-lo. Vou usar a imagem do Pierce Brosnan e faço-o apenas porque gosto de enfeitar os textos -- uma coisa certamente a atirar para o piroso, assim como pôr naperons em cima da mesa ou dos móveis (coisa que apenas uso na escrita, não em casa).

Mas não se deixem influenciar.

Aceitam-se apostas: sobre quem é que aqui abaixo se fala? Será que, quem é, me está a ler?

O que posso dizer é que alguém muito conhecido, todos conhecem ou, se não conhecem, já ouviram falar dele.





Ele é bonito, viajado, fala várias línguas, veste-se bem e é extremamente educado - segura sempre a porta para as mulheres passarem, puxa a cadeira, abre a porta do carro. 

Entende de vinhos, música erudita, literatura, teatro.

Não sei se é rico, mas sei que tem uma vida económica estável e cercada de pequenos luxos.

O seu humor é irónico, ácido. É incapaz de cometer uma indelicadeza com quem quer que seja; porém, é mordaz com quem possui intimidade - criticando roupas e o modo de andar e de falar dos que julga menos polidos do que ele.

Gosta de presentear e gosta de partilhar o seu conhecimento: "leia o livro x", "escute a música y", "vá ao teatro z".

No fundo, percebe-se que detesta o seu país. Por conhecer outros países, acredita que os seus conterrâneos são atrasados, mal educados, mal vestidos e incautos - sempre que pode, numa reunião entre amigos, desmerece a cultura do seu país com frases do tipo "aqui os actores representam tão mal".

E por ostentar uma altivez tamanha e sugerir (ainda que tacitamente) que possui algo que os demais não possuem, é extremamente sedutor - afinal a paixão é a crença de que o outro tem o que nos falta.

Trata-se de um hedonista que vivencia plenamente os prazeres que a vida pode proporcionar - do luxo e do requinte de uma boa mesa a uma cama com lençóis de seda e uma bela mulher sobre ela.

Ostenta a melancolia chique dos que fingem que por saberem que nada sabem não passam de reles miseráveis.


_____________________


Mais logo já desvendo o mistério e até trarei aqui algumas das suas próprias palavras mas, dado que sei que sou lida por gente de inteligência superior, estou certa que, neste momento, já adivinharam -- tanto mais que eu, boazinha como sou, já dei uma ajuda com o título. Só acrescento que não devem ser feitas leituras precipitadas.

_______

E agora aceitem o meu convite e deslizem por aí abaixo para sentirem o efeito da ausência de gravidade. 

_____

sábado, agosto 29, 2015

De que fogem estas hordas de imigrantes, de refugiados, de invasores esfaimados e aflitos que um dia poderemos ter à nossa porta?


Há dias em que tenho uma em mente mas que me custa tanto que faço de tudo para a evitar. Sei que não conseguirei o tom adequado, sei que posso parecer fútil, leviana, sei que há coisas para as quais não há palavras. Por isso, este é o quarto post de hoje e já andei pelo sex-appeal, pelo humor, pela poesia, pelo amor - tudo para resolver se fujo ao assunto ou se tento abordá-lo. E aqui estou a hesitar. Não sei como mostrar o que penso sem correr o risco de, emocionada que estou, me mostrar lamechas; também não quero parecer panfletária. Ou vulgar.

E, no entanto, já falei algumas vezes disto. Vou falando. Mas acho que me fico sempre pela rama.

Centenas de milhares de pessoas de todas as idades, condições sociais e raças e de ambos os sexos têm vindo a deixar as suas casas e, correndo todos os riscos e sofrendo todos os horrores possíveis e imaginários, põem-se a caminho, morrendo, deixando familiares mortos para trás, em busca de um mundo em que possam viver com dignidade e esperança. Para isso, entregando todas as suas economias e pertences, colocam-se nas mãos de contrabandistas e bandidos e, procurando a Europa - que julgam ser um bom destino - metem-se dentro de barcos ou camiões onde muitos nem respirar podem, ou põem-se a caminho, crianças e velhos ao colo. Imagens que não parecem deste mundo chegam-nos a casa dia após dia, uma sucessão infindável de horrores. O sofrimento daquela gente parece não ter fim. Todos os dias mais dezenas ou centenas de mortos. Afogados, asfixiados. E as estradas cheias, cheias de gente. E comboios pejados de gente assustada, suja, exausta. E acampamentos a deitar por fora. E muros que se erguem. E arame farpado que dilacera os corpos e as almas. 

Andou a civilização a fazer-se, o mundo a desenvolver-se, a ciência e a tecnologia a superarem-se para que tantas centenas de milhares de pessoas passem por isto, como animais fugindo do fogo, como cães esfomeados percorrendo as ruas.

A cambada que ajudou a desestabilizar os países de onde esta gente foge não é agora capaz de ir para lá garantir um mínimo de ordem de modo a que as pessoas não tenham que fugir espavoridas, deixando as raízes para trás, correndo riscos de vida, pondo a vida dos filhos em risco. Ficam-se pelas palavras balofas e de circunstância. Quando foi para decidir ou apoiar as guerras ou os movimentos que provocaram isto, souberam tomar decisões. Agora que o inferno está lá instalado, lavam as mãos e entretêm o mundo com pífias considerações. Um asco de gente.

Não é com conversa que alguma coisa se fará: é indo para lá. Já lá deveriam estar tropas, Capacetes Azuis, não sei - gente que ajude a pôr cobro ao desatino e à crueldade sem rei nem roque que por lá impera.

Não sou capaz de dizer mais que isto porque me faltam as palavras e porque o peito se me enche de angústia. Vou, pois, ficar-me apenas pelas imagens.


De que foge esta gente?



Un drama con rostro

En la imagen, una mujer mira cómo la policía bloquea a un grupo de refugiados que hacen la ruta Macedonia-Grecia. El primero de estos países declaró el Estado de Emergencia el 20 de agosto, abrumado por el número de inmigrantes que llegaban a su país, y movilizó a su Ejército para que vigilara la frontera.


(ROBERT ATANASOVSKI (AFP))


Jugarse la vida

En la imagen, un inmigrante escondido debajo de un tren intenta colarse en él para dirigirse a Serbia, en la estación de Gevgelija (Macedonia). En los últimos días, más de 120 cadáveres de inmigrantes han sido descubiertos en vehículos que se dirigían a Europa y en los que los refugiados viajaban escondidos.


(BORIS GRDANOSKI (AP))


Miles de niños entre los refugiados

Inmigrantes sirios duermen en un parque de Belgrado, Serbia. Son más de 10.000 los refugiados que han cruzado con sus bebés y niños pequeños la frontera de Serbia en los últimos días.


(MARKO DROBNJAKOVIC (AP))

Estado de emergencia

La policía macedonia trata de bloquear a los inmigrantes que intentan entrar en su país. Alrededor de 39.000 personas, la mayoría de origen sirio, han sido registradas a su paso por Macedonia en el último mes. La cantidad abrumó al Gobierno macedonio, que declaró el Estado de emergencia.


(VLATKO PERKOVSKI (AP))


El miedo como compañero de viaje

Reacción de un inmigrante que sostiene a un niño mientras es detenido por las autoridades de Macedonia. Alemania espera este año la llegada de 800.000 refugiados a Europa, “el mayor reto al que se enfrenta nuestro país desde la unificación”, advirtió Sigmar Gabriel, líder socialdemócrata, partido en coalición con los conservadores de Ángela Merkel.


(DARKO VOJINOVIC (AP))


Un hogar en cualquier lugar

Rashina viene de Kobani, Siria. Tiene cuatro años y ha bajado por medio mundo para llegar hasta Europa. En la imagen, descansa en una cama improvisada mientras espera un tren en la frontera macedonia que les lleve a otros puntos de Europa en busca de un lugar donde establecerse.


(OGNEN TEOFILOVSKI (REUTERS))



Fogem de situações como estas, na Síria 




Uma criança síria (Hudea, 4 anos) teria levantado as mãos ao confundir uma câmara fotográfica com uma arma.

(Foto: Osman Sargili)


Homem sírio chora enquanto segura o corpo de seu filho perto de Dar El Shifa hospital em Aleppo , Síria. O menino foi morto pelo exército sírio.

(Foto: Manu Brabo)


Uma mulher ferida, ainda em choque, deixa o hospital Dar El Shifa em Aleppo, Síria em 20 de setembro de 2012, após um bombardeio da artilharia das forças do governo sírio na cidade, no norte da Síria.

(Foto: Manu Brabo)


Uma mulher chamada Aida chora enquanto se recupera de ferimentos graves após o exército sírio bombardear sua casa em Idlib, norte da Síria em 10 de março de 2012. O marido de Aida e seus dois filhos foram mortos no ataque.

(Foto: Rodrigo Abd)


Um menino chamado Ahmed lamenta a morte do pai (Abdulaziz Abu Ahmed Khrer, que foi morto por um atirador de elite do exército sírio) durante seu funeral em Ibid, norte da Síria.

(Foto: Rodrigo Abd)
.....

A favor da Síria, pela mão atenta e amorosa de Banksy


[Graffiti artist Banksy has reworked his Young Girl piece for the With Syria campaign, to mark three years since the crisis began. The campaign is a coalition of 115 humanitarian and human rights groups from 24 countries, including Save the Children, Oxfam and Amnesty International. According to the coalition their aim is to ensure this is the last anniversary of the Syrian crisis. At the Zaatari camp in Jordan 100 young refugees lit candle and released red balloons, inspired by Banksy to carry messages of hope to Syrians. Report by Genelle Aldred.]

...

Obtive as primeiras fotografias, as que têm legenda em espanhol, no El País.
Obtive as últimas fotografias, da Síria, na Obvious

....

Por indicação do Leitor ECD em comentário aqui abaixo fui ler e, de tal forma, me revejo no que ali está escrito que me permito transcrever o artigo quase na íntegra.

Os campos, novamente


ANTÓNIO GUERREIRO in Público


Os campos, sob a forma de centros e lugares de retenção, voltaram à Europa e disseminaram-se por toda a fronteira do Sul da União Europeia. São espaços geridos pela polícia, subtraídos à ordem jurídica normal, que funcionam como diques para reter o enorme caudal dos “fluxos migratórios”. A situação está fora de controlo e assemelha-se àquela “explosão” que se deu no coração do continente europeu entre as duas guerras mundiais, assim descrita por Hannah Arendt em O Imperialismo, num capítulo em que a filósofa analisa o declínio do Estado-nação e o fim dos direitos do homem: “[As guerras civis] desencadearam a emigração de grupos que, menos felizes do que os seus predecessores das guerras de religião, não foram acolhidos em nenhum sítio. Tendo fugido da sua pátria, viram-se sem pátria; tendo abandonado o seu Estado, tornaram-se apátridas; tendo sido privados dos direitos que a sua humanidade lhes conferia, ficaram desprovidos de direitos”. E num artigo de 1943, We Refugees, escrito para um jornal judeu de língua inglesa, Arendt terminava em tom de exaltação, como se tivesse acabado de identificar um novo sujeito da história: “Os refugiados representam a vanguarda dos seus povos”. Mas o refugiado que Arendt definiu a partir do modelo do apátrida — produto de uma dissociação entre as fronteiras administrativas do Estado e a realidade política dos homens — implicava, como o nome indica, a ideia de refúgio, tanto geográfico como jurídico: os refugiados judeus que, no início da Segunda Guerra Mundial, conseguiram embarcar para a América tinham um destino que os orientava à partida e contavam com a vontade política de uma protecção. Os actuais “migrantes” que se lançam ao mar para alcançarem o território europeu são, pura e simplesmente, “deslocados”, fogem da guerra e da miséria, na esperança de conseguirem encontrar um lugar, uma direcção, um sentido. Verdadeiros refugiados na Europa, no sentido jurídico da Convenção de Genebra de 1951, são uma ínfima parte deste fluxo de forçados migrantes que, mal entram em território europeu, são ainda menos do que párias: são uma massa incontrolada de indesejáveis estrangeiros, assaltantes contra os quais a fortaleza europeia não consegue erguer muros eficazes nem fazer valer as suas armas de dissuasão. À nossa frente, está a passar-se algo que não queremos olhar: o regresso a formas de brutalização e barbárie, a instauração de espaços anómicos onde, novamente, “tudo é possível”. Sem conseguirmos vislumbrar soluções para o problema, desistimos também de uma vigilância capaz de nos lançar este alerta: os campos que regressaram à Europa, em grande número e por todo o lado, muito embora não sejam regidos pelo regime de excepção que presidiu à tanatopolítica — à política da morte — dos regimes totalitários, não nos dão garantias de que nenhum descarrilamento terá lugar e nenhuma inclinação criminosa latente poderá seguir o seu curso. Não podemos hoje ignorar que há uma lógica terrível imanente ao campo como figura: ele acaba por desenvolver uma zona cinzenta onde todas as situações-limite, à margem de todos os direitos, se tornam possíveis.  (...)

....



........

Permitam que vos informe que a seguir há mais três posts, leves, levezinhos
(uma tentativa de aliviar a consciência)

.....

Desejo-vos, meus Caros Leitores, um bom sábado.

..

quinta-feira, junho 04, 2015

A desconstrução do amor. O único lugar onde se concorda com tudo é o lugar comum.


Eu conto. Estive a trabalhar até tarde. Dali fui para casa da minha filha até ser hora dos miúdos se irem deitar. O pai está fora esta noite e nós fomos dar um apoio logístico. Enquanto lá, o mais pequeno, o chamado ex-bebé fez um desenho de uma coisa oval com várias reviravoltas às cores lá dentro. Perguntei o que era e ele respondeu como se fosse uma coisa óbvia: 'um cerbo'. Não percebi. O mano velho esclareceu: 'um cérebro'. Olhei de novo e sim senhor, era um cérebro. Um cérebro especial mas, enfim, vivam os cérebros especiais.

Passado um bocado apareceu com outra folha. Esta tinha coisas soltas, às cores, ao longo do papel, quase como se fossem asas coloridas ou penas esvoaçantes e disse: 'E este é o cerbo da Tá'. E todos disseram: '... e está certo'. Eu própria achei que sim, que este é bem capaz de ser o retrato do meu cérebro.

Portanto, com isto, cheguei a casa bastante tarde. No carro ouvimos a notícia do Jorge Jesus que desmoralizou o meu marido e me deixou perturbada. Por isso, já escrevi o post abaixo.

E agora, não querendo acabar a minha jornada com os cabelos do Jorge Jesus nos dedos, e à falta de melhor (porque, obviamente, não vou falar do outro que virou mulher e que, pela importância que lhe dedicam, mais parece um Cristo que tenha descido de novo à terra; muito menos vou falar de uma porquinha que foi vista toda derretida a bater palminhas a um láparo mal encarado) vou dedicar-me a temas mais intemporais: o amor, por exemplo. O amor pelas pessoas erradas. Ou que achamos que são erradas. E, também, a ser-se politicamente correcto, bem comportados, amorfos, abúlicos, bem dentro do lugar comum.

Poderia pôr-me para aqui a dissertar mas, tendo eu um cerbo como, pelos vistos, toda a gente acha que tenho -- as ideias esvoaçando à solta fora da cabeça -- vou antes dar a palavra a outros.







A desconstrução do amor


Imagine que loucura seria se fôssemos capazes de nos apaixonar pelos horríveis defeitos do outro. 


É... Sabe aquelas coisas que elegemos para nossa lista do “insuportável”? Então... Neste caso seria necessário que alguém tivesse a ousada ideia de organizar um espaço, uma página, um aplicativo, sei lá... Um jeito desses aí pra se encontrar a suposta cara metade. Só que em vez de usarmos como critério tudo que queremos do ideal parceiro, escolheríamos o improvável. E, seríamos escolhidos de forma igualmente inédita. Quem sabe, assim, assassinando a idealização do outro, não nos descobríssemos menos engessados, menos pedantes e mais possíveis de amar o outro apesar de suas imperfeições e não pelo que sonhamos que ele seja.

Nossa configuração emocional é um mosaico desconexo de inúmeras experiências que vamos colhendo ao longo da nossa existência. (...) 

Eu quero a permissão de sonhar com um mundo menos organizado, menos regrado, mais vivo e mais possível. Eu quero ter o direito de acreditar que um dia seremos menos hipócritas e mais felizes com nossas imperfeições. Eu quero ser capaz de mandar todas as idiotas convenções bem lá “praquele lugar”. Eu quero ser mais parecida com o que eu de verdade deveria ser se não tivesse passado tanto tempo tentando agradar.

Então, haveria essa maravilhosa possibilidade de nos apresentarmos despidos das embalagens. Finalmente poderíamos nos apaixonar pela pessoa errada e, no fim, descobrir que o errado dela fica tão bom perto do errado nosso. Haveria então, relações menos padronizadas, roteiros elaborados e rituais pré-estabelecidos. Olharíamos para o outro com a benevolência que somos capazes de olhar pra nós mesmos e nos enxergaríamos nos olhos daqueles que nos vêem, prontos para nos assustar com a nossa verdadeira cara. Despertos de um sono demorado e cheio de utopias, descobriríamos que ao sermos capazes de amar o lado meio desastrado do outro nos libertamos da impossível tarefa de sermos impecáveis.


[Artigo completo, da autoria de Ana Macarini na Obvious]
....




O único lugar onde se concorda com tudo é o lugar comum. Discorde!


Não, você não precisa concordar com tudo o tempo todo só para não se indispor com seja lá quem for. Também não precisa gostar do que todo mundo gosta só para não estar só. Nada disso. Entre outras coisas, liberdade serve para isso mesmo. Para discordarmos de quem quisermos, quando desejarmos. Discordemos, pois!

(...) É raro, mas ainda que você tenha um milhão de amigos, mesmo que encontre um número imenso de pessoas pela vida, mil, dez mil, cem milhões, ainda que conte com um batalhão de afetos, admiradores, discípulos, funcionários e afins, acredite: você não precisa agradar a todos eles a toda hora. Não pode concordar com eles sempre, de qualquer jeito, e nem deve roubar-lhes a liberdade de discordar de você quando quiserem. Então, por caridade, fuja da obrigação de contentar a qualquer custo quem estiver perto.

Aliás, será mesmo que “amigo” é aquele a quem não se pode desagradar jamais? Será de fato que os nossos melhores amigos são aqueles de quem discordamos nunca? Se lhe resta alguma esperança mínima de acreditar que sim, desista. Não vai dar. Quem acha possível encantar de qualquer jeito a Deus e ao mundo perde tempo, dinheiro, amor próprio, respeito, saúde. E há de se frustrar para sempre. Discordar é preciso de quando em vez.

Você sabe. Os impecáveis de plantão adoram pontificar sobre a verdade das coisas e a fórmula da perfeição. Estão sempre aí, feito emas pescoçudas, escondidas na moita, à espreita, esperando para disparar suas normas de conduta. (...)

Você respira mais alto e pronto. Um monstro pavoroso lhe salta à frente e lhe cospe na cara uma certeza pegajosa. É aí que começa o trabalho pesado. Você vai ter de decidir entre concordar e discordar. Se consentir, abana a cabeça em silêncio para evitar a discussão e se junta à manada. Agora, se resolver discordar, prepare-se. Você vai assumir a forma de um bicho odioso, um ser “do contra”, um “antipático”, “metido a besta” e outros elogios. (...)

Para quem está disposto a pagar o preço, dizer o que pensa e sobreviver ao ataque, a vitória é doce. É o gosto bom de discordar ou concordar quando quiser e seguir adiante, enquanto observa de longe a matilha dos génios a postos, uniformizados, paralisados no tempo e no espaço à espera de novos alvos(...)


[Artigo completo, da autoria de André J. Gomes, na  Revista Bula.]



----

As fotografias mostram árvores antigas iluminadas pelo céu estrelado e são da autoria de Beth Moon; Melody Gardot  interpreta Your Heart Is as Black as Night

----

Se descerem, darão de caras com o novo treinador do Sporting, o fantabulástico Jorge Jesus. 
(Jesus...)

----

Desejo-vos, meus Caros Leitores, uma bela quinta-feira. 
Com muito amor, se possível.

..

segunda-feira, fevereiro 03, 2014

As cidades e o desejo


No post a seguir a este mostro as fotografias do casamento religioso de Andrea, o belo filho de Carolina de Mónaco, com a rica Tatiana Santo Domingo. Glamour, romantismo, magia e belas toilettes - a principesca família monegasca (quase toda) num dia de neve, rosas brancas e centenas de velas. A não perder.

Mas isso é mais abaixo. Aqui, agora, a conversa é outra.

*



*



Dali, ao cabo de seis dias e sete noites, o homem chega a Zobaida, cidade branca, bem exposta à lua, com ruas que se viram sobre si próprias como num cotovelo.

Conta-se isto da sua fundação: homens de nações diferentes tiveram um sonho igual, viram uma mulher correr de noite por uma cidade desconhecida, por trás, de cabelos compridos, e estava nua. Sonharam que a seguiam. Ora um ora outro, todos a perderam. Depois do sonho andaram à procura dessa cidade; não a descobriram mas encontraram-se uns aos outros; decidiram construir uma cidade como a do sonho.





Na disposição das ruas cada um refez o percurso da sua perseguição; no ponto em que tinha perdido o rasto da fugitiva ordenou diferentemente do sonho os espaços e as paredes de modo a que ela já não lhe pudesse fugir.

Esta passou a ser a cidade de Zobaida em que se estabeleceram à espera de que uma noite se repetisse aquela cena. Nenhum deles, nem em sonhos nem acordado, voltou a ver essa mulher.


As ruas da cidade eram as mesmas em que eles iam para o trabalho todos os dias, já sem nenhuma relação com a perseguição sonhada. Que de resto já tinha sido esquecida há muito tempo.

Chegaram mais homens de outros países, que haviam tido um sonho como o deles, e na cidade de Zobaida reconheciam algo das ruas do sonho, e mudavam de lugar pórticos e escadas para que se parecessem mais com o caminho da mulher perseguida e para que no ponto em que desaparecera já não tivesse saída.




















Os primeiros chegados não compreendiam o que atraía esta gente a Zobaida, a esta feia cidade, a esta ratoeira.


*

  • O texto é As cidades e o desejo - 5  de Italo Calvino in 'As Cidades Invisíveis'
  • A música é The Beatitudes de Vladimir Martynov interpretado por Sirin Ensemble.

  • As fotografias são fantásticas vistas aéreas respectivamente de Paris, Barcelona, Nova Iorque (com o Central Park no centro - passe a redundância) e Berna e não sei quem as fez mas eu obtive-as no Obvious. Todas as cidades começaram um dia e começaram com motivações individuais, pequenos sonhos, fantasias, desejo de uma qualquer coisa.



*

Relembro: para verem fotografias do casório principesco de um dos mais belos rapazes de famílias reais é descerem até o próximo post.

*

Muito gostaria ainda de vos convidar a irem de visita ao meu outro blogue, o Ginjal e Lisboa. Hoje tenho a poesia de A. M. Pires Cabral e uma certa Balada Astral de Miguel Araújo que aqui é acompanhado por Inês Viterbo.

*

E, por agora, por aqui me fico. 
Desejo-vos, meus Caros Leitores, uma bela semana a começar já por esta segunda feira.