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quarta-feira, novembro 13, 2013

E ali? No cantinho do muro? - Não. De pé não quero . . . . . . . . . . . . . . . . . [A química entre nós, aquela atracção quase magnética.]




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- E ali? No cantinho do muro?
- Não. De pé não quero.
Meio selvagem. Entre suspiros breves, gemidos fundos. Quase não fala - até hoje.
- Rapidinho, não quero. Seja uma vez só. Mas com tempo. Não de pé. Contra o muro.
(...)
- Quero te ver. Mais uma vez. Sei que dá em nada. Com vocês, homens. Faz o que quer. Depois nunca mais.
- Aí que se engana. Não eu.
- Te vejo sempre com outras. Sou novidade. Depois sem interesse. Só mais uma. Isso não me serve.
- Só depende de você. Mais que de mim.
- Agora eu vou.
Mil beijos loucos. As mãos duras por ali viajando.
- Te vejo de novo, baixinha.
- Qualquer dia. Qualquer hora. Sei lá.
- Estou sempre por aí.

[1]

Vê a ninfa
sair do bosque

Identidade intacta
como tem a rosa

O ruído e as palavras
tropeçam-lhe na língua

e no seu corpo desliza
o insaciável desejo

[2]



E no meio de tudo isso o amor em que explodíamos, um dentro do outro, na nossa cama de todos os dias e nas camas casuais de outros lugares.

A química entre nós, aquela atracção quase magnética.

Tínhamos modos de ser, sentir e pensar, estimulantes e compatíveis e, como pensei muitas vezes, também mentalmente éramos amantes.

Mas não posso negar que o corpo tinha uma sabedoria só dele e a cama era o lugar número um do mundo. Todos os amantes sabem disso.

Éramos felizes, achávamos, sem palavras. Queríamos continuar assim.

[3]


Pousa a mão
no chifre do Unicórnio

Descendo
os dedos em torno

Como 
se fosse...

A boca
do poço

A boca da face
A boca do corpo
[4]



Dois dias depois (...) vi-me frente a frente com o meu belo anjo.

Estava vestida de freira.

Como a nossa ternura recíproca nos fazia sentir igualmente culpados, imediatamente nos pusemos de joelhos um diante do outro. (...)

Como os perdões que tínhamos que pedir um ao outro não podiam explicar-se por palavras, consistiram apenas num dilúvio de beijos num sentido e no outro, cuja força sentíamos nas nossas almas apaixonadas, encantadas nesses momentos por não precisarem de linguagem diversa para explicar os seus desejos e a alegria que as inundava.

[5]




Seduziste-me
Senhora
e eu deixei-me seduzir

de bom grado

No sigilo de vosso
colo
na devassa de vosso espelho


[6]




Bom, afinal estávamos a ter um romance.

Não se tem destas conversas se não se está a ter um romance.

(Eu pelo menos pensei isso, não sei o que pensaram vocês).

E essa era mais uma razão para eu ficar triste. Com o romance vinham os equívocos. Os equívocos geralmente vinham antes do romance, quando nem sequer havia romance nenhum nem estava para haver, mas isso não impedia que houvesse equívocos associados ao romance.

Havia-os de certeza.

Foda-se.

[7]


^^^^^^^^^^^^^^

1 - Excerto de A Polaquinha de Dalton Trevisan
3 - Excerto de A Cidade de Ulisses de Teolinda Gersão
5 - Excerto de História da Minha Vida de Giacomo Casanova
7 - Excerto de Os Idiotas de Rui Ângelo Araújo

2, 4, 6 - Poemas de A Dama e o Unicórnio de Maria Teresa Horta


As fotografias foram obtidas na internet e não consegui detectar a sua proveniência original.

O vídeo mostra Elis Regina interpretando Me deixas louca


^^^^^^^^^^^^^^^


A propósito: sobre a baixa de natalidade e o quão preocupante isso é, desçam por favor até ao post abaixo. 

(Espero que o post que acabaram de ler ajude, de alguma forma, a resolver o problema de que abaixo falo)

***


Desejo-vos, meus Caros Leitores, uma boa quarta feira!

terça-feira, outubro 01, 2013

'Os Idiotas' de Rui Ângelo Araújo juntam-se a 'O Anão' de Pär Lagerkvist - 'Solte os Cachorros', diz Adélia Prado e eu peço a Claudia Galhós para trazer Pina Bausch porque me apetece ter aqui a vida em forma de dança. Mas, primeiro, vamos até 'Sob o Signo de Amadeo' no CAM não sem antes assistirmos a uma sessão fotográfica de um casamento extraordinário nos Jardins da Gulbenkian. O curto comentário sobre o PS de António José Seguro é, aqui, apenas um breve aparte.


No post a seguir a este transcrevo dois textos enviados por Leitores de Um Jeito Manso. O primeiro refere-se a um muito esclarecedor artigo de José Vítor Malheiros e o outro é um conjunto de citações de Natália Correia nas quais ela antevia algumas das desgraças que estavam para se abater sobre este mal estimado País.

Mas isso é mais abaixo. Agora, aqui, a conversa é outra.

*

De um verão tardio, quente e doce, das folhas que mal chegaram a amadurecer, que não chegámos a ver cheias do sangue suave que vem do lugar mais secreto da terra, eis que passamos directamente para a macieza da neblina, da chuva branca, constante, branda. 

A terra que estava quente deixa agora sair os seus odores mais íntimos. A natureza recolhe-se, envolta em seda húmida e nós recolhemo-nos com ela. A nossa casa é, assim, o ninho, o ventre, o aconchego.

Desde ontem que uma chuvinha quase imperceptível cai sem parar.  Lisboa hoje esteve britânica. Não sei se é nevoeiro, se somos nós no meio das nuvens. Também não sei se os vendedores de castanhas já chegaram ao Chiado. Dias assim combinam bem com um leve perfume a coisas queimadas, a braseiros, a lareiras.

Adiante.

Hoje deveria fazer o rescaldo das eleições, agora que os resultados são conhecidos e que já houve tempo para meditar sobre o sucedido. Mas eu sou pessoa de primeiras impressões. Já disse ontem, a quente, o que me parecia e agora já não me apetece chover no molhado.

De qualquer maneira um comentário deixado no texto sobre as eleições deixou-me a pensar. Foi esse comentário (do Leitor jar) e foi a crónica diária de Fernando Alves. Talvez eu esteja a ser injusta para com o António José Seguro. A resiliência de que tem dado mostras abona a seu favor. No entanto, acho-o excessivamente cauteloso, talvez calculista, e sem rasgo, sem aquela determinação quase predadora, aliada à intuição, a que vulgarmente se dá o nome de killing instinct e que me parece imprescindível para abrir caminho neste mar pejado de alforrecas. Mas talvez seja porque não o conheço bem, talvez seja porque pendo mais para quem tem ar de ser capaz de ser mal comportado (e ele tem ar de não partir um prato). É também certo que António Costa tem vacilado quando toda a gente esperaria que avançasse e não é menos verdade que, apesar de tudo, sempre tem tido o respaldo das lideranças do partido. Seja. Vou tentar ser mais open-minded e aguardar com alguma paciência que o Tozé me surpreenda. Tomara.

Mas agora vou falar de outra coisa, uma de que muito gosto de falar: livros.

No entanto, vamos por partes.


Este domingo, entre visitas familiares, eleições, caminhadas, culinárias e outros afazeres e prazeres, fui ver a exposição alusiva a Amadeo Souza-Cardoso que está no Centro de Arte Moderna da Gulbenkian, Sob o Signo de Amadeo, Um Século de Arte



Almoçámos lá, é claro, o self do CAM é um clássico nos meus domingos. E não escaparam os célebres peixinhos da horta, a bola panada de esparregado e outros acepipes, bem como o inevitável cup de fruta e as maravilhosas sobremesas. Claro que, com os pimentinhas a armarem confusão, o almoço nunca é tranquilo mas, enfim, os benefícios da tranquilidade são relativos quando se pode optar pelos risos, pelas brincadeiras, pelas conversas descontraídas.

Naturalmente que tivemos também o habitual número dos patos e as corridas pelos caminhos no meio dos bosques, à beira dos lagos ou entre as pedras, esconderijos, canaviais e todos esses atractivos que fazem a delícia de pessoas de todas as gerações. Entre a chuva miudinha lá andámos como se estivesse um dia de sol.

Este domingo, contudo, os jardins da Gulbenkian tinham um atractivo suplementar.

Um casamento em peso deslocou-se até lá, presumo que para a realização da sessão fotográfica.

A particularidade era que se tratava de um casamento negro com umas toilettes do mais vistoso e colorido que se pode imaginar.

Os sapatos delas, então, eram qualquer coisa de extraordinário.

Alguns pejados de brilhantes, todos com saltos de meio metro de altura.

Por ali cirandavam, decotadas, engalanadas, e encavalitadas em cima daquelas obras de arte, com os pés ora se enterrando na terra húmida ora tendo que ter mil cuidados para não ficarem com os saltos presos nas pedras da calçada.

Andavam sorridentes, fotografando-se umas às outras, uma animação que dava gosto.

Nem reparavam nos turistas nem nos habituais frequentadores da Gulbenkian, era como se aquele fosse apenas um jardim quase privado onde se tinham reunido para fazer uma magnífica sessão fotográfica.

Tive vontade de lhes pedir que me autorizassem a fazer a minha própria reportagem fotográfica, tão espantada e deliciada eu estava com tudo aquilo.

Mas, como sempre, não me permitiram, fui arrastada para longe do cenário.


Mas, voltando ao Amadeu. O Centro está como que em festa. Um prazer andar por lá.

Por todo o lado há ‘cenas’.

Logo no grande átrio de entrada há cadeiras em cima de uma carpete, estantes, coisas assim. Olhámos à volta não fosse aquilo ser uma instalação. Temos esta coisa com a arte contemporânea: o nosso olho ainda não está suficientemente educado. Mas não nos pareceu.

Mal os pimentinhas se puseram em campo, a primeira coisa que fizeram foi dirigir-se cada um a sua cadeira, como se prontos para assistir a um qualquer espectáculo.

Ainda mal eles estavam a trepar, já uma funcionária vinha a correr, que não, que não, que aquilo era uma instalação. Olhámos em volta tentando perceber. Depois lá descobri uma descrição numa parede.

Podem ver aqui já com público e talvez sejam mais espertos que eu e percebam exactamente de que se trata.

Não vou aqui falar de tudo, apenas dizer que o espaço de exposições do Centro é luminoso, amplo, parece ligado aos jardins,  e qualquer obra parece valorizar-se ainda mais quando ali exposta.

Quem o conheça, concorda certamente comigo. Quem o não conheça e tenha oportunidade, não deixe de o vir conhecer. É magnífico.

Enquanto eu fiquei logo presa aos bonecos do José de Guimarães que estavam na entrada, os pimentinhas partiram à descoberta, parando num outro conjunto de cadeiras mais à frente (se tiverem clicado no link mais acima, poderão ver de que estou a falar).

Quando cheguei perto deles, ali andavam de roda, podemos? Não podemos? E já de perna alçada, prontos para se irem aboletar - e todos a travá-los, que não, que não, é uma obra de arte, então não ouviram o que a senhora disse? 

Mas eis que um outro funcionário se nos dirigiu, que sim, que se quisessem podiam sentar-se.

Vá lá a gente perceber estes artistas contemporâneos.

Mas é bom que as crianças, desde pequenas, tomem contacto com coisas bizarras, isso abre-lhes a cabeça para aceitarem a diferença.


Mas não era exactamente sobre isto que eu hoje ia escrever.

Hoje era sobre o regresso ao aconchego da casa, ao ninho. Para o ninho para o qual eu transporto laboriosamente aquilo com que me vou abrigar, aquilo de que preciso para me aconchegar e proteger das inclemências. Hoje falo, portanto, de livros.


Para vos mostrar, fiz a minha própria instalação. Sobre uma écharpe em tons saison, antracite, terra e ouro, dispus Os Idiotas de Rui Ângelo Araújo e fi-los acompanhar de outros que lhe fizessem boa companhia.





Ainda não tive tempo de ler Os Idiotas. Folheei apenas. A mancha de escrita na página começou logo por gerar em mim alguns anti-corpos. Gosto de páginas cuja escrita não seja invasiva, que deixe algum espaço para respirarmos. Talvez para poupar no número de folhas, e esse será certamente um argumento muito válido, a escrita invade a página em mancha demasiado compacta e até muito abaixo. Será uma barreira que vou ter que ultrapassar. Ainda por cima, a sinalefa da editora ao lado de cada número de página não acrescenta e, pelo contrário, introduz ruído na página. (Pormenores, claro: sou muito cheia de comichosices, eu sei)


Mas, do que li, em diagonal e salteado (é sempre assim a minha primeira abordagem), pareceu-me apelativo e deixou-me com vontade de ler com vagar.

Transcrevo um excerto (pag.32) apenas para dar o tom:

Devo dizer que o mito de Édipo não é para aqui chamado. Eu não estava a confundir a cidadezinha com o velho e a última coisa que me teria ocorrido seria casar com a minha própria mãe. O rapaz que eu fui queria partir sabendo que deixava para trás também a velha. Era um pack que na época me entusiasmava, três em um. A ela tinha-lhe amor filial, mas era demasiada feia e gorda para despertar em mim outro género de paixões. Não vou ser hipócrita ao ponto de dizer que o amor é cego. Pelo menos o amor carnal não o é, não me lixem. Aliás, não é alheio a essa constatação o visual que fui descuidando com esmero. Houve uma altura em que pretendia foder amiúde; como depois o que queria era que não me fodessem, decidi escolher um estilo adequado e deixá-lo arruinar-se por si mesmo. (Talvez não tenha sido bem uma decisão, mas estão a perceber.)


Porque me parece que seria uma boa companhia para Os Idiotas fui buscar O Anão de Pär Lagerkvist. Eis, pois, um excerto deste livrinho imperdível (pag.19):


O confessor da princesa vem aos sábados de manhã, a uma hora fixa. Há muito tempo que ela está lavada e vestida, tendo passado um bom pedaço em oração diante do crucifixo. Está bem preparada para a confissão.
Não encontra nada para confessar. E não é por hipocrisia nem por ardil; pelo contrário, fala com o coração nas mãos. Mas não faz a menor ideia do que seja pecado. Crê não ter feito nada de mal. Quando muito, acusa-se por se ter impacientado contra a camarista, por esta ter sido desajeitada ao penteá-la. É uma página branca sobre a qual se inclina, sorrindo, o confessor, como sobre uma virgem imaculada.


E, para enquadrar devidamente aqueles dois, chamei a Adélia Prado com o seu ímpar Solte os Cachorros (já aqui a trouxe antes mas, porque me agrada muito, tem direito a encore). Um bocadinho apenas (pag 46):


Um minuto de estrondo à idade reencontrada. As taças para um brinde, porque hoje sou de novo uma mulher de sutiã grená, polindo os dentes sem pressa e desenhando a boca em coração. Basta, nem só eu respondo pela fome do mundo, e vou certificar-me: se ainda me olham duas vezes, se ainda intimido, se pelo que amo ainda faço a face dos homens abrandada e ansiosa. Enquanto dura a trégua, vou guerrear.


E, porque never mind the gap,  não podia faltar Pina Bausch. Vem pela mão de Claudia Galhós (pag 206) e vem dançar para quem goste da vida inteira.


Tão vivas as emoções que se permitiam surgir ardentes em cena, viscerais, violentas, sedutoras, esmagadoras. E tudo isso pareceu ruidoso num mundo amordaçado, silenciado pelo assassínio em massa, pela devastação da vida humana, pelo medo de se exprimir.
As emoções escondiam-se, por entre os lençóis, à noite, para não acordar o vizinho e não denunciar a existência de um coração pulsante. A vida escondia-se muito lá no fundo e, quando a dança acontecia, as pessoas queriam esquecer. Esquecer tudo. Principalmente a vida lá fora. Com Pina Bausch isso não foi mais possível.


Não esqueçamos, pois




Apetecia-me ainda juntar a estima de Valdemar Cruz pelo Poeta Cansado, António Ramos Rosa, mas já não consigo, são duas da manhã e daqui a nada tenho que estar a pé. Por este motivo não vou conseguir reler este texto que me saíu outra vez longo demais pelo que vos peço que relevem trapalhadas, vírgulas voadoras, letras trocadas, coisas do género. Ainda por cima isto hoje está de uma lentidão horrorosa, ou é o computador ou é a internet, não faço ideia, eu escrevo uma coisa e o cursor ainda está lá para trás, depois reescrevo e aparecem-me as coisas escritas duas vezes, depois volto atrás para apagar e nunca mais lá chego. Um desespero.

*

Relembro que, se descerem um pouco mais, poderão ler um artigo imprescindível de José Vítor Malheiros e excertos premonitórios de Natália Correia.

*

Desejo-vos, meus Caros Leitores, uma bela terça feira!