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quinta-feira, março 15, 2018

Esse espaço escuro que se arrisca a ficar vazio





Penso no repugnante striptease espiritual que se dissemina cada vez mais. Aos amantes e ex-amantes ansiosos por exibir na televisão os seus azedumes, rebaixando a cama ao rés-do-chão dos arrufos e coscuvilhices, às mães cujo coração nas mãos ocupa todo o ecrã, às legiões que contam no Facebook a sua intimidade -- tão interessante como a sua roupa íntima -- a pessoas que não conhecem de parte nenhuma e que se tornam ainda mais distantes depois da troca, ou então que difundem obscenamente intimidades alheias roubadas.
Também o coração, escreve Flaubert, tem as suas latrinas, mas não há razão para que devamos espiar estas latrinas através do buraco da fechadura, convidando milhões de outras pessoas a fazer o mesmo, nem para abrir a porta da própria latrina na precisa altura em que se vai evacuar, convidando os outros a observar.
Mas penso também em nós, que escrevemos e que não só publicamos, mas também andamos por aí a pôr o nosso coração talvez não tanto a nu, mas por certo sob os holofotes, lendo em voz alta as nossas páginas, esperando por multidões de ouvintes, contando como e por que razão enchemos de palavras aquelas folhas e que nobres, sofridas ou trangressivas paixões estão por trás dessas folhas impressas. Naturalmente esperamos que seja admirada aquela parte da nossa escuridão que é posta à vista, sem nos apercebermos de que dessa forma, como escreve Borges numa memorável página, nos esvaziamos, deixando que nos levem tudo e esse espaço escuro arrisca-se a ficar vazio.


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Tal como os dois posts abaixo --  Recrutas do destino e Sentir tudo aquilo de que se sente falta -- também o texto acima é um excerto de Instantâneos de Claudio Magris

As fotografias são de Sheila Metzner da série 'Celebridades'

Elvis Costello interpreta Days 

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Recrutas do destino




Da varanda vê-se toda a cidade, as suas luzes no preto vínico da noite, doces linhas curvas de cúpulas e colinas no seio da obscuridade. O small talk, nas mesas postas a rigor para um jantar de grande solenidade, perde-se por entre o barulho dos copos e dos talheres, flui num murmúrio indistinto; as palavras e as vozes são intercambiáveis, de todos e de ninguém, histórias que se passaram com quem está sentado ao lado, mas que poderiam perfeitamente ter acontecido ao conviva da frente, sussurro que se desvanece como um agradável e indiferente buliço.Os jantares de um certo tom são uma representação sagrada, Mistério medieval que põe em cena a anónima insignificância de toda a gente. Qualquer pessoa poderia estar no lugar de uma outra ou ser outra, por trás da máscara do papel social o rosto marcado pelos anos é mais ou menos o mesmo; diante de um cocktail homens e mulheres são todos iguais tal como diante do amor e da morte, recrutas do destino dispostos em fila nos seus uniformes.

 

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Excerto de Instântaneos de Claudio Magris
Arioso de Bach
Fotografias respectivamente de Helmut Newton e de Richard Avedon

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Sentir tudo aquilo de que se sente falta





Um dia de verão, numa ilha de Quarnero, um daqueles dias absolutos cuja beleza marinha dá um sentido de glória mas também um aperto doloroso, porque, tal como já se disse acerca do amor, faz sentir tudo aquilo de que se sente falta.
[Claudio Magris] 
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Excerto de Instântaneos de Claudio Magris
Fotografia de Sheila Metzner
Anu Komsi interpreta Villa-Lobos

segunda-feira, dezembro 16, 2013

Esse grande abandono nos braços da vida


No post a seguir mostro um filmezinho inocente que mete uma toalha pós-banho sobre um corpinho nu e tal e coisa, tudo para os cavalheiros poderem ficar com o astral em cima e, logo abaixo, falo do comentário deste domingo de Sócrates e, escrever esse post, a mim também me levantou o astral.

Mas aqui, agora, a conversa é outra. Aqui fala-se de literatura. E de mar.

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E, por falar em mar, que deslizem os Wild Swans, por favor





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Gosto imenso de literatura, isso é evidente. Como dizia Mark Twain, um grande escritor, 'truth is stranger than fiction', a realidade é muito mais bizarra do que a ficção. A literatura tem um significado mas só se mantiver uma independência total, uma irresponsabilidade total. Um escritor não é um pai de família que tem que ser responsável, é uma pessoa que faz o que quer. 

A literatura tem um significado se nos ajuda a compreender o que são o amor, a vida, a morte, o mar. Não é um fim em si. Não é necessariamente um compromisso, mas sim o sentimento do enorme mistério da criatividade da vida.

A literatura é o domínio onde a fantasia, a irracionalidade, a escrita nocturna, o caos podem, no meu caso, encontrar-se com a racionalidade necessária, a razão, a língua, uma certa ordem, que devemos dar mesmo à desordem e ao caos.


Há talvez três momentos na minha escrita. Por vezes é como uma intuição, uma sugestão que pode ser uma notícia lida no jornal ou uma pequena história portuguesa, ou um rosto, um episódio, qualquer coisa. Então começo a pensar, a deambular sem direcção com isso.

Se o tema começa a tomar forma, então agarro-o e talvez comece a trabalhar, depende do tema. 

Se a ideia, o projecto não morre nesse momento inicial, é como numa relação sentimental, começamos a ver a pessoa, telefonamos um ao outro, encontramo-nos, bebemos um café, por vezes isso continua, outras vezes não. Se a ideia, o projecto, me agarram, pelo menos do ponto de vista subjectivo, então há uma fase selvagem em que escrevo sem atenção especial ao estilo, na qual não sou realmente mestre do que escrevo, é como... É torrencial, é isso. É aí que um livro nasce ou não, não é uma decisão. 


Se sinto que o livro nasceu, espero, espero sempre, e depois começo um controlo, uma correcção muito pedante, muito penosa, muito professoral, muito aborrecida, muito fria. Mas o momento decisivo é antes.

Quando escrevo intervenções ético-políticas, aí são como furores, por vezes escrevo em vinte minutos. Surgem quando tenho o sentimento súbito de defender qualquer coisa, protestar, denunciar. Aí a escrita é muito diferente, premente, é como um ataque, um desafio de boxe. Não há tácticas. É um pouco a linguagem do Evangelho - sim, sim ou não, não - diante de uma injustiça. 


E depois há o mar:

Para mim o mar é outra coisa. é o mar da posição horizontal, não da luta para dominá-lo, mas ao contrário, para se abandonar. É o mar da felicidade. É por isso que o mar está indissoluvelmente ligado ao amor, a Eros. Para mim, era inconcebível o amor sem o mar. O mar está também na história da minha vida das paisagens do amor, isto é, desse grande abandono nos braços da vida. Nado muito mas isso não tem nada a ver com o desporto, não, é realmente abandonar-se em grandes braços amorosos.


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O texto acima, em itálico, é um conjunto de excertos colhidos e transcritos de forma não ordenada da excelente entrevista concedida por Claudio Magris a Ana Sousa Dias e que pode ser lida na Revista LER de Dezembro.


no outro dia aqui tinha dito, meio a brincar, meio a sério, que engalinho com homens que se arrebicam todos: prefiro os homens au naturel (au naturel quais ostras - ostras que, ao contrário dos homens, são geralmente saborosas e afrodisíacas; os homens, pelo contrário, têm que ser bem escolhidos para reunirem as duas características). Se, então, são do tipo capachinho, cabelo pintado, anel de brasão, fio com medalhinha a deixar-se entrever, pulseirinha, alfinete de gravata, camisa de uma cor e colarinho branco ou outras mariquices de mau gosto, tenho muita dificuldade em olhá-los com respeito. 

Por isso, quando vejo o Magris agora de cabelo todo castanho-acaju sem um cabelo branco, sabendo que o homem tem setenta e tal anos, e isto depois de já o ter visto com cabelo de cor parda e franja ridícula, ou cabelo negro asa de corvo, dou um passo atrás e reconsidero o que penso do que ele escreve.

Mas, lendo a entrevista, volto a pensar que é um homem cuja conversa cativa e que a falar deve ser quase tão interessante como a escrever - e dou, de novo, um passo em frente.

Ou seja, vou continuar a lê-lo de gosto (tenho andado a ler os Alfabetos e é uma escrita lúcida e límpida que dá gosto) e o melhor é abstrair-me desta cena do cabelo. Paciência. Ninguém é perfeito.


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As três primeiras fotografias foram feitas este domingo in heaven (e que bem que se estava lá, um cheiro a terra húmida, o musgo a atapetar a terra, as folhas caídas a deixarem no ar um odor orgânico, íntimo, e a lua clara e quase indiscreta escondida atrás das árvores, a noite a chegar-se num azul sumptuoso, tudo tão bom, tão acolhedor, dá-me vontade esconder-me numa gruta nas rochas, ou debaixo das ramadas pesadas e perfumadas dos cedros, alimentar-me de frutos, reduzir-me à minha condição de animal).

A última foi feita no Ginjal, numa manhã especialmente adornada pelo frio e pela luz.

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A canção, que acho muito bonita, é Wild Swans e é interpretada por Bill Ryder-Jones. 


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Relembro: abaixo deste há mais dois posts, um filmezinho à maneira e outro sobre Sócrates e Passos Coelho.

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Muito gostaria ainda de vos convidar a visitarem o meu outro blogue, o Ginjal e Lisboa, onde hoje tenho José Régio dito por Bruno Huca, uma agradável surpresa, e tenho palavras minhas que percorrem os caminhos misteriosos e belos como céus cheios de pequenas estrelas que são, nem mais, os caminhos da minha vida. E tenho uma fotografia de que muito gosto (modéstia à parte).


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E, por agora, por aqui me fico. 
Desejo-vos uma semana muito boa a começar já por esta segunda feira. 
Saúde, bem estar, alegria, afectos - é o que vos desejo

sábado, dezembro 14, 2013

Numa certa casa, se é que me entendem. E, depois disso, compras. E depois arrumações. E mails. E mais não sei o quê. (E continuo sem ter tempo para ler a LER de Dezembro e tentar perceber se o Magris é mesmo sujeito para se pôr a pintar o cabelo]




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Esta minha semana passou sem que eu quase não tivesse dado por ela. Detesto semanas assim, em que quase não há uma pausa, são umas atrás de outras, de um lado para o outro, uma canseira.

Esta sexta feira, por exemplo, levantei-me bem cedo. Quando tenho compromissos, sou pontual como um relógio suíço. Se sou eu a conduzir as reuniões, chego à hora e começo-as, sem minutos de tolerância. Não tenho paciência para estar à espera nem tenho paciência para pessoas que não sabem gerir o seu tempo, impondo atrasos aos outros. Por isso, se tenho alguma reunião à primeira hora do dia, saio de casa com uma segurança de quase o dobro do tempo. Hoje, no entanto, era daqueles dias em que nem um minuto era admissível pelo que saí com cerca de uma hora de antecedência em relação ao tempo que o gps do carro me indicava. Não era eu a conduzir a reunião mas era alguém ainda mais rígido nos horários que eu.

Por isso, saí de casa com uma antecedência correspondente ao triplo do tempo suposto. Para não correr o risco de me atrasar, já tinha na véspera à noite escolhido a toilette. Vesti-me e despi-me nem sei quantas vezes. Parece que não atinava. Vestia-me, ia ter com o meu marido que tem uma falta de paciência para isto que nem vos digo nada, pedia-lhe para se pronunciar e ele, quase sem olhar, dizia, 'Não'. Claro que isso não me serve. 'Não? Não porquê?'. e ele 'Pára. Não tenho paciência para essas perguntas. Despacha-te. Vamos jantar'. Fico indisposta com esta má vontade. Então insisto: 'Preciso de saber o que não está bem para perceber o que hei-de vestir'. Resposta: 'Deixa-me em paz com essas parvoíces e vem jantar'.

Então lá ia eu de volta para o roupeiro, lá escolhia outra toilette e lá se repetia a cena. Até que finalmente me disse 'Pronto, está bem'. Claro que quis confirmar, 'Mas é para eu não te chatear mais ou porque assim estou mesmo bem?'. Resposta: 'Estás bem. Agora vem'.

E pronto, lá organizei as roupas para, no dia seguinte, ser só enfiar, sem hesitações. Preto em predominância mas, na blusa, um estampado largo em encarnado profundo, por cima um blusão de seda forrado e quentinho em xadrez encarnado e preto, dois colares bem compridos, um preto, outro encarnado, brincos encarnados. Assim fui eu. O dress code referia casual.

Mas, estando eu a sair de casa, toda preparada e perfumada (com Chance - Chanel, claro), tive logo o meu primeiro sobressalto: estava nevoeiro e as manhãs de nevoeiro são jeitosas para quando se está com pressa. Confirmou-se. Foi um stress, o tempo a passar e eu quase sem sair do mesmo sítio. Um acidente com quatro carros lá mais à frente entupiu o trânsito todo. Acho que isto é o que, nesta vida, verdadeiramente me enerva: ver o tempo a escoar-se e eu sem poder deixar o carro no meio da barafunda e seguir a pé, a correr, para tentar chegar a tempo e horas.

Bom. Depois de passar os carros acidentados, lá fui, enervada, a abrir tanto quanto possível e, vá lá, cheguei a tempo: uns dois minutos antes da hora (claro que já estavam os outros vinte e tal à minha espera).

Uma reunião complexa, tensa, mas, enfim, há coisas piores.

Até porque, a seguir, já eram quase 2 da  tarde, passámos para os salões onde uma grande árvore de natal brilhava num canto, um pequeno presépio dava uma graça inocente àquele espaço tão acolhedor, e velas acesas e pequenos arranjos natalícios e muitas tapeçarias, sofás enormes e confortáveis, uma grande lareira, grandes peças de louça e vidro, grandes e belas carpetes a que o tempo retirou alguma cor e alguma espessura - e tudo contribui para aquele ambiente tão aconchegante, tão caloroso.

Por ali estivemos, conversando suavemente, trincando amêndoas torradas e salgadas, coisinhas assim.

Depois passámos para a sala de jantar, enorme pé direito, paredes forradas a azulejo, grande candelabro de tecto Murano sobre a grande mesa.



O almoço foi a delícia de sempre. A cozinheira é exímia, uma simpatia, e nós não nos cansamos de a elogiar e de lhe agradecer.

Sobre a mesa com toalha de linho, serviço vista alegre, vários castiçais com as velas acesas.



Do meu lugar, e eu estava à direita do anfitrião, via a hera que cobre as paredes do pátio interior, via a vegetação verde, fresca, frondosa.

Dali não conseguia ver as largas escadaria de pedra nem os vasos com grandes fetos.

Depois de almoço voltámos ao grande salão para o café, um ou outro (cada vez menos) fumando, e deixámo-nos estar todos à conversa até que nos despedimos. Saí de lá um pouco depois de meio da tarde, bem mais cedo do que costumo sair do trabalho mas tarde demais que justificasse ainda deslocar-me até ao escritório.

Vai daí resolvi ir para um centro comercial fazer o resto das compras de natal, livros especialmente. Um calor lá dentro horrível, um carrego... Mas, enfim, já estou despachada tirando duas ou três coisitas. 

Ou seja, cheguei a casa mais estafada do que se tivesse vindo directamente do trabalho. E depois fui fazer a minha caminhada e, na volta, fomos ao supermercado buscar mantimentos para o fim de semana e comprar já bacalhau para o natal (tenho sempre medo que acabe e que eu fique pendurada, a casa cheia de gente, e eu sem bacalhau para lhes servir).

Ora, quando de tarde, regressando mais cedo do que o costume, vinha a pensar que, dada a mini-folga que me tinha auto-concedido, me iria estender a ler a LER, em especial a entrevista do Magris. Qual quê...?


Agora, há pouco, ainda tentei mas não consegui: entre telefonemas, arrumações, responder a vários mails,  etc, fez-se tarde demais para isso. 

Mas estou curiosa.

E eu bem digo que, quando gosto de ler o que uma pessoa escreve, prefiro não saber como ela é fisicamente porque, às tantas, ainda posso ficar mal impressionada.

Aqui, no caso do Claudio, nem é bem a cara, é mais o cabelo.

Um homem daquela idade não pode ter o cabelo daquela cor, praticamente sem cabelos brancos. Cá para mim o homem pinta o cabelo. Já o vi de cabelo quase preto, castanho claro, de franja, sem franja, agora está arruivado.

Senhores. Que incómodo que isto me causa. É capaz de ser pancada minha mas faz-me impressão os homens que usam capachinho, ou três cabelos a atravessar a careca, ou que pintam o cabelo. Sou preconceituosa, eu sei. Mas, caraças, como é que um homem que escreve coisas que eu gosto tanto de ler, depois tem esta mania com o cabelo?

Por isso, quero perceber como é a conversa dele, se é um palerma qualquer com a psicose do cabelo ou se é um homem simpático, interessante como a sua escrita parece deixar perceber.

De qualquer forma, passa das duas da manhã, estou cheia, cheia de sono, já devia estar a dormir há séculos para ver se ponho o sono em dia, que com semanas destas é um disparate eu persistir nestas noitadas. Não consigo sequer responder aos comentários e tanto que eu hoje queria fazê-lo, em especial à querida O.M. que esteve a ler a história da Leonor, do Afonso e do Duarte e que foi deixando as suas impressões à medida que a história ia evoluindo. A ver se amanhã consigo organizar-me para fazer o que tenho que fazer, e ler o Expresso, e ler a LER e descansar e ainda conseguir ter tempo para conversar convosco.


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Lá em cima a canção é 'Eu Seguro', interpretada por Márcia e Samuel Úrias.



No Ginjal e Lisboa  hoje temos João Cabral de Melo Neto na voz sedutora do sedutor Chico Buarque.

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E, por hoje, por aqui me fico. Desejo-vos, meus Caros Leitores, um belo sábado!

quinta-feira, novembro 07, 2013

Existem muitas histórias de amor no mundo mas talvez poucos amantes verdadeiros. Eu, cá por mim, capricho na conquista, no fogo da sedução.


Depois de, no post abaixo, ter falado de melancolia, aqui, agora, introduzo o tema do amor. Não uma dissertação que eu não sou doutora (nem sequer mestre) na matéria, apenas uma brevíssima introdução, nada mais que um amuse bouche.

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Há quem ostente ter amado muito e quem se acuse de ser incapaz de amar. Ambas as declarações, ainda que sinceras, denotam uma teatralidade suspeita.

Existem muitas histórias de amor no mundo - apaixonadas, dolorosas, violentas, de mau gosto - mas talvez poucos amantes verdadeiros.



Os mais suspeitos - quase sempre de boa fé como todos os feirantes, efectivamente inflamados e compenetrados do seu papel, quando impingem um pataco qualquer, mesmo sublime - são talvez os corações sempre à caça da paixão que os inebria e os dilacera, aqueles que sentem forte e poeticamente a sedução de toda a vida e do seu vertiginoso fluir e se enamoram de toda a flor no seu variegado desabrochar, de todo o rosto encantador, e de todo o sorriso fugidio, como a nós encanta a luz do meio-dia, o canto das cigarras, as primeiras campainhas-de-inverno.







Eu capricho na conquista
no fogo da sedução

Sou dama da minha vida
deixo nela a minha pista

Senhora de meu desejo
de meu prazer e paixão






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  • A escultura é Le Baiser de Rodin
  • a pintura é de François Boucher, Hercule et Omphale
  • o texto em itálico é parte da crónica 'Os défices do amor' de Claudio Magris in 'Alfabetos', 
  • o trailer refere-se ao filme L'Amant sobre obra homónima de Marguerite Duras. 
  • A poesia é 'Conquista' de Maria Teresa Horta in 'a Dama e o Unicórnio'. 
  • O graffitti 'Follow your heart' é de Banksy 
  • e a música é 'É o amor' de Maria Bethânia. 

Como diria o poliglota e inteligente Passos Coelho: isto é um menu. O amor para todos os gostos, senhores e senhoras.


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Se quiserem agora uma certa dose de melancolia, desçam, por favor, até ao post a seguir.

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Muito gostaria que dessem também uma vista de olhos ao meu outro blogue, o Ginjal e Lisboa. Hoje por lá tenho o Luís Quintais a quem o Pedro Mexia muito justamnete incluíu na colecção de poesia da Tinta da China. Por lá ainda, a seguir, encontrarão a música suave de Mayra Andrade.

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E, por hoje, é isto.
Desejo-vos, meus Caros Leitores, uma bela quinta feira.
De preferência com amor e pouca melancolia.

O que é a melancolia? Veja, meu Caro/a Leitor(a), se é um melancólico/a ...... [Claudio Magris ajuda a perceber no seu livro 'Alfabetos]



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Ron Mueck (genro de Paula Rego) - Big Man, 2000

Para o melancólico, as coisas são enigmáticas, desvinculadas, cada uma isolada em si mesma, privadas de autêntico significado porque ele não as vê com aquela afectividade, aquele desejo e aquela confiança que lhes conferem calor, tornando-as familiares, amigas das mãos que as tocam e as trabalham, enquanto elementos da vida - como as estações do ano, em cuja cíclica repetição podemos inserir-nos com harmonia. Para o melancólico, pelo contrário, tudo isso se resume num inútil florescer e desvanecer.

A melancolia - observava Goethe - é a incapacidade de amar a repetição que pauta a nossa existência (as estações, o dia e a noite, os afazeres e hábitos quotidianos, o suceder das gerações) e de usufruir das inumeráveis e surpreendentes variações que cada aparente repetição diária  - na realidade sempre nova e aventurosa - contém. 

A melancolia percepciona pelo contrário o fluir e o repetir-se como uma infinita monotonia, o destilar de segundos e minutos sempre iguais no vazio. 


Jean-Louis-François Lagrenée, dit l'Ainé (1725-1805)
-'la melancolie'-huile sur toile-1785
Paris-Musée du Louvre
A melancolia é uma tristeza que não sabe precisar o seu objecto e a sua causa; acusa intensamente a perda de algo, sem poder dizer o quê.

A melancolia não só não pode definir a falta de que se sofre, como nem quer fazê-lo, porque se compraz e se nutre dessa perda indefinível e da sua indefinição, acrisola-se no seu próprio voluptuoso tormento; o tormento não quer fazer o luto, mas postergá-lo sem limite.

Ainda que tenha raízes antigas e implicações religiosas, além de uma inseparável dimensão clínica, a melancolia é sobretudo uma categoria, um modo de ser (...)


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                                                                  Escutamos aluimentos de felicidade.
                                                                  A arte de quem perde
                                                                  faz um eco impossível de esconjurar.

                                                                  Dentro de quatro linhas,
                                                                  alguém espera, o tempo dilata-se,
                                                                  uma dose de melancolia impõe-se.


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O texto em itálico é parte da crónica 'Melancolia e modernidade' integrada no livro 'Alfabetos' de Claudio Magris. A música é 'Cantus In Memoriam Benjamin Britten' de Arvo Pärt sobre imagem de Tilda Swinton em 'War Requiem' de Derek Jarman.

O poema é 'Portugal, durante a derrota' de Luís Quintais in 'depois da música' e a mulher de aparência melancólica é Cléo de Mérode que afinal não levou uma vida nada melancólica.


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