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quarta-feira, fevereiro 17, 2016

Horácio e Ligurino, o seu último amor
-- chegam pela mão de mestre Rabelais


Dante e Virgilio no Inferno de William-Adolphe Bouguereau (1850)


Quintus Horatius Flaccus (65 BC – 8 BC)

Horácio, o grande autor das Odes, o panegirista de Domiciano, o poeta predilecto do erudito Mr. Walkenaer, que foi o seu melhor biógrafo, o apaixonado amante da bela Gynara, da voluptuosa Lyce, da sedutora Cloé e da irresistível Glycere, havia terminado as suas aventuras amorosas nos braços da lânguida Lyde.

O inspirado poeta sentia-se exausto por uma existência eivada de orgias e prazeres. Os seus cabelos estavam brancos, os lábios descorados, a tez macilenta, o olhar amortecido, e todo o sistema nervoso cansado e gasto por aqueles excessos voluptuosos duma vida desregrada e sensual, deslizada desde a mocidade nos seios brancos e tépidos das mais belas cortesãs romanas.

O seu estro havia cantado todos os gozos e todos os prazeres, todas as sensualidades e deboches, todas as mulheres formosas e atraentes, todos os desregramentos e voluptuosas loucuras.

Desenho de modelo masculino de
William-Adolphe Bouguereau
Desiludido do mundo e das mulheres, farto duma vida repleta de gozos e licenciosidades, o grande poeta, não se podendo substituir à influência desmoralizadora dos costumes do seu século e dominado por uma alta fantasia luxuriosa, apaixonou-se loucamente por Ligurino, jovem efeminado, igual a tantos outros que quase levaram a Roma o esquecimento dos homens pelo belo sexo.

Rapaz com cesto de fruta
de Caravaggio 
Contando apenas xx* anos, Ligurino era o protótipo do homem-mulher, na mais completa acepção deste classificativo termo.

Bem fornido de carnes muito alvas e rosadas, macias e flexíveis, completamente desprovidas de cabelo, arrancado pelos maravilhosos segredos das desconhecidas pomadas depilatórias geralmente usadas entre os romanos, de olhar sensual e terno, lábios vermelhos e húmidos como os de uma mulher bonita, dotado de um temperamento mais espontâneo e lascivo que o de Messalina, este exótico tipo de homem-mulher, sensível aos beijos e às carícias, tendo toda a doce voluptuosidade duma cortesã emérita, constituiu a última depravação do notabilíssimo poeta.

Horácio sentia-se morrer lentamente nos braços lascivos do belo mignon, a sua lira enodoava-se, assim como as suas cãs, com aquele amor repugnante e torpe, mas o ânimo do poeta, prevertido e sensual, extasiava-se na luxúria febricitante que lhe proporcionava aquele debochado indigno.

Esquecido das suas belas tradições apaixonadas com as mais encantadoras cortesãs romanas, olvidando as suas odes, em que tinha cantado os seus amores e as suas vitórias, esquecendo a fama gloriosa que lhe circundava o nome, o velho poeta votou os últimos anos àquela paixão libidinosa e excitante que o acompanhou ao túmulo.


Vamos pois contemplar por um momento o grande poeta romano num dos seus opíparos banquetes, em que a sensualidade tinha à mesa o lugar de honra, e ele alardeava, sem pejo dos homens e das mulheres, a paixão devoradora que alimentava pelo seu amante!

(Tony Curtis e Laurence Olivier)
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Omito a idade xx* referida no conto Ligurino não porque tenha apetências censórias mas para que não venham para aí dizer que aqui se faz a apologia de práticas pouco recomendáveis.

Tal como nos contos anteriores, não vou poder transcrever todo o conto, fiquei-me pelo início. O dito pode ser lido no livrinho que aqui tenho vindo a referir, Aventuras Galantes. De referir que na Fnac aparece erradamente na estante da literatura traduzida - ora este Rabelais não é o outro, o François, este, tal como antes já referi, é o nosso, Alfredo Gallis de seu verdadeiro nome.

Lá em cima Stefano Dionisi interpreta Farinelli (no filme homónimo) mas a voz que se ouve não é a dele mas a mistura de duas: da soprano Ewa Malas-Godlewska e da contratenor Derek Lee Ragin. A voz que resulta pretende ser a de um castrati.

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Desejo-vos, meus Caros Leitores, uma bela quarta-feira.

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segunda-feira, fevereiro 15, 2016

No rescaldo do Dia dos Namorados
e porque a vida não é só OE, Economia & Finanças ou comentários a cargo dos omnipresentes descerebrados e desavergonhados papagaios pafianos,
que entre Susana, pela mão de mestre Rabelais





A viscondessa era filha dum francês e duma paraguaia, e no seu todo reunia a graça dos filhos do meio dia da França e a indolência lasciva e sedutora das americanas do sul.

Era um pouco nutrida, mas havia em todas as curvas flexíveis do seu corpo esbelto e cuidado, a sensual elegância das gatinhas brancas.

A sua ilustração mais realçava os dotes com que a natureza a mimoseara.

Pianista exímia e cantora adorável, mercê da sua bela voz de mezzo soprano, as mulheres invejavam-na e os homens corriam a admirar os espirituosos croquis do seu lápis animado e distinto.

Quando falava, era um gosto ouvi-la, sempre a sorrir, arrastando a frase com uma indolência irresistível, e predominando-lhe aquela acentuação nos ii, particular das brasileiras.

Os homens tinham formado um verdadeiro assédio em torno daquela mulher adorável, que valsava como uma sílfide e atirava ao alvo com uma destreza e sangue frio que desesperava as anémicas frequentadoras das praias.

O visconde era ciumento como um tigre.

Dia e noite, no passeio, na praia, no club, nos pic-nic, nas regatas, o seu vulto grave, austero, encasacado e fúlgido de diamantes caros, aparecia qual sombra de Banquo, ao lado da esposa.

É verdade que ela portava-se irrepreensivelmente.

Amável com todos, sempre alegra e expansiva, o seu olhar aveludado e terno não fitara ainda um único dos impertinentes que lhe zumbiam aos ouvidos um coro de galanteios.

Uma noite, no club, um poeta que tinha fama de tratar as mulheres pelos processos com que as gatas tratam os filhos quando nascem, disparou-lhe uma declaração de amor.

A lua brilhava no firmamento em toda a sua doce palidez.

A viscondessa escutava-o sorrindo sem se agastar, e quando ele terminou, na explosão radiante duma frase de efeito, ela pegou-lhe mansamente na mão, conduziu-o até à janela e, apontando-lhe o céu, exclamou, sorrindo sempre:

- Conhece?

- É a lua -- respondeu ele admirado.

- Faça-lhe uma declaração de amor.

- Porquê?!

- É solteira.

E retirou-se gravemente.


Um quarto de hora depois, negava-se a ser seu par na contradança.

A aventura respirou, e os leões mais de encarniçaram contra a pomba.

A viscondessa ria sempre, e o marido, tranquilo, passava a mão pela fronte.



(...)
_________

Lá em cima, a mezzo soprano Elina Garanca interpreta Mon coeur s'ouvre a ta voix da ópera Sanson et Dalila de Saint-Saëns.

A história de que transcrevi um pequeno excerto, de seu nome Susana, naturalmente continua mas, infelizmente, por vários motivos, não vou poder transcrevê-la toda. Contudo, pode ser que amanhã ainda partilhe convosco o naco final.

Mas, antes de me ir, ainda transcrevo os versos que sublinham o nome de mais este inocente conto de Mestre Rabelais (digo, Alfredo Gallis) incluído, tal como a Deliciosa (ver posts mais abaixo), no livrinho Aventuras Galantes.

Segredam as páginas da escritura
que os lúbricos velhos sensuais
vendo no banho a Susana pura
disseram, sorrindo, "s'tá duro e dura".
Mas quem nos diz se volverá jamais.
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E, já agora, porque isto das palavras e das ideias é coisa que lembra as cerejas, fiquemo-nos com a tal  Susana que embasbacou os velhos.

Susanna e i vecchioni, por Giuseppe Bartolomeo Chiari ( 1654 – 1727) 
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[E, a quem for resistente, permito-me sugerir uma descida ao inferno da nossa comunicação social.
É já a seguir]

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domingo, fevereiro 14, 2016

A autora de Um Jeito Manso comemora o Dia dos Namorados com a Deliciosa de Rabelais
[2º capítulo]


(Este post deve ser lido depois do post que se encontra mais abaixo, a seguir a este)




- Sabe? -- disse-lhe, pegando-lhe nas mãos muito macias e perfumadas. -- Já há muito tempo que desejava estar consigo.

- Sim! Porquê?

- Porque a acho muito formosa e elegante.

- Sou tão magrinha.

- Oh, mas é muito bem feita!

- Sim, não sou desastrada de todo.

- Diga antes que é muito sedutora.

- Não esteja a troçar comigo.

- Falo sério. -- E enlaçando-lhe a cintura com o braço esquerdo procurei com a mão direita colher-lhe os seios.

- Naturalmente não gosta, são tão pequeninos.


- Mas são deliciosos, dois verdadeiros encantos, dois frutos de Vénus como raros tenho encontrado assim. Certamente não amamentou a sua filha.

- Não, faltou-me o leite.

- Todo?...

- Seu mau... O da amamentação. O outro sobra-me.

- Deixe-me cobrir de beijos essas jóias deliciosas.

Ela desabotoou a robe.

Realmente eu não exagerara.


Cleópatra tinha uns seios pequeninos mas encantadores, rijos, macios, tersos, direitos, que pareciam querer saltar para a cara da gente, seios verdadeiramente esculturais, como se fossem talhados em mármore, terminando nuns deliciosos bicos muito tesos e rosados, que desafiavam todos os apetites.

Entre os lábios tomei esses gráceis encantos e suguei-os com a mais artística e suave subtileza.

Ela apertara-me o busto e respirando forte murmurava:

- Ai, amor, que prazer sinto.

Então a minha mão, passando por de sob as suas roupas e por entre as mais macias e aveludadas coxas que é dado fantasiar e que ela entreabria, procurou aquele cálix do amor que sempre transborda quando a sua possuidora é de sensível temperamento...

- Ai, filho -- exclamou ela, -- vem comigo que eu não posso mais...

Cobri-lhe de beijos os lábios ardentes e vermelhos, e segui-a à sua alcova, muito elegante e confortável.

- Põe-te à vontade -- disse ela, despindo a robe e ficando com uma curta camisinha de seda cor-de-rosa com rendas pretas.

Era uma falsa magra, porque as suas pernas muito direitas e esculpidas tinham um torneado e uma grossura bastante notáveis para o seu todo franzino e débil.


- És linda! - exclamei eu, já como Adão antes do pecado, e arranquei-lhe a camisa, frágil estorvo à representação da cena que íamos representar.

(...)
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Este post e o anteriorq (o que está a seguir a este) são excertos não contínuos da história Deliciosa da autoria de Rabelais (pseudónimo de Alfredo Gallis) in Aventuras Galantes. Não transcrevi algumas passagens no interior dos excertos por serem mais explícitas do que é expectável num blog de uma avozinha. Claro que a história não acaba onde eu terminei e, em abono da verdade, até devo dizer que começa a partir daqui -- razão porque, a bem da moral e dos bons costumes, me detive.

Transcrevo apenas o final e cada um que dê largas ao seu poder de dedução ou à imaginação (até porque, se Dia 14 é o Dia dos Namorados, é preciso não esquecer que o amor -- e o que vem por acréscimo -- é sobretudo una cosa mentale). Claro que também poderão adquirir o gostoso livrinho.

Então, acaba assim a história da Deliciosa:

Demais... tinha um cardeal na sua árvore genealógica, como depois me contou ao café.

Era, pois, fatal aquele desenlace...

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A autora de Um Jeito Manso comemora o Dia dos Namorados com a Deliciosa de Rabelais
[1º capítulo]




Eram abundantes e revoltos os opulentos cabelos, que ela enrolava com uma deliciosa e voluptuosa negligência, na qual pairava uma pontinha de coquetterie muito expressiva. De mediana estatura, mais alta do que baixa, era franzina de formas, magra mesmo.

Dava nas vistas a maneira aprimorada como ela se calçava. Sempre meias de seda e sapatos ou botinhas da mais fina qualidade e do mais elegante e bonito talhe.

Contavam os que de perto a conheciam que as ligas eram verdadeiros bijous de rendas e combinações de cores, e que as camisas que usava se singularizavam pela arrojada fantasia que expressavam.

Uns depreciavam-na dizendo que ela não era merecedora de que lhe rendessem culto. Outros elogiavam-na afirmando que ela era uma histérica dotada de um temperamento de fogo, que se interessava excessivamente pelas lutas de Vénus e que possuía segredos quase maravilhosos para elevar às regiões de inenarráveis gozos as mais insensíveis e cristalizadas decadências, gastas no abuso dos prazeres da deusa.

Eu fui sempre da opinião dos segundos.


Realmente aquela mulher estava longe de possuir a formosura fisionómica de Ninon de Lenclos ou a beleza plástica de Friné e da Lais, gregas que à história passaram como exemplares irrepreensíveis da plástica feminina.

Mas... achava-lhe um não sei quê, um tic, uma nota irritante e expressiva que me mordia a carne como um estilete de fogo, pois me segredava que aquela mulher devia possuir verdadeiros tesouros de volúpia quando a ardência de seu temperamento, expressa no seu olhar quente e singular, a levasse a interessar-se pelo homem que a possuísse.

E, depois, era artista de gosto e cuidava do seu corpo com o mais requintado escrúpulo.


Levava mesmo esses cuidados até ao excesso de nunca se deitar sem banhar em água aromatizada os seus mimosos pezinhos, e todas as manhãs, apenas saía do leito, tomava um banho tépido, ungindo depois as carnes com pomadas de amêndoas e leite, o que lhe dava uma frescura deliciosa.
...

Foi ela quem me veio abrir a porta, fazendo-me entrar para um pequenino gabinete modestamente mobilado, mas de muito gosto e fina ornamentação.

- Já vejo que é homem de palavra -- disse, sentando-se a meu lado e deixando a descoberto os seus elegantes embora não muito pequenos pés, calçados em sapatos de cetim branco e meias de seda negras bordadas.


...

[A história da Deliciosa continua aqui]

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Desejo-vos, meus Caros Leitores, uma belo dia de domingo
(e, claro está, que me estou nas tintas para o Dia de S.Valentim ou Dia dos Namorados ou o que for: namorar é sempre que a gente quiser -- e puder, of course)

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