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quinta-feira, maio 13, 2021

Festejar o Sporting, celebrar Fátima.
E o segredo do homem mais feliz do mundo

 



A verdade é que há pessoas que precisam da companhia de multidões para celebrarem o que têm de mais íntimo. A vitória do campeonato ou o aniversário da pretensa aparição. A equipa de quem se gosta ou um santo da sua devoção. Creio que é o mesmo impulso: estar com os outros, celebrar em conjunto.

Ir para o Marquês, ir a Fátima. Gritar, chorar, rir, sentir o êxtase, constatar como os outros exultam da mesma maneira, sentir-se um de muitos.

Não é o meu caso. Não sinto o apelo da partilha colectiva de emoções. Devo dizer que sou, até, um pouco avessa a isso. Tenho o meu lado de bicho do mato. 

Mas não critico quem é diferente de mim. A vida é curta e cada um age como está talhada (ou calhada) para agir. 

Quem alguma vez passou pela nacional que leva a Fátima já terá visto aqueles grupos de peregrinos que caminham em grupo. Por vezes cantam e vão em grande animação. Outras vezes vão em esforço. Há qualquer coisa na componente religiosa disto que me custa a atingir. Mas eles já sabem. No futebol a mesma coisa. Estar na rua a gritar, a saltar, a beber é, para mim, a mesma coisa -- uma manifestação de emoções que escapa à minha racionalidade. 

Não consigo é culpar quem quer que seja por permitir que as pessoas se manifestem. Como proibi-lo: pôr um polícia à porta de cada casa? Ao fim de cada rua? Impedir, uma a uma, cada pessoa de ir para onde quer? Chegar às ruas onde as pessoas estão juntas e atirar-lhes com jactos de água para cima? Não sei. 

Há coisas que se conseguem quando há poucas pessoas. Agora quando, um pouco por todo o país, as pessoas saem de casa e se fazem à estrada para se manifestarem... o que fazer? Decretar recolher obrigatório? Sirenes a tocar para mandar recolher...?

Acho que não, que não é caso para isso. Claro que há o risco de saúde pública. Digo eu. Mas ao ar livre e com muita gente já imunizada talvez não seja dramático. Mas nem é isso. Se há pessoas que têm o irreprimível impulso de ir para a rua e juntar-se a outras... e se são muitas e muitas pessoas... como impedi-lo?

Mas que sei eu?

Tenho tido uns dias de cão. Tenho sido acordada com telefonemas cheios de crises. Detesto acordar e ter que começar a falar sobre problemas que me atiram para cima. Vou para a casa de banho e ouço o telefone a tocar. Estou a tomar o pequeno almoço e ouço o telefone. Todo o santo dia. E reuniões e telefonemas até às tantas. 

Por isso, chego a esta hora e estou condescendente. Zen. 

Aqui na sala, para me distrair um pouco, pus-me a ver vídeos e todos os vídeos interessantes eram de mais de uma hora. Não dá. Até que vi este aqui abaixo de um senhor de 101 anos que diz que é a pessoa mais feliz à superfície da terra. Pessoas que não duvidam nem se envergonham da própria felicidade enchem-me de curiosidade. Quero saber qual o segredo. Mas, geralmente, quem é assim não faz segredo disso. 

Diz ele que não odeia ninguém. E eu, ouvindo-o, pensei: Também eu não odeio ninguém. Puxo pela cabeça e não me ocorre alguém que odeie. Acho que nunca odiei. Depois ele acrescentou: Mas desprezo. E eu senti-me a rir e pensei: Também eu.

Ainda no outro dia alguém me perguntou, a propósito de uma outra pessoas: Mas alguma vez te fez mal? A conversa mudou e não respondi mas fiquei com a resposta entalada. Devia ter dito: Não, mal -- a mim -- não fez. Mas é parvo. E eu não tenho pachorra para gente parva. Aliás, sendo mais precisa: desprezo gente intrinsecamente parva. Não consigo disfarçar o tremendo incómodo que o convívio forçado com gente parva me causa  Apenas consigo fazer de tudo para não ter pessoas assim por perto. Causam-me brotoeja. Fico fisicamente incomodada. Uma repulsa que não tem cura nem atenuante. Gente parva para mim é gente que não consigo ter por perto, mexem com o meu sistema nervoso. 

Por isso, não odiando eu ninguém e fugindo a sete pés de gente que desprezo, estou sempre bem. Se estiver junto de pessoas que admiro, que respeito ou, melhor ainda, que amo, estou feliz. E é bom a gente sentir-se feliz. Se estiver sozinha e entretida a fazer coisas de que gosto também não estou mal. Mas sozinha, sozinha, também não aprecio.

Por exemplo, ontem acabei de trabalhar às sete e tal. Como o jantar era arroz de corvina, coisa que se faz rapidamente, pensei: tenho ainda tempo para tratar dos vasinhos de pendurar que tinha comprado no outro dia. Podia ter tratado de tudo sozinha. Podia... mas não seria a mesma coisa. Por isso, falei ao meu marido. E fomos os dois buscar terra. Mas ele estava ansioso por causa do futebol e, a seguir, entrou em casa para ver televisão. E eu fiquei a envasar as bromélias e as sardinheiras. Estava sozinha mas com ele por perto. Mexer na terra, mexer nas raízes das flores, regar... tudo coisas que me agradam de verdade. Estou nas minhas sete quintas. Feliz da vida.

Claro que vão surgindo coisas que me preocupam, que me maçam. Mas sobre o que não controlo e que me é exterior eu tiro do meu radar: se não posso fazer nada, mais vale nem pensar nisso. O que posso resolver, ataco de frente. E o resto, olhem, vou levando. Fazer o quê? Atafulhar-me em ralações? Ná, não é para mim. De invejas, ciúmes, desconfianças e coisas dessas que corroem também não padeço. 

Por isso, acho que também não tenho de que me queixar.

Mas o homem mais feliz do mundo tem outra bagagem. Estive a falar de mim apenas por facilidade. É que falar dele requer cuidado. A felicidade dele tem um peso e uma marca que não têm nada a ver com as minhas ligeirezas. A felicidade dele nasceu de uma história que lhe ficou impressa a ferros na mente e no coração. Tem a marca disso tatuada no braço. Já as sofreu na pele. E, no entanto, sorri e fala de felicidade. E isso é bom para ele e para quem o escuta e vê.


Eddie Jaku, o sobrevivente de Auschwitz que, aos 101 anos, se sente o homem mais feliz do mundo



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As fotografias são de Flora Borsi e estão na companhia de Billie Eilish que interpreta Your Power

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Desejo-vos um dia feliz

quinta-feira, maio 11, 2017

As pequenas coisas da vida





Depois pôs-se sol, um sol tímido sobre um rio picado e meio esverdeado. Mas, antes, choveu muito -- tal como agora enquanto escrevo. À hora de almoço, atravessei a cidade debaixo de jorros de água. Estava a ouvir uma música que me fazia lembrar o tema principal de África Minha. Pensei que, de uma vez por todas, tinha que instalar o Shazam no telemóvel.

Já o instalei mas ainda não percebi como funciona. Não sou dada a experimentalismos, especialmente quando aquilo me diz: antes de fazermos qualquer coisa, deixe-nos conhecê-la melhor. Não tenho paciência. Era o que faltava dar-me a conhecer. Sei lá a quem e para que fim. Um dia enfio-me no campo, longe do trânsito, de apps, de algoritmos, de tretas.

Enfim. Hei-de descobrir como pôr aquilo a adivinhar-me as músicas mesmo não sabendo nada de mim.  A ver é se depois não me esqueço de o usar quando quiser saber o que estou a ouvir. Não é o conhecimento pelo conhecimento que, neste caso, me motiva mas, sim, a possibilidade de poder voltar a ouvir aquilo de que gosto especialmente quando estou a conduzir.


No outro dia, desci no elevador com uma vizinha, uma das poucas que conheço neste prédio em que parece que está sempre a entrar gente nova. Esta já cá mora há mais tempo que eu. É um bom bocado mais velha que eu e pouco cá pára. Tem uma casa no Algarve e um barco e diz que lá estão melhor, que não há um trânsito como o que há cá, que aquilo lá é calmo e o tempo melhor. O marido teve um problema de vista e penso que uma cirurgia mal sucedida o deixou cego. Foram a Barcelona, correram médicos de norte a sul do país e parece que o problema é irreversível. Então, agora é ela que conduz, que trata de tudo e que o leva pela mão. Não sei se ainda têm o barco. Desde que se tinha reformado, era a grande ocupação dele. Pintava o barco, tratava do motor, saía para o mar, limpava-o, etc., e ela ficava descansada na vida dela enquanto, durante o dia, ele andava naquela fona. Sempre enérgica e bem disposta, no outro dia achei-a mais caída. Dizia-me ela, toda compungida, que estava com dores nas pernas, que à medida que a idade avança, começa a dar-se por ela, que nunca julgou um dia ficar assim, cheia de dores. 

Mas o lamento maior dela foi este: ‘A casa é grande, fui enchendo de tralha, tantas divisões, tanto móvel, tanto livro. E eu sou de guardar, custa-me deitar fora. Mas já me custa tanto, quando cá chego ver que está aqui uma casa destas já sem grande préstimo e que dá tanto trabalho a limpar.’ Percebi, sei o que isso é. Mas acrescentou ela ainda: ‘Penso que um dia que eu morra, o meu filho vai suar as estopinhas para se ver livre disto tudo, tenho a certeza de que vai desfazer-se de tudo. O que é que o rapaz fazia a tanta porcaria? Nem tinha sítio para guardar tanta coisa. E, então,penso eu:  para que é que eu ainda estou a guardar isto tudo?’. 

Também, de vez em quando, penso nisto.


Quando via, o marido era muito falador. Perguntava pelos meus pais e contava proezas da mãe, de quando era viva, bem entendido, já que, entretanto, a senhora morreu. Entretanto herdou a casa da mãe e a mulher ainda há tempos se queixava, ‘Só trabalhos, agora ainda mais esta’.

Ele achava que, no fim, a mãe já não estava boa da cabeça e não queria que ela ficasse sozinha em casa, numa outra cidade; e, então, lá a convencia a vir uns tempos para casa deles. Depois logo se arrependiam porque, como diz a minha vizinha, ‘a mulher ficava diabólica’. Uma vez, às escondidas deles, ligou para a polícia. Estavam eles na sala, à noite, descansados a ver televisão, convencidos que ela estava no quarto a dormir, tocam-lhes à porta. Era a polícia, tinham recebido uma queixa de violência doméstica sobre uma idosa. Ficaram para morrer. Foram chamá-la. Estava mesmo já a dormir. Ficou muito admirada ao ver a polícia mas depois disse que eles lhe davam grandes tareias. Aí a minha vizinha diz que ficou passada e que, em conjunto com o marido, decidiram  recambiá-la antes, que, às tantas, se vissem mesmo metidos em trabalhos. Tenho ideia que a puseram num lar. Às vezes é o melhor.

Mas, agora que está cego, ele parece andar perdido, usa óculos muito escuros, parece desamparado e não diz nada. Uma situação que entristece.


Já não sei a que propósito veio isto.

Ah, sim, já sei. 

Em tempos, tínhamos uma aparelhagem muito boa. Colunas grandes. Era um móvel que tinha amplificador, leitor de cassetes, gira-discos. Devia ter outras coisas porque, de cabeça, tenho ideia que havia mais umas coisas no móvel. E tínhamos imensos discos. Eu tinha os meus desde o tempo do liceu, Tchaikovsky, Chopin, Bob Dylan, Joan Baez, Janis Joplin, Simon & Garfunkel. O primeiro disco que comprei com o meu dinheiro foi um dos Wallace Colection. Deve estar ali. O meu marido trouxe os dele. Todos os do Zeca Afonso, Sérgio Godinho, Luís Cília, Adriano e provavelmente outros nessa base. Entretanto, fomos comprando, comprando. 

Até que tudo aquilo caíu em desuso. Mas eu, que apenas nisto de guardar as coisas sou conservadora, conservo tudo. Nem sei se aquilo ainda funcionaria nem faço ideia do potencial valor histórico de tanto disco. 

Depois passou essa era, vieram os CDs e comprámos um leitor de CD para pôr lá junto à ‘aparelhagem’. O número de CDs é grande, sobretudo de música dita clássica e jazz. No entanto, raramente a ouvimos pois só para ligar aquela aparelhagem toda, no síto em que está, é uma maçada. Volta e meia penso que deveríamos ter um pequeno leitor de CDs -- e se os há baratos. Mas, na verdade, o que se calhar faria mesmo sentido era desfazermo-nos deste elefante. 


Agora, CDs só no carro. E música em casa, no computador. 

As tecnologias vão mudando, os hábitos também. E nós também.

E, no meio disto tudo, o que me tinha ocorrido e que gerou este palavreado todo foi que eu, no carro, ia a pensar: o Shazam era rapaz para me informar, eu chegava a casa e ia procurar, na volta tenho lá e, à noite, enquanto estava na palheta com os meus pacientes Leitores, ia ouvindo de novo. 

O Shazam já cá canta. Falta agora o resto. E eu, por via das dúvidas, fico-me com Haydn que é sempre uma boa escolha.

E usei imagens de Flora Borsi que representam modelos em frente dos quadros que lhes deram origem. Mas, porque nestas coisas nunca nada é verdadeiramente real, é claro que também não são os verdadeiros modelos. De resto, que interessa isso? Sabe-se lá quem é quem, se o objecto representado, se a representação, se a persona filha de seus pais, se a persona pseudónima, filha de si mesma.


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E fico-me por aqui. Contudo, permito-me ainda convidar-vos a descer até ao post seguinte, em que digo umas lérias e escritores falam do seu processo de escrita ou do livro da sua vida.

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Falar com eles...?
Não sei, não. Só se for com alguém que encaixe nos meus requisitos.





Gosto de ler sobre o processo de criação. Ler ou ouvir. Sejam escritores, pintores, escultores. Se calhar tabém músicos mas, não sei porquê, sobre música não me desperta tanto interesse.

Gosto de ler diários de escritores. Claro que não de quaisquer escritores. Nunca me passaria pela cabeça ler um diário do Valter Hugo Mãe, do Gonçalo M. Tavares, ou de grande parte das pessoas que podemos ver na Feira do Livro (é verdade... deve estar quase a abrir, não...?). Sou tão exigente no gostar de outras pessoas. Sendo eu pessoa em quem os outros vêem alguma simpatia, a verdade é que tenho alguma impaciência para com um grande número de pessoas. Pessoas agressivas: zero, não tolero. Pessoas secas, desinteressadas, inertes, indiferentes perante tudo: zero, não tolero. Pessoas que acham que sabem tudo e que, na prática, por serem pouco inteligentes, não sabem disfarçar a sapiência e, pior, maltratam aqueles que acham cultural ou intelectualmente inferiores: zero, não tolero. Pessoas que monopolizam qualquer conversa, egocêntricos e narcísicos: zero, não tolero. Pessoas que só vêem o lado mau da vida, que não acreditam em nada nem em ninguém, que acham que não vale a pena empenharem-se em nada, pessoas geralmente corrosivas: zero, não tolero. E etc.


Portanto, se eu pensar que gostava de conversar com um escritor que admire, logo dou um passo mental atrás pois quem me garantiria que, sendo bom de escrita, não seria um desastre no convívio?

Não há muitos escritores portugueses que ainda escrevam que eu admire. Se, em relação a essa minoria, imaginar como serão como pessoas, tenho que confessar que a lista fica tão exígua que eu agora só me lembro de uma pessoa, da Hélia Correia. Penso que poderia estar um dia inteiro a lidar com ela, na cozinha, no quintal, talvez à janela. Mas não me lembro de outro, imagine-se. Mas admito que é o de sempre: quando é fazer listas, tenho uma branca.


Aliás, agora ocorre-me que também gostaria de conversar com Pedro Támen. Gosto muito da poesia dele e das suas traduções, duas artes especiais. Acho que deve ser agradável falar com ele, tem ar de ser pessoa interessante. 

Um com quem eu teria adorado conversar era o Cesariny. Ou a Agustina. De resto... Tenho que dar uma volta pelas estantes e montes aqui da sala a ver se não haverá mais alguém. Ah, talvez o Mia Couto. Tem ar de ser silencioso e de falar das terras por onde anda com o olhar perdido nesses horizontes.

Bem, se continuar por aqui com esta conversa, talvez me vá lembrando de um ou outro.

De qualquer forma, nunca vou a Encontros de Escritores ou sequer me abeiro deles nas Feiras do Livro. Ali é tudo circunstancial, desligado da alma, toca e foge, um smile e já chega. Nem pensar. Uma conversa com alguém interessante (mesmo que não seja artista de nenhuma arte) tem que ser conversa com vagar.


Talvez para colmatar esse meu gosto que não consigo consumar, volta e meia ponho-me a ver videos com entrevistas. Deixem que partilhe convosco (enquanto na televisão dá o futebol e reparo que o Cristiano Ronaldo está ruivo e com a pele cor de laranja).

Ian McEwan fala do seu processo de escrita




Philip Roth fala de como é escrever sobre sexo



Já agora, a Hélia Correia a falar do livro da sua vida



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Entretanto já fui ali jantar. Tinha deixado o jantarinho a preparar-se e estava saboroso. Assei um lombo de peixe sobre cama de maçã aos gomos e, por cima, coloquei-lhe tomate maduro às rodelas largas. Um pouco de sal, orégãos, alecrim e azeite. Antes forno aquecido ao máximo. Quando o tabuleiro entrou, baixei para 150º e deve ter estado para aí 1 hora. Acompanhei com feijão-verde e brócolos cozidos e, para sobremesa, frutos vermelhos (framboesa. mirtilos).

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Apeteceu-me ter um vídeo dançante: um tango de Piazzolla Tango - Oblivion

As fotografias são selfies de Flora Borsi combinadas com fotografias de animais

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E um dia feliz a quem por aqui passa.
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