Leio o Expresso desde que me comecei a interessar pelo mundo. E há tantos anos isso foi que já me tornei uma viciada. Já aqui o referi muitas vezes: sábado em que não consiga lê-lo, já me parece um sábado incompleto. Na minha vida não sou dada a grandes rotinas mas ler o Expresso é uma coisa que tem já a ver com o meu equilíbrio interior (seja lá o que isso for).
Posso não concordar com algumas coisas, podem irritar-me alguns cronistas (o Henrique Raposo e o Rui Ramos estão entre os que mais me arreliam), mas tenho que percorrer todos os recantos com uma disciplina que eu própria tenho alguma dificuldade em compreender. Só depois de o ter lido, tenho a certeza que o mundo continua a girar à velocidade certa e na sua devida rota. Pancadas, cada maluco tem as suas.
Hoje o Expresso faz 40 anos e eu sinto-me no dever de lhe prestar tributo.
Para tal, andei a fotografar a edição deste sábado para que aqui fique registada. Passeei-o aqui in heaven.
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Expresso 40 anos sobre uma rocha sobre o qual nasce o musgo.
A capa da Revista é espelhada, reflectindo o que esteja à sua frente.
Aqui espelha o céu e a grevíliea robusta que um dia morreu quebrada por um vento forte e que, um ano depois, para nossa alegria, ressuscitou, bela e vigorosa. |
De seguida, mostro alguns dos autores cujos artigos leio sempre e em quem reconheço criatividade, qualidade, vigor, rigor expositivo, cultura.
A ordem não segue nenhuma hierarquia de preferências.
Clara Ferreira Alves é uma delas. Desde sempre acompanho as suas opiniões e entrevistas (... e o seu visual, em especial o seu corte e cor de cabelo - do negro azeviche ao louro platinado, passando pelo ruivo). A sua escrita é fluente, o seu estilo é muito consistente, os temas que escolhe para as suas crónicas são relevantes, as entrevistas que faz são sempre excelentes.
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Clara Ferreira Alves, aqui sobre uma sóbria mas fofa cama de folhas de azinheira e bolotas: ou na sua Pluma Caprichosa ou noutros espaços é sempre criativa, culta, frontal, tem uma escrita segura e bem articulada e não se ensaia nada para dizer o que pensa |
A seguir, Pedro Mexia. Gosto muito do que escreve. Por vezes arrelio-me com o tom pessimista, desencantado. A sua melancolia, que é literariamente interessante, por vezes cansa-me, especialmente por ser descrita por um homem ainda jovem, inteligente, com uma vida de oportunidades pela frente. Mas isso não esmorece a admiração que sinto por aquilo que escreve, seja no Fraco Consolo, seja nas entrevistas ou na crítica literária. É contido na escrita mas, não obstante, transparece sempre uma emoção que passa para quem o lê. Os temas que escolhe são interessantes e, não obedecendo a nenhuma lógica pré-definida, contêm sempre um elemento de surpresa para o leitor o que, em jornalismo, é importante.
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Pedro Mexia, aqui sobre cama de caruma do meu grande pinheiro e encostado a uma cariátide de Modigliani, para dividir com ela a carga do mundo que é demasiado pesado para ser carregado por um homem só: versátil, bem informado, trabalhador, perfeito na escrita |
A seguir, António, o cartoonista que acompanha os tempos, com sentido de actualidade, graça, atenção aos pormenores. Descobrir o cartoon de cada edição é parte do prazer de abrir o Expresso no caderno principal. Nesta edição é o Relvas, a preto e branco, out of the box.
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António aqui sobre cama de alecrim para que o Relvas não empeste o ambiente: António capta a essência dos retratados, capta o tema dominante, capta o humor subjacente a todas as situações |
Luís Pedro Nunes nem sempre justifica a leitura, já que por vezes é fútil para além da conta, frequentemente fala de irrelevâncias sem história. Mas, ainda assim, gosto de passar os olhos sobre o que escreve. E nesta edição surpreendeu-me. Mostrou ter textura, tessitura, dimensão para além do espírito superficial que de que parece revestir-se. Uma bela crónica, das melhores que tenho lido sobre os tempos de chumbo que atravessamos.
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Luís Pedro Nunes aqui sobre as cinzas do fogo da véspera, cinzas deitadas sobre folhas mortas: para acentuar o tema dos '40 dias depois de hoje', dias de cinza, de agonia |
Agora Miguel Sousa Tavares, leitura sempre forte, dura, viril (se faz sentido falar assim). Com oportunidade, bem informado, expondo as suas ideias de forma metódica e clara, Miguel Sousa Tavares é um homem livre, uma voz que fala alto e que denuncia, sem medo, aquilo que acha que é de denunciar. Lê-lo nestas crónicas é recordar que é bem o filho de seus pais, ambos pessoas de convicções e de voz livre.
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Miguel Sousa Tavares aqui sobre cama de de berberis, arbusto de pequenas flores subtis cujos ramos estão cobetos de picos: assim a sua escrita com alguns apontamentos de suavidade poética sobre prosa persistentemente áspera |
A seguir Nicolau Santos. Expõe bem, explica em termos simples questões que, se quisesse, poderia enfeitar com terminologia arrevezada, louva o que é de louvar, aponta o dedo ao que é de criticar. E comete a ousadia de enxertar a meio do seu artigo semanal um poema e, mais, dá-lhe lugar de destaque. É curiosamente no Caderno de Economia e a meio de um artigo sobre economia que é possível ler, todas as semanas, no Expresso, um poema completo. Até por isso, honra lhe seja feita.
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Nicolau Santos aqui sobre cama de cedro porque a poesia e a economia (quando é honesta) rima bem com o aroma puro dos cedros, porque gosta de citar casos positivos e isso rima com esperança e com verde. |
Finalmente e seguramente não por ser o de menor relevância, Jorge Calado. É o que se pode chamar um valor seguro. É a cultura, a arte, o bom gosto, o sentido de justiça, a visão landscape, o saber, a honestidade - aprende-se sempre muito com Jorge Calado, seja nas suas críticas, seja na sua tabela Periódica.
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Jorge Calado aqui sobre cama de musgo, um musgo macio, precioso, e também junto à grevílea renascida: uma escrita despretensiosa, conhecimentos abrangentes e diversos, um gosto e opiniões acima de quezílias, provincianismos. Jorge Calado é um renascentista. |
Não falo de Fernando Madrinha, João Garcia, Pedro Adão e Silva, Daniel Oliveira, cujas opiniões igualmente sigo com atenção, apenas porque há neles alguma previsibilidade que não encontro nos outros - e a imprevisibilidade é parte da poção mágica que transforma os bons em especiais.
Não falo de Henrique Monteiro porque é algo aleatório, parece-me influenciável, deixa-se levar na onda da opinião dominante. Não o acho particularmente perspicaz. Mas tem graça, especialmente quando escreve como Comendador Marques de Correia.
Não falo também do director, Ricardo Costa, porque tem uma forma de escrever que frequentemente me provoca alguma irritação. Fala como se estivesse a descobrir a pólvora, como se visse sempre alguma coisa que ninguém, antes, viu. Cita-se muito a ele próprio a tem tendência a escrever como se fosse o Zandinga. Talvez seja um bom director mas, como cronista, tem ainda muito que aprender. Tem, sobretudo, que adquirir alguma humildade, coisa que, parecendo que não, dará algum jeito a quem se expõe escrevendo num jornal de referência como o Expresso.
Seja como for, 40 anos é uma idade que deve orgulhar os donos do jornal e quem lá trabalha ou trabalhou.
Desejo-lhes muitos anos de vida e que consigam renascer muitas vezes, que nos consigam surpreender e corresponder às nossas exigências.
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Uma pequena flor in heaven para todos os que trabalham no Expresso e, em especial, para aqueles que nomeei como os meus preferidos
(Reparem, por favor, na leveza, na perfeição, na subtileza, na beleza desta flor - que o vosso trabalho possa ser sempre assim) |
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Gostaria ainda de vos convidar a virem comigo até à minha outra casa, o
Ginjal e Lisboa. Hoje as minhas palavras evocam um amor do passado a propósito de um poema de José Bento. A música é um outro momento feliz, dois pianos para Mozart: Filipe Melo e Luiza Dedisin
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E, aqui chegados, quero ainda desejar-vos uma bela semana, a começar já por esta segunda feira.