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domingo, março 17, 2024

Porque ele há coisas, há quem goste e quem não goste.
Veja-se o caso da colecção de arte dos Anderson

 

Como podemos pretender interpretar o que nos rodeia da mesma maneira se, perante uma mesma coisa, temos reacções tão diferentes?

Às vezes pasmo com comentários que recebo*. Posso estar, em meu entender, a ser obviamente irónica e logo me aparece alguém a interpretar tudo ao contrário e a achar que estou a gozar com maleitas alheias. Fico de boca aberta. Mas como? Não perceberam que o tom era de ironia? Serei tão pouco hábil na escrita? Terei que intercalar smiles para que percebam que é brincadeira? Ou quando ironizo sobre as adivinhas que se fazem em torno do desparecimento de alguém e há quem que se ache mais esperto que outros e, porque leu ou ouviu umas aqui e outras ali, já acha que sabe tudo e aparece como se estivesse a dar-me uma chazada por achar que mostrei não ter compreensão...? Fico de olhos arregalados. Mas como...? 

A nível político, então, é o pão nosso de cada dia. Digo uma coisa, interpretam o oposto e aparecem a mandar bocas. Gostam de tresler? Ou não sabem ler? Frequentemente é isto: eu acho que estou a dizer potato e logo alguém aparece a mandar vir porque acha que eu disse tomato

Coisas assim.

Fazer o quê?

Temos que aceitar que o mundo é diverso e que há lugar para todos. Portanto, aceitemos que, para alguns, falamos uma língua estrangeira ou aceitemos que, porque vivem uma vida diferente da nossa, nos acham, a nós, estrangeiros. Aceitemos.

É como na arte: no outro dia uma conhecida mostrava pinturas que acha excepcionais. E eu, atrapalhada, sem saber o que dizer. A mim parecia-me tudo tão básico, tão horrível. Jamais, mas jamais, seria capaz de pendurar uma coisa daquelas na minha casa. Não que não fosse uma espécie de reprodução realista de paisagens ou de retratos de pessoas a quem tivessem sido aplicados filtros de saturação de cores ou de contraste para ficar tudo absolutamente 'perfeito'... Só que, para mim, uma coisa do mais piroso que existe. Fiz uma ginástica do caraças para não deixar perceber que achava tudo aquilo detestável.

Em contrapartida, se mostro aquilo que a mim me agrada, é inevitável que alguém desate a rir como se aquilo até o filho ou o neto de cinco anos fosse capaz de fazer, e de olhos fechados. Como explicar que não gosto de coisas óbvias, que não gosto de coisas 'perfeitas'? 

Mas posso eu achar que o meu gosto é melhor que o gosto de quem gosta de coisas que acho um pavor...? Não posso.

Mesmo aqui nos blogues, há quem os tenha com letras de todo o tamanho e feitio -- umas inclinadas, outras a bold, umas pequenas, outras grandes, umas às cores, outras aos saltos -- e tudo intercalado com bonecada que, a mim, me parece básica e de mau gosto. E, no entanto, para os autores e para os amigos, aquilo deve ser o máximo. E, se calhar, é. Para eles, deve ser. É subjectivo, isto. Nada mais subjectivo que o gosto. Portanto, tudo certo. Não os frequento porque me incomoda o que a mim me parece mau gosto e, naturalmente, não vou lá 'mandar bocas'. Sou civilizada e respeito os outros e, daquilo de que não gosto, faço uma coisa muito simples: afasto-me.

Agora, confesso, faz-me confusão que haja quem viva bem consigo próprio ocupando o seu tempo a ser desagradável para os outros. Mas, enfim, é o que é. Há gente para tudo.

Também por isso é que os resultados das eleições são para mim, por vezes, algo difíceis de perceber. Porque é que há tanta gente que vota em partidos que defendem medidas que lhes vão ser prejudiciais? Ou porque é que, perante a responsabilidade de escolher pessoas que nos representem, haja quem as escolha apenas para desestabilizar e causar ruído? Não percebem o risco?

Tudo um pouco bizarro. Os antropólogos ou os sociólogos -- ou mesmo os filósofos (e, se calhar, também os psicólogos, nomeadamente os especializados em psicologia social) -- que estudem estes fenómenos.

Eu, por mim, limito-me a render-me às evidências.

Agora uma coisa vos conto: gostei imenso de ver este casal aqui abaixo. Fantásticos. O que eles têm escolhido, coisas tão 'fora da caixa', o que eles têm, tantas obras e tão interessantes... E a generosidade deles... E, no entanto, o que não deve faltar deve ser gente que ache que aquelas obras não valem nada... e que os gestos deles pouco valor têm...

Mas é o que é.

Convido-vos a ver. E espero que se maravilhem como eu me maravilhei.

Anderson Art Collection to Open at Stanford

A new Bay Area art museum will open its doors this fall at Stanford University to showcase a who's-who of American post-war greats, including a large sampling of modern California masters. The works are a gift from Bay Area collectors Harry and Mary Anderson. KQED Newsroom visited the Andersons in their home to see what it's like to live in a house full of masterpieces — and why they're sharing their acclaimed collection with the public.


Nota: Lá em cima (*) refiro-me a comentários que me deixam de tal forma estupefacta que nem os publico. Não gosto de ter conversa tóxica aqui a incomodar quem os lê.
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Desejo-vos um belo dia de domingo

Saúde. Paciência. Paz.

domingo, janeiro 28, 2024

Falamos junto à luz


Quando o meu corpo apodrecer e eu for morta
Continuará o jardim, o céu e o mar,
E como hoje igualmente hão-de bailar
As quatro estações à minha porta.

Outros em Abril passarão no pomar
Em que eu tantas vezes passei,
Haverá longos poentes sobre o mar,
Outros amarão as coisas que eu amei.

Será o mesmo brilho, a mesma festa,
Será o mesmo jardim à minha porta,
E os cabelos doirados da floresta,
Como se eu não estivesse morta.

Sophia de Mello Breyner Andresen, em ‘Dia do Mar’


De tarde, chamados pela luz suave e dourada, pelo prenúncio de primavera que nos trouxe temperaturas muito aprazíveis, e, sobretudo, pelo menos pela parte que me toca, pela necessidade de oxigénio, fomos para a beira do rio.

O prazer de andar e conversar num dos lugares bons da cidade, a diversidade de gentes com que nos cruzamos, o sol sobre o rio, a boa companhia, tudo isso é remédio certo para lavar a alma.

Em tempos fotografava pessoas. Adorava. Sentia-me sempre uma observadora clandestina e, ao mesmo tempo, transparente. Já conseguia antecipar os movimentos das pessoas, as suas expressões. Estava de tocaia e, quando a ocasião se proporcionava, disparava. E, aparentemente, ninguém dava por nada.

Tenho muitas centenas ou, melhor, provavelmente, milhares de fotografias de pessoas. Mas depois temia sempre publicá-las pois receava que estivesse a pisar o risco da privacidade. É certo que há mesmo a modalidade de fotografia de rua e muito do que era a sociedade em tempos mal documentados se conhece através do trabalho de fotógrafos de rua. Mas, por via das dúvidas, encolhi-me. E, se não posso mostrar, para quê estar a fazer?

Portanto, agora tento evitar a presença de pessoas. Contudo, por vezes, é impossível deixá-las de fora. Mas, como sempre costumo dizer quando aparecem pessoas nas minhas fotografias, se alguém se reconhecer aqui e não quiser cá estar, bastará que mo diga.

Fomos lanchar ao CCB, depois fui lá tratar de um assunto e, de seguida, fomos passear para a beira do rio. 

O que abaixo partilho é parte da arte de rua que por aqui se pode ver. Escultura de homenagem ao pessoal clínico em tempos covid, a escultura Central Tejo, os big e engenhosos trabalhos da Joana Vasconcelos (se é arte ou gigantes trabalhos que incorporam design e montagem isso não sei), o mural em que vários artistas homenageiam o 25 de Abril, os belos murais de azulejos com poemas de Sophia, o próprio edifício do MAAT que é escultural.

A última fotografia não foi feita hoje nem é em Lisboa. É em Setúbal, no belo PUA, e é uma homenagem a José Afonso. A minha filha estava lá à frente mas, com o corrector, retirei-a. Não ficou perfeito mas como a escultura é algo 'incerta' a modos que disfarça.

Em dias como estes, é bom sair de casa, andar a passear, a laurear, a flanar, a desopilar, a vadiar, a turistar, a espairecer, a espanejar, a dar ar à pluma. Mas, para quem não possa fazê-lo, aqui fica um cheirinho.


























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E vi este vídeo de que gostei e que gostaria de partilhar. Já não é Green Renaissance mas Reflections of Life e são sempre tão tranquilos, transmitem serenidade, a vida a ser vivida com vagar, o contacto com a natureza, o prazer de existir de forma simples.

BELONGING - Finding Connection

Quando somos incompreendidos e sem apoio, é fácil sentir-nos sozinhos, como se não nos encaixássemos no mundo que nos rodeia. Mas algo lindo começa a acontecer quando entendemos que nossa singularidade não é uma falha, mas um motivo de comemoração.

À medida que aprendemos a valorizar e a partilhar os nossos dons individuais, reconhecendo a beleza das nossas diferenças, encontramos uma ligação renovada com o mundo - semelhante à harmonia encontrada na natureza, onde cada elemento contribui para a beleza geral da paisagem.

Inspirando-nos no mundo natural, entendemos que abraçar as nossas diferenças é um presente que podemos oferecer ao mundo, tornando-o um lugar mais bonito para todos que nos rodeiam.

A resposta reside em colmatar lacunas, cultivar a empatia e revelar a vibrante tapeçaria da nossa experiência humana partilhada através do reconhecimento e da celebração da diversidade.

Filmado em Singapura

Com Kathleen Yap


Desejo-vos um bom domingo
Saúde. Serenidade. Paz.

segunda-feira, junho 27, 2022

Portugal, Portugal

 


Gosto muito do meu país. Gosto dos lugares, das paisagens. Acho que o meu país tem sítios lindíssimos. Gosto dos portugueses. Claro que, como em todo o lado, há gente de toda a espécie. Há os miseráveis e os ignorantes. Há os corruptos e os arrogantes. Os palermas e os parvos. Mas há muito boa gente, gente tolerante, gente generosa, gente talentosa, interessante. E há a língua portuguesa, tão bonita, tão rica. 

Em muitos lugares do país há agora muita gente de fora. Se, por exemplo, estivermos na linha de praia, há uma multidão de jovens que falam outras línguas, muitos surfistas, muita gente descontraída que fica à beira mar a conversar até a noite chegar. Se estivermos na linha de restaurantes e esplanadas, estão cheias. Ouvem-se todas as línguas, as pessoas estão já um pouco bronzeadas e geralmente sorriem, de bem com a vida. E por todo o lado se ouve a língua portuguesa nas suas múltiplas variantes, dos brasis, das áfricas. Uma riqueza extraordinária. O país agora é aberto, alegre, inclusivo, luminoso.

Já lá vai o tempo em que os portugueses eram gente ensimesmada, gente que vivia fechada em casa espreitando atrás do cortinado, gente sempre pronta para a censura castradora, sempre pronta para a maledicência, pronta para rejeitar a diferença.

Ainda há alguns assim. Os que são dessa raça podem correr mundo e assentar arraiais noutras paragens que continuarão a ser assim, soturnos, fatalistas, maledicentes, sempre prontos para cortar na casaca dos outros. Gente maldosa, cinzenta.

Mas são uma minoria. Agora, por onde se passa, já se vê gente aberta à vida, aos dias que passam, à música e à claridade, já se vê gente que aparenta alguma confiança nos dias futuros.

Há ainda gente com rendimentos muito baixos, é verdade, e que, com certeza, não pode ter acesso ao que de bom a vida tem para oferecer. Mas onde não há? Em lado nenhum. Imaginar que há é querer viver dentro de uma utopia. Para além disso, em Portugal há apoios sociais e há a educação e há uma atenção crescente à necessidade de não deixar ninguém para trás. Haveremos de ser ainda melhores. E não é com palavras de ordem e parangonas que as coisas se mudam. É com acções concretas e uma forte consciência social.

Pode dizer-se mal de tudo, claro. Há quem o faça. Os populistas são assim. Ouça-se o líder do Chega e comprove-se: segundo ele, Portugal é uma desgraça, os portugueses uns desgraçados. E eu olho para ele e acho que desgraça é haver portugueses assim, como ele.

Há ainda muito a fazer, muito. Alguém diz que não? Alguém de bom senso acredita que Portugal é perfeito? Claro que não. O que é preciso é que ninguém baixe os braços, que ninguém de bem vire as costas aos que ficam. A partirem, que partam apenas os que não sabem honrar a história, a língua e a garra dos portugueses de gema.

O que temos pela frente é um percurso. Ainda não há cinquenta anos que vivemos em democracia. Durante décadas o país viveu tolhido, amarrado à força à pobreza, à ignorância. Éramos um país fechado sobre si próprio. E isso deixas marcas profundas.

Leva tempo a construir mentalidades novas, a abrir as mentes de forma colectiva, a abrir-se ao mundo. 

Eu estudei em Portugal, perto de casa. Não me ocorreu ir para longe quando podia estar perto. Mas uma prima mais nova já foi estudar para uma universidade a centenas de quilómetros de casa. E a filha de uma outra prima já foi estudar para um outro país, um país longínquo. Os meus pais nunca me deixaram fazer o interrail porque eu queria ir com um namorado e eles acharam que nem pensar ir por aí, à aventura, com um namorado. E casei-me aos vinte porque não me passou pela cabeça ir viver com ele sem me casar. Com os meus filhos foi tudo diferente. Viveram juntos sem se casarem, passearam, fizeram o que quiseram. Não sei como será com os meus netos. Da minha parte, quero que sejam felizes, que realizem os seus sonhos -- mas que amem sempre, de paixão, o nosso país, que sejam sempre solidários com os seus concidadãos, que sintam sempre orgulho em serem portugueses.

Não é um sentimento abstracto. É bem concreto, bem real. É um amor verdadeiro, completo que, em cada pequeno acto, deve ser materializado. É daqueles amores que se quer físico, demonstrado. Quem ama o seu país sente-se também amado. É como com as pessoas. Amor verdadeiro é amor partilhado, é amor tolerante, é amor que se quer construir e para o qual se quer que depois de um dia venha o outro dia. Quando assim não é, então não é amor. 

Há pouco apareceu-me um vídeo que mostra o meu País pelo olhar de um não-português, muitas vezes em imagens aéreas que, obviamente, não são alcançadas por quem anda com os pés no chão. Conheço aqueles lugares mas sob uma outra perspectiva. Gostei de ver. Que país tão bonito.

A seguir, com alguma edição, vi como um casal também não-português vê o nosso país. Vi muitos lugares que conheço e percebo o encantamento de quem os vê pela primeira vez. País mais lindo, o meu querido Portugal.

Partilho-os convosco. Mostram o país visual. Claro que há depois o país vivido, o país do dia a dia, tantas vezes tão difícil. Mas esse não é agora o tema. Só espero é que gostem tanto do nosso país como eu. 

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Os melhores locais para visitar em Portugal segundo Ryan Shirley

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Portugal - The Europe We Didn’t Know Existed!

Portugal has been on every "top travel destination" blog for years. Over a 2-week road trip we explored the beautiful castles, incredible history, and rugged coastline, from Lisbon to Sintra down to the world-renowned Algarve beaches and caves, and then all the way up to the rolling vineyards of the Douro Valley wine region in this fascinating slice of Europe. 

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Mário Cesariny :: Queria de ti um país 

Música de Rodrigo Leão & Gabriel Gomes / Vídeo Cine Povero


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Pinturas respectivamente de Vieira da Silva, Paulo Ossião, Guilherme Parente, 2x Graça Morais, Noronha da Costa, Paula Rego, Cargaleiro.

Carlos Paredes com Luísa Amaro interpreta Canto do Amanhecer

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Desejo-vos uma boa semana a começar já por esta segunda-feira

Saúde. Boa sorte. Compreensão. Paz. 

segunda-feira, agosto 24, 2020

Um dia feliz
(apesar de estar como estou)




Tenho que ver se descubro o nome das árvores, arbustos e flores que aqui tenho. Os antigos proprietários, na altura, disseram-me mas eram dias cheios de informação, não consegui registar quase nada. E de alguns eles não se lembravam, depois um dizia uma coisa, o outro dizia que achava que não. Por isso, apaguei da ideia. Tenho que descobrir. Sei que uma veio da Madeira, é rara, é bonita, ele teve pena de a desbastar porque encontrava beleza naquelas longas franjas penduradas. Essa é uma daquelas que, à primeira vista, se diria que precisa de ser desbastada mas também gosto e, de resto, ainda estou naquela fase em que me dá pena mexer no que quer que seja. A ver se amanhã consigo mexer-me o suficiente para dar um passeio pelo jardim para fotografar algumas flores ou arbustos ou a tal árvore. 

Hoje estiveram cá todos: casa cheia. No fim o mais novo queria saber onde dormia. Quando a mãe lhe disse que não dormia cá, ficou todo triste. A menina tinha deixado cá a mochila. Quando lhe ia dizer onde estava, antecipou-se: eu sei, já a vi, está no meu quarto. Fico contente, sentem-se bem por cá.

A minha mãe também cá está. Gostou do quarto e antecipou que ia dormir lindamente porque o colchão lhe pareceu bem bom. E é. 

Hoje quando fomos buscá-la, ao sair de casa, ouvi pela segunda vez o que o antigo proprietário nos tinha dito. O vizinho do lado não fala com ninguém. Apenas se sabe da sua existência porque, de vez em quando entra ou sai e, sobretudo, porque toca piano. Estamos no jardim e a ouvi-lo ao piano, disse ele. E é verdade, comprovei-o.

Na primeira vez, eu estava em casa sozinha, no sótão, a arrumar livros, as janelas abertas. E, nisto, ouço o piano. Fiquei tão emocionada. Tão estupidamente emocionada -- porque não há razões objectivas para alguém se emocionar  a ouvir um vizinho a tocar piano. Mas emocionei-me. Parecia que estava dentro de um sonho. No outro dia, continuava eu na minha labuta, ouvi um som: fui ver. Tudo coisas novas para mim. Não tinha, antes, vizinhos cuja actividade eu pudesse observar, mesmo que de longe. Era o portão da garagem a abrir, depois um carro a sair. Passado um bocado, ouvi que o portão se voltava a abrir. Deve ter-se esquecido de alguma coisa, voltou a casa para logo sair. Pessoa talvez pela minha idade, cabelo grisalho, chapéu de palha de abas largas. É, então, ele o pianista.

Ouvi também um grasnar. Mas não é grasnar a palavra certa. Mas também não posso dizer pipilar ou cantar. Pus-me à janela, enquanto aproveitava para descansar, e fui apurando a visão para perceber de onde vinha o som: era um pássaro preto, grandinho. Fui informar-me: era um corvo. E, no outro dia, enquanto falava ao telefone lá fora, levantou-se um par de rolas. Gostei muito. Será que este é um local que também atrai os bichos? Ainda não sei. Sei é que, quando este domingo estava a mostrar a horta à minha mãe, vi um animal a fugir mas já só lhe vi o rabo felpudo. Podia ser o rabo de uma raposa. Ou será que era algum cão que andava por ali vadiando? Mas os cães terão rabos assim tão felpudos? Não disse nada à minha mãe não fosse assustar-se. Havia de ter graça que num lugar destes houvesse raposas. 

Hoje fico-me por aqui. Como disse, foi dia grande.

A casa já está praticamente toda arranjada. Sinto-me orgulhosa por termos conseguido a proeza de nos mudarmos, de termos tido a coragem, a energia e determinação que uma operação destas exige.

Mais um leão em festejos e os festejos foram cá. Casa cheia de animação, brincadeiras de crianças, a maluqueira que são as fotografias de grupo, cantorias, risotas. A alegria de estarmos juntos. Tudo ao ar livre, covid oblige. Mesas grandes para estarmos distanciados. Sorrisos nos rostos de toda a gente. Mesa farta, gente com apetite. A minha mãe, então, veio carregada. Por mais que lhe digam que não se exceda, excede-se sempre: tartes, crepes, creme de chocolate, petiscos, um belo bolo.  Mas toda a gente adorou os seus acepipes e ela fica toda contente com isso. A aniversariante também veio carregada. Eu apenas contribuí com um arroz de carnes e com as bebidas. 

Só que, com os esforços físicos que tenho feito, dei cabo da musculatura toda. Tenho alma de estivador mas, pelos vistos, músculos de princezinha. Por isso, com vossa licença, vou ver se consigo levantar-me daqui e chegar ao quarto. Antevejo que seja uma peripécia pegada.

Inté.


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Pinturas de Guilherme Parente ao som de Moon Song da banda sonora de Her

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E dias felizes. Saúde, sorte, alegria, motivação.

quinta-feira, janeiro 07, 2016

A vida multiplicada e brilhante, em que é pleno e perfeito cada instante. Agora e na hora da minha morte.





Cansa-me o que é mais do mesmo. Pelo contrário, atrai-me a diferença. Seduz-me a imprevisibilidade. A multiplicidade, a mim, encanta-me. Perceber que pouco percebo, descansa-me o espírito. Andar como uma criança por entre um mundo de desconhecimento atrai-me. Se eu fosse de me exprimir através de lugares comuns (e acho que não sou) até poderia acrescentar que a diversidade é a minha praia, em especial, se for inesperada.

Que o sol se descubra, em brilho e festim, no meio de um céu cinzento, para logo desaparecer, fazendo crer que não aconteceu, é para mim um milagre que me empolga. Que uma palavra silenciosa se desprenda de um coração para vir pousar junto ao meu, parece-me coisa dos deuses. Que uma música me transporte pelos céus como se eu fosse dentro de nuvens feitas de algodão em rama, parece-me magia. Que uma flor surja, rosada e límpida, por entre um chão de folhas mortas, parece-me um presente que nada fiz para merecer. Andar pelo campo, só eu, em passos de lã, e ouvir os pássaros, cantando de árvore para árvore, místicos, seres de um outro mundo, parece-me bênção, quase predestinação.


Não sei se um dia conseguirei ordenar todas as peças por forma a fazerem sentido. Espero que não. Se isso acontecesse seria como andar na formatura, sabendo os passos a dar, todos iguais, obedecendo a uma voz de comando, sem uma gota de surpresa a perfumar os meus sentidos.

Prefiro continuar assim, feita de muitas peças coloridas colocadas à toa, como uma casa de lego feita por uma criança, e saber que amanhã a casa pode estar diferente, as peças amarelas misturadas com as verdes e com as encarnadas, as janelas no lugar das portas, a chaminé a parecer uma torre que aterrou no telhado, e que no outro dia a casa vai parecer um lago com árvores dentro e pássaros no jardim e que afinal não são pássaros, são cavalos azuis. Assim é que me sinto bem.


Ouço música enquanto escrevo. Escolho ao acaso. Agora tinha escolhido uma, uma fantasia árabe, ficou a tocar, depois passou para outra que reconheci. Maravilhada fui espreitar: quem a pôs aqui a tocar para mim? Não sei mas acredito que uma mão que me quer tocar, a pôs a tocar para mim. Já a coloquei agora aqui, lá em cima, para que a ouçam também. Já mil vezes aqui a coloquei, em diversas interpretações, mas mil outras vezes ela me aparece, tentadora, um espelho em frente de um espelho, a alma translúcida de alguém que talvez seja eu reflectida num espelho que descobre alguém que não sou eu mas que está presente em mim como eu.
E se nada disto tem explicação, nem o que escrevo, nem o que penso ou faço, então está certo, é mesmo assim, sem explicação. 
Fui buscar imagens para intercalar no texto sem saber o que procurava. Escolhi ao acaso, não sei se fazem sentido junto a estas palavras desordenadas. Sinto que sim, parece que trazem alguma ordem a este caos que me seduz e que me acolhe. Mas também não sei explicar porquê, nem tento.


Olho à minha volta nesta minha mesa redonda onde escrevo e onde se aninham os livros que gosto de ter por perto: um livro sobre bibliotecas, livros de poesia, aqui mesmo ao meu lado 'Amar a vida inteira' de Casimiro de Brito e 'Últimos poemas de amor' de Paul Éluard, livros sobre pintura e entrevistas a pintores, também a um arquitecto, e 'Cartas de Amor' de Pablo Neruda,  e um livro vibrante sobre Havana com as suas cores quentes e alegres e gente sorridente, e também um daqueles livros loucos, que me delicia, do Beckett. E 'Seis propostas para o próximo milénio' de Italo Calvino. E outros. Uma miscelânea que parece que me procura ou que se forma, por si só, à minha volta.

E tenho também aqui verniz carmim, estive a pintar as unhas, e um CD, ofereceram-me pelo natal, muito bom, e uma concha que trouxe de Lagos, adoro Lagos, parece que uma parte de mim tem sempre vontade de para lá ir, e agora acabo de descobrir um saquinho de tâmaras (como veio isto aqui parar? - é certo que gosto imenso de tâmaras mas não me lembro de as trazer para aqui). Ao centro da mesa está uma bandeja que tem uns pequenos pés. Está cheia de coisas: as rodas de um carrinho, um ramo pequeno com bolinhas encarnadas, deve ter-se desprendido de um enfeite de natal, uma caneta cor-de-laranja, uma lupa, um lápis que escreve palavras macias, e mais coisas. Na parte de baixo da bandeja mandei gravar um poema de Sophia:

És tu a Primavera que eu esperava,
A vida multiplicada e brilhante,
Em que é pleno e perfeito cada instante!


Às vezes penso que um dia vou deixar de andar por cá. Se eu estiver consciente quando isso acontecer, penso que estarei serena, como quem já conheceu e desfrutou bem esta vida e está pronto para partir para outra. Quando tive um acidente violento que destruiu o carro, tive, na fracção de segundos em que aconteceu, a consciência de que poderia estar a viver os meus últimos instantes. E não me assustei. Estava num carro sem travões, a descer por uma descida que ia ter a uma rotunda cheia de camiões, era mais que certo que me ia desfazer contra um deles, e não senti medo. Depois, não sei como tive discernimento para isso, para evitar bater nos carros que circulavam, resolvi subir para o centro da rotunda, vi o carro a avançar contra uma enorme peça metálica, pensei que a peça ia entrar pelo vidro e talvez degolar-me. E não me assustei. Teria morrido na maior das tranquilidades. Pensei que nem tinha tempo para pensar nos meus filhos. Já o contei aqui: os airbags abriram-se, encheram o carro de fumo branco, o carro ficou meio no ar, de lado, espatifado, choquei com uma árvore, que ficou destruída, e choquei com aquela enorme peça. A custo, dada a posição do carro, saí dele, admirada por estar viva. As pessoas saíram dos carros, assustadas, diziam para eu fugir porque o carro podia explodir, pensavam que o fumo era o carro a arder. Eu estava calma. Não fiquei ferida. Telefonei, vieram buscar-me, queriam levar-me ao hospital, não quis, sabia que estava bem. Fui trabalhar como se nada se tivesse passado. O seguro declarou perda total para o carro.

Penso nisto, às vezes: na minha tranquilidade perante uma situação da qual, racionalmente, pensei que talvez resultasse a minha morte. Mas não pensei assim: 'a minha morte' ou 'vou morrer'. Pensei apenas: 'se calhar estou a viver os meus últimos instantes de vida'. E pensei isso com uma paz assombrosa. Parece estranho mas foi assim que aconteceu.

Não sou católica, não sou sequer crente, pelo menos segundo os ditames da religião católica. Mas parece que sinto que vivi antes, como se trouxesse em mim memórias de vidas que não vivi. Ou que vivi. E parece que sinto que viverei mesmo depois de ter deixado esta vida. Talvez viva apenas na memória dos que me amaram. Ou viva no corpo de uma gaivota. Mas isso não me interessa.


O que me interessa é esta aventura, é este prazer em juntar palavras, em descobrir cores, em deixar-me embalar por acordes, é deixar-me amar, é amar, é ser meio louca, é dizer coisas que não fazem sentido, é sorrir, é ver o sorriso no olhar de quem me quer bem, é saber que mais logo, se calhar, vou ser o oposto disto, e depois outra vez diferente -- a vida caleidoscópica e irrepetível e eu também incompreensível, quase inexistente na minha colorida, ilógica e indescritível multiplicidade (ou unidade?).

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As pinturas, por ordem descendente são de Balthus, Guilherme Parente, Júlio Resende, Chagall, Matisse, Gauguin.

Spiegel im Spiegel de Arvo Pärt é interpretado por Leonhard Roczek no violoncelo e Herbert Schuch no piano.

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Sobre o debate Paulo de Morais e o Zelig da campanha presidencial, Marcelo de seu nome, é descer até ao post seguinte, por favor.

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sexta-feira, julho 04, 2014

O Um Jeito Manso faz quatro anos e já foi visitado mais de 650.000 vezes. À surpresa por ter chegado até aqui, junta-se-me o sentido agradecimento por todos quantos me têm acompanhado e que, com a sua presença, tantas vezes silenciosa, me motivam a continuar. Do fundo do coração, o meu muito obrigada.



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E eis-me chegada ao quarto aniversário do Um Jeito Manso. O tempo passa. 



Repito-me: nunca, quando comecei numa noite quente de um sábado de verão, in heaven, sem saber ao que ia, poderia alguma vez imaginar que gostasse tanto de aqui estar.

Tantas vezes já aqui o referi. Não conhecia este mundo, nada sabia das técnicas associadas a isto, ia experimentando, por instinto, e, de resto, também não conhecia ninguém na blogosfera, ninguém para me ensinar, ninguém para me recomendar. 

Logo nessa noite, para ver como era isto de publicar posts, escrevi três, muito pequenos, para ver como se inseriam fotografias, para ver como se escrevia, se alinhava o texto, etc.



1
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No terceiro post escrevi um poema de Nuno Júdice que tinha acabado de escrever, com pincel e tinta, num canteiro alto que antes tinha pintado com cores a la Rothko.

Não esperes; o dia de hoje é
o dia que desejas e não é todas as manhãs
que esta luz te abraça com o seu fulgor
de ave, convidando-te a partir até ao fim
da terra.

E rematava com umas palavras que diziam aquilo que enforma a minha atitude perante a vida: Sejamos optimistas, 'sejamos realistas - exijamos o impossível', levantemo-nos. Hoje.

E assim vim andando.

Começar do zero, a tactear. Uma, duas, três visitas, depois quatro, cinco, seis. Dez pessoas?! Tantas... Quem serão? Um caminho de passos pequenos, pequenas descobertas, pequenas surpresas.

2
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Não me ocorreu na altura dar-me a conhecer, não fazia sentido, era apenas uma experiência. Depois, quando começou a ser um prazer, também não fazia sentido identificar-me. As palavras que eu escrevia e as minhas escolhas (imagens, músicas) deveriam continuar a valer por si. Além do mais, o anonimato é-me confortável. Não quero que as minhas opiniões sejam relacionadas com o sítio onde trabalho tanto mais que exerço uma função de alguma responsabilidade, ou criem qualquer tipo de embaraço entre colegas ou perturbem de alguma forma a forma isenta como me posiciono profissionalmente. Poderia usar um pseudónimo mas um pseudónimo ou coisa nenhuma é a mesma coisa. Além disso, os Leitores começaram a tratar-me por UJM ou Jeitinho e isso é uma forma tão boa como qualquer outra de ser tratada.

3
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Não encontro registo do número de visitas que tinha tido quando decorreu 1 ano que por aqui andava mas devem ter sido poucas.

Mas já encontro de quando se concluíram os 2 anos: 137.000 visitas e já, nessa altura, eu tinha mostrado o meu espanto. Os números começavam a surpreender-me.


Quando há um ano atrás, cheguei ao 3º aniversário, estava eu admiradíssima. Num ano as visitas mais do que tinham duplicado: já eram, então, 300.000. O número crescente de visitas era para mim um mistério. De onde vinham tantas pessoas para ler o que eu aqui escrevia? 


Pelas estatísticas consigo saber que vêm sobretudo de Portugal (60%), depois do Brasil (14%) e a seguir, bem mais abaixo, dos Estados Unidos, Alemanha, e depois já mais abaixo, com menos de dez mil cada país, outros países, alguns francamente surpreendentes como é o caso, por exemplo, da Polónia ou da Ucrânia. Aparece-me nas estatísticas com muita frequência o google translator pelo que presumo que estejam a traduzir os textos que escrevo…. E, do que tenho verificado, esta distribuição das visitas por países e o crescimento que tenho verificado é francamente consistente.

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Hoje chego aos 4 anos de Um Jeito Manso e, para minha perplexidade, já passei as 650.000 visitas. 


Como foi tal possível? Ainda não consigo perceber.

Se olhasse para este crescimento do ponto de vista matemático teria que concluir que estou em presença de uma progressão geométrica, cujo valor duplica de ano para ano. Mas acho que não devo ver isto nesta perspectiva até porque pode faltar-me a inspiração, pode faltar-me a motivação ou posso começar a desiludir os Leitores.

Não acredito que este ritmo de crescimento se mantenha pois, sendo o blogue unipessoal e anónimo, ele depende apenas do seu conteúdo e de mim que o faço e eu sou falível, forçosamente falível.



Vamos ouvindo, por favor






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Quando vejo o bebé a portar-se mal e lhe pergunto o que é que está a fazer, ele responde-me com ar descarado: coijas. Assim estou aqui: faço coisas. O que me apetece em cada dia. Sento-me aqui e, a maior parte das vezes, não sei sobre o que vou falar. É o que me ocorre.

Não tenho uma agenda, não tento forjar uma imagem, não tento fazer-me passar pelo que não sou. Mostro-me como sou, sem disfarces, mais nua do que se estivesse aqui com fotografia e número de BI. Estando aqui anónima, livre, um ponto incógnito no meio de milhões de outros pontos que cruzam os ares neste mundo feito de seres, perfis, contas, likes, onde se cruzam desabafos, gritos de alma, suspiros, pedidos de ajuda com vaidades, ficções, ou maldades, azedumes, vinganças. A minha voz perde-se no meio de milhões de outras vozes e eu não tento falar mais alto, ter mais razão, criticar os outros que, tal como eu, deixam sair a sua voz na imensidão do universo. Tento apenas, porque assim sou quando estou cara a cara com quem quer que seja a falar do que falo aqui, defender as minhas ideias, os meus ideais, e falar de justiça, de beleza, divulgar aquilo que, de alguma forma, me toca e deixar uma palavra de esperança. Acredito que, quando queremos, alcançamos (pelo menos a maior parte das vezes).

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E assim, sendo eu em cada palavra que escrevo, aqui tenho vindo a acompanhar o tempo que passa.

Mas nunca acreditei que todos os dias fosse capaz de escrever coisas, escolher coisas, desencantar coisas e tenho a noção de que isto é capaz de ser uma realidade finita. Talvez chegue o dia em que não terei nada para dizer, nenhum fotógrafo ou pintor ou músico para descobrir, nenhum novo poema que me encante. Aí pararei.

Acontece também uma coisa: eu sempre fui de ler muito e de pintar e de fazer tapetes de arraiolos e de descobrir novas coisas (grafologia, por exemplo) e ainda sou. Tenho muita vontade de voltar a ter mais tempo para ler, de ter tempo para aprender a fazer vídeos por exemplo e o que me vier à cabeça. E isto de aqui, à noite, no meu turno da noite que começa invariavelmente depois das dez da noite senão depois das onze, me sentar e aqui estar até adormecer, é muito absorvente, não dá para acomodar outros vícios.


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E, portanto, sei lá se consigo esperar muitos anos, até me reformar, ou se atalharei caminho um dia destes?

Não sei.

O que sei é que hoje ainda cá estou, amanhã talvez também. Daqui por um ano, logo veremos.
E também logo veremos se, por essa altura, já terei ultrapassado o 1.000.000 de visitas.
O que sei é que este grande afluxo de visitas - que presumo que cheguem uns pela mão de outros, ou aterrando aqui através de pesquisas nos motores de busca - me tem trazido um número crescente de contactos.

Já aqui vos contei que fui contactada para participar num programa de grande audiência da televisão (e que recusei, claro) e também já o referi muitas vezes a pena que tenho por não ter tempo para responder a todos os comentários, tão interessantes, que mereciam ser discutidos, que mereciam, pelo menos, uma palavra de agradecimento. O mal é meu que, assim que me ponho a escrever, perco a noção dos limites e uso o pouco tempo que tenho em cada coisa que faço. Não doseio porque me entrego toda em todas as palavras que escrevo e, por isso, opto frequentemente pela solução mais radical: não responder. Mas fica sempre um remorso terrível a roer-me. Também recebo muitos mails e não consigo, por vezes, responder a todos, ficando-me sempre com a incómoda sensação de estar a ser mal educada, mal agradecida.

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O que acontece é que, pura e simplesmente, não tenho tempo.

Também não consigo ler livros originais que me enviam, pedindo a minha opinião. Não apenas o tempo me escasseia como não me sinto habilitada a pronunciar-me sobre algo tão importante na vida de uma pessoa como é a escrita de um livro.

No entanto, tenho que vos confessar que tenho conhecido pessoas interessantíssimas através do blogue ou, em particular, através dos mails que me chegam por via do blogue.

Tivesse eu mais tempo e estou certa de que seriam amizades que haveriam de se estreitar pessoalmente.

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Ainda há pouco estive a responder ao mail de uma leitora que por aqui conheci e por quem sinto aquela atenção vigilante e amiga que se sente por quem nos é muito próximo, quase como se nos conhecêssemos desde a infância. Diz-me ela que por aqui me acompanha como se eu fosse da sua família e que quase consegue ouvir os pimentinhas quando falo deles. Fico sensibilizada.

A gente escreve e vê as estatísticas a subirem mas não sabe se quem lê, gosta do que lê.

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E, vendo que as minhas palavras podem ser uma companhia, podem ser a família que por vezes, na realidade não existe, comovo-me.

Fico com vontade de todos os dias conseguir dizer uma palavra de proximidade, quase como se as minhas palavras pudessem ser um braço infinito que conseguisse chegar até a casa de cada um que me lê com estima, para que a minha mão pudesse fazer uma festa a quem não tem quem as faça na realidade.

Ou que as minhas palavras conseguissem transportar a alegria necessária para que todos nos juntássemos numa roda, em dança, alegres como crianças.

Ou que transportassem o misterioso sonho de veludo que habita fronteiras clandestinas, ou quartos frescos onde a sombra é cúmplice, ou os jardins atraentes como perigosos abismos onde se passeiam faunos, mulheres nuas ou cavalos azuis.



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0 - A primeira imagem, Blue Flower, é uma pintura de Georgia O’Keeffe, pintora americana muitas vezes aqui presente e abre este texto para deixar muito claro que este é um blogue de uma mulher, uma mulher que gosta muito de ser mulher.


1 - A imagem seguinte, também em azul, é de Mark Rothko, pintor que misteriosamente me atrai sem que eu consiga explicar porque tenho vontade de mergulhar nas suas cores quando elas eram luminosas ou vontade de rezar ou ler poesia quando as cores começaram a indiciar o negrume no qual viria a mergulhar.


2 - A segunda é de Balthus e é a imagem que encimou o Um Jeito Manso nos seus primeiros dias. É uma das suas meninas levemente más, maliciosas, perigosas com quem, por vezes, às escondidas me identifico.


3 - A terceira, a mulher que pensa ao pé de livros é uma pintura de Menez. Assim gostaria eu de ter tempo para estar: em silêncio, sem limites, sem pressa.


4 - A fotografia seguinte é de Man Ray, e mostra Kiki de Montparnasse de olhos fechados com uma máscara atenta. Quase assim sou eu: sossegada enquanto a UJM escreve e dá a cara pelo que lhe apetece.

  •  O vídeo traz-nos Caroline Nunes, uma inesperada adolescente brasileira, num jardim de uma cidade de Minas Gerais, Poços de Caldas dizendo o magnífico Tabacaria de Fernando Pessoa aka Álvaro de Campos.

Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.
Janelas do meu quarto,
Do meu quarto de um dos milhões do mundo que ninguém sabe quem é
(E se soubessem quem é, o que saberiam?),
(...)


5 - A fotografia seguinte é uma das belas fotografias de flores e não só de Robert Mapplethorpe que está comigo desde o início do Um jeito Manso


6 - A mulher que sonha sonhos inconfessáveis é Marie Thérèse de Pablo Picasso, que copiei para azulejos e que tenho na minha sala in heaven.


7 - A seguir está Celle qui fut la Belle Heaulmière, uma pequena escultura de Rodin, uma das que, até hoje, mais me tocou.


8 - A seguir tenho uma aguarela de Guilherme Parente: as suas cores vivas e felizes sempre me transmitiram a inocência da infância e a elas regresso quando sinto vontade de me purificar. 


9 - A seguir, a mulher que passa ao de leve mas deixando um rasto de sedução é Kate Moss fotografada por Annie Leibovitz, duas presenças que aqui muito me têm acompanhado.


10 - A seguir está La danse de Henri Matisse, que igualmente fiz reproduzir num painel de azulejos e me acompanha in heaven. A alegria sem pecado e a partilha total aqui bem presentes.


11 - Seguem-se os Cavalos Azuis de Franz Marc, cujos passos subtis e ardente resfolegar ouço quando, à noite, o luar invade as minhas noites in heaven.

  • Para terminar, uma mulher que também aqui me tem acompanhado com frequência: Sylvie Guillem, a graciosa, elástica e vibrante mulher das longas pernas e personalidade vincada. Dança o Bolero de Ravel, música que é um bom acompanhamento para actividades não declaradas.

E mais não digo.


Dancemos, provoquemos, batamos o pé, voemos



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Por agora, por aqui me fico. O meu dia foi longo e eu estou com sono, coisa que, de resto, é um clássico por aqui, certo? Não consigo rever o que escrevi. Estou a pé há quase há 18 ou 19 horas, nem sei, e não consigo energia para rever este lençol. Ponho-me a escrever e a escolher imagens e o tempo vai passando e, quando chego ao fim, até tenho vergonha do tamanho do castigo que vos inflijo e das lindas  horas a que me vou deitar.

E portanto, assim sendo, desejo-vos, meus Caros Leitores, uma bela sexta feira e por aqui vos espero amanhã e depois de amanhã e depois de depois de amanhã e depois e depois e depois... durante muito tempo: será sinal de que estamos vivos, bem dispostos, eu sem ainda ter ido entregar-me de corpo e alma a uma outra qualquer actividade e vocês com paciência para me continuarem a aturar.


Obrigada uma vez mais, mil vezes obrigada! E sejam felizes, está bem?


terça-feira, março 11, 2014

Em casa e cá fora in heaven. Eu e os azulejos. Há quem goste de pintura e poesia e se fique pelo amor platónico. Eu não: eu sou toda pelo amor passado à prática.


Estou aqui a balançar entre continuar a escrever sobre alguns temas da actualidade ou em dar seguimento àquilo de que ontem vos falei.

Mas quero honrar compromissos e, portanto, largo as palhaçadas miguel-punhistas, o bicho dalmatiano rangélico-birrento, e alguns dos dramáticos efeitos colaterais da gestão laparosiana e parto para o campo.

Se quiserem ver e ler sobre essas ridículas figuras e, depois, arejar as ideias, voltando a Lisboa, a bela, ao som de Mignonne, allons voir si la rose, quando acabarem este que estou a escrever vão descendo, por favor, até se aproximarem do Tejo.

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Não será ainda hoje que mostro a alegria dos meus pimentinhas à solta in heaven. A noite vai longa e isto já vai para além da dose. Por isso, hoje limito-me a mostrar um pouco do local onde está muito de mim.

Venham comigo que eu vos conto. 

Vai pensamento






*

Tenho sempre muitas ideias. Frequentemente não as posso pôr em prática. Vivo inserida em organizações onde nem todos andam à mesma velocidade e no mesmo sentido e, por isso, é normal que todos tenhamos que fazer cedências. Faço muitas. No trabalho ou na sociedade tenho, muitas vezes, que me esforçar por me acomodar. No outro dia, um psicólogo perguntava-me 'e consegue manter-se motivada?'. Consigo. Não posso fazer uma coisa, viro-me para outro lado, faço outra.

Mas, na minha casa, sou rainha e senhora. É certo que há um rei e o rei muitas vezes dá muita luta, ó se dá, mas, enfim, ainda assim, para ser honesta, não me posso queixar.

Na minha casa eu posso, pois, sonhar e tentar concretizar os meus sonhos.

Quando estou in heaven tenho largueza para expandir os pensamentos. Talvez por isso tenha feito escrever em azulejos a frase 'Va', pensiero, sull'ali dorate'.

Quando aquilo era apenas mato e eu olhava em volta sem saber por onde haveríamos de, um dia, caminhar, pensava muitas vezes que, nesse dia longínquo, haveria crianças pequenas à minha volta e que haveriam de andar por ali, maravilhadas, à descoberta.

Aos poucos foi sendo claro para mim onde deveriam estar os caminhos. Foi um processo lento. Os caminhos fazem-se caminhando - é sabido. 

Caminhos, uma escada na pedra, um pequeno muro a delimitar o espaço, um banco, um sítio para a lenha, um outro caminho, árvores à beira do caminho.

Dias. Dias. Meses. Anos. 


Um dos primeiros espaços. Reprodução de uma aguarela de Guilherme Parente


E tanto que eu gostava de ter uma casa enorme com as paredes cheias de telas dos pintores de eleição. Mas não dá, nem a casa é tão grande assim nem o dinheiro chega para os pintores que tanto amo. Não dá...!? Dá mais ou menos.


Não dá para pôr em casa, põe-se na rua.

Não dá para ter as telas, mando reproduzir em azulejo. 

Não tenho fins comerciais (como é óbvio). São painéis fixados na pedra no meio do nada. São para meu deleite. Meu e dos que me são mais próximos. Nada mais que isso.

José de Guimarães, um dos que me é caro. Cores abertas, figuras livres, ironia, alegria.


Estes que aqui mostro são parte de painéis maiores. Estão num grupo de quatro paredes em losango que têm ao meio um canteiro alto que tem um cipreste lá dentro e um banco à volta.

Lá dentro não entra o vento e há pinturas em cada parede, por dentro e por fora. Oito pinturas na parede, sobre azulejo.

Sou louca?

Sou.



E há a poesia. Poesia a acompanhar os nossos passos ou as nossas leituras ou o nosso sossego. 

Sophia, Eugénio, Herberto, Jorge de Sena, O'Neill e muitos mais.

Os meus amorzinhos pequeninos brincam no meio de palavras. Assim é o meu amor pelas palavras: um amor material. Passo-lhes as mãos por cima, deixo que o tempo as suje, deixo que o sol as ilumine.



Mas levei a paixão dos azulejos também para dentro de casa.

minha casa sou eu. 

Não me esgoto na minha casa, bem entendido, mas há muito de mim nos recantos da minha casa. As minhas cores, os meus aconchegos.

Paul Klee, Picasso, e outros e, cúmulo do disparate, coisas minhas. 

Mas que mal tem? 

É a minha casa. Não tenho nada a provar a ninguém. Mais: não quero enganar ninguém, vou logo avisando, olhem que eu não sou boa da cabeça, vocês dêem desconto.


Gosto de sofás e de almofadas, gosto da cor de tijolo que é quente, gosto de iluminação de parede, de mesa ou de pé porque faz um ambiente mais íntimo, gosto de objectos que não lembram a ninguém, junto estatuetas de cariz religioso com galinhas em pâpier maché, com velas em forma de ovelha choné, ferrinhos, e sei lá que mais e gosto de juntar tudo isso a improváveis painéis de azulejos embutidos na parede.

Hoje a casa e o espaço em volta já se enche de crianças. Chegam e começam a correr para rever os sítios de que se lembram tão bem desde a vez anterior. É um lugar mágico para eles. E para mim também.


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A música lá em cima mostra o Coro do Metropolitan Ópera House de Nova York, interpretando "Va Pensiero" da ópera Nabucco de Verdi. Uma maravilha. De vez em quando volto a ela, e imagino sempre o que deve ter sido a emoção da multidão nas ruas, a cantar isto enquanto se despedia de Verdi.


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Relembro: por aí abaixo há mais uns três ou quatro posts, já nem sei bem. Vão do Bate-Punho, essa vulgar criatura, até Pierre de Ronsard, passando pelo rangélico dálmata (destes lembro-me eu). Um mix a la UJM.


NB: Sempre que isto mete fotografias e eu tento juntá-las, a coisa dá para o torto. Sai tudo meio desalinhado. Paciência. Tenho tanto sono que já nem consigo dar uma vista de olhos. Desculpem as vírgulas fora do sítio ou palavras a mais ou a menos. A ver se, lá para a hora de almoço ou ao fim do dia, consigo tempo para dar uma olhadela a ver se descubro gralhas. Relevem, está bem?


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Desejo-vos, meus Caros Leitores, uma bela terça feira.