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sexta-feira, março 17, 2023

A caminho de me pôr fit -- dia 1.
Isto em dia de grande alegria sportinguista cá por casa.
Com surrealismo gostoso à mistura

 



O dia foi bom. O pior foi que, andando eu distraída da meteorologia, a meio da tarde fui surpreendida com o dia a escurecer e a chuva a cair. Pensava que ia estar um dia de sol e, afinal, descambou daquela maneira. 

Ia começar a rever a minha obra literária mas tive que me deixar disso e ir apanhar a roupa que tinha estendido pouco antes. 

Entretanto, as coisinhas de que falei no outro dia já estão penduradas, bonitinhas e a piscarem-me o olho para me deixarem feliz da vida. Olho para a parede e fico toda contente.

E, como tinha pensado, fui inscrever-me nas minhas actividades hídricas. E, quando a menina da secretaria ia começar a explicar-me a dinâmica do local e o que eu devia trazer, disse-lhe que já vinha equipada e pronta para entrar em acção. 

E assim foi. 

No balneário estava atrapalhada com o cadeado (levei um de código) quando uma parceira foi em meu socorro. Pouco depois já uma segunda se nos tinha juntado e, simpaticamente, começado a explicar-me o funcionamento da coisa, não só dos cacifos mas de tudo.

Depois foi a aula. Gostei imenso do professor. Jovem, alegre. Música a bombar. 

Claro que tive alguma dificuldade em sincronizar-me. E salta, e levanta o joelho direito e toca com a mão esquerda no calcanhar direito. E troca. Levanta o joelho esquerdo e toca com a mão direita no calcanhar esquerdo. E troca. E etc. Sempre em acção. 

Estar a olhar para ela e conseguir aguentar o ritmo, movimentando braços, pernas, ancas e ombros, foi um desafio. Mas lá me esforcei para me manter alinhada. 

Foi bom. Sempre a bombar. Contudo, devo confessar que, para o fim, já me sentia um pouco cansada. Com a prática e com mais uns dias de pós-covid em cima espero ficar mais em forma.

No fim, fiz sinal ao professor para saber se podia dar umas braçadas. Como gosto muito de nadar, uma piscinona ali ao dispor era para mim um convite irrecusável. 

Disse-me que sim. Fui. Mas aí percebi que não estou mesmo em forma. Os vinte e cinco metros para lá ainda foram bem. Agora os vinte e cinco metros para cá já foram em esforço. Nessa altura é que me lembrei: gaita do corona. Ainda me canso mais do que é normal, essa é que essa. Por isso, fiquei-me por aí.

A este nível tenho contudo uma outra dificuldade que, esta, não sei se é transponível: não consigo pôr-me nua a ensaboar-me por dentro e por fora, tudo na maior fraternidade, todas conversando e rindo na maior naturalidade, tudo ao léu na maior descontra. Não consigo. Não sei se diga que ainda não consigo ou se diga que não consigo nem conseguirei. Não sei.

Enquanto eu estava lá, o meu marido andou a fazer uma caminhada com o urso-fofo. Eu bem tento mostrar-lhe os benefícios da coisa. Não consigo. Irredutível. Aquilo não é número para ele.

Ao fim da tarde fomos fazer o nosso passeio de fim de dia e já estamos a começar a retomar as distâncias anteriores.

E a nível de actividade física foi isto. 

Também aproveito para andar enquanto estou ao telefone. Sempre assim foi, mesmo quando estava circunscrita ao gabinete.

E hoje, para além das chamadas diárias normais, tive uma bem longa, e agradável, com um ex colega. 

Ou seja, ao ver agora o comentário do Ccastanho, fui ver qual o meu score, convencida de que andava bem modesto. E até fiquei admirada... Depois de dias de sono e borreganço, hibernação covídica pura e dura, eis que voltei a ver os meus usuais 15.000 passos.

Fiz uma captura do ecrão do telemóvel para eu própria não duvidar.


A ver se esta sexta-feira vamos avaliar o tema do ginásio para ver o que nos recomendam e se nos agrada. 

O meu marido avisa-me: não te estiques. Mas, depois da chatice do joelho e da covid, só me apetece é partir para a acção. Fartinha de dormir e de pouco fazer, fartinha, fartinha.

E estou focada na escrita. E, também, a fermentar a vontade de me atirar às tintas. Só que tal como ao escrever não consigo pensar em escrever 'para nada' e só penso em como conseguir publicar, também ao pintar penso logo em como fazer para vender o que pinto. Ora, como são meios que em absoluto desconheço, sinto-me um bocado às escuras. No entanto, esta sensação é, para mim, parte do processo de encantamento em que gosto de estar (não saber no que me vou meter, estar na mais absoluta ignorância... e desejosa de partir à descoberta, ignorando dificuldades, sem medo de bater com a cabeça na parede, toda eu atirada para a frente, ansiosa por arriscar)

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Falta-me dizer que reina a alegria aqui por casa e que, a certa altura, até me assustei tal a intensidade do grito. Quando tentei perceber, só ouvi: que golaço!

Muita alegria. De casa da minha filha veio logo um vídeo. Outro sportinguista aos saltos e transbordante de alegria. Aliás, o avô estava a dizer que ele deveria estar radiante. Um outro, mais novo e com treinos e jogos às oito da manhã e ao fim do dia, já tinha adormecido.

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Como ando a pensar em pintura, aqui o algoritmo do YouTube -- que me adivinha os pensamentos --, apareceu-me, todo lampeiro, a oferecer-me o vídeo que qui agora partilho (e, desta vez, com legendagem em português)

O mundo surreal de Rene Magritte 

(autor das pinturas que ilustram este texto)
 

Art History School

Aprenda sobre o mundo bizarro de Rene Magritte, nesta biografia de Rene Magritte. Ele foi um artista surrealista belga e um dos mais famosos pintores surrealistas. As suas pinturas eram caracterizadas por símbolos particulares – o torso feminino, o “homenzinho” burguês, o chapéu-coco, a maçã, o castelo, a rocha, a janela e outros objetos comuns, frequentemente colocados em situações inusitadas ou inesperadas. Como outros pintores do surrealismo, a sua obra é misteriosa e deliberadamente difícil de decifrar. Casou-se com Georgette Berger em 1922 e fez amizade com Andre Breton, Paul Eluard, Hans Harp, Joan Miro e Salvador Dali do grupo surrealista parisiense.

As obras mais importantes de Rene Magritte incluem The Menaced Assassin, The Red Model e The Enchanted Domain, um mural que ele criou para o Knokke Casino na Bélgica. O trabalho de Magritte teve um grande impacto desde sua morte. Pop art, conceitualismo e a pintura dos anos 1980 podem apontar para a sua influência e o seu trabalho ainda inspira arte comercial e designers gráficos em todo o mundo. O Museu Magritte, inaugurado em Bruxelas em 2009, possui mais de 200 pinturas, desenhos e esculturas de Magritte, que merecem uma visita.

[Traduzido pelo Translate do Youtube]


Um dia bom
Saúde. Ânimo. Paz.

quinta-feira, maio 20, 2021

Nesta vida, o que é que faz sentido?

 



Os hábitos mudam. Dantes, não assim há tanto tempo, ia uma meia dúzia de vezes por ano a Madrid. Eu gostava muito de Madrid e chegava a dizer que não me importava de lá viver. Estudava as exposições, avaliava as que valiam a pena, estudava a melhor altura para as visitar. E antecipava o prazer de andar no Retiro no meio daquela tremenda diversidade dos domingos de manhã. Vinha de lá carregada de fotografias. Tudo me agradava: a arte, os jardins, a alegria das pessoas, as lojas, os restaurantes. 

Até que, por isto ou por aquilo, as viagens foram ficando mais esparsas. Agora, se penso em Madrid, não sei bem o que lá me atrairia. 

Os museus de Paris ou de Amesterdão também são daqueles aos quais haverá sempre mil razões para lá voltar. E, no entanto, se pensar em ir passear, não me ocorre ir para lá.

É estranho, isto. 

Apetece-me passear mas, se pensar onde quero ir, só me ocorrem lugares por aqui mesmo, por perto. Ir até à Gulbenkian, por exemplo. Ir descobrir parques, ir a pequenos museus, coisas assim.


Se calhar é outro dos efeitos colaterais do confinamento. Vi que, no dia em que abriram a cancela aos turistas, aviões carregados de ingleses aterraram no Algarve. Ainda bem mas, numa altura destas, não consigo perceber esta atracção pela fuga.

Hoje falaram-me numa pessoa ainda jovem que, supostamente, terá apenas cerca de três meses de vida. Não sei como se vivem esses três meses. Não sei se será possível racionalizar, desdramatizar, programar, com a qualidade possível, o que falta para viver na plena posse das faculdades.

Nunca me hei-de esquecer da cunhada de uma amiga que, sabendo que estava às portas da morte, deu largas à sua vontade de cantar. Surpreendeu toda a gente: parecia a Janis Joplin. Fazendo anos a poucos dias do que sabia ser o seu fim, já de cama, muito mal, pediu de presente um blusão de cabedal. Eu ouvi isto com a perplexidade de quem ainda não sabia nada da vida. 


Nessa altura eu achava que as coisas deviam fazer sentido. Hoje sei que não. Hoje sei que mais de metade do que fazemos não faz qualquer sentido. Pode é fazer-nos sentir bem e isso é bom. Não devemos abrir mão do que nos faz sentir bem.

O que se faz quando se percebe, com todas as letras, aquilo que passamos a vida a ignorar, que a vida é finita? Como nos despedimos dos filhos, da sua inocência e amor, do companheiro e amado, das flores, do céu, da vista que temos da janela, dos passos que damos na nossa casa, do sol que entra pelas janelas?

Recordo-me de novo do momento em que, numa descida a caminho de uma movimentada rotunda, o meu carro perdeu os travões e, desgovernado, avançou a grande velocidade contra o que encontrasse pela frente e de como pensei, naquela breve fração de segundos, que se calhar estava a viver os meus últimos momentos e que nem tinha tempo de pensar em cada um dos meus amores. E penso como vivi esse momento sem pânico, apenas com essa prosaica constatação. E, depois do embate, lembro-me bem de, com o carro amachucado, meio no ar, meio de lado, a fumegar, abrir a porta, perceber como sair de lá e, já cá fora, ficar um bocado atónita a pensar que estava viva e sem perceber se estava ou não magoada, inteira. Apenas perplexa. As pessoas vieram a correr ter comigo, vinham aflitas, largaram os seus carros de qualquer maneira, e eu estranhamente calma, tentando perceber se nada em mim se tinha quebrado ou partido. Mas calma. O carro estava de tal maneira que foi declarado perda total. E eu apenas intrigada com a sorte que tinha tido. Aliás, sem perceber como era possível que estivesse ali, viva, a poder dar testemunho do que tinha acontecido. Chegou um carro da polícia, saltaram de lá os polícias, queriam que eu fosse para o hospital. E eu, como que anestesiada, sem precisar de nada. Liguei a um colega e pedi que me levasse. Ele espantado. Cheguei, sentei-me à secretária e comecei a trabalhar como se nada se tivesse passado. Aliás, do que me lembro, nem quis mais saber do carro. 

Tudo muito estranho.

Talvez que, quando a despedida é breve, seja assim, irreflectida e indolor. Quando tem prazo não imagino como seja.

Mas nem é bom pensar nisso. Nem sei porque falei nisto. Não vinha nada a propósito. 


Respectivamente, pinturas de Dali, Magritte, Krøyer e Montferrier, obras em exposição em Paris na companhia de Khatia Buniatishvili a interpretar o Liebestraum No. 3 de Liszt

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Saúde e alegria, seja qual for o tempo que estiver pela frente.
Enjoy 

sábado, abril 20, 2019

Onde se ouve a Sta UJM, sob um assombroso céu cor-de-rosa, a falar do deus fantástico que vive nas suas casas e a dizer palavras que beijam como se tivessem boca





Quando esta sexta-feira fomos, então, ver das roçadoras e quando o diligente funcionário explicava o seu funcionamento -- puxa o cordão, quando sentir que prende é que lhe dá a guinada, e descansa depois de usar não sei quanto tempo e etc. -- pensei que duvidava muito que o meu marido soubesse de todos esses cuidados. Por isso, mal o senhor se afastou, perguntei: não será que a nossa não está estragada e que tu é que não sabias estes preceitos todos? Ele olhou com ar de quem não sabia se devia ficar ofendido comigo se, ele próprio, estava nessa mesma na dúvida e disse: vamos embora.

E assim foi. Quando chegámos, depois de termos ido a casa dos meus pais, eu fui passear e ele foi-se a ela. E, claro, ela funcionou. Quando me aproximei, ele só disse: sem comentários. E eu apenas disse: aquela pergunta que fiz foi a chamada pergunta de cento e cinquenta euros. E ele riu-se.


Já cortou algumas coisas e já está mais do que avisado para amanhã se focar no tojo e nas silvas e poupar os orégãos. Mas temo. Os orégãos estão pequeninos e ele, com os óculos de protecção que me parece que turvam a visão e com a falta de cuidado que o caracteriza, não vai prestar atenção.

E eu, como disse, andei a passear e a fotografar e a fazer vídeos. O primeiro ficou com dezassete minutos e o YouTube diz que, para o carregar, tenho que provar que sou eu e, para tal, tenho que lhe dar mais informações do que me apetece dar-lhe e, por isso, mais um vídeo que vai para o lixo. O terceiro, feito aqui à porta da sala, para mostrar um céu cor-de-rosa que se formou durante uns instantes, ficou bem, acho eu. Só que a meio, o meu marido, ao ver-me em cima de uma pedra, a olhar para o céu e a falar sozinha, chamou por mim, pelo meu nome, a perguntar-me o que se passava. E eu, querendo que não se ouvisse isso, desviei a máquina e fiz sinal para que se calasse e, agora, ao ouvir, parece que soluço. Fica estranho, não gosto. Portanto, o céu cor-de-rosa, tão lindo, também não vai para o ar. Fico-me pelas três fotografias que fiz antes de filmar e que aqui partilho.

A robínia está florida, dá estes belos cachos de flores brancas. E o céu cor-de-rosa visto através das flores brancas pareceu-me de uma beleza assombrosa.


Portanto, de toda a minha produção cinematográfica, salvo apenas o vídeo lá mais abaixo do abrigozinho verde de que tanto gosto.

E, tirando isso, nada. Tudo tranquilo. O meu pai na forma do costume, como a minha mãe diz, ela sempre bem disposta apesar dos pesares, e uns a sul com amigos, outros em campeonatos de futebol. 

A Páscoa para nós não tem grande significado. No nosso pensamento racional não encaixa o significado místico que se atribui à ressurreição. Se é para ser metáfora de que manteremos sempre viva a presença dos que amamos mesmo quando partem então, sim, é bonito e verdadeiro e nisso acreditamos -- mas é coisa de todos os dias, não de um dia único que, segundo os rituais do catolicismo é precedido de encenações e restrições e celebrações de milagres.

Num àparte direi que a religião católica tanta roupagem coloca sobre os acontecimentos históricos que acaba por esbater a sua importância e por desvirtuar a singeleza das ilações que deles se poderiam retirar. Lembro-me sempre que o divórcio que em mim se operou relativamente à igreja católica teve lugar num dia em que as catequistas, por alturas da Páscoa, levaram à escola um vídeo sobre a traição, sobre o calvário, sobre a crucificação, sobre a ressurreição. E tudo era muito realista, muito assustador. E lembro-me de ter pensado que aquilo não era coisa que se mostrasse a crianças. Teria eu uns nove anos. E a religião sempre me foi apresentada como uma expiação para pecados que eu não sabia que tinha cometido, como um desfiar permanente de culpas, de interditos --  tudo coisas a que sou naturalmente avessa. Nunca me foi apresentada como um espaço de recolhimento interior, como a possibilidade de superação das nossas limitações através de um querer ilimitado que nasce dentro de nós. Nunca me foi apresentada como uma transcendência como a que se pode verificar no milagre permanente que testemunhamos na observação atenta da natureza.

Mas, enfim, chega de conversa.

Eis o pequeno vídeo deste meu pequeno recanto verde aqui in heaven. A Sophia e o O'Neill frente a frente e eu no meio falando no anjo fantástico que habita as casas em que vivo e dizendo palavras que nos beijam como se tivessem boca. E ouvem-se os passarinhos que é das coisas boas e alegres desta vida por vezes tão cheia de agruras e sustos e tristezas.

[A minha voz é o que é, involuntariamente sempre a meio caminho de se desvanecer num sussurro. Começo a convencer-me que nada há a fazer.] 

A senhora em repouso in heaven e a poesia em verde com anjos e palavras que beijam


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[Tentarei, durante este sábado, responder aos comentários de ontem. Hoje não consigo]

A todos desejo dias felizes

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quinta-feira, novembro 20, 2014

De que acasos ou escolhas é feita a nossa vida?


No post abaixo falei de um caso que está a agitar os media: a acusação de que o actor e comediante Bill Cosby violou algumas mulheres alguns anos atrás. A última a revelar o que se passou é a ex-modelo Janice Dickinson e o seu testemunho é duplamente impressionante. Em contraponto, mostro a nossa bela Sara Sampaio que vai ser capa da Vogue dedicada a jóias e que é objecto dos mais desmedidos elogios.

Mais abaixo ainda mostro um cartoon que diz bem sobre o estado de espírito dos portugueses nos dias que correm.

Mas isso é a seguir. Aqui, agora, falo de outra coisa. Memórias, reflexões.


Mas vamos com Bach pelas mãos de Glenn Gould que vamos melhor



(Goldberg Variations var25)




Aqui há dias li o texto do José Catarino e fiquei a pensar. Sabemos lá o que nos vai levando a optar pelas bifurcações que se vão desenhando à nossa frente ou que acasos nos esperam a cada dia que passa. Vamos indo, apenas isso, e vamos arcando com as consequências das nossas escolhas.

Tantas que tenho feito ao longo da minha vida. Tantas, tantas. De vez em quando encontro pessoas que se mantiveram no trilho em que eu, em tempos, também estive e que, mais tarde, abandonei. Parece-me, então, que recuo no tempo. Falam-me pessoas de quem apenas me lembro já vagamente, descrevem-me situações que me parecem longínquas. E, no entanto, ainda são o seu presente e, não tivessem sido outras as minhas escolas, ainda poderiam ser as minhas na actualidade.

Permitam que recue no tempo das minhas memórias. Receio estar a repetir-me mas a minha vida é uma, não posso recriá-la apenas para ser criativa.

A minha mãe gostava que eu tivesse sido professora o que, segundo ela, era uma profissão prestigiada, que permitia conciliar bem uma vida profissional com uma vida pessoal, que os horários eram muito reduzidos, etc. Quando fiz o bacharelato (3 anos de faculdade), querendo ter a minha independência, concorri para professora e fui colocada. Tinha habilitações próprias e horário completo o que, na altura, correspondia a 22 horas por semana em horário diurno e menos que isso quando, no ano seguinte, tive horário nocturno. De facto, achei que aquilo era uma peninha, um trabalho leve. Continuei a estudar, estava casada, tinha amigos, ia ao cinema e ao teatro e tudo era conciliável. Quando acabei a licenciatura, podia ter ficado na universidade, tinha acabado com média de 16, a carreira académica abria-se à minha frente. Mas não quis, achei que, se ficasse, me ia enfronhar num meio fechado, o oposto do que queria para mim. A última coisa que me apetecia aturar eram alguns dos professores chatos que tinha tido ou alunos marrões como os que tinha tido por colegas. Desconsiderei, pois, a hipótese da carreira académica e, levada pela conversa da minha mãe e constatando que de facto aquilo era uma rica vida, candidatei-me a um estágio no ensino secundário e fui colocada. 

Um dia, o meu pai falou-me num anúncio no jornal para um projecto que me pareceu aliciante. Escrevi uma carta a candidatar-me. A minha mãe achou uma tontice e arreliou-se com o meu pai, tanto mais que eu até ia começar o estágio dentro de pouco tempo, e, de seguida, tornar-me-ia efectiva o que, para a minha mãe, seria o cúmulo da estabilidade. O meu jovem marido felizmente não opinou, que fizesse eu o que entendesse. 

Era verão. Pouco depois, recebi uma carta, uma convocatória, que me apresentasse em tal sítio. Apareci para a entrevista de jeans justinhos e coçados, tshirt justinha, malinha de verga, como se fosse para a faculdade ou passear na Baixa. Uma miúda totalmente à vontade. Tinha 22 anos acabados de fazer. Não me aconselhei com ninguém, não fazia a mínima ideia do que era aquilo, nunca tinha ido a uma entrevista. Quando cheguei e vi um edifício de muitos andares, uma portaria cheia de empregados fardados, não sei quantos elevadores, um movimento de sobe e desce, fiquei muito admirada. Depois tinha uma secretária à minha espera que parecia minha mãe, vestida à senhora. Fui para um gabinete decorado muito formalmente onde fui recebida por um senhor bem mais velho que eu, de fato e gravata, uma simpatia. A entrevista deve ter demorado uma hora. Gostei. Contudo, passado um dia ou dois já nem me devia lembrar, estava de férias, na boa, sempre tudo na descontra. Uns dias depois nova carta e, para minha surpresa, nova entrevista.

Acho que para esse dia tentei arranjar-me de forma mais formal. Se ainda vivesse com a minha mãe, ela ter-me-ia aconselhado, moído a paciência, feito mil recomendações, sei lá. Assim, casada já há dois anos, estava por minha conta. Nova grande entrevista, desta vez com um senhor de idade, o director central de recursos humanos. As coisas do além que ele me perguntou. Às tantas já estávamos os dois a rir. As perguntas pareciam-me malucas mas as respostas se calhar também o foram. Lembro-me de algumas e ainda me rio. Dizia-se que por esse ilustre doutor passaram das melhores cabeças deste país, muitas das quais pertencentes a pessoas que vieram a tornar-se personalidades importantes da vida pública nacional.

Tenho ideia de que ainda houve uma outra entrevista mas dessa apenas tenho uma vaga ideia. 

Entretanto, iniciou-se o estágio na escola secundária onde tinha sido colocada. Não tinha ainda tido resposta sobre as entrevistas e sempre pensei que aquilo não daria em nada ou, melhor, não me preocupei com o assunto. Nunca me ocorreu perguntar se havia muitos candidatos e quais as minhas probabilidades. 

Na escola, reuniões com orientador, tarefas, sei lá que mais. Nessa altura comecei a ser confrontada com uma inesperada carga burocrática, uma coisa meio parva, muitos planos e planinhos (como diria o pintas de lima), e com uma certa competição pacóvia entre os demais estagiários face a um orientador também meio parvo. Estava, pois, mesmo in the mood para zarpar dali para fora.

Até que veio nova carta. Sem perceber bem como, fui admitida. O ordenado era cerca do dobro do que ganhava como professora. Mas só o soube depois porque tenho ideia de que não me lembrei de averiguar esses aspectos práticos durante as entrevistas. Aliás esse ordenado era à entrada e vigoraria salvo erro um ano, tendo-me logo sido comunicado qual o plano de carreira, que, se eu fosse provando a minha competência, seria sempre a subir. E falavam-me de termos que eu nunca antes tinha ouvido, conceitos que, todos eles, me eram estranhos. Aliás, tinha ideia de, vagamente, ouvir aquela terminologia lá em casa dos meus pais, mas eram assuntos a que eu nunca tinha prestado atenção (tanto mais que tinha saído para viver sozinha com 17 anos acabados de fazer e só ia a casa aos fins de semana e, logo aos 20, me casei).

Entrei então num novo mundo. A minha mãe quando sabia dos meus horários, das viagens que tinha que fazer, lamentava muitas vezes a minha opção, que os professores querendo ganhar mais também se fartavam de ganhar a dar explicações e que nunca tinham aquelas responsabilidades e stresses a que me via a mim sujeita. Mas não tinha sido a questão financeira que tinha sido determinante e também nunca lhe dei ouvidos mesmo em alturas complicadas em que me via um bocado aflita para conciliar uma vida profissional cada vez mais intensa com uma casa com duas crianças a quem sempre quis dedicar a mesma atenção que uma mãe dona de casa a tempo inteiro. Nem mesmo me arrependi quando me vi metida em processos de mudança que envolviam mudar de empresa, mudar de local de trabalho, guerras abertas com colegas que tinham visões antagónicas em relação às minhas ou coisas do género. E ela sempre dizendo que eu podia ter uma vida tão mais sossegada. Pois, talvez.

Até ao dia em que as coisas começaram a mudar para os professores. Com ataques permanentes por parte de um governo que parece odiá-los, o prestígio social quase se foi, o nível de vida presumo que não seja extraordinário, o stress deve ser mais do que muito, a estabilidade já não é a que se imaginava perene.

Por isso, sabemos lá nós o que é o melhor para nós. Olhem, acho que o melhor é ir aceitando fazer escolhas, fazê-las da forma o mais intuitiva possível, irmo-nos adaptando às circunstâncias, não querermos tudo porque o querer tudo geralmente é sinónimo de ter nada.

A semana passada  almocei com esse meu primeiro chefe. Depois dele já tive vários outros, mudei várias vezes de funções, de empresa, de local de trabalho. No entanto, para mim, ele continua a ser uma referência. Ao longo dos anos sempre mantive o respeito, admiração e até carinho por ele. Já tem setenta e tal anos, está reformado há uns largos anos e é ainda a pessoa querida, generosa, de espírito aberto que sempre foi. Nunca o vi movido por objectivos fátuos, ambições pessoais, nunca o vi desleal, mesquinho, fútil. Sempre me apoiou e me deu asas para voar. E eu voei mantendo a gratidão que sempre senti em relação a ele.

Um dia destes vou almoçar com dois outros colegas de outros tempos. Mantemo-nos amigos e quando nos encontramos é como se tivéssemos estado juntos na véspera. Eles às vezes referem o facto de a minha vida ter ido por outros caminhos, de os ter abandonado,  e eu também penso nos bons tempos que lá vivi. Mas tem acontecido tanta coisa entretanto e a empresa onde eles ainda estão também já mudou de mãos, já deu mil reviravoltas, e estabilidade e motivação é coisa que agora também não há por lá em grandes quantidades.

Por isso, não vale muito a pena olharmos para trás ou preocuparmo-nos demais com o que vem pela frente. Tudo muda. Sabemos lá o que teria sido melhor, sabemos lá o que nos espera.




A vida é uma sucessão de pequenos momentos e eu penso que é em cada um deles que deveremos querer sentir-nos de bem connosco e com os outros. Sobre o resto não sei nem quero saber.


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Benedict Cumberbatch lê Shakespeare: 'The Seven Ages of Man'





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As imagens referem-se a pinturas de René Magritte

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Relembro: mais abaixo falo de mulheres muito belas e de mulheres que lidam mal com o avançar do tempo, mulheres a quem a vida parece ter quase destruído. Isto a propósito de um caso que está a dar que falar e de um outro que está a despontar. 

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E salve J. Rentes de Carvalho!
O seu Tempo Contado ilumina o vasto espaço que nos une.
(... E olhe que à espera temos nós estado e à espera sempre estaremos.)

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Desejo-vos, meus Caros Leitores, uma boa quinta-feira.


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segunda-feira, junho 24, 2013

Onde vos conto do meu 'encantamento do mundo', e do meu 'amor à natureza, aos animais, da compaixão social, e da noção dos perigos sociais que resultam da prosperidade' (palavras de Pedro Mexia no Expresso na sua crónica 'Francisco'), para concluir que, se calhar, tenho alma de franciscana. Tudo isto em noite de S. João, de lua muito cheia, de fogo de artifício sobre o Tejo, e depois de um dia muito quente in heaven em que pintei um pequeno quadrinho e em que descansei ao pé de uma das mulheres de Magritte, perto dos cavalos azuis e dos dançarinos em volta


No post abaixo, mostro:

  • como alguns patos descerebrados embarcaram num navio desconchavado sem perceberem onde se estavam a meter (digo eu que não perceberam mas, se calhar, perceberam mesmo: há gente que tem um prazerzinho perverso em exercitar práticas sádicas) 

  • e como, agora, os condutores do dito navio - vendo que, depois de esbarrar em tudo e mais alguma coisa, está a meter água à força toda, afundando-se rapidamente - estão ao murro uns aos outros, acusando-se mutuamente da autoria da coisa, 

  • e como, curiosamente a suposta pregadora-mor desta ideologia está a prometer exactamente o oposto aos seus eleitores... 


Seria de gargalhada se os alvos das práticas sádicas não fossemos nós, que - e falo por mim - não somos masoquistas.

Mas isso é mais abaixo. Aqui a conversa é outra.

/\

É dia de S. João e à meia-noite, sobre o rio, soltou-se a luz. Da minha janela vi, encantada como sempre vejo, mil estrelas, um céu iluminado que se reflecte no rio escuro. Uma festa.



Uma chuva de mil pontos dourados na minha janela


Um pouco afastada, do lado direito mas ainda sobre o rio, lá estava a bela lua branca, grande, também enfeitada por pequenos pontos de luz e por veios brancos irradiando de um ponto que parece o olhinho de uma laranja macia, feita de luz prateada.



A lua grande e branca já não in heaven mas sobre o rio que corre aqui sob o meu olhar sempre deslumbrado


Já não estou in heaven. Hoje, por lá, esteve um calor abrasador. O tempo lá é extremado, verificam-se sempre das temperaturas mais excessivas do país. Terra de tojo, pedras, figueiras, grandes calores, grandes frios, grandes vendavais (- um dia ainda vos vou contar uma coisa e perceberão porque a minha casa in heaven é como é). 

Percorri aqueles meus caminhos perfumados tendo quase apenas o sol a cobrir-me a pele. Os pássaros e os coelhos já não estranham, sabem que gosto de sentir a luz como uma seda macia sobre o meu corpo encalorado.



Uma das mulheres de Picasso in heaven, desnudada, prendendo o cabelo -
a aprontar-se para enfrentar melhor estes dias de calor


De manhã, mal me levantei, fui abrir as portadas da sala. O chão estava todo molhado. Pensei: afinal os pequenos seres lunares, ou os cavalos azuis ou os bailarinos sempre cá estiveram e devem ter estado a brincar com água. Ou então algum fez chichi no chão.



Cavalos azuis, dançarinos em roda -
e o banco onde me sento a vê-los desfrutar a sombra fresca da grande figueira
(Franz Marc e Matisse in heaven)


Mas não. O meu marido contou-me depois que, quando se levantou (ele, claro está, como qualquer pessoa normal, levanta-se a horas decentes), viu o chão da sala cheio de formigas e que, então, para as espantar, deitou água no chão.

Aquela sala, aliás, é um verdadeiro recinto zoológico: formigas, bichos de conta, aranhas, aranhiços, centopeias. Quando lá chegamos há de tudo. Apanham-se sozinhos em casa e chamam os amigos, grandes orgias, reproduzem-se. Depois, chegamos nós e estragamos-lhes a festa. 

Tal como vos contei na madrugada de sábado para domingo, estava com vontade de pintar. Assim fiz este domingo de manhã. Uma tela de pequenas dimensões. É uma liberdade tão grande, coisa de criança mesmo, usar pincéis, tintas, pintar sem propósito, apenas o prazer de ver aparecer a cor numa tela em branco. Não tenho qualquer pretensão, nem quero ter aulas ou ler livros sobre técnicas de desenho ou pintura, não quero que nada condicione o gosto infantil que tenho. Apenas pintar, é o que quero. Esforço-me por não me deter em detalhes, não quero fazer coisas perfeitinhas, evito reproduzir alguma coisa concreta. Não: quero apenas deixar a mão livre, e que a mente observe a mão, sabendo que não lhe deve dar quaisquer instruções.

No entanto, como estava com vontade de pintar uma coisa em tons claros, tenho que dizer que não fui espontânea, foi mesmo um esforço, a todo o momento olhava para as tintas quentes que são as cores que correm dentro de mim. Mas forcei-me. Foi, pois, uma coisa um bocado contra natura. Mas, ainda assim, um prazer. Fazer uma coisa sem objectivo, sem censura, sem ambição. Como uma criança a quem dão tintas e uma parede e total liberdade: faz o que quiseres.




Aqui está o meu pequeno quadrinho.

Aqui, neste recanto fresco, onde uma mulher de Magritte repousa,
repouso também eu muitas vezes.
Por cima desta mulher, que bem poderia estar a apanhar banhos de sol ou de lua,

 em letrinhas pequeninas, está o poema de Sophia


Há sempre um deus fantástico nas casa

em que eu vivo, e em volta dos meus passos 

eu sinto os grandes anjos cujas asas

contêm todos os ventos dos espaços









Sinto. Sinto mesmo que há um deus fantástico nas casas onde vivo, e que há grandes anjos em volta dos meus passos. E sinto um 'encantamento do mundo', espanto infantil perante coisas recém-criadas ou recém-descobertas.

Em itálico, estou a usar palavras de Pedro Mexia da sua crónica 'Francisco' no Actual do Expresso. E, se usar também estas outras, agora citando Chesterton, o amor à natureza, o amor aos animais, a compaixão social, a noção dos perigos sociais que resultam da prosperidade e mesmo da propriedade - fico a pensar que, na volta, o que sou mesmo é uma franciscana.


Talvez por isso, quando estou in heaven, sinta que aquele espaço é habitado por uma paz como nunca ouvi antes ou depois - talvez idêntica à que Pedro Mexia sentiu quando esteve em Assis, nas colinas da Úmbria, nos lugares onde Francisco viveu.



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Depois disto, talvez não seja sequer delicado da minha parte convidar-vos a descer até ao post seguinte onde falo de assuntos tão desagradáveis. Farão como entenderem.

Mas convido-vos, isso sim, a virem comigo até ao meu Ginjal onde a minha boca é uma amora madura que o navegador solitário não conseguiu comer. Fui pelas palavras de Abel Neves. A música que me acompanha  por aquelas bandas é especial: Shostakovich pelo Simón Bolívar String Quartet.


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E nada mais. Desejo-vos, meus Caros Leitores, uma bela semana a começar já por esta segunda feira.

domingo, fevereiro 17, 2013

50 obras de arte que toda a gente deve ver, segundo o Expresso - e algumas das muitas que, em meu entender, ficaram de fora (... e mais mil ficariam sempre)


O caderno Actual do Expresso dá destaque este sábado às 50 obras de arte que toda a gente deve ver. Opinam Celso Martins, Jorge Calado e José Luís Porfírio.

Muito subjectiva é a empreitada e é de louvar quem com ela não se intimida. Se eu tentar eleger as de que mais gostei até hoje fico bloqueada, nem tento. Sei que cometeria muitas injustiças. A minha memória é traiçoeira.

Vejo a que eles escolheram e revejo-me em algumas mas sinto que há qualquer coisa de redutor numa selecção deste tipo. Nem sei se faz sentido fazer estas selecções. Séculos de arte, e tantas disciplinas que a arte tem, como é possível esquecer tanta beleza, tanta inquietação ou harmonia e seleccionar apenas cinquenta obras?

Por exemplo,

  • onde as mãos, a catedral, a pureza, a simplicidade, a perfeição e o silêncio de Rodin?





  • onde a pulsão do sangue e os abismos do carne, o descaramento do desejo e a tragédia de Caravaggio?




  • onde a ingenuidade das cores, o calor ou a noite, o deslumbramento de Van Gogh, a sua peculiar visão?





  • onde o génio sem limites, a desmesura, a imaginação de outro mundo de Gaudi?





  • onde o abandono dos corpos, a beleza rente ao coração, a quietude de Jeanne vista por Modigliani?





  • onde o carinho da lua, as flores para a bem amada, os pássaros imprevistos, a ternura encantatória de Chagall?





  • onde a truculência, a ironia, a irreverência, a provocação de Magritte?





  • onde a pureza das linhas, a violência da dor, a beleza pura (ou impura) de Mapplethorpe?






  • onde inocência, a perversão, a alegria, a denúncia, a inteireza de Paula Rego?





  •  .....


E mil, muitas mil obras mais estarão sempre de fora porque infinita é a beleza e a forma como se manifesta.

*

Desejo-vos meus Caros Leitores, um domingo muito bom.

quinta-feira, setembro 13, 2012

Depois de ouvir Manuela Ferreira Leite na TVI 24 (numa extraordinária entrevista concedida ao competentíssimo Paulo Magalhães) arrasar, mas arrasar completamente, sem papas na língua, com a frontalidade e a lucidez que se lhe conhece, o Governo do PSD e CDS, as políticas que segue, a forma como age (mostrando, de passagem, o desprezo que sente por Passos Coelho, pelo surreal e pró-soviético Vítor Gaspar e pelos outros), quase me apetecia falar disto. Agora até o etíope da Troika diz que a invenção de passar os 7% dos trabalhadores para as empresas é obra do Governo e não deles e alerta para que baixar ordenados não vai resolver nada e que Portugal não sobrevive só com medidas de austeridade. O que me apetecia falar também disto. E o João Galamba na AR, chamando irresponsável ao Gaspar? O que eu também gostava de falar disto... Mas vou resistir à tentação e vou responder a um comentário de um Leitor no post de ontem. Onde se arranja dinheiro para relançar a economia? Como re-industrializar o País?



No meu post de ontem, avancei com algumas ideias que, em minha opinião, poderiam ser postas em prática para que Portugal saísse do buraco pantanoso em que está mergulhado. 




Pergunta-me, e muito bem, o Leitor J onde se arranjaria o dinheiro necessário para esse ‘programa de festas’ (palavras minhas, agora). Para os que não leram, referia-me eu a que o que me parece indispensável é que se abandone (já!, antes que seja tarde demais) a política suicidária que tem vindo a ser posta em prática pela incompetente equipa de Passos Coelho e que se relance a economia, dirigindo o país na direcção do desenvolvimento sustentável. Enunciei uma série de medidas que me parecem de óbvia pertinência no actual estado do país.

Contudo, o leitor J duvida que se arranje financiamento para todas as medidas que elenquei.

É certo que para se fazerem omeletas se requerem ovos ou, pelo menos, substâncias obtidas a partir de ovos.

Mas pense o Caro J que, no que se refere a ovos, não tem não mais do que apenas dois e que,  com eles e mais nada, faz uma omeleta. Fá-la-á e ficará boa mas, para si, como refeição, será talvez curta. 

Pegue agora num único ovo, em leite, em batata cozida cortada aos bocadinhos, em cebola previamente alourada, em queijo, e faça a mesma omeleta. Repare na diferença de tamanho, repare na diferença de nutrientes, repare no sabor. E ainda lhe sobrou um ovo para uma próxima ocasião.




Ou seja, para se levar a cabo um projecto não basta deitar-lhe dinheiro em cima. 

Há quem o faça, gente pouco criativa, pouco inteligente, desbaratando recursos sem obter resultados que se vejam.

E há os que com pouco fazem muito. Aliás é o que a gente mais pobre faz desde sempre (uma refeição completa feita com pão duro, caldo de cozer peixe e um ovo, um cheirinho a coentros - e que bela açorda sai).

Ou seja, é errado pensar-se que tudo requer muito dinheiro. Nisso Portugal tem cometido muitos erros, esbanjando dinheiro de forma pouco inteligente.

Para ilustrar outro aspecto, conto agora uma história que, uma vez, já aqui contei.




Uma vez, num hotel, depois de fazer as contas, que eram elevadas, um cliente, ao  ir-se embora, deixou no balcão uma nota de 100 euros. O recepcionista estranhou mas admitiu que fosse generosa gorjeta.

Como estava a dever justamente 100 euros na oficina onde trocara de pneus, pegou na nota e foi a correr pagar os pneus. O homem da oficina que estava com a caixa vazia, ao receber o pagamento, foi rapidamente pagar uma dívida que tinha junto do restaurante que servia as refeições para os empregados da oficina. O restaurante ao receber o dinheiro, rapidamente pagou ao talho onde tinha dívidas pendentes. O homem do talho, mal recebeu o dinheiro, pegou nele e pagou uma verba que tinha atrasada ao colega/empregado. Esse colega ficou todo contente porque assim podia pagar um empréstimo que tinha pedido junto do seu amigo da recepção do hotel e, de imediato, foi lá a correr pagar-lhe. Passado um bocado apareceu o cliente do hotel dizendo que, sem querer, tinha lá deixado uma nota de 100 euros e que vinha buscá-la.

Isto demonstra bem como funciona a economia. Neste exemplo, muita gente honrou os seus compromissos e permitiu, por sua vez, que se fizessem novos pagamentos e tudo com uma única nota, nota essa que, na verdade e como se veio a provar, nem estava disponível.

Ou seja, se há 1.000 pessoas a precisar de 100 euros, isto não quer dizer que no conjunto se precisem de  1.000 x 100 = 100.000 €. Pode até, no limite, bastarem os primeiros 100 euros. Ou seja, o que é preciso é que haja uma primeira injecção de capital, que haja confiança, que o dinheiro comece a circular.

O que se passa em Portugal é que este Governo está a cometer erros básicos, crassos, graves: está a retirar o dinheiro de circulação (cativando-o na origem, através de impostos, e entregando-o a entidades que não o recolocam em circulação) e, ao mesmo tempo, a anular o clima de confiança. Isto é, este governo está a assassinar a economia. Como as finanças andam em paralelo com a economia, assassinando a economia, esvaziam-se as finanças. Uma desgraça.

Passo, então, agora, para o day-after, isto é, para possíveis soluções alternativas. 




Acredito que é obrigação de um Governo restaurar a confiança e pôr o motor da economia em marcha. 

Por isso, os primeiros investimentos deverão ser públicos e em áreas que permitam que o dinheiro se distribua pelo território (reabilitar edifícios públicos, reforçar pontes, etc) e que façam com que, atrás desses projectos, nasçam necessidades de outros bens e serviços, levando ao surgimento ou desenvolvimento de mais fábricas ou serviços (material de construção, mobiliário, hardware, software, manutenção de cada uma destas coisas, etc).

Havendo desenvolvimento local do que quer que seja para acorrer a estes investimentos, nascerá a necessidade de restaurantes, alojamentos, mais escolas, etc, ou seja, a economia local animar-se-á. E a economia nacional é também (mas não é só) o somatório das economias locais.

Ou seja, quando a economia começa a funcionar, começam a surgir novas necessidades, a procura começa a estimular a oferta, o dinheiro passa de uns para os outros - e o que há que garantir é que não fica retido a meio da cadeia nem há exagerada apropriação por parte de uns poucos.

Depois, como referi, há muitos fundos que a UE põe à disposição dos Estados-membros, que não estão aproveitados e relativamente aos quais já houve manifestação de disponibilidade para antecipar, até, a sua libertação.

E há a realocação de verbas. Em vez de ser o Estado assistencialista que é o de hoje, em que retira dinheiro da economia para, em parte, o dar em subsídios de desemprego, o que há é que pôr as pessoas a trabalhar, grande parte delas na iniciativa privada (construção, fábricas, comércio, serviços) que lhes pagará os ordenados, passando eles, assim, de desempregados a empregados e, em vez de serem beneficiários de verbas do Estado, passam a contribuintes.

Mas há outras fontes de financiamento. Quando os projectos são atractivos e bem suportados num consistente business plan, aparece sempre financiamento. Experimente-se ainda alterar a política fiscal, tornando atraente o investimento por parte de capitais externos e ver-se-á como aparecem investidores (no entanto, aqui acho que há também algum trabalho a  fazer. Não defendo o proteccionismo mas também não pode haver facilidades sem contrapartidas).

Não, o dinheiro não é problema. Dinheiro é o que não falta.




A re-industrialização deste País passa por tudo isto: por uma política que gere procura, por ter políticas fiscais atractivas, por ter gente com visão, intuição e perspicácia, e gente capaz para conceber produtos e métodos de gestão eficazes e competitivos.

E claro que é indispensável cortar na despesa, claro. Falei em ‘sanear’ (isto é, colocar no ‘são’) autarquias, fundações mas também empresas autárquicas e toda a espécie de organismos que receba verbas do Estado e cujo interesse para o País seja duvidoso.

E claro que se deveria equacionar se as PPP fazem sentido e claro que, se hoje, se lhes pagamos verbas muito altas, tal deveria ser renegociado.

E há muito mais a fazer. Seria fastidioso pormenorizar aqui. Mas dou um exemplo: parece-me indispensável gerir articuladamente as empresas públicas de transporte que operam num mesmo espaço. Não me faz sentido que, por exemplo, se invista num metro, aumentando o número de pessoas transportadas por essa via, sem que seja levado a cabo um ajustamento nos autocarros. Aqui é uma área em que ferramentas como a investigação operacional devem ser postas em prática para racionalizar recursos.




Há uma outra área que me parece injusta e iniquamente sorvedora de recursos – e aqui sei que vou ser impopular. Os trabalhadores de empresas privadas descontam pesadamente para o IRS e para a Contribuição para a Segurança Social. E, no entanto, se quiserem ir ao médico ou fazer exames, ou vão aos hospitais ou Centros de Saúde públicos ou pagam a peso de ouro os médicos e os exames privados. No entanto, os trabalhadores ou reformados de Estado podem, à sua vontade, ir aos médicos privados ou fazer exames, que estes são comparticipados. Ou seja, têm regalias que se traduzem em elevados custos para o Estado, regalias estas que não estão à disposição dos que sempre descontaram arduamente para esse saco.

Dou um exemplo. No outro dia, a empregada de uma amiga minha dizia-me que, tendo um problema clínico que requer cirurgia, já foi a um monte de médicos para ir obtendo opiniões e que já fez não sei quantos exames, alguns dos quais se fazem apenas no privado, custando, cada um, centenas de euros. Talvez por ter percebido a minha admiração, acrescentou, com manifesto orgulho: ‘o meu marido é reformado das Forças Armadas e eu não pago nada, posso ir onde quiser, posso gastar à vontade’.

Ora, parecer-me-ia mais justo investir essas verbas em melhores hospitais públicos acessíveis a toda a gente. Ou seja, verbas há-as, o que devem é ser melhor realocadas.

Claro que num espaço como este, estou, forçosamente, a ser simplista. Há que desenvolver um pensamento integrado, ver as várias vertentes dos assuntos, construir cenários, fazer contas, ver vantagens e desvantagens, e projectar as iniciativas no futuro, tentando prever os impactos a médio e longo prazo.




Por exemplo, uma das áreas que me parece prioritária é a do ensino. Essa seria, naturalmente, uma das minhas mais fortes apostas. Eu gostava que cada escola deste País, fosse uma escola aberta, livre, com projectos abertos à comunidade, projectos que os professores e alunos sintam como seus, escolas dotadas de equipas de profissionais do ensino e de psicólogos que consigam motivar e acompanhar os intervenientes (professores e alunos). Claro que isto, de início, talvez significasse mais custos públicos mas, a prazo, estou convencida que seria auto-sustentável e, mais importante, rapidamente daria frutos. Jovens bem formados, com boas bases, com hábitos de aprendizagem, com hábitos de abertura à diversidade, rapidamente começariam a mostrar a diferença que isso faz quando integrados no mercado de trabalho.




Não me vou alongar mais, não quero tornar-se excessivamente maçadora mas gostaria de deixar uma última ideia. Querer uma coisa é o mais importante.

Veja-se o que este Governo anda a fazer. Querem empobrecer o país e não há nada que os demova. Colocaram as pessoas ao dispor do Estado, pobres cobaias e pobres vítimas indefesas. São determinados e isso ninguém lhes pode negar. Estão cá com o propósito de arrasar Portugal e, contra ventos e marés, pedra após pedra, todas vão removendo, e no final (se os deixarem) ficará um País de gente miserável com chineses, angolanos, brasileiros, colombianos explorando a barata mão de obra nacional. Uma terra queimada.

O que defendo é uma determinação de sentido oposto. O que eu desejo é que o Estado esteja ao serviço das pessoas. O que eu defendo é que todos os raciocínios partam desse pressuposto, sem demagogias, sem dogmas, sem populismos, com profissionalismo, com gente sábia e competente envolvida na construção da solução - e que, determinadamente, se persista na obtenção dos almejados resultados.

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Não sei se o que escrevi dá para transmitir a minha ideia ou se o texto ficou chato para além de comprido. Mas é difícil resumir muito, quando há tanto para dizer (e fazer...)

Penso que está na altura de unirmos esforços, de darmos ideias, de nos mobilizarmos efectivamente para irmos em frente. Nós, cidadãos, temos que deixar o comodismo da passividade. O futuro deverá passar por nós.

E, por surreal, agora um honroso surrealista. As imagens são pinturas de René Magritte, pintor belga, surrealista (1898-1967).

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E desejo-vos, Caros leitores, um belo dia. 
E, entretanto, vamos todos pensando se no dia 15 não deveríamos ir todos para a rua.