No meu
post de ontem, avancei com algumas ideias que, em minha opinião, poderiam ser postas em prática para que Portugal saísse do buraco pantanoso em que está mergulhado.
Pergunta-me, e muito bem, o Leitor J onde se
arranjaria o dinheiro necessário para esse ‘programa de festas’ (palavras minhas,
agora).
Para os que não leram, referia-me eu a que o que me parece indispensável é que
se abandone (já!, antes que seja tarde demais) a política suicidária que tem vindo a ser posta em prática pela incompetente equipa de Passos Coelho e que se relance a economia, dirigindo o país na direcção do desenvolvimento
sustentável. Enunciei uma série de medidas que me parecem de óbvia pertinência
no actual estado do país.
Contudo, o leitor J duvida que se
arranje financiamento para todas as medidas que elenquei.
É certo que para se fazerem
omeletas se requerem ovos ou, pelo menos, substâncias obtidas a partir de ovos.
Mas pense o Caro J que, no que se refere a ovos, não tem não
mais do que apenas dois e que, com eles e mais nada, faz uma omeleta. Fá-la-á
e ficará boa mas, para si, como refeição, será talvez curta.
Pegue agora num único
ovo, em leite, em batata cozida cortada aos bocadinhos, em cebola previamente
alourada, em queijo, e faça a mesma omeleta. Repare na diferença de tamanho,
repare na diferença de nutrientes, repare no sabor. E ainda lhe sobrou um ovo
para uma próxima ocasião.
Ou seja, para se levar a cabo
um projecto não basta deitar-lhe dinheiro em cima.
Há quem o faça, gente pouco
criativa, pouco inteligente, desbaratando recursos sem obter resultados que se vejam.
E há os que com pouco fazem muito. Aliás é o que a gente mais pobre faz desde sempre (uma refeição completa feita com pão duro, caldo de cozer peixe e um ovo, um cheirinho a coentros - e que bela açorda sai).
Ou seja, é errado pensar-se que tudo requer muito dinheiro. Nisso Portugal tem cometido muitos erros, esbanjando dinheiro de forma pouco inteligente.
Para ilustrar outro aspecto, conto agora uma história que,
uma vez, já aqui contei.
Uma vez, num hotel, depois de fazer as
contas, que eram elevadas, um cliente, ao ir-se embora, deixou no balcão uma nota de 100 euros. O
recepcionista estranhou mas admitiu que fosse generosa gorjeta.
Como estava a dever justamente
100 euros na oficina onde trocara de pneus, pegou na nota e foi a correr pagar
os pneus. O homem da oficina que estava com a caixa vazia, ao receber o pagamento,
foi rapidamente pagar uma dívida que tinha junto do restaurante que servia as
refeições para os empregados da oficina. O restaurante ao receber o dinheiro,
rapidamente pagou ao talho onde tinha dívidas pendentes. O homem do talho, mal
recebeu o dinheiro, pegou nele e pagou uma verba que tinha atrasada ao
colega/empregado. Esse colega ficou todo contente porque assim podia pagar um
empréstimo que tinha pedido junto do seu amigo da recepção do hotel e, de
imediato, foi lá a correr pagar-lhe. Passado um bocado apareceu o cliente do
hotel dizendo que, sem querer, tinha lá deixado uma nota de 100 euros e que
vinha buscá-la.
Isto demonstra bem como
funciona a economia. Neste exemplo, muita gente honrou os seus compromissos e
permitiu, por sua vez, que se fizessem novos pagamentos e tudo com uma única nota,
nota essa que, na verdade e como se veio a provar, nem estava disponível.
Ou seja, se há 1.000 pessoas a precisar
de 100 euros, isto não quer dizer que no conjunto se precisem de 1.000 x 100 = 100.000 €. Pode até, no limite,
bastarem os primeiros 100 euros. Ou seja, o que é preciso é que haja uma
primeira injecção de capital, que haja confiança, que o dinheiro comece a
circular.
O que se passa em Portugal é
que este Governo está a cometer erros básicos, crassos, graves: está a retirar
o dinheiro de circulação (cativando-o na origem, através de impostos, e
entregando-o a entidades que não o recolocam em circulação) e, ao mesmo tempo, a anular o clima de confiança. Isto é, este governo está a assassinar a
economia. Como as finanças andam em paralelo com a economia, assassinando a economia, esvaziam-se as finanças. Uma desgraça.
Passo, então, agora, para o day-after, isto é, para possíveis soluções alternativas.
Acredito que é obrigação de um Governo restaurar a confiança e pôr o motor da economia em marcha.
Por
isso, os primeiros investimentos deverão ser públicos e em áreas que permitam
que o dinheiro se distribua pelo território (reabilitar edifícios públicos,
reforçar pontes, etc) e que façam com que, atrás desses projectos, nasçam
necessidades de outros bens e serviços, levando ao surgimento ou
desenvolvimento de mais fábricas ou serviços (material de construção,
mobiliário, hardware, software, manutenção de cada uma destas coisas, etc).
Havendo desenvolvimento local
do que quer que seja para acorrer a estes investimentos, nascerá a necessidade
de restaurantes, alojamentos, mais escolas, etc, ou seja, a economia local animar-se-á. E a economia nacional é também (mas não é só) o somatório das economias locais.
Ou seja, quando a economia
começa a funcionar, começam a surgir novas necessidades, a procura começa a
estimular a oferta, o dinheiro passa de uns para os outros - e o que há que
garantir é que não fica retido a meio da cadeia nem há exagerada apropriação
por parte de uns poucos.
Depois, como referi, há muitos
fundos que a UE põe à disposição dos Estados-membros, que não estão
aproveitados e relativamente aos quais já houve manifestação de disponibilidade
para antecipar, até, a sua libertação.
E há a realocação de verbas.
Em vez de ser o Estado assistencialista que é o de hoje, em que retira dinheiro
da economia para, em parte, o dar em subsídios de desemprego, o que há é que pôr
as pessoas a trabalhar, grande parte delas na iniciativa privada (construção,
fábricas, comércio, serviços) que lhes pagará os ordenados, passando eles,
assim, de desempregados a empregados e, em vez de serem beneficiários de verbas do
Estado, passam a contribuintes.
Mas há outras fontes de
financiamento. Quando os projectos são atractivos e bem suportados num
consistente business plan, aparece sempre financiamento. Experimente-se ainda alterar
a política fiscal, tornando atraente o investimento por parte de capitais
externos e ver-se-á como aparecem investidores (no entanto, aqui acho que há também algum trabalho a fazer. Não defendo o proteccionismo mas também não pode haver facilidades sem contrapartidas).
Não, o dinheiro não é problema. Dinheiro é o que não falta.
A re-industrialização deste País passa por tudo isto: por uma política que gere procura, por ter políticas fiscais atractivas, por ter gente com visão, intuição e perspicácia, e gente capaz para conceber produtos e métodos de gestão eficazes e competitivos.
E claro que é indispensável
cortar na despesa, claro. Falei em ‘sanear’ (isto é, colocar no ‘são’) autarquias,
fundações mas também empresas autárquicas e toda a espécie de organismos que
receba verbas do Estado e cujo interesse para o País seja duvidoso.
E claro que se deveria equacionar se as PPP fazem sentido e claro que, se hoje, se lhes pagamos verbas muito altas, tal deveria ser renegociado.
E há muito mais a fazer. Seria
fastidioso pormenorizar aqui. Mas dou um exemplo: parece-me indispensável gerir
articuladamente as empresas públicas de transporte que operam num mesmo espaço.
Não me faz sentido que, por exemplo, se invista num metro, aumentando o número
de pessoas transportadas por essa via, sem que seja levado a cabo um
ajustamento nos autocarros. Aqui é uma área em que ferramentas como a
investigação operacional devem ser postas em prática para racionalizar recursos.

Há uma outra área que me
parece injusta e iniquamente sorvedora de recursos – e aqui sei que vou ser
impopular. Os trabalhadores de empresas privadas descontam pesadamente para o
IRS e para a Contribuição para a Segurança Social. E, no entanto, se quiserem
ir ao médico ou fazer exames, ou vão aos hospitais ou Centros de Saúde públicos
ou pagam a peso de ouro os médicos e os exames privados. No entanto, os
trabalhadores ou reformados de Estado podem, à sua vontade, ir aos médicos
privados ou fazer exames, que estes são comparticipados. Ou seja, têm regalias
que se traduzem em elevados custos para o Estado, regalias estas que não estão à disposição dos que sempre descontaram arduamente para esse saco.
Dou um exemplo. No outro dia, a
empregada de uma amiga minha dizia-me que, tendo um problema clínico que requer
cirurgia, já foi a um monte de médicos para ir obtendo opiniões e que já fez não
sei quantos exames, alguns dos quais se fazem apenas no privado, custando, cada
um, centenas de euros. Talvez por ter percebido a minha admiração, acrescentou,
com manifesto orgulho: ‘o meu marido é reformado das Forças Armadas e eu não
pago nada, posso ir onde quiser, posso gastar à vontade’.
Ora, parecer-me-ia mais justo
investir essas verbas em melhores hospitais públicos acessíveis a toda a gente.
Ou seja, verbas há-as, o que devem é ser melhor realocadas.
Claro que num espaço como
este, estou, forçosamente, a ser simplista. Há que desenvolver um pensamento
integrado, ver as várias vertentes dos assuntos, construir cenários, fazer
contas, ver vantagens e desvantagens, e projectar as iniciativas no futuro,
tentando prever os impactos a médio e longo prazo.

Por exemplo, uma das áreas que
me parece prioritária é a do ensino. Essa seria, naturalmente, uma das minhas mais fortes apostas. Eu gostava que cada
escola deste País, fosse uma escola aberta, livre, com projectos abertos à comunidade, projectos que os
professores e alunos sintam como seus, escolas dotadas de equipas de profissionais do ensino e de psicólogos que consigam motivar e acompanhar os intervenientes (professores e alunos). Claro
que isto, de início, talvez significasse mais custos públicos mas, a prazo,
estou convencida que seria auto-sustentável e, mais importante, rapidamente
daria frutos. Jovens bem formados, com boas bases, com hábitos de aprendizagem,
com hábitos de abertura à diversidade, rapidamente começariam a mostrar a
diferença que isso faz quando integrados no mercado de trabalho.

Não me vou alongar mais, não
quero tornar-se excessivamente maçadora mas gostaria de deixar uma última
ideia. Querer uma coisa é o mais importante.
Veja-se o que este Governo anda a
fazer. Querem empobrecer o país e não há nada que os demova. Colocaram as
pessoas ao dispor do Estado, pobres cobaias e pobres vítimas indefesas. São determinados e isso ninguém lhes pode negar. Estão cá com o propósito de arrasar Portugal e, contra ventos e marés, pedra após pedra, todas vão removendo, e no final (se os deixarem) ficará um País de gente miserável com chineses, angolanos, brasileiros, colombianos explorando a barata mão de obra nacional. Uma terra queimada.
O que
defendo é uma determinação de sentido oposto. O que eu desejo é que o Estado
esteja ao serviço das pessoas. O que eu defendo é que todos os raciocínios
partam desse pressuposto, sem demagogias, sem dogmas, sem populismos, com profissionalismo,
com gente sábia e competente envolvida na construção da solução - e que, determinadamente, se persista na obtenção dos almejados resultados.
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Não sei se o que escrevi dá para transmitir a minha ideia ou se o texto ficou chato para além de comprido. Mas é difícil resumir muito, quando há tanto para dizer (e fazer...)
Penso que está na altura de unirmos esforços, de darmos ideias, de nos mobilizarmos efectivamente para irmos em frente. Nós, cidadãos, temos que deixar o comodismo da passividade. O futuro deverá passar por nós.
E, por surreal, agora um honroso surrealista. As imagens são pinturas de René Magritte, pintor belga, surrealista (1898-1967).
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E desejo-vos, Caros leitores, um belo dia.
E, entretanto, vamos todos pensando se no dia 15 não deveríamos ir todos para a rua.