Esta semana, o domingo desdobrou-se. Esta segunda-feira não foi segunda-feira, esta segunda-feira foi substituída por um domingo que nasceu como um bónus.
Deu para lavar e estender roupa, cozinhar, arrumar, varrer, apanhar caruma, preguiçar.
Quando andava de ancinho a raspar a relva, vi uma bola gorda a sair da terra. Pensei que era uma romã caída e meio submersa em caruma. Joguei-lhe a mão. Uma bola grande, macia, castanha. Enchia-me a mão. Puxei. Cedeu. Fiquei com a coisa redonda e gorda na mão. Mais à frente, outra que tal. Apanhei umas seis. Umas não. Uns. Cogumelos esféricos, grandes, pesados. Nunca vi coisa assim. Fui logo deitar fora, numa urgência. Não sei como saber se são inócuos ou perigosos. Passado um pouco, um minúsculo, branco quase transparente, um pé alto e fino, uma campânula mínima, fina como seda. Arranquei com pena de, em vez de sacrificar, não estar é a fotografar. Mas a segurança do bichinho peludo que come tudo está em primeiro lugar. Depois fui logo, à pressa, lavar bem as mãos. Sei lá. Não sei nem me apetece ir saber como funciona isso dos cogumelos adversos. Portanto, pelo sim pelo não, lavo e relavo as mãos que os arrancaram e pegaram.
O dia deu para tudo. Deu também para uma caminhada alargada. Gosto muito de caminhar. Vamos sempre conversando. De vez em quando, calo-me e, aí, a conversa abranda. Geralmente sou eu que puxo a conversa mas preciso de atenção e contra-fala para a conversa ter alimento e se manter viva. Não sou de monólogo. Caminhar, ver os pássaros, as árvores, os jardins e ir falando devagar, na maior paz. É bom. Mais ainda num dia que caiu de oferta, sem horários ou obrigações a cumprir.
Desta vez há motivos adicionais de interesse. Várias casas têm decorações alusivas ao dia das bruxas. Nos muros, nos jardins ou nas portas há teias de aranha, tarântulas, caldeirões, esqueletos, feiticeiras, abóboras com luzes dentro, objectos assustadores pendurados nas árvores.
São hábitos que se importam. Mas resisto: digo dia das bruxas e não halloween.
Exorcizam-se medos, travestindo-os de carnaval.
Quando eu era pequena, ouvi uma vez uma rapariga contar histórias de facas que atravessavam paredes, deixando-as em sangue, murmúrios que desciam pelas portas. Fiquei com medo de estar sozinha em casa durante algum tempo. Acho que nunca o confessei aos meus pais pois, no fundo, sabia que a história era lorota. Mas não deixava de ter medo, na mesma. Depois, quando li as histórias do Allan Poe fiquei igual, com medos nascidos das mais lúgubres ilusões. Agora não, agora penduram-se bruxas nas árvores e enfeitam-se sebes com facas sujas de sangue e transformam-se os medos em brincadeiras. Melhor assim.
O almoço foi cozido à portuguesa e gostei de estar a lavar os legumes, a preparar as carnes e os enchidos. Apuradinho e cheiroso. Como sempre, saiu comida a mais. Mas não faz mal. Menos vezes terei que cozinhar. Como cozido ou aproveitando para fazer um arroz de carnes e legumes, nada se perde, tudo se aproveita.
Também andei a regar os vasos que estão a coberto, sem possibilidade de beneficiarem da chuva.
E pensei que bem podia pôr-me a ler ou a escrever. Mas, em dias assim, caídos do céu, o meu corpo pede descanso. A seguir ao almoço e a seguir ao jantar dormitei. Coisa breve. Mas não foi tanto o tempo de ausência, foi mais o tempo em volta. Sono, preguiça, necessidade de descanso. Tento não me sentir digna de condenação por fazer tão pouco e tento aprender a não sentir necessidade de estar sempre a fazer alguma coisa: não fazer nada é um direito e, sabendo-o usar com inteligência, acredito que há-de saber muito bem.
Ouvi há pouco Michio Kaku sobre o futuro. Falava ele naquilo que é mais que certo, que a terra um dia será atingida por uma coisa qualquer. Como já não há dinossauros para irem à vida, iremos nós. Ou eu mesma ou uns descendentes meus lá bem mais para a frente -- e espero que sejam uns bons milhares ou milhões de anos lá para a frente. Mas a gente sabe lá.
Tanto plano que se faz e desfaz, tanta coisa de que abdica contando que se desfrutará lá mais no futuro. Como se a vida fosse eterna, como se o próprio planeta fosse eterno. E não apenas estamos nós a destrui-lo como sabemos lá o que as grandes forças dinâmicas do universo nos reservam.
Não tenho acompanhado as notícias da Cop26. Se apanho uns fiapos pela rama, apercebo-me que fixam metas para quando metade do mundo estiver debaixo de água e o que resistir acima dela estiver a arder. Por isso, abstenho-me de me desiludir e apenas me consinto apanhar umas e outras pela rama.
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A prosa vai esparsa e eu não tenho por hábito dar rumo às palavras que se juntam de forma aleatória. Mas tenho o bom senso suficiente (pelo menos, gosto de pensar que o tenho) para saber que devo parar.
Permitam apenas que, antes de me ir, termine com uns vídeos que me agradam muito, trabalho de Sadeck Waff, um coreógrafo que sabe fazer diferente. No primeiro, dança e brinca com a filha, no segundo com Oxandre Peckeu e com mais de cem performers. Muito bonito, muito bom.
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A primeira e a terceira fotografia vêm de Tout ce qu’il faut savoir sur le mythe de la sorcière. A segunda descobri-a por aí.
E vêm na companhia de Gonçalo do Carmo com LAMA feat. Carolina Morais Fonseca.
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Desejo-vos uma bela terça-feira
Tudo a correr bem. Calma. Respirar fundo. Acreditar que vai tudo correr bem. Esperança. Força aí.
E boa sorte.