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quarta-feira, dezembro 31, 2014

Isto é para si aí, longe, e, no entanto, tão próximo de mim. Não quero acabar 2014 nem aproximar-me de 2015 com palavras de pesar ou mágoa. Quero entrar em 2015 cercada de beleza e na vossa companhia.


No post abaixo falei ao de leve naquilo sobre o qual não queria debruçar-me: o BES. A televisão estava a transmitir as gravações do Conselho Superior do GES e, sem querer, dei por mim a ouvir parte da conversa entre aquelas vozes nuas, geladas de angústia. E, mais do que atentar na aflição que transparecia, senti vergonha por estar a ouvir conversas que deveriam ter permanecido reservadas. Quem pegou nas gravações e as ofereceu ou vendeu portou-se como um traidor e isso eu acho uma imperdoável baixeza moral, lama que parece alastrar sobre a frágil sociedade portuguesa.

Mas, enfim, disso falo no post seguinte.

Aqui, agora, a conversa é outra.

Vamos com música, se estiverem de acordo.







E que prossigam os momentos de beleza porque, apesar da compaixão que me merecem os que sofrem e aqueles que vêem sofrem pelos que amam, o ano não pode resumir-se aos que sucumbiram às garras da má sorte, aos que se viram destroçados ou aprisionados, aos que pereceram numa maca de um hospital sobrelotado como cães abandonados numa qualquer escura vereda, ou às estatísticas dos que morreram na estrada, ou aos que, em geral morreram em 2014 (por muita falta que todos os que partiram façam aos que ficaram), nem às falências, às guerras, conflitos, catástrofes naturais, forces majeures, acts of god.

No outro dia ouvi o director do DN, o respeitável André Macedo, a dizer que nesta altura do ano não há notícias pelo que as más notícias são boas notícias para os meios de comunicação social. E, de facto, por esta altura parece que, para consolo dos jornalistas, uma qualquer força centrípeta afasta da superfície da terra aviões e navios que desaparecem ou se incendeiam, ou tsunamis, tremores de terra, vagas de frio, cheias que tudo arrastam, coisas que devoram vidas sem dó nem piedade.

Mas se disso se ocupam ad nauseam os noticiários, não preciso de trazer esses temas para aqui. Não eu.




É que há o que não é notícia.

O que é belo não é notícia. As palavras cuidadosamente cerzidas na intimidade da noite ou ditadas por insones deuses, os acordes experimentados no silêncio dos sonhos, os gestos transformados em cor, os sorrisos e os movimentos fixados em imagens como se o tempo parasse para eternizar o momento, a liberdade dos corpos enquanto anjos de longas e esguias asas, as luminosas descobertas alcançadas depois de horas de intermináveis insucessos, as vozes que atravessam os imensos espaços com a intemporal poesia - nada disso é notícia ou, se o é, dirige-se a minorias. E, no entanto, nisso deveria estar a tónica, nisso e não no fracasso, nos aparentes e efémeros sucessos, na malvadez emergente, na doença sem dono, na morte, no fim da linha.


Tantas vezes aqui tenho vontade de me atirar aos chacais que invadem as ruas, às hienas que riem rodeadas de carniça, aos papagaios que repetem mentiras e ampliam perfídias. Muitas vezes cedo e nisso me desgasto como se das minhas denúncias e revoltas pudesse resultar alguma clarificação. Mas, quando me detenho, acho inútil. Pior: acho que faço mal. Melhor fora que desprezasse os que vivem do lado nefasto da vida e me entregasse ao louvor do que é belo e bom.




E me deixasse estar a escrever. Ou a transcrever as palavras lisas como elegantes linhas. Assim, por exemplo:

Escrevo como se corresse num jardim, ou num deserto iluminado de areias ____

____ escrevo
para que o romance não morra.
Escrevo, para que continue,
mesmo se, para tal, tenha de mudar de forma,
mesmo que se chegue a duvidar se ainda é ele,
mesmo que o faça atravessar territórios desconhecidos,
mesmo que o leve a contemplar paisagens que lhe são tão difíceis
de nomear


Sento-me num tronco nos limites da clareira, fechando os meus olhos fitos no seu centro, deixando que tudo corra, mesmo na sua imobilidade. E dou-me conta de que corre uma aragem pelas árvores da clareira, tal como um murmúrio, que me suscita a palavra murmuragem. A murmuragem das copas das árvores, como digo a murmuragem que sou.

o encontro inesperado do diverso
é assistir ao belo a comunicar com o silêncio;
a fraccionar a imagem nas suas diversas formas;
ajudá-las a levantar o véu para que se mostrem mutuamente
na beleza própria




era uma noite no meio da lavoura
e da tarde

amorosa como um punho fechado
amena como um estudo de noite.

era uma correnteza de aves fundas
a constituir família.
a palavra era branca como só o branco
e o molde dos insectos era branco como ela
o sangue no tear era branco como ela
o pão escuro o homem pela sombra
era branco como ela.

ela e ele brancos como só a palavra.




E tanta a beleza quando os corpos se entregam ao voo e ao aconchego do corpo do outro.


 

___


E tanta a beleza quando as palavras nos chegam dirigidas a nós e nós, de coração, as entregamos àqueles que tão generosamente nos visitam.




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-  A música no início era Anna Prohaska interpretando 'Der Vollmond strahlt auf Bergeshöhn' (de 'Rosamunde', Franz Schubert), com Eric Schneider no piano

-  As fotografias retratam a beleza quase irreal de plantações de arroz e foram obtidas aqui.

-  O primeiro conjunto de poemas/palavras em itálico pertence a Maria Gabriela Llansol e foram extraídos do belo livro 'O encontro inesperado do diverso' com Ilda David e Duarte Belo

-  O segundo conjunto de poemas (2) pertence a 'Marsupial', um livro de Catarina Nunes de Almeida

-  A pintura é de Caravaggio (1602): A Sagrada Família com S. João Baptista

- O bailado mostra Polina Semionova e Vladimir Malakhov em CARAVAGGIO numa coreografia de Mauro Bigonzetti ao som de Prayer Of The Heart de John Tavener numa interpretação de Bjork.

-  Os poemas ditos pelo talentoso Benedict Cumberbatch, senhor de uma voz maravilhosa, são Words for You:
1. The Seven Ages Of Man (também conhecido por The World's A Stage) da peça As You Like It de William Shakespeare
2. Jabberwocky de Lewis Carroll
3. Divine Comedy de Dante Alighieri
4. Ode To A Nightingale de John Keats
5. Kubla Khan de Samuel Taylor Coleridge
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Permitam que relembre: sobre as gravações dos membros da família Espírito Santo e sobre a decadência moral mais do que financeira que rodeia tudo isto, falo no post já a seguir a este.

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E o que vos desejo, meus queridos Leitores, é o mesmo que desejo para mim e para os meus: que 2015 nos deixe crescer, nos deixe ter esperança, nos dê razões para nos sentirmos felizes e que nos deixe espaço para apreciarmos toda a beleza que nos rodeia.


E, claro está, também saúde, sorte e desafogo financeiro. 
E afecto seja lá de que forma for e venha ele de onde vier. 
E que nos vamos encontrando por aqui.

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terça-feira, dezembro 30, 2014

"Aí está outra coisa: a idade. Tanto como o nome, ainda menos que o nome, também a idade não deveria ter grande importância. Mas tem. Oh, se tem!", disse David Mourão-Ferreira. E pergunta uma Leitora: "As grandes coisas "materiais" têm importância com a idade?"


O post abaixo é dedicado ao humor e mete uma mulher audaciosa e um cavalo marinho - e mais não digo.

A seguir, se não se importam.

Aqui, agora a conversa é outra. A Leitora Rosa Pinto perguntou se as grandes coisas 'materiais' são importantes com a idade.

Mas - uma vez mais o sugiro - vamos com música: Anna Prohaska interpretando Song to the moon de Dvořák, com Eric Schneider no piano. Um som quase divino.








A pergunta, da forma como é feita, é relativamente abrangente e permite-me, à laia de introdução, falar sobre a importância da idade em sentido lato.

Para começar, direi que, seja qual for a perspectiva, a idade importa mas, em minha opinião, não necessariamente no mau sentido. 

É claro que à medida que a idade avança, o corpo vai perdendo resistência e a flexibilidade, a pele vai perdendo a luminosidade, o cabelo vai perdendo a vitalidade. 




Mas em tudo isso pode ser vista beleza, a beleza de um corpo que se vai transformando, assimilando o tempo que passa.

Claro que há também, de vez em quando, o desconforto das articulações que perdem a lubrificação ideal, dores que surgem e custam a passar. Mas, para isso, há tratamentos e, aos poucos, o corpo também se vai habituando a conviver com essa nova realidade. E há a flacidez que não se cura com comprimidos mas que apenas significará decadência se a mente se sentir decadente.

E no amor?

No amor a idade traz maior exigência mas, por outro lado, maior tolerância. 




À medida que se vai conhecendo mais e melhor a vida, vai-se sendo capaz de relevar o que é insignificante e passageiro e vai-se percebendo que não se deve esperar por algo que, de tão perfeito, pode não existir, ou que não se deve contrariar a natureza e que, se o corpo pede uma coisa, deve-se satisfazê-lo sob risco de a oportunidade passar. Da mesma forma, há uma urgência que advém do contador que vai avançando e que impede que se continue a tolerar o que é intolerável.

E no sexo?

No sexo a idade traz um tempo, uma disponibilidade que antes havia em menor quantidade e qualidade e traz um maior conhecimento dos corpos, do próprio e do outro, e uma maior capacidade de entrega e partilha.

E nas grandes coisas materiais, como explicitamente a Leitora refere? 
Por exemplo (digo eu), conhecer grandes hotéis, frequentar os mais caros e luxuosos restaurantes, fazer grandes viagens e consumir sem limites, adquirir roupas de marca custem o que custarem, ter casas requintadamente decoradas com peças assustadoramente valiosas?
Penso que, à medida que a idade avança, tudo isso vai perdendo relevância. Claro que há aqueles para quem a vida apenas faz sentido em função do que conseguem possuir ou experiências exóticas e dispendiosas que conseguem averbar no curriculum - mas com esses eu não me identifico, pelo que por eles não falarei. 




De facto, a mim, isso pouco me diz e cada vez menos. Cada vez aspiro mais à simplicidade, ao valor intrínseco do que é genuíno - ou porque seja puramente natural ou porque resulte do trabalho amoroso de alguém. 

Fiz estas fotografias in heaven durante este fim de semana. O sentimento de deslumbramento que tenho
perante a perfeição de uma pequena flor que desponta no junquilho, 
ou perante os bocados do tronco do meu grande pinheiro que tombou num dia de vendaval e cuja memória preservo, contemplando a beleza da rugosidade que os cobre, 
ou perante a sumptuosidade efémera da flor do aloe vera 
ou, ainda, perante as cores suaves da rocha, entre o azul e o dourado, que se tornam ainda mais belas quando entrevistas numa tarde fria junto aos braços de um pinheiro que dança ao sabor de um vento vagaroso 
é um sentimento imenso, que me empolga, que me fascina. 

Fico perante as cores da rocha num estado de encantamento muito puro e inocente que não se compara ao prazer mundano de frequentar um bom hotel, toco a macieza da sua superfície humedecida e é-me bem mais agradável do que sentir uma cara caxemira, debruço-me e quase venero a perfeição quase intangível da pequena flor como não veneraria uma dispendiosa peça de joalharia.


D & G - 2015


Mas, dito isto, tenho que reconhecer que também não me é indiferente um confortável quarto de hotel com uma bela vista, uma obra de arte que me provoque ou um livro bem encadernado e ilustrado, uma peça de vestuário principescamente costurada - essas grandes coisas materiais.


D & G - 2015


Mas isso é uma coisa e outra é gastar fortunas ou decidir o que gosto ou não gosto em função de modas, de marcas, de prestígios exibicionistas.
[Por exemplo, alguns dos quadros que tenho aqui na sala onde agora estou, e dos que mais gosto, adquiri-os por poucos euros num pintor que vendia a sua arte na rua, mais concretamente na Plaza Mayor em Madrid.]
Importante é a alegria, o gosto pela vida, os afectos, os sorrisos, a beleza das palavras, o apelo de toda a arte, o desafio infinito do conhecimento, o conforto maternal que vem da natureza - e essa importância vai crescendo à medida que a idade nos vai dando a faculdade de melhor abrir o coração e a mente. E as mãos.

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A propósito de tudo isto e da beleza da idade e da importância das grandes coisas imateriais, deixem que vos mostre o vídeo com o novo anúncio Dolce & Gabbana (Verão 2015) - a sensualidade mediterrânica, o convívio entre os dois sexos, entre as várias idades (as mulheres de idade são maravilhosas), as influências de Espanha e Itália misturadas e em festa, tudo é magnífico.





E viva a vida, em qualquer idade!

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E, se é para glorificar coisas que verdadeiramente importam nesta vida, como a beleza e a partilha, e rir e mandar os preconceitos às urtigas, pois então que entre o Freedom Ballet: esta é uma das formas de honrar a beleza imaterial do movimento e da liberdade dos corpos

6&7





...   ...

E se é para deixar que as palavras nos levem no seu voo imaterial, que se chegue a nós o Pedro Lamares e diga "Metade" (Oswaldo Montenegro)

E que a minha loucura seja perdoada
porque metade de mim é amor
e a outra metade também





...   ...

E se é para ajoelharmos perante a beleza imaterial de seres que, de tão belos e intemporais, quase poderiam ser delicados anjos, pois que dancem para nós as medusas Água-viva-juba-de-leão, Cyanea capillata, a Urtiga preta do Mar, Chrysaora achlyos, a Medusa da Lua, Aurelia aurita e a Provocação do Mar, Chrysaora fuscescens. 


No fundo do mar há brancos pavores,
Onde as plantas são animais
E os animais são flores


(in O fundo do mar de Sophia)




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Nunca quando eu era menina e jovem mulher pude deleitar-me tanto com a infinita vastidão da beleza que está agora ao meu alcance e com a qual antes mal conseguiria sequer sonhar. Menina deslumbrada perante a imensa beleza que me cerca sou eu agora.

Elegantes medusas, sublimes cantos, poemas, danças, sorrisos, palavras que chegam vindas não se sabe de onde, essas sim são as verdadeiras coisas que materialmente importam - e isso sei-o agora, agora que a idade vem deixando as suas marcas de beleza no meu corpo.

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Relembro: a divertida história da mulher que queria porque queria um cavalo marinho é já a seguir.

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Desejo-vos, meus Caros Leitores, uma boa terça-feira.

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