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terça-feira, outubro 19, 2021

Oito filmes razoavelmente eróticos

 



Segunda-feira nunca é um bom dia. É daqueles axiomas que é bom que ninguém ouse questionar. Segunda-feira é o início do que pode vir a ser uma sucessão de dias carregados de chatices. Numa segunda-feira as tréguas do fim de semana ainda estão longínquas. 

[Os Leitores reformados, ao lerem isto, esfregam as mãos de contentes: para eles todos os dias são fim de semana. Bem sei. São uns sortudos. Mas lá chegaremos, nós os pobres coitados que por aqui ainda andamos a trabucar.]

Enquanto não, tenta levar-se o melhor possível embora haja quem não se aguente sem moer a paciência aos outros. Para mim o pior é quando olho para a agenda e penso que tenho ali um buraquinho que virá mesmo a calhar para repousar a minha beleza e, acto contínuo, logo recebo uma chamada a pedir que arranje um bocadinho para uma reunião urgente. E uma pessoa tenta que não mas, às tantas, não tem como não e lá se vai o buraquinho à vida. 

[A língua portuguesa é traiçoeira, também sei]

Agora tenho aqui uma coisa a chamar por mim. Ainda antes de ir para a cama terei que ver e despachar esse assunto. Não me apetece nem um pouco pois estive a trabalhar até há pouco, estou mais do que saturada. Mas, quando o dever me chama, parece que não consigo entregar-me ao desfrute da escrita mesmo se de uma colecção de frioleiras postas em palavras se tratar.  Podia saltar por cima disto, do blog. Pois podia. Mas, enfim, ficar sem escrever também não consigo. Addicted to writing.

E, então, pensei escrever sobre uma coisa que li na Vogue francesa: as cenas mais eróticas do cinema. Fui conferir, curiosa. Como é costume nestas coisas, parece que quem escolhe os melhores livros, os melhores filmes, as melhores cenas faz de propósito para deixar os outros a sentirem-se ignorantes. Dos oito filmes, apenas conheço três. E das cenas que consegui ver, talvez por descontextualizadas, não achei grandes espingardas. Além disso, agora acontece uma coisa que me encanita solenemente: ao seleccionar um vídeo que contenha alguma ceninha mais encaloradita, o Youcoiso pede que comprove que sou adulta. Não estou para isso, era o que me faltava. Portanto, como não estou para fornecer comprovativos, marimbo-me para as ditas cenas. 

A beatice vai alastrando. Claro que há que acautelar que as coisas não sejam vistas por crianças. Mas, caneco, parece que preferia as salas de cinema em que a barragem era feita à porta. Agora aqui...? Não basta a publicidade em cima de tudo senão ainda isto...? Que seca, caraças.

Por isso, com tanto entrave e chachada, desisto das listas alheias. Acontece que, para listas próprias, tenho um problema do escambau: não as tenho anotadas, não as tenho de cabeça e, pior ainda, a cabeça não está formatada para fazê-las.

Posso aqui enunciar algumas cenas ou alguns filmes que tenho a certeza que amanhã me ocorrerão outros, provavelmente mil vezes melhores. E não estou certa de que o algoritmo que é mais lápis azul e beato que fedorentozinho de antanho me deixe abrir o vídeo para conferir. Vou tentar mas, acreditem, não garanto que seja muito para levar a sério. E são oito apenas porque não posso ficar aqui a noite toda a puxar pela cabeça ou a tentar encontrar vídeos que expliquem o critério. 

.  1  .

Lady Chatterly, na versão de Pascale Ferran, com Marina Hands e Jean-Louis Coulloc'h um filme belo demais. Mas, mais do que caliente, é belo, belo demais. As cenas mais eróticas apenas são disponibilizadas a quem provar que é adulto. Portanto, vai o trailer.


.  2  .

Dangerous Liaisons de Stephen Frears com Glenn Close, John Malkovich e Michelle Pfeiffer, um filme sensual da cabeça aos pés, passando pela insolente língua de Malkovich (e isto já para não falar do olhar, da voz, das mãos, do andar dele, o descaradão e perverso do Visconde de Valmont)


.  3  .

The Horse Whisperer de Robert Redford com ele e com Meryl Streep, envolvente demais


.  4  .

Damage de Louis Malle com Juliete Binoche e Jeremy Irons. Tem a chatice de não acabar bem mas, antes de acabar, é bom até dizer chea, a começar e a acabar na voz do Jeremy Irons


.  5  .

The Unbearable Lightness of Being de Philip Kaufman com Daniel Day-Lewis, Juliette Binoche, Lena Olin, um filme para sempre, com cenas inesquecíveis (a Lena Olin ficará para sempre na minha memória com aquele seu chapéu)


.  6  .

Closer de Mike Nichols com Julia Roberts, Jude Law, Clive Owen
[Larry : You like him coming in your face?; Anna : Yes!  Larry : What does it taste like?; Anna : It tastes like you but sweeter!]



.  7  .

La vie d'Adèle de Abdellatif Kechiche com Léa Seydoux e Adèle Exarchopoulos
O azul definitivamente a cor mais quente


. 8  . 

The French Lieutenant's Woman de Karel Reisz com Meryl Streep e Jeremy Irons. 
Intemporal, belo.


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Desejo-vos uma boa terça-feira
Saúde. Alegria. Boa sorte.

sábado, janeiro 18, 2020

Sobre a masculinidade nos tempos correntes





Estive a ver o mais recente vídeo de Iman Amrani sobre a masculinidade nos tempos que correm. E fiquei com vontade de dizer de minha justiça. Sou uma apreciadora de homens. Não quero, com isso, dizer que sou especialista em homens até porque não sei o que é ser-se especialista em homens. O que sei é que gosto de os observar, de os conhecer. E gosto de conviver com homens. Desde que me conheço que convivo muito mais com o sexo masculino e que tenho como melhores amigos homens, (tal como em criança, com meninos e, em adolescente, com rapazes). Não sou nem nunca fui maria-rapaz e, no entanto, o meu gosto em conviver com o sexo feminino é marginal. 

E a forma como os homens, de qualquer idade, confiam em mim e me confidenciam aspectos absolutamente pessoais nunca deixará de me surpreender. Mas isso acontece também com mulheres. 

Esta semana um jovem que trabalha comigo veio ao meu gabinete, puxou uma cadeira e sentou-se perto de mim e, sem que eu pudesse esperar tal coisa, começou a contar-me o que o afligia, as suas inquietações. Com as lágrimas a aflorarem, olhando-me, ficava, por vezes, em silêncio. Ouvi-o, fiz-lhe perguntas, aconselhei-o. Mas ele estava com necessidade de falar, de ouvir, de companhia. Demorou-se. É um belo rapaz e, nem por um instante, achei que, lá por estar a expor de forma tão desarmada a sua vulnerabilidade, havia ali algum défice de virilidade.

Onde eu vejo fraca virilidade é nos homens que alimentam o culto do corpo. Homens que querem ter músculos muito trabalhados ou tudo muito vistoso ou que vão em modas e se depilam, desde pernas, axilas, peito ou, mesmo, sobrancelhas, esses é que eu acho que são inseguros, pouco másculos. Pode ser preconceito meu, claro, mas tenho para mim que homem que é homem mantém o seu estado natural (ou quase natural). Homem que é homem sabe que o que atrai uma mulher é coisa de outra natureza.

Por acaso até gosto de homens bonitos, com um bom corpo, com um andar convicente, com um sorriso irrecusável, com um olhar descarado se bem que educado, com umas mãos capazes de tudo e até de trabalhos físicos, sejam eles arranjos domésticos, cortar lenha, atear uma boa fogueira, dar uma boa massagem.

Mas, a par disso, aprecio a inteligência, a insubmissão, a delicadeza, a compreensão, a irreverência, o sentido de humor, a elegância na exposição dos seus sentimentos. E a sua generosidade, e a sua segurança, e as suas maneiras sejam elas, por vezes, boas, sejam elas, por vezes, indesculpáveis. E os seus conhecimentos que devem ser sempre superiores aos meus e a sua capacidade de surpreender e a sua disponibilidade para agradar. E deve ser capaz, quando menos se espera, de dizer um poema.

E deve ser capaz de, em momentos especiais, tirar-nos o tapete, deixar-nos sem chão. Mas deve, de seguida, amparar-nos, segurar-nos nos braços. E rir connosco. E deve ser capaz de nos fazer sentir melhores do que somos. E deve estar para nós, sempre, incondicionalmente.

E deve saber falar-nos numa voz que ora seja encorpada, com a densidade de quem tem uma alma com muitas faces, ora seja suave e silenciosa como uma carícia.

Coisas assim. Nada de mais.

Ora, em tudo isso, para quê um corpo musculado ad nauseam?

Penso que os homens que se arranjam muito, que prestam muita atenção ao corpo, que fazem questão de exibir músculos avantajados, que ligam muito à marca das camisas ou das gravatas, aos relógios ou aos carros, ou que vaidosamente desfiam os lugares em que estiveram, os restaurantes ou hotéis da moda, ou que citam autores a granel o fazem para se exibirem não perante as mulheres mas perante os outros homens, numa competição pueril que nada tem a ver com virilidade.

Mas, claro, isto sou eu. E ainda bem que há para todos os gostos.

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Por mim, prefiro um milhão de vezes a masculinidade contida e 'interior' de David Gilmour à histriónica masculinidade de alguns dos atletas que aqui abaixo deitam testosterona por todos os poros.


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'Usei' para ilustrar o texto o Malkovitch (pintado por Marat Cherny), o Brad Pitt, o David Gandy e o Jeremy Irons (pintado por Nathan Chantob) para mostrar alguns homens que me agradam.

Convido-vos, ainda, a descerem um pouco mais para verem os poemas que o LS me enviou.

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A todos desejo um bom sábado.

sábado, abril 28, 2018

Um dia muito longo (revisited)
Agora com umas fotografias oferecidas e com um vídeo digno de ser visto





Não vi, li ou ouvi notícias. Levantei-me era noite cerrada. Pior: dormi mal. Quando tenho que me levantar de madrugada, tento deitar-me ligeiramente mais cedo. É um erro. Vou para a cama sem sono e ainda com menos sono fico quando lá caio. Depois começo a pensar que já mal vou dormir e, com isso, ainda menos durmo. Uma seca.

Quando saí, a rua deserta. Por vezes, no tempo dos dias pequenos, saio ainda é noite, noite, e até sinto um leve receio. Hoje não, hoje quando saí  começava a querer amanhecer. O céu estava límpido. Fui encontrar-me com uma pessoa e, daí, fomos juntos para o local onde passámos o dia. Centenas de quilómetros. Todo o santo dia. Até à hora que era para ser de almoço, foi para trabalhar. Depois do almoço, que foi de trabalho, mais trabalho. Viémos tarde. Claro que poderíamos ter ouvido as notícias na rádio mas a verdade é que vamos e voltamos sempre na maior converseta. Há anos que é isto: sempre conversa para pôr em dia. Entre coisas de trabalho, fofocas, séries de televisão, telenovelas, grandes assuntos estratégicos ou pequenos assuntos de corredor, nada deixamos por dizer. E assim percorremos centenas de quilómetros para cima e centenas para baixo sem darmos pelo tempo.

No entanto, não pensem. Dias assim são cansativos. São muitas horas de seguida, sem um instante para descansar. Mas a companhia é boa, o ambiente é sempre de afabilidade e isso não é despiciente. Portanto, não se pense que me queixo. Não queixo.


Quando cheguei ainda fui ao supermercado, depois ainda fiz o jantar. Lá a comida era óptima, do melhor que há e mesmo do género de que gosto, proporcionando-se a manjar só de petiscos. Mas não deu tempo para me banquetear como convinha. Tasquinhei rapidamente e tão rapidamente que nem o cérebro percebeu que tinha comido. Por isso, cheguei deserta de fome.

Agora que aqui cheguei ao meu sofá são quase onze da noite.

Devem ter acontecido coisas extraodinárias durante o dia e já vi por ai, num relance, que o maluco da Coreia agora deu-lhe para fazer as pazes com o outro da Coreia do lado de lá mas, sinceramente, ou estou a ficar céptica para além da conta ou é mais uma palhaçada ou criancice. Alguém que tem um historial de doido varrido muda assim do dia para a noite? Agora acaba com os testes nucleares, o espírito bélico-anormal desapareceu, todo ele virou peace and love com os arqui-inimigos...? No espaço de um mês transformou-se desta maneira...? E toda a gente acha isto normal...?

Pois eu não acho. Cá para mim , ou anda dopado ou anda na palhaçada.

Também vi agora na televisão que já se sabe o nome do bebé real. Louis e mais outros nomes mas o primeiro é que conta. Já podem fazer as contas a ver o saldo das apostas. Louis. Eferre-á. Alequí-alecuá.


E agora aqui, neste meu ninho, depois de ter falado com os meus filhos, já cabeceei várias vezes. Tenho uns quantos mails por ler. Devia responder a uns quantos e, no entanto, não consigo. Na televisão agora o Expresso na Meia-Noite. Vou tirar daqui. Já não consigo ver. Ricardo Costa. Mau jornalista. Tenho cá para mim que má pessoa também. Não me interessa ouvir conversas gastas. Agora está na RTP 1 que mostra gente que está longe e a quem o repórter leva mensagens de família e amigos. Programas assim vêem-se bem. Daqui a nada vai dar na SIC a telenovela brasileira. Se me mantiver acordada, vou gostar. A esta hora e há quase vinte e quatro horas sem dormir, não dá para mais que isto.

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As fotografias que usei acima, obtive-as no The Guardian.

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E agora vou ver se descubro um vídeo engraçado para que não dêem o tempo aqui por perdido.

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Ontem, depois de ter acabado de escrever, apaguei e só despertei ao de leve, algum tempo depois, para ir para a cama. Portanto, é hoje que o completo e, como o prometido é devido, aqui está um vídeo digno de ser visto. Eu vi-o com um demi-smile porque, caraças, nem precisaram de me lavar o cérebro, parece que nasci com um chip para ser como sou, uma totó igual aos totós aqui referidos. Caneco.


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E agora fotografias recebidas por mail de quem muito prezo.

Com os meus sinceros agradecimentos ao V. que as fez e ao E. que mas enviou.

Tá-se bem por aí, não, amigos?






Obrigada!

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sexta-feira, janeiro 26, 2018

Batom a condizer com o vestuário...?
Parece-me bem.
[A não ser que a blusa seja amarela-pintainho ou azul-cuequinha]


Ora muito bem. Abaixo já falei das tatuagens poéticas ou aforísticas lançadas pela Dior. Vamos então, agora, passar para a boca. 

Sobre a minha própria boca o que tenho a dizer é que nem sempre passo uma corzinha ou um brilhozinho nos lábios. Se o faço opto por pouco espalhafato. Não gosto de me ver com cores gritantes. Tenho lábios de bom tamanho pelo que, se os pintar de vermelhusco ou rosa pintarolas, fico a atirar para o vulgar. Pelo menos, parece-me. No entanto, mudo a cor consoante a roupa que visto. Se predomina o encarnado, claro que não vou usar batom cor-de-rosa. E vice-versa.

Também da Fashion Week haute couture Primavera-Verão 2018, aprendi que podemos ser ainda mais open minded:
En parfaite harmonie avec son total look pink, Kaia Gerber portait un rouge à lèvres fuchsia sur le défilé Valentino haute couture. Et si la nouvelle règle pour porter son rouge, était la coordination avec ses vêtements flashy ?

A Red Red Rose de Robert Burns (lido por Tom O'Bedlam)


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Por exemplo, também não sou fã do azul, cueca ou não cueca. Até porque seria estranho dizer que ia passar um rouge azul. Claro que à Rihanna tudo fica bem mas quantas de nós, mulheres, nos podemos dar ao luxo de ser Rihannas?




Ou um lipstick em amarelo descarado...? À Jennifer Lopez claro que fica bem e nem precisa de vestir um trapinho a condizer. Mas vá que amanhã apareço no trabalho armada em J. Lo. Seria a gargahada geral no mundo do trabalho. Ná. Não me presto a isso. Sou muito conservadora. É como com unhas: incapaz de as pôr verdes, azul submarino ou escama de sereia. 


Daffodils de William Wordsworth lido por Jeremy Irons.



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sexta-feira, setembro 22, 2017

Claro que tenho que amar de paixão este homem





Não posso dizer que é um amor exclusivo. Não é. Não sou dada a isso. A um é pelo sorriso, a outro pela voz, a outro pela graça, a outro pelo físico, a outro pelo temperamento e sensibilidade, a outro pela insolência, a outro pela inteligência, a outro pela jovialidade, a outro pela patine. Claro que um ou outro quase faz o pleno e esses são merecedores de lugar no pódio.
E há um que não está em competição e que não entra cá nessas coisas de pódios e nestas conversas e que, de resto, acabou de ser avisado que eu ia escrever isto (e teve a reacção do costume: 'maluquices'). 
Mas, enfim, isto para dizer que lá por eu isto e aquilo, isso não quer dizer que o meu coração esteja fechado para os apelos que me chegam a toda a hora.

Mas também que não se pense que sou volúvel. Não, isso não. Sou toda dada a fidelidadades. Cá à minha maneira, bem entendido. Talvez deva antes dizer amores duradouros. Se gosto mesmo, gosto forever. Desculpo o resto e foco-me naquilo de que gosto. Sou muito focada, quero eu dizer.
Essa é a verdadeira explicação para me manter casada há mil anos com a mesma pessoa. Ignoro aquilo que não me agrada e embeiço-me com aquilo de que gosto. E vivo feliz. 
E deste outro que aqui hoje me trouxe também gosto desde que o conheci. Acho que pela voz. Ou por parecer um pouco esquivo. Ou por parecer que tem uma alma cheia de subtilezas. Ou por tudo, porque quando a gente gosta arranja sempre mais motivos para gostar.

Mas já cá volto para aprofundar.


Agora um apontamento sobre outra temática. Casas. Sou muito sensível a casas. Invado os espaços que habito, diz o meu marido. Sei que sim. Como um bicho que atapeta a toca, assim eu. Fiz tapetes, escolho almofadas, pinto quadros, descubro peças, milhares de livros, molduras, santos, espelhos, cadeiras e cadeirinhas, candeeiros, mesas e mesinhas, relógios e ampulhetas. Por todo o lado se vê a minha marca. Sei disso. Se vou ou vejo uma casa escura, mal arranjada, tudo sorumbático e mal jeitoso, mal pouso os olhos já eu estou a pensar que dali tirava aquilo, naquele espaço punha aquilo. E penso de acordo com o que penso ser o orçamento adequado. Tanto imagino decorações de alto coturno como na base da barateza. Tanto faz. Uma divisão grande quase vazia, paredes vazias ou com uns quadrecos quase junto ao tecto, móveis escuros ao pé de sofás escuros, portas de madeira escura, tudo escuro -- isso para mim seria mortal. Se tenho que estar em tal tumba só penso que não vejo a hora de apanhar ar fresco. Mas o contrário também me atrofia. No outro dia estivemos em casa de um casal das nossas relações e viémos de lá quase doentes. Uma moradia térrea enorme com uma cave do tamanho do piso. Cada divisão, enorme, estava cheia como um ovo. Uma coisa aterradora. Móveis bons, mas muitos, demais, mesas, camilhas, cadeiras e cadeirões, sofás e chaises longues, aparadores, escrivaninhas, estantes, vitrinas, um excesso que quase tornava o ambiente irrespirável, Na cave a zona das pistas, a zona dos relógios, a zona dos vinhos, a zona dos móveis velhos, a zona das ferramentas, a zona já nem sei de quê. Víamos aquilo e já nem pronununciávamos palavra. Nunca tínhamos visto tanta coisa, tanta, tanta, tanta. Um exagero. Assim não gosto. Gosto é de harmonia, elegância, luz, cor, tranquilidade.


Mas, agora que já fiz o supra intróito ao tema decorativo, volto ao dos homens -- mas agora postos em contexto. Um homem na sua casa. 

Por exemplo. Vamos supor que achava graça a um homem, uma graça mesmo de verdade e que um dia o via em casa. Imagine-se que era uma casa pirosa, descuidada, com pormenores de puro desmazelo ou mau gosto. Acabava logo ali. Logo.


Mas, então, portanto, ia eu dizendo.

Já não sei quando e onde foi que o vi a primeira vez. Se calhar foi no Apolo 70. Ele era o tenente francês e Meryl Streep a sua amante. E o que eram no filme trespassava para a vida real -- salvo seja. E eu, vendo-o, apaixonei-me logo ali por ele.

Se calhar não foi no Apolo 70, tenho agora ideia que deve ter sido no S. Jorge. A voz dele a invadir a sala e a vir alojar-se no meu coração.
(Tenho muitos recantos no meu coração, como já perceberam. À minha mãe é que ouvi dizer: 'no coração de uma mulher cabe sempre mais um'. Penso que o original deve ser 'de uma mãe' e referir-se a filhos. Mas a minha mãe, e bem, generalizou)

Depois, de vez em quando, via-o. Sempre aquela voz profunda, o corpo esguio e vibrante, aqueles olhos mal dormidos, aquela vontade de amar.

Revisitar o passado em Brideshead. A saudade, a melancolia, o afecto. A estética. Charles e Sebastien. Veneza.


Em Damage. Relações Proibidas. O amante da namorada do filho. Ela, Juliette Binoche. Um filme que retrata o desejo extremo, interdito até ao limite. E sempre aquele corpo que é um mero suporte para uma alma e para uma voz que se movem nas profundezas que existem logo abaixo da textura da pele.


Apenas três exemplos. Lembro-me de vários outros mas não quero maçar-vos com os meus gostos que, nestas coisas, gostos não se discutem.

Pois bem. Deste homem de que tanto gosto soube agora mais uma coisa. A cereja que faltava em cima do bolo.

Conto: parece que Jeremy Irons andava a sentir uma crise de criatividade. Viu um castelo abandonado no meio da água e teve vontade de o restaurar e dele fazer a sua casa. Foi uma obra de uma vida. 

How Jeremy Irons Rescued and Restored a 15th-Century Irish Castle.

In the midst of a creative crisis, the British actor impulsively purchased Kilcoe Castle, a long-abandoned fortress near the water. David Kamp learns how a magical retreat came to be.


[From left, the castle before Irons began restoration, 1997; renovations in progress, 2001; a roof over his head, 1999.]

Pois, pois, é para quem pode -- dirão os cépticos. Pois, pois, direi eu, que há quem, com dinheiro, se enfie num apartamento forrado a ouro enquanto o Jeremy fez um milagre. E eu, que não aprecio os feitos das santas milagreiras, toda me derreto com as graças dos pecadores dads a milagres como este que aqui vos mostro.


Podem ler um artigo interessante sobre o tema na Vanity Fair mas, para os mais apressados, deixo aqui um excerto. 
Irons, I learned after two days at his side, is a man serenely comfortable in his own skin. He speaks without inhibition and does whatever he feels like doing, whether it’s sailing his yawl, the Willing Lass, heedlessly through the stiff gales of Roaringwater Bay, driving the local roads in his pony trap (his preferred, Anglo-Irish term for a horse-drawn carriage), or interrupting his houseguests’ sleep with theatrical wake-up announcements delivered through the intercom system that he rigged up to reach all the rooms in the castle. At the time of my visit, he had two friends staying over, both women. “Good morning, ladies!,” he intoned through the intercom, his plummy Jeremy Irons voice echoing throughout the ancient building. “It’s a lovely day. The sky is dry; the wind is low. Please come down to the smell of burning toast.”
After we had finished eating, Irons asked his guests to gather around in the conversation pit, where Gavin played a couple of songs and told a few groaners. Irons jumped in to tell a few of his own. Collins stood up, pre-emptively apologized for his singing voice, and delivered a heartfelt a cappella version of “The Banks of My Own Lovely Lee,” Cork’s de facto county anthem. Even the slight, shy Whooley performed a set piece, a from-memory recitation of “The Priest’s Leap,” a 74-line Irish-nationalist poem held dear in Cork, about a defiant cleric who, on horseback, miraculously evades a pursuing battalion of nefarious English soldiers. Irons, in his flowing robe, took it all in mirthfully, having evidently banished forever the cold, passionless Anglo-Saxon part of himself.
Outside, it was a stormy night, with lashing rain and flattening winds. But you wouldn’t have known this inside Kilcoe, where the fire crackled, the hum of conversation drowned out the gusts, and the towers didn’t even sway. “There’s something about the castle that generates the most extraordinary energy,” Irons said to me. “Everybody stays up ‘til three, four in the morning—talking, listening to music, drinking. You just want to go on, go on. It takes a bit of getting used to, this place. Because it does somehow produce an energy. Have you felt it?”

Leio o artigo e vejo as fotografias e penso que com este homem e a sua casa eu construiria um romance. E talvez do romance fizesse um filme. E nesse filme bastaria ele e a sua casa, e a sua voz, e o silêncio, o ladrar alegre do cão ou o rumor das águas.




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E uma sexta-feira feliz a todos quantos por aqui me acompanham.

E obrigada pela vossa presença aí desse lado.

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quinta-feira, maio 04, 2017

What's in a name?
["Se ao menos eu pudesse mudar de nome", lamenta-se William Bradley Pitt]


A primeira vez que o vi foi no Thelma and Louise. Era um rapaz com uma sensualidade transbordante, uma malícia implícita cativante, um físico absolutamente convincente. 


Se até aí eu me enlevava com Richard Gere, que tinha conhecido -- eu, se bem me lembro, quase menina e moça, -- ele capaz de seduzir de uma assentada toda a população de um convento de freiras tal a sedução que dele emanava em American Gigolo, a partir daí mantive o J.D. debaixo de olho.



Não que seja dada a lourinhos, não sou, mas aquele moço tinha, à vista desarmada, uma boa 'pegada', coisa que mulher que se preze fareja à distância.

Por essa altura eu ia ao cinema muito amiúde. Adorava ir. Aquele escurinho, aquele cheiro, aquele ambiente fascinava-me. Ia muito ao Quarteto apesar de às vezes cheirar a esgoto e apesar do meu namorado da altura (em especial o que viria a ser meu marido) embirrar com o desconforto das cadeiras e com a falta de espaço já que as pernas não lhe cabiam e tinha que as dobrar à frente dele, quase até ao pescoço. E ia ao Satélite, ao Estúdio. E, claro, aos maiores: Império, Monumental, S.Jorge.


Os grandes filmes de Bergman, na época, conviviam, para mim, com o Oficial e Cavalheiro ou o Breathless (que era uma reprise do A bout de souffle) -- filmes que não podia perder para ver o Richard Gere, com aquele seu corpo gingão, aquela capacidade de bem beijar que não está ao alcance de qualquer um.


Acontece que a minha fidelidade é restrita a casos muito particulares e, portanto, depois de ter visto a arte de Brad Pitt, mantive o Richard em banho-maria e, muito santamente, passei a incluir-me entre as devotas do Brad.

O seu desempenho em Lendas de Paixão foi outro momento alto, tornando, só por isso, aquele filme um objecto de culto. 

[Aos destituídos de faro para a ironia, apresento mais um disclaimer: uso aqui a terminologia 'objecto de culto' a propósito deste filme tal como, há dias, usei 'mares do sul' para designar o mar que banha Cádiz. Sou dada a metáforas, se é que ainda não deu para perceber. E tenho dito. Adiante que o momento é de cinefilia e não de semióticas]


Entretanto Richard Gere foi ganhando patine (não perdendo o charme, mas...) e o Brad entrou naquela deriva mediática designada por Brangelina e eu, mais uma vez, fiz swing (and sorry for my french): passei a achar uma certa graça ao Clive Owen.


Enquanto isso, e num registo diferente, encantada pela voz deles, pulava a cerca* com o Jeremy Irons (como não, com aquela voz...?), com o John Malkovitch (aquela irreverência carregada de perversidade é um convite irrecusável) e, até, com o Ralph Fiennes que, parecendo que não, tem uma densidade enleante.
[Outro disclaimer: A cerca das devoções (como dizer?) cinéfilas, of course]





Mas, lá está, aqueles a quem um dia deitei o olho, debaixo de olho ficarão forever e, por isso, o Brad será sempre olhado com o carinho que se dedica aos antigos lover boys.

E, talvez por isso, foi com tristeza que li a entrevista que concedeu agora, confessando o problema de longa data que tinha com álcool, admitindo a sua responsabilidade pelo que aconteceu e que levou ao seu divórcio.


Parece que vive isolado, solitário, dedicando-se à escultura. Reapareceu na capa de uma revista com um ar que faz enternecer qualquer um, em especial aquelas que guardam um cantinho para ele no seu coração.
[Novo disclaimer: cantinho virtual, leia-se]

Magro como um cão sem dono, ar triste, diz até: 'se ao menos pudesse mudar de nome...'

E eu aí tenho que me pôr ao alto. Que é lá isso...? Nem pensar. Qual mudar de nome? No way.

Tanto mais que Brad é, afinal, William e um William não deve nunca renegar o seu nome.


E, afinal de contas, what's in a name?


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E um dia muito feliz a todos quantos por aqui passam.

Be happy.

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segunda-feira, fevereiro 20, 2017

Tom e eu.
Sem Dindinha


Por muito que confie em quem me lê e por muito que goste de escrever, há coisas de que não poderei aqui falar. São assuntos privados, meus.

Para além disso, talvez porque sou, de formação, uma pessoa das ciências exactas com um forte pendor racional e uma irracional fixação nos preceitos da lógica, tendo a relativizar ou, mesmo, a ignorar os factos que não consigo compreender.

Portanto, desculpar-me-ão por passar por sobre a inexplicável noite de ontem e vos contar apenas parte do meu dia de hoje. Aliás, no post abaixo, já, em parte, dele vos dei conta.

Não me levantei muito cedo. Ao domingo gosto de preguiçar no calor da cama. Depois fiz uma caminhada junto ao mar. Fiz fotografias.


Depois, fui a uma livraria muito especial onde encontrei livros não mediáticos. Vim para casa ao fim da tarde, feliz com as minhas aquisições e com o dia tranquilo que estava a ter. Tratei da casa, da roupa, do jantar. Comi sopa acabada de fazer, pêra abacate com queijo fresco de cabra e mel, dióspiro com queijo curado de cabra.

Depois, vim para a sala com uma chávena de chá. Misturei erva-príncipe com lúcia-lima. Liguei o aquecedor a óleo aqui ao meu lado. Passei as fotografias para o computador. Li algumas páginas de alguns livros. Escrevi o post que poderão ver logo a seguir a este. E adormeci.

E estava a dormir quando ouvi o toque da campainha. O meu coração disparou de imediato. Alterada, de passagem vi-me ao espelho do corredor. Perguntei quem era. Ouvi 'O primo'. O meu coração quase saltou. Enervada. Tentei sorrir para parecer natural.

Presumi que vinham os dois. Quando abri a porta apenas vi Tomé. Antes que eu perguntasse alguma coisa, disse-me 'Vim sozinho. Fiquei a pensar que ontem fui indelicado. Posso...?'. Desviei-me da entrada, deixei-o passar.

'Indelicado?'.

'Sim, ontem vim visitá-la pela primeira vez e não lhe trouxe um presente'.

'Disparate', disse eu.

Estendeu-me um saco de plástico com um pequeno embrulho.

'Que ideia... para quê dar-se ao trabalho?', disse eu, admirada mas, amiga que sou de receber presentes, curiosa.

Fomos andando até à sala. Fiz-lhe um gesto para que se sentasse. Sentei-me num sofá e ele noutro, à minha frente. Abri. Era um pisa-papéis de vidro, muito bonito, com uma flor lá dentro. Devo ter aberto a boca, de espanto.

Vendo a minha reacção, perguntou 'O que foi...? Não me diga que já tem...'.

Respondi: 'Pode não acreditar mas há que tempos que ando a namorá-lo. Acho-o lindo. Mas, de cada vez que estava prestes a ceder à tentação, pensava que era dispensavel'.

Ele sorriu: 'E é. E fico contente que goste. Aliás, sabia que gostava'.

Olhei para ele, admirada: 'Adivinhou?'

E ele: 'Não. Já a vi algumas vezes lá, a olhar para ele'.

O meu coração disparou de novo. Assustada. 'O quê? Que conversa disparatada é essa?'.

Ele explicou: 'Há tempos, estava eu lá com a Fred, eu aos livros, ela a ver lápis e apara-lápis, vimo-la a si. A Fred escondeu-se, não queria que nos visse. Mas eu fiquei a vê-la. Depois disso já a vi lá algumas vezes. De todas as vezes, vi-a a namorar esta peça'.

Fiquei sem saber o que dizer. Depois de uns instantes disse: 'Desagrada-me isso. Parece que estive a ser espiada.'

Ele desvalorizou: 'Percebo. Mas se a Fred não queria que a prima soubesse, que ia eu fazer?'.

Depois levantou-se. 'Hoje não pergunta se quero tomar alguma coisa?'. Levantei-me também.

'Não. Tenho vontade de pô-lo porta fora'.

Ele fingiu-se de repreendido, 'Quanta violência, prima...! '.

Depois pegou na minha mão, levou-a quase até ao seu rosto, como que num delicado beija-mão. 'Acho que não fiz nada de mal mas, se acha que sim, Senhora, aceite as desculpas deste seu servo. E dê-me de beber, Senhora, que uma pinga de água não se nega a um pobre caminheiro'.

Respirei fundo, tentei sossegar o coração. 'E bebe o quê?'.

Ele sorriu 'Quanta secura, Senhora, e eu tão sequioso. Dê-me o que quiser que eu lhe agradecerei.'.

Fiquei a pensar por um instante. Depois, testando-o: 'Nikka?'.

Olhou-me admirado. 'Nikka, Senhora...? Surpreende-me. Mas muito bem. Nikka'.

Fui lá dentro e voltei com dois copos. Trouxe também um pacote de bolachas de chocolate preto e gengibre. Levantou o copo e eu levantei também. Não disse nada e eu também não. Depois bebeu um vagoroso gole, fechou os olhos, o prazer banhou-lhe o rosto. Eu fiz o mesmo.

A seguir, reparando nos livros que eu tinha comprado, levantou-se e veio sentar-se ao meu lado para os ver, um por um. Tentando que ele não ouvisse as batidas do meu coração, disse-lhe 'Para ver se consigo perdoar-lhe o ter-me andado a espiar enquanto eu pensava que estava a namorar o pisa-papéis sem qualquer testemunha, leia um desses poemas.'.

Ele disse: 'Pelo seu perdão, Senhora, cumpro qualquer ordem'. E leu.


No fim, disse-me: 'De olhos fechados, não lhe soube melhor?'. Bebi mais um gole do Nikka e, com a cabeça, disse que sim. 

Então perguntei-lhe o que, desde que ele entrara, não me saía da cabeça: 'A Frederica sabe que está aqui?'.

Ele chegou-se ligeiramente para trás, notoriamente o assunto não lhe era querido, e respondeu secamente: 'Não lhe disse. Não costumo dizer-lhe tudo o que faço. Algum problema com isso?'.

Limitei-me a encolher os ombros. A questão é que não sabia, nem sei, o que pensar de tudo isto.

Depois perguntou-me: 'Não se ouve música nesta casa?'.

Eu apontei-lhe as estantes dos CDs e disse: 'Mas agora ouço no computador. Também quer que eu escolha?'.

E ele 'Não, agora escolho eu'.

E escolheu. Disfarcei a vontade de rir. Atrevido, mesmo.


Depois disse-me, 'Feche os olhos'. Fechei. Fiquei a ouvir a música assim, de olhos fechados, sentindo o seu cheiro e o seu calor a latejarem bem perto de mim.

Pouco depois, senti-o a despir-me. Não ofereci resistência.


Apenas lhe perguntei: 'Aqui, professor?'.

Ele beijou-me um ombro, e os lábios estavam quentes, a barba a roçar-me a pele, depois beijou-me a nuca, eu arrepiada. Respondeu: 'Por mim pode ser aqui, sim. Mas como aluno'.

Depois de uma pausa durante a qual me beijou o colo, acrescentou em voz muito baixa, quase como se confidenciasse um segredo: 'Ouvi dizer que é uma boa professora, prima'. 

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Este é o 4º episódio do folhetim 'Dindinha'. 
O anterior pode ser lido aqui e o link para os anteriores pode ser encontado lá.

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domingo, fevereiro 19, 2017

Fred, Dindinha, Tom e eu



Nunca mais aparecia. Acabei por lhe ligar. Atendeu sonolenta. 'Sim...?'. ‘Então? Afinal não vens?’. Silêncio. Percebi que nem se lembrava. ‘Ah, pois foi, disse que ia aí. Mas adormeci. Outro dia’.

Fiquei irritada. Ali eu à espera e nada. Até tinha ido comprar um pão-de-deus porque sei que ela os adora e no fim nem ai nem ui. Isto antes de ontem a noite.

Hoje, tinha eu chegado de uma caminhada na praia e estava a preparar-me para vir aqui escrever qualquer coisa, já com uma roupa leve de estar em casa, desmaquilhada, despenteada, tocam à porta. Pelo intercomunicador ouço ‘Dindinha’. Quando abro a porta, fico sem pinga de sangue: era ela e o professor. E eu naqueles despreparos. Ele, vendo a minha atrapalhação, diz: ‘Não é a melhor altura…?’ mas já ela tinha entrado.

Fiz um gesto que entrasse e fui atrás, tentando compor minimamente o cabelo. Sentámo-nos na sala, perguntei se queriam tomar alguma coisa. Não quiseram. Dindinha disse: ‘Achei que devia apresentar melhor o Tomé’. Ele, com ar neutro mas onde detectei algum atrevimento, disse, ‘E eu achei que devia conhecer melhor a prima’. Até me senti corar.

Dindinha vinha de blusão de pele, calças largas, ténis. Depois despiu o blusão. Tinha uma camisa branca de renda, decotada. Ele pediu autorização e despiu também o blusão. 

Dindinha disse: ‘O Tom foi meu professor de História de Arte e a coisa não correu bem'. Ele sorriu ao de leve, ‘Eu não diria isso’. Ela continuou ‘Chumbou-me, continuo com a cadeira pendurada. E agora está a enquadrar este projecto. E está a dar-me aulas particulares, a ver se consigo aprender alguma coisa’. Estava muito séria. Ele fez um ar professoral, ‘Acho que temos feito alguns progressos’. Olhou para ela, cúmplice, depois para mim ‘Mas ainda temos pela frente um longo caminho a percorrer’. Embora o tom fosse sério, pareceu-me perceber ali, outra vez, algum descaramento.

Sem saber como intervir e sem perceber bem os contornos daquela conversa e, sobretudo, preocupada com a forma como estava vestida e desarranjada, senti-me a ficar cada vez com menos naturalidade.

Entretanto, Tomé tinha-se levantado e circulava pelas estantes. Depois, pegando num livro, aproximou-se de mim e disse: ‘A verdade é que ainda não sei como se chama’.

Dindinha e eu respondemos ao mesmo tempo: ‘Diana’.

Ele sorriu ao de leve, como se de uma observação fugaz se tratasse: ‘Prometedor, o nome’. Senti-me corar de novo. Se estava de namoro com Dindinha, que atrevimento era aquele que parecia estar com vontade de se manifestar? Fingi que não ouvi. Mas ele olhou para trás, com ar de quem sabia que eu tinha percebido o tom de malícia. Baixei os olhos, não tanto atrapalhada mas, mais, surpreendida.

Mas já ele prosseguia como se nada fosse: ‘Fred, bem que me tinhas dito que a prima era dada a livros’. E ela ‘Pois não disse? Acho que muitos nem é para ler’. 

‘Ah, uma consumista…'. Sentindo-me estupidamente tímida, disse: 'Prefiro bibliófila.'. Ele sorriu, 'Sim, sim. Desculpe-se'. Depois prossegiu, 'Mas se a prima não lê, lemos nós por ela’.

Pegou num livro de Ronsard que estava ao meu lado, procurou um certo poema e disse: ‘Vá, Fred, mostre que está a fazer progressos. Leia’

Dindinha descalçou-se, cruzou as pernas sobre a cadeira, bela no seu impudor. E leu:


Vamos, meu bem, a ver se a rosa
que esta manhã, ao sol, airosa,
a sua roupa abriu vermelha 
(...)
Pois se me credes, vós, meu bem,
enquanto a idade em flor vos tem
nessas primícias de verdura,
colhei, colhei a mocidade
que como à flor a velhice há-de
turvar a vossa formosura.

Enquanto ela lia, aparentemente sem perceber bem a escolha de Tomé, ele não tirou os olhos de mim.

No fim, ela perguntou-lhe: ‘Então Tom? Foi bom?’.

Ele passou-me a pergunta: ‘O que achou, prima?’. Um pouco incomodada com a situação, disse apenas: ‘Gostei, claro que sim. Mas talvez gostasse de ouvir algum silêncio entre as palavras'. E, de repente, apeteceu-me ser eu. 'Talvez o teu professor queira agora mostrar os seus dotes'. 

Pela forma como abriu os olhos, percebi a surpresa, 'Ah...'. Mas, de imediato, reagiu. Veio sentar-se ao meu lado e disse: ‘Preste atenção, Fred, veja como me vou esforçar por agradar à prima.’ Depois de uma leve pausa em que parecia estar a lembrar-se do que ia dizer, rectificou: ‘Agradar na leitura, claro’.

Dindinha levantou-se e veio sentar-se ao meu lado, cabeça encostada no meu ombro. Dindinha de um lado, Tomé de outro. E então, voz lenta, uma voz muito cava, ele disse, de cor:


Encostada a mim, Dindinha tinha deixado que a camisa lhe descaísse, os seios praticamente à vista. Do outro lado, muito próximo de mim, Tomé ora fixava o seio mais exposto dela, ora fechava os olhos, ora me olhava nos olhos. A voz macia, macia.

Quando acabou, passou o braço pela minha frente, quase me tocando, e com uma mão também muito lenta, compôs a camisa de Dindinha. Depois olhou para mim e perguntou-me: 'Então, prima, gostou dos meus silêncios... ?'. Perturbada, hesitei. Mas logo ele acrescentou: 'Para a próxima, prima, experimente fechar os olhos'. Senti um arrepio a percorrer a minha pele. Um arrepio silencioso, muito lento.

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Este episódio (o 3º) de Dindinha, que acabou de ser escrito, vem na sequência deste que se seguiu a este.

A tradução do poema 'Mignonne, allons voir si la rose' de Ronsard é de Vasco Graça Moura. A música lá em cima acompanha o filme Lolita e a leitura de Jeremy Irons refere-se ao livro Lolita de Nabokov.

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domingo, julho 17, 2016

O homem que viu o infinito




Há coisas difíceis de explicar. Se alguém souber explicar porque é que se sente atraído por outra pessoa, ou porque é que se emociona ao ouvir uma determinada música, ou porque é que fica tomado por dentro (como se o próprio corpo de rarefizesse) perante uma pintura, ou porque é que fica quase em êxtase perante uma certa paisagem, ou porque é que se sente tão estranhamente sereno dentro de uma qualquer igreja é porque nada do que sentiu foi desmedido, único.

A mim, que sou de sensações intensas, de emoções fáceis, extrovertida na manifestação dos meus sentimentos e pensamentos, acontece-me, por vezes, passar por situações extremas em que não há racionalidade, não há explicação, não há nada que possa ser traduzido por palavras normais ou lógicas comuns.

Com o tempo fui-me habituando a não tentar explicar algumas coisas. Sinto que para elas não há explicação ou que, a haver, ela não é deste mundo (e, sendo eu um ser racional e nada dado a esoterismos, quero, com isto, dizer que admito que há tanto por saber e descobrir que forçosamente algumas explicações pertencem ao conjunto de saberes que o futuro desvendará).

Acontece-me, por vezes, saber, de certeza absoluta, coisas que não tenho como explicar. Trabalhei com pessoas que acreditavam na minha intuição mas trabalhei também com um que é o meu oposto, um que tem que ver a explicação de a a z para poder aceitar a conclusão do que quer que seja. Eu a dizer-lhe que se devia fazer uma coisa qualquer porque a minha intuição assim o diz e ele, armado em meu educador, a explicar-me que as coisas não funcionam assim, que não podemos guiar-nos pela intuição mas pela lógica demonstrável. Um sofrimento para mim ter que lidar com pessoas assim.

Sempre fui muito de chegar à conclusão sem saber ou sem me interessar conhecer os passos intermédios. Quando estudava, acontecia ter a sensação de estar a responder ao acaso e, até, verdadeiramente incapaz de o fazer da maneira usual, passo a passo. 

E acontece-me também em relação a algumas pessoas: pode uma pessoa parecer o maior anormal, o maior traste, um ser detestável e, no entanto, vá lá eu ser capaz de explicar porquê, eu ver ali uma pessoa boa, uma pessoa de quem tenho vontade de me aproximar.

Ou o oposto: toda a gente estar embevecida perante um qualquer alguém e eu olhar e ver ali um oportunista, um saco cheio de nada. E não ser capaz de explicar porque acho isso. 

Ou uma obra de arte: emocionar-me perante ela como se estivesse perante um anjo e toda a gente olhar incrédula sem ver ali ponta de graça. E eu incapaz de explicar o efeito de tal absoluta rendição.

Da matemática, esta atração, esta verdadeira atracção. Nem por isto ou por aquilo em especial. Mais pela estética da lógica subjacente ao seu entendimento, pela suprema beleza dos conceitos em abstracto.
E já esquecida de tudo, incapaz de trabalhar com logaritmos ou de fazer integrais, longe, longe de tudo isso, como se nunca tivesse sabido.
E, no entanto, ainda a sensação de perplexidade amorosa perante uma construção abstracta, elegante, de uma beleza impoluta. Um fascínio para mim, a matemática. Mesmo que não compreenda. Ou melhor, especialmente se não compreender.

E a memória do desagrado das aulas, das colegas muito estudiosas, dos professores burocratas, dos exercícios repetitivos. Tudo parecia conspirar contra uma beleza que se queria poética, luminosa, inexplicável porque muito pura, divina. 

E a memória da sensação aguda de vórtice, de atracção para um momento de extremo prazer quando a mente era conduzida para a evidência de uma realidade abstracta de rara beleza, uma teoria, a demonstração de que não há realidades complexas mas apenas realidades que ainda não atingiram o estado da perfeição que é sempre sinónimo de simplicidade.

Acontecia-me ir quase em transe, arrepiada, desbravando so caminhos da minha própria mente. Resolver equações, fascínio grande. Começar com elas bem complexas, cheias de indecifráveis enigmas e olhar e começar a ver a aresta onde a lâminha afiada do desbaste iria começar a poda e, aos poucos, a singeleza da evidência a aparecer, a convidar à descoberta final.  A solução. 

Ou um problema complexo com mil restrições, mil variáveis, mil constantes, insolúvel, para esquecer. E eu, com a calma dos perdadores, começar a sentir o nervo do problema, o latejar da resistência, mas prosseguir com a frieza de quem sabe que vai conseguir e, como que por magia, começar a descobrir entropias, a detectar redundâncias, a desmontar falsidades, a acabar com elas, e desbastar, desbastar e, por fim, já o sol a despontar por detrás de um horizonte límpido e encontrar a solução e sempre uma solução tão simples, tão elegantemente simples.


Ou encontrar padrões, testá-los, validá-los, modelizar a vida, reproduzi-la, vê-la na sua essência, simples, bela, quase reprodutível.

E o desconhecido para o qual caminhamos e de onde viémos, o mais e o menos infinito, esses territórios habitado por números imaginários, e que explicam o que não existe, a anti-matéria, os buracos negros que sugam a matéria e de onde se evola uma música subtil, sinuosa e imaterial.

Por isso, ao saber deste filme, O homem que viu o infinito, para ele acorri sem hesitar. Baseado na história verídica do matemático autodidacta Srinivasa Ramanujan, o filme é uma maravilha para quem gosta da matemática daquela forma inexplicável com que se gosta de uma poesia, de uma flor, de uma outra pessoa.


Muito belo, muito belo. Muito comovente. Por diversas vezes chorei. O meu marido, no fim, admirou-se, diz que estou cada vez mais maluca, que não havia ali nada para se chorar. Mas havia. Momentos tristes, para chorar, e momentos emocionantes, que me deram vontade de chorar. Ou que me arrepiaram. 

E Jeremy Irons no papel do matemático G.H. Hardy, o amigo que não sabe perceber os afectos, o protector que sabe disinguir o génio, magnífico, aquela voz, aquela contenção, aquela arte que parece coisa espontânea.

O HOMEM QUE VIU O INFINITO - Trailer Oficial Legendado (Portugal)




Uma benção para quem ama a matemática, este filme caído do céu.

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As imagens que usei mostram diversas formas, em diferentes épocas, de arte indiana.
Lá em cima, Anoushka Shankar interpreta, com Alev Lenz, Land Of Gold.

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E, caso vos apeteça ver as fotografias do calor in heaven, queiram, por favor, descer até ao post já a seguir.

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