domingo, janeiro 21, 2018

A matemática de uma certa noite estrelada





Apenas um pequeno a-propósito:

No outro dia, ao ligar-me o meu filho, apareceu-me ao telefone o menino que tem cinco anos. Disparou: 'Tens um livro do Van Gogh?'. Levei uns segundos a processar. Depois respondi: 'Acho que sim. Mas para que é?' Respondeu-me: 'Para um projecto'. E disse-o com tal naturalidade que contive a vontade de rir. Disse-lhe que iria procurar, que não sabia era se estava na cidade, se na quinta. 

Entretanto, não descobria o livro. Vários outros, sim. Um sobre a semana turbulenta de Van Gogh e Gauguin, outro sobre Theo e Vincent. Depois referência em vários livros de arte. Mas o livro que tinha de cabeça não encontrei.

Relatei a conversa à minha mãe. Diz-me ela: Tu ofereceste-me um livro sobre Van Gogh, grande, da Taschen. Já lá fui, já cá o tenho. Portanto, da parte que me dizia respeito, a missão do Van Gogh está cumprida. 

E estou curiosa sobre o projecto. Quando souber alguma coisa conto.


Entretanto, adivinhando os meus pensamentos, eis que o algoritmo do youtube, certamente sabendo também da minha queda pela matemática, me propõe um vídeo com um tema algo imprevisto: A inesperada matemática por detrás da Noite Estrelada de van Gogh.

Estive a ver, interessada. 

O mundo é um espaço físico e temporal cheio de mistérios e fascínios. Tempos houve em que me entusiasmava ao tentar desvendar alguns e perceber as suas inter-relações. Hoje já não muito. Hoje interesso-me sobretudo por saber que há tantas, tantas, tantas coisas que nunca vou saber -- e que ainda bem que assim é senão a minha cabeça estourava e o mundo deixava de ter graça. 

Cada um de nós tem uma vida finita preenchida por pequenas coias. Podemos achar que somos únicos. Ou que temos pouca sorte. Ou muita sorte. Ou que há coisas que só nos acontecem a nós. Engano. Somos seres insignificantes, frageis, perecíveis, todos idênticos entre nós -- e estamos de passagem.


A maior parte de nós jamais descobre o que quer que seja, jamais deixa marca relevante para o que quer que seja. Apenas quando observados numa série longa se percebe que, de vez em quando, alguns deixam pequenos contributos para os que vêm a seguir. Uns por acaso, outros por muito se esforçarem, outros por mero engano. Acontece, simplesmente. Por exemplo, uns, tresloucademente, pegam num pincel e andam com ele em volta, captando a turbulência com que a sua mente vê o céu estrelado, outros inventam fórmulas matemáticas que se adaptam ao que outros pensam sobre a turbulência da luz. Depois há quem, um dia, consiga ver a relação entre esses eventos e tudo parece fazer sentido. Engano, também. O que é 'tudo'? 'Tudo' é coisa que não existe. 

Haverá, depois, os estudiosos que acham que 'tudo' é um breve passo para atingir o desconhecido. Ou os cépticos que acreditam que nada se sabe, que nada interessa. Ou os diletantes, que com tudo se deleitam, que desenham interrogações onde os outros dormem sobre certezas, apenas pelo prazer da arte e da estética do conhecimento elegante.

Mas, vendo bem, de facto, não se percebe para que é que coisas assim contribuem para o futuro e para o bem da humanidade. Por mim, é com serenidade que interiorizei que não devo tentar perceber tudo.  A explicação do mundo é, para mim, tema que me interessa cada vez menos. Tranquila com as minhas limitações, a mim basta-me semicerrar os olhos e apreciar a beleza de uma pintura, sentir a harmonia de uma bela melodia, apreciar a delicadeza suprema de uma expressão matemática escrita num momento de inspiração.


Mas, enfim.

Transcrevo o texto que acompanha o vídeo que o YouTube me propôs: 
Physicist Werner Heisenberg said, “When I meet God, I am going to ask him two questions: why relativity? And why turbulence? I really believe he will have an answer for the first.” As difficult as turbulence is to understand mathematically, we can use art to depict the way it looks. Natalya St. Clair illustrates how Van Gogh captured this deep mystery of movement, fluid and light in his work. 
Lesson by Natalya St. Clair, animation by Avi Ofer.


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Entretanto, vou coser uma meia e temperar a carne para amanhã e pode ser que ainda volte falar de outras cenas.

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