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domingo, janeiro 09, 2022

Tarde de praia com um mar grande e um cão felpudo -- e muito amor para dar

 



Da noite para o dia a cameleira apareceu coberta de camélias. O jasmim amarelo começa a também estar composto com as suas pequenas e delicadas florzinhas. A ver se fotografo para aqui deixar registo da graça da natureza a despontar em toda a sua delicadeza.

De repente parece que começámos a entrar na primavera. As buganvílias ainda têm algumas flores. É certo que o chorão ainda agora ficou nu mas, não fora isso, e dir-se-ia que passámos do verão à primavera com uma fugaz passagem pelo outono e sem termos entrado no inverno.

Almoçámos no terraço e estava-se muito bem. Fiz peixe cozido, maruca, com batata normal e batata doce, cenoura, feijão-verde, brócolos, cebola e ovo.

Depois fomos até à praia. Não houve jogo de futebol (até porque o meu filho já tinha feito cinquenta quilómetros de bicicleta e, portanto, já tinha um pouco menos pilhas do que de costume) mas houve outros jogos de bola e brincadeiras com o ursinho felpudo que, mesmo sem o prendermos, pouco se afasta de nós. A única vez em que poderia ter ido sem pestanejar e bye-bye little teddy bear, foi quando resolveu correr atrás de outro cão. 

Por sorte, o menino mais novo estava com ele pela trela. Com a força e o impulso da corrida do ursinho, caiu e foi arrastado pela areia, de barriga para baixo... mas não largou a trela. Impressionante. Um valente.

Constatamos que o patudo-peludo gosta de brincar com outros cães. Não tem medo de nenhum. Dá ao rabo e aproxima-se mesmo que os outros lhe ladrem. 

É uma coisa boa andar com o nosso cão na praia mas é ainda melhor estarmos com os nossos filhos e netos e todos brincarem uns com os outros e com a pequena fera. Um tempo ameno, uma luz maravilhosa, uma boa disposição partilhada. Muito bom.

Miúdos e graúdos, uns mais afoitos e a menininha ainda a bit reticente, todos gostam de sentir o pelo macio e a maneira de ser deste nosso novo elemento da família.




Depois da praia ainda tivemos afazeres. Portanto, quando chegámos a casa já era de noite, Passámos ainda pela pizaria para trazermos daquelas pizas de forno de lenha de que tanto gostamos.

E, aqui chegada, depois de jantar, escolhi as fotografias que tinha feito na praia e enviei-lhes. E depois deu-me um sono total. Adormeci. E ainda estou a lutar contra ele. A semana teve momentos complicados e a sexta-feira foi especialmente tensa e complexa. Quando é assim, o corpo pede retempero ao fim de semana.

A pequena fera teve uma semana pouco complexa e nada tensa mas a tarde na praia, as corridas e as escavações deixaram-no KO. Chegou, comeu desalmadamente e caiu para o lado, dormindo a sono solto, deitado de lado no chão aqui da sala. Foi um caso sério conseguir que se levantasse, que fosse até ao jardim fazer chichi e que regressasse à sua cama. A cada passo, deitava-se e queria dormir.

O mar estava lindo, lindo. Gosto muito de fotografar o mar. 

Nenhum surfista. Não sei distinguir os tubos, o fechamento das ondas, a sua sequência e altura. Mas alguma coisa era pois não se via um único surfista. 

Em contrapartida, na praia onde estávamos -- e acho que foi a primeira vez que lá fui -- havia um cheirinho a erva no ar que não era brincadeira. Aliás, toda aquela malta tinha um ar especialmente cool. 

Qualquer coisa nas pessoas, no areal e na forma como as pessoas o ocupavam, na luz que a meio da tarde começou a tingir-se de névoa num dos lados e de sunset sobre o mar parecia prenunciar que havia por ali muito amor para dar. Ainda bem. 

Quando lá cheguei, eu disse que havia qualquer coisa em todo aquele ambiente. A minha filha disse que tinha um boa vibe. E era isso. 

Dantes, quando íamos à praia em Janeiro, éramos muito poucos. Agora as praias estão cheias. É muito bom. Adoro o ar livre, adoro a beleza da natureza, adoro ver pessoas a desfrutar as maravilhas da natureza. Acho que toda a gente fica mais feliz quando anda ao ar livre.

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Ode ao mar -- Pablo Neruda


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Desejo-vos um belo dia de domingo

quinta-feira, maio 28, 2020

A força e beleza dos laços invisíveis que nos unem





Nem em tudo somos estúpidos. Há coisas em que somos extraordinários.

As voltas que damos aos tombos e tropeços em cima da  história -- passos absurdos, passos atrás, passos para o lado e para baixo, passos sem nexo. E, no entanto, por vezes, quase sem querer, aproveitando uma ideia que tinha um outro propósito e fazendo-a voar noutra direcção e, indo ela voando por aí, vai que, sem se saber bem como, abre uma porta e nessa porta nasce uma outra forma de viver. Esta coisa da internet é assim.

Há gente a arrancar fronteiras da terra ou a inventá-las a ferro e fogo, gente a empurrar esfomeados a pontapé, outros a deixar afogar gente amontoada em casquinhas de noz, há gente mentirosa ou que já perdeu até a noção do conceito, há gente idiota que acredita que a terra é plana ou que acredita que há uns deuses pirosos cujos pastores gritam e fazem milagres ao vivo, deuses esses que criaram o ser humano sem passar por evolução coisa nenhuma, gente que mata e esfola, que vive de negócios de sangue. Há gente parva, há gente má, há gente bronca.

Mas depois, inexplicavelmente, há gente inteligente, gente que gosta de equações e da singeleza das leis matemáticas, que gosta de poesia e epistolografia, que sabe de engenharia, que sabe transformar palavras em zeros e uns e desses zeros e uns consegue que renasçam poemas, histórias, músicas.

Há gente a quem devemos novas vidas e novas formas de viver a vida. Há gente a quem nunca agradeceremos o suficiente. 

Hoje, ao fim da tarde, ao sol dourado do belo sunset, eu e a minha filha constatávamos como os dias aqui, in heaven, correm depressa.

Vivemos intensamente cada dia mas, pensando bem, nunca é nada de mais, os meninos felizes da vida, nós apaziguados e na boa, trabalhando, cozinhando, o meu marido, no intervalo da sua actividade, limpando o mato, nós estendendo roupa ao sol -- sem sentirmos falta da vida que antes era a nossa. Nem temos vontade de a ela voltarmos. E, no entanto, apesar de não vermos vivalma que não nós, não nos sentimos isolados. Não estamos isolados.

Por exemplo, agora. Estou aqui escrevendo palavras que, de imediato, se soltam pelos ares, procurando novas leituras, novos espaços, palavras que vão aconchegar-se sob o olhar de quem me lê. E, ao mesmo tempo, até mim chegam-me outras palavras, aforismos, cartinhas, graças, curiosidades, abraços, risos. Um mundo inteiro à mão de cada um. Eterno milagre.

Um merdinhas de nada, um coisinha nenhuma, um enojadinho sem vida própria fechou o mundo em casa, limpou o ar, mudou hábitos, pôs os aviões em terra, fechou fábricas e repartições, atirou com muita gente para a inactividade e desemprego, matou e assustou muita gente. Uma pouca vergonha em que ainda custa a acreditar. Mas, apesar disso, a malta manteve-se unida, descobriu novas solidariedades, percebeu que assim, em isolamento, pode chegar mais longe do que com as pernas e com os aviões, percebeu que o afecto está dentro de nós e não no que nos é exterior. E percebeu que por muitos quilómetros e muitos meses que separem os que se amam, há sementes que germinam incessantemente dentro de nós mantendo a seiva de que a vida se alimenta.

Por vezes emociono-me. Como lá acima disse, há situações que me levam a crer que há estúpidos por todo o lado e que a humanidade não tem salvação. Mas há outras em que, não estando eu à espera, sou surpreendida por mais uma prova de que o impensável é possível e que, se isso é assim, então quantos mais novos mundos desconhecidos estão por aí, por descobrir...?

O vídeo lá de cima é disso exemplo. O palco passou ser a própria casa, o laço que une os músicos é a vontade de estarem unidos, a harmonia e força que testemunhamos é o bocado da sua vida que generosamente nos emtregam. São novos tempos e novas formas de os atravessarmos. E nesta descoberta há muita beleza. E a beleza é geralmente o ventre fecundo da felicidade por vir.

Eu, pelo menos, acredito nisso e essa crença é, para mim, um bom alimento.

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Pinturas de John Humphreys Johnston

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E um belo dia a todos!

terça-feira, janeiro 22, 2019

Não lhe vi um pingo de sangue. E, se não é branca, então que seja azul.




Tenho ideia que ouvi dizer que a lua está vermelha, tingida de sangue. Olho-a e vejo-a branca. O céu espraia-se em branco derramado sobre o rio. Estive à janela a ver a via láctea espelhada no tejo. O céu translúcido. Nem um pingo de sangue. Se calhar ouvi mal. Acontece-me estar a ouvir música na rádio enquanto atravesso a cidade e ir no meu comprimento de onda, pensando palavras, se calhar imaginando outras. 

Por vezes, quando chego ao meu destino, tento lembrar-me do que ouvi e do que pensei e, geralmente, nunca me lembro de nada. Acho que as palavras e a música que ouço se esvaem de mim e que as palavras que se vão juntando dentro de mim também se evadem, sem deixar rasto.

Olhei a lua durante parte do percurso: aqueles pontos brilhantes que se unem através de segmentos muito finos, uma geometria elegante -- tudo quase branco. Nem róseo, muito menos sanguíneo. Finíssimos desenhos em branco na face visível da lua. Sou muito ignorante mas sei que sou pelo que pensei que já deveria ter ido tentar saber o que há do lado de lá, no lado oculto, no lado B, mas não sou só ignorante, sou desinteressada do que me parece escuro e meio triste. Prefiro outros fragmentos e colagens. Poeiras lunares numa paisagem desolada, escura e fria, não é a minha praia. Xodós, lamentos, cantos, poemas destilados, bilhetinhos de amor -- isso sim, eu gosto, espero sempre por mais. Escritos por todos os apaixonados ou apenas por um, tanto me dá. 

Mas, enfim, não sei da lua senão que é branca, doce, e que ilumina com leite e mel os corações enamorados e que chama pelos amantes. Coisas assim, poéticas, sem utilidade outra que não a de fazer a gente sentir a alma mais humana, mais frágil, mais abraçada.

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Portanto, para concluir, posso é dizer que, se a lua não é branca, encarnada também não é. Fotografei-a de longe e de perto e confirmei: não lhe corre sangue nas veias nem a face visível está ruborizada. White ou quase white. Blanche. Mas dizer que está de um branco lunar não apenas é redundante como pode não ser correcto. Ponho-a, então, azul e trago aqui a outra blue moon. E chamo pela vossa companhia. Fiquemos aqui a contemplar as águas do rio, a ouvir os acordes cheios de noite.

E posso ainda acrescentar um outro pequeno despropósito: já converti em acto o presente da massagem que recebi pelo Natal. Entrei num lugar de luz verde, de vegetação tranquila e verde, de água a correr numa fonte, de música de aragem a dançar entre bambus, harpa, piano, sons muito límpidos.

No gabinete quase não havia luz, apenas uma luz muito levemente coada sobre o leito. E umas velas, perfumadas, num canto. E fui mandada despir-me toda. Toda? Toda, e fios, brincos, anéis. Recebi uma tanguinha de papel e deitei-me. E ao longo de uma hora, umas mãos cobertas de óleo foram percorrendo todo o meu corpo, ora com suavidade, ora com intensidade. Não sei se a música foi cambiando. Estive de olhos fechados e sem ouvir nada, sem dizer nada, entregue apenas à sensação boa de umas mãos percorrendo o meu corpo. Quando acabou, deixei-me ficar. Tinham-me avisado: não se levante logo. Por isso, fiquei. Noutro comprimento de onda, descontraidíssima. Saí de lá a flutuar.

E agora vou outra vez pôr-me à janela a contemplar a blue moon sobre o rio.

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Aquí te amo. 
En los oscuros pinos se desenreda el viento. 
Fosforece la luna sobre las aguas errantes. 
Andan días iguales persiguiéndose.
(...)
Pero la noche llega y comienza a cantarme. 
La luna hace girar su rodaje de sueño. 


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segunda-feira, outubro 09, 2017

O Verão no Outono a sul sabe a mar, a sal, a sol e a azul.


Outubro apenas enrubesce ao cair da tarde. As suas cores, agora que o verão tomou conta dele, tingem-se de azul. O azul do céu, o azul do mar.

De vez em quando as águas aquietam-se mas, logo, logo, se levantam. As marés estão vivas, as ondas altaneiras. A luz vibrante da tarde e a leve neblina que se solta da batida das ondas, embranquecem o casario. 

Está-se bem. Cheira a calor, a corpos ao sol, a tempo nosso. 

Não parece Outono. Apetece o calor na pele, o vagar. Muita gente. Contudo, uma gente mais serena, sem pressas. Passeiam junto à rebentação, lêem, olham os veleiros que atravessam o horizonte.

E eu, que pratico people watching, deixo-me ficar a observar quem passa, quem está, quem se aventura. Vejo beleza em tudo: nos velhos que se amparam, nos novos a quem o corpo nunca desiludiu, mas jovens desafiadoras, nas mulheres que, tal como eu, perseguem os instantes, nos caminhantes solitários, na alegria de quem atravessa as ondas. Há momentos, há lugares em que a felicidade parece ter vindo para ficar. Mesmo sabendo-a efémera e frágil, apetece olhá-la de frente, guardá-la dentro de nós.

















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E depois, à noite, esta lua que alguém pôs no céu para que o meu olhar nela repouse, feliz, sonhando com o admirável infinito que nos une.


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E queiram, meus Caros Leitores, continuar a descer pois há para todos os gostos: desde gaivotas observadoras a bois no jardim, passando por um Rio de manga curta e gravata, ele há de tudo.

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terça-feira, maio 02, 2017

A serpente crucificada



Andando a percorrer os recantos e as capelinnhas da cidade, fui dar com a imagem mais estranha que poderia imaginar. Pensei que nem estava a ver bem. Fotografei-a de vários ângulos tentando perceber que coisa era aquela. 

Mas nada me fez perceber o significado do que estava a ver. Em frente da igreja, uma serpente envolvendo a cruz. Em vez da imagem de Cristo, uma enorme serpente de assustadora língua de fora. Depois de ter andado a ver imagens de Nossas Senhoras ou belos altares em talha dourada, aquilo pareceu-me coisa de mau gosto, algum símbolo carregado de perversidade.

Agora, depois de ter procurado na net que bizarria é esta, encontro no site da DGPC a explicação:
Diante da igreja da Senhora da Lapa, no extremo ocidental do Campo da Restauração, ergue-se o cruzeiro de Vila Viçosa, também conhecido por Cruzeiro do Carrascal. Sobre um singelo soco quadrangular ergue-se a base do cruzeiro, constituída por pedestal moldurado de grandes dimensões, suportando uma cruz latina em mármore, onde se enrola uma serpente alada. Trata-se de uma obra quinhentista, datável da primeira metade do século XVI, que reflecte importantes aspectos da espiritualidade coeva, com ênfase para a esperança da Salvação através da Paixão de Cristo. De facto, e apesar da estranheza inicial que pode causar a presença da serpente no lugar de Cristo, esta figuração ilustra de forma clássica a prefiguração da morte de Jesus Cristo na cruz do Calvário, através do episódio do Antigo Testamento no qual Moisés fundiu uma serpente de bronze e a ergueu sobre uma estaca. Segundo as correspondências testamentárias, e de acordo com os Evangelhos, Cristo seria levantado na cruz da mesma forma que o fora a serpente, imagem dos pecados da Humanidade por ele redimidos. (...)
Está certo. Uma metáfora. Contudo, metáfora por metáfora, prefiro as mais tradicionais, as que nos chegam ilustradas com símbolos da maternidade e protecção, como esta Nossa Senhora que vi num painel de azulejos na fachada de uma casa, a Nossa Senhora coroada, com um rico vestido com padrão de rosas e com o Menino a fazer pendant com ela. 


Não sei qual a razão para a humilde Maria nos aparecer assim, tão distintamente paramentada, mas presumo que exista também uma razão. E, assim como assim, é uma imagem que sempre transmite harmonia, enquanto a serpente na cruz transmite insegurança e medo. Mas enfim, isto já são observações leigas e ignorantes de quem não leu os Evangelhos e que prefere as metáforas que têm o seu quê de poético.

Como o que aqui se mostra: Pablo Nerudo a ensinar ao Carteiro o que é uma metáfora.


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quinta-feira, abril 27, 2017

O fascínio dos mares do sul




E, então, o sul. Desta vez, mais a sul. Houvesse tempo e iria ainda mais, rumo aos mares do sul, mais a sul, o mais possível a sul.

O sul. O sonho do sul.

As gaivotas que voam alto e gritam, o azul. O imenso mar. As aragens do mar. O perfume das árvores que ondulam com os suaves ventos dos mares a sul. Este não é o sul dos verdadeiros mares do sul mas, até onde os olhos alcançam, há mais sul, daqui podia ir até lá, aos mares do sul. Um dia hei-de ir, devagar, debruçada no convés, aspirando a maresia, sentindo as neblinas, espreitando o mar sem fim, no fim dos mares, lá bem a sul.


Os veleiros, os grandes paquetes que se fazem ao mar. Eu daqui, olhando o brilho das águas, olhando o porte majestoso destes grandes paquetes, com vontade que alguém de lá me dissesse adeus, lenço branco acenando ao vento, como nos filmes. Eu, mão em pala rente aos olhos, tapando o sol, tentando descobrir a mão acenando, dizendo eu também adeus.

Da varanda vejo os barcos, estou que tempos a vê-los partir. Tenho comigo um livro, vou lendo com desatenção, sempre à espera que mais um navio saia em direcção ao mar. O livro é um diário e estou a gostar mas a paisagem atrai o meu olhar e eu não consigo resistir.


Andando pelas margens, vejo casais conversando rente ao mar. Imaginarão talvez o futuro. E vejo, de vez em quando algum solitário, sobre uma rocha, olhando a distância. Junto ao porto, vejo homens tisnados que discutem arranjos ou a preparação de viagens, que se sentam com a cerveja na mão a olhar o céu, tomando o pulso aos ventos.


Passeio pelas arribas de onde se alcança o pequeno e colorido povoado que parece flutuar, a cidade branca lá mais ao fundo, Caminhamos ao sol, pelos caminhos que os homens desenharam junto ao mar. Por todo o lado os cheiros, a suavidade da aragem perfumada, a brisa que é fresca à sombra, quente ao sol, o grito das gaivotas.

Mais à noitinha, vamos até ao pueblito. Não é verão, as multidões ainda estão distantes. Agora as ruas têm pouca gente. é bom andar por aqui assim, olhando as casas, os pátios, ouvindo as vozes de quem passa. Sentamo-nos, petiscamos, o pescado sabe a mar, é fresco e bom, conversamos.

Ao fundo, umas mesas com grupos animados onde conversam, riem, e onde um jovem circula entre os convivas, com uns falando em inglês. Vão petiscando e bebendo cervejas enquanto estão naquilo. Chegam mais duas mulheres, talvez da minha idade, vêm alegres, cumprimentando de longe. O empregado dá-lhes dois cálices, que elas levam para as mesas. A animação ali é ruidosa. Vendo-me intrigada, o empregado diz-me: 'Trivial'. Como devo fazer uma cara ainda mais intrigada, ele acrescenta: 'Trivial Pursuit'. Percebo. Encontram-se ali, à noitinha, para jogarem ao trivial.


Regressamos já bem de noite. Faço os meus telefonemas, sei da minha gente, vejo o correio, olho as luzes do porto. Vejo as fotografias feitam durante o dia, escolho uma música para aqui colocar e, de gosto, vou ouvindo várias. Opto por esta que talvez estejam a ouvir, Melodia de Manuel de Falla (1897), com Menchu Mendizábal no piano e Emilio Mateu na guitarra.

Amanhã o passeio levar-nos-á ainda um pouco mais a sul. A cal, o sal, o sol, a sul. O tempo vai arrefecer e talvez molhar-se mas não faz mal. Quase prefiro o tempo assim, o tempo de todos os dias, do que o tempo quente do turismo que tantas vezes desvirtua a beleza e a tranquilidade de lugares como este.


E talvez arranje coragem para ir apanhar um figo de pita. Estão desta cor, como os vêem, quase iridescentes ao sol. Não sei se são bons. Gostava que estivessem porque me apetece deliciar-me com um fruto assim, com uma casca desta cor, um fruto nativo, criado com o cheiro da maresia, crestado pelo sol e pelos ventos que vêm do sul. Depois vos conto.

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Ode ao Mar de Pablo Neruda, dito por Tomás Galindo

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Talvez até já
(se o sono não me vencer ou eu não for obrigada a apagar a luz - que lhe reduzi a intensidade... fraquinha, fraquinha, mas, ainda assim, pode incomodar).

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segunda-feira, março 27, 2017

Ver o mar em dia de temporal


Quis ir ver o mar. Dia de chuva, vento e frio. Mas acordei com esta ideia: queria ver o mar. Pensei que talvez conseguisse caminhar cá em cima, vendo a rebentação. Que não, impossível. E eu que sim, que talvez. Que não dava, nem daria para abrir o chapéu-de-chuva. Que talvez desse. Que íamos ficar encharcados. Que não, que também não estava assim tão mau.

Lá chegados, ninguém, só nós. Logo: claro que mais nenhum maluco se lembrou de vir para aqui num dia destes. Não respondi. De facto. Uma ventania. Não se conseguia ter o chapéu de chuva aberto. Muito frio. O mar nem assim tão mau. Mas impossível. Quase sem se conseguir andar. Meia dúzia de passos, meia dúzia de fotografias.

Mas a alma lavada. A necessidade de ver o mar (quase) satisfeita.


Poema de Sophia do livro Mar

Maria Bethânia interpreta Poema Azul



Ode ao Mar, Pablo Neruda, na voz de Tomás Galindo

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domingo, dezembro 11, 2016

Posso escrever os versos mais tristes esta noite.
Pensar que não a tenho. Sentir que a perdi já.
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Importa lá que o meu amor não pudesse guardá-la.
A noite está estrelada e ela não está comigo.



Já não a amo, é verdade, mas talvez a ame ainda.
É tão curto o amor, tão longo o esquecimento.

Porque em noites como esta a tive nos meus braços,
a minha alma não se contenta com havê-la perdido.

Embora esta seja a última dor que ela me causa,
e estes sejam os últimos versos que lhe escrevo.


[Posso escrever os versos, Pablo Neruda - em tradução inglesa na voz de Tom O'Bedlam]
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Dançar no meio da noite -- o lamento no feminino.

Ephemeroptera: A Jiří Kylián Choreography on A Greek Moirolói, Lament


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[Abaixo, um conselho especial aos homens. A não perder!]

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quarta-feira, julho 13, 2016

Só por causa das coisas: que raio de mania é essa de que as mulheres falam pelos cotovelos?




Casa de banho para homens,
casa de banho para mulheres
Tenho um amigo, uma das melhores pessoas que até hoje conheci, que é de poucas palavras. A mulher, em contrapartida, é capaz de estar um dia inteiro a conversar. É adorável, ela, mas, ao fim de um dia, uma pessoa está um bocado exausta de a ouvir. O marido começa por lhe prestar a atenção -- e ri-se muito com as histórias incríveis que ela conta -- mas, ao fim de algum tempo, põe-se ao largo. O meu marido põe-se ainda antes. Ao meu marido cansam-no imenso as pessoas que falam muito. 

Mas ela não quer cá saber de desistências: conversa até ter alguém que a ouça. Tem algum grão de loucura em que se parece um pouco comigo (despistada, não liga a pormenores, muito sincera, etc). Aliás, é carangueja-carangueja como eu (e isto dos signos tem que se lhe diga, certo...?)

Aqui há pouco tempo contou-me ele que ela tinha ido passar uns dias na casa de campo que têm, só ela e os dois netos. É capaz de ter sido por alturas da Páscoa. Telefonava-lhe ele algumas vezes para saber se estava tudo bem, um bocado receoso de que ela não conseguisse desenvencilhar-se sozinha com os dois, e percebia que ela estava exausta com os miúdos, que devem ter entre os 5 e os 7 anos. No primeiro dia, percebendo-a cansada, foi de Lisboa de propósito para ir jantar com ela e ficar lá a dormir, tencionando ir depois trabalhar no dia seguinte. Um esticão dos diabos, mas, enfim, foi de gosto que se meteu a caminho.

Quando lá chegou, diz ele, foi recebido com sete pedras na mão: se ele achava que ela estava com pouco trabalho, que jeito tinha ainda lhe aparecer àquela hora, que ideia mais parva ir lá abancar para jantar, etc. Tantas ou tão poucas lhe disse que ele, percebendo que, se lá ficasse, ia ser um verdadeiro punching bag nas mãos dela, todo infeliz se meteu no carro e foi para casa, jantar e dormir sozinho. Claro está que ela, quando descansou, percebeu a brutalidade do que tinha feito. De qualquer maneira, ele também não ficou sentido. Quer dizer, na altura deve ter ficado, mas, ao contar-me isto, já o fazia com sentido de humor, encarando isso como mais uma das extravagâncias da mulher.

É uma pessoa de extrema inteligência, ela, completamente extrovertida, mas depois tem este lado: temperamental e desabrida. Embirra com o genro e não o disfarça, causando até situações embaraçosas à filha. Mas quer cá ela saber disso. Também não simpatiza especialmente com a nora mas como percebe que a nora é que mantém o filho no caminho de um certo pragmatismo, coisa que ela, enquanto mãe, nunca consegiu fazer, tolera-a minimamente.

Bem, já me distraí. Estava a falar de mulheres que falam muito, não era? 

Tenho uma outra amiga que funciona no mesmo comprimento de onda. Fala, fala, fala. Brejeira, maliciosa, desbocada, é um fartote de riso. Se lá formos passar o dia, ela conversa e conta anedotas desde que chegamos até que partimos. Como ela geralmente conversa comigo (já que o marido dela e o meu se põem ao largo), o que acontece é que é o marido que põe a mesa, vai buscar a comida (ao restaurante do lado - porque ninguém lá em casa cozinha), depois levanta a mesa, põe a louça na máquina -- e o meu marido, solidariamente, ajuda-o. Ela nem se mexe. Abanca e ali é capaz de ficar a falar todo um santo dia. Eu bem tento também ajudar mas, como a conversa é pegada, sinto-me mal educada em deixá-la pendurada. O marido diz que fins de semana assim, com gente lá em casa, são um bocado cansativos para ele porque, confidencia: 'Ela é aquilo que tu sabes, não faz mais nada, só fala'. Não se queixa, apenas constata. Já está habituado.

Claro está que ambas são muito amigas uma da outra e passam a vida a combinar irem fazer passeios juntos. Nunca consegui convencer o meu marido a ir também, diz que dava em maluco mais do que um dia de seguida com aquelas duas a matraquearem-lhe os ouvidos de manhã à noite.

Indicação de WC masculino e feminino
Tenho uma outra que é a mesma coisa, só que, em vez do sentido de humor e da irreverência das duas primeiras estarolas, é muito bem comportada. Fala, fala, fala -- mas apenas sabe relatar doenças, infortúnios, malapatas, brigas familiares que metem dinheiros, disputas de propriedades, desavenças fraternais, zangas com o marido, primos longínquos doentes que aparecem por esta altura para se despedirem da família, assuntos que metem advogados e que tratam de discórdias cujo tema verdadeiramente nunca chego a alcançar na sua plenitude porque ela dá a entender que há muito mais mas que é coisa de tal ordem que ela até tem vergonha de contar. Segundo ela, os outros são todos uns facínoras ou uns paus mandados - e ela uma santa.  Ouço-a num verdadeiro estado de prostração, parece que se me baixa a tensão, sinto-me muitas vezes quase a desmaiar, mas sou incapaz de ser desagradável e mandá-la estar calada. Quem fica de boca calada sou eu, ansiando pelo momento em que ela vai resolver acabar a conversa. A todo o tempo estou com vontade de lhe dar uma corrida em osso e dizer-lhe que não volte, que tanta conversa assim até atrai a pouca sorte e que me cansa, mas cansa muito, mesmo muito. Mas não sou capaz. No entanto, a cada desgraça que conta, remata com um sorriso estóico, dizendo que é preciso ter pensamento positivo e que, felizmente, ela não se vai abaixo com tudo aquilo. Quando a vejo aproximar-se de mim, já sei que vai ser desfiado mais um interminável rol de tragédias -- e o meu organismo entra automaticamente em descompensação.

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E isto vem a propósito de quê? Cheguei a casa tarde, desta vez verdadeiramente tarde, e, sem querer saber de notícias, pus-me para aqui a escrever; e já nem sei bem a que propósito veio isto.

Ah, sim, é verdade. Fui espreitar o Bored Panda e vi uma coisa engraçada com uns posters que ilustram o machismo primário do início do século passado [e pensar que ainda agora, nos dias de hoje, há australopitecos que pensam da mesma maneira].
Mas foi aquela imagem que coloquei em primeiro lugar que me deu vontade de falar das minhas amigas tagarelas.
Transcrevo:

Propaganda Postcards From The Early 20th Century Show The Dangers Of Women’s Rights


These unbelievable vintage postcards from the early 1900s were used as propaganda by men to stop women from having more rights. Although The Suffragettes campaigned tirelessly to change the status quo of the day, many men found the idea of women’s rights not only disagreeable but even downright dangerous.

Because of this, propaganda postcards like the ones below were produced. They come from the archive of Catherine H. Palczewski, a professor of women’s and gender studies at the University of Northern Iowa who’s been collecting them for the last 15 years. The postcards portrayed the idea of change as something to be feared, not embraced, and they promoted women’s rights as an attack against family values as well as an infringement upon man’s place in society. While we still have a long way to go before women have the same rights as men, these postcards serve as a reminder of how far we’ve come since the turn of the 20th Century

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E agora deixem que termine com uma coisa bem diferente. 
Um poema que fala de uma mulher silenciosa.

Escreveu-o um poeta do amor: Ricardo Eliécer Neftalí Reyes Basoalto (12 de Julho de 1904 – 23 de Setembro de1973), poeta, diplomata e político, caranguejo-caranguejo como eu e que usou o nome Pablo Neruda para assinar os seus poemas.


Na voz de Alejandro Sanz: Me gustas cuando callas 


(Poema de Pablo Neruda) 



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Desejo-vos, meus Caros Leitores, uma bela quarta-feira.
Be happy.

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terça-feira, maio 10, 2016

O invisível. Outras dimensões.




Parece que só quando estamos atentos é que vemos algumas coisas. Quando, no século passado, visitei a Expo de Sevilha com uns amigos, eu andava fascinada, tanta arquitectura fantástica, tantos pavilhões cheios de novidades, tanta tecnologia nova, tantas gentes com outros costumes. Olhava à volta e queria descobrir esses admiráveis mundos novos. Em contrapartida, a minha amiga dizia coisas como 'ali devem vender não sei o quê porque estou a ver pessoas virem com sacos de não sei quê e vêm todos daquela direcção'. E eu ficava perplexa porque, de facto, era verdade e eu não tinha, pura e simplesmente, visto.

Acontece-me a toda a hora. Volta e meia vamos na rua e há pessoas que nos cumprimentam muito bem e a quem o meu marido corresponde da mesma forma. Pergunto quem é e ele diz que moram no nosso prédio. Já não se admira pois sabe que é o tipo de coisa à qual não presto grande atenção.

Por isso, sei bem o que é não ver aquilo de que não ando à procura.

Tenho muito para mim que o mundo deve estar cheio de coisas curiosas a que não prestamos atenção porque não as reconhecemos como 'coisas' ou porque os nossos olhos não estão calibrados para as percepcionar.


Movia-me bem nas topologias, esse território insano em que a mente navega por entre espaços ilimitados e multidimensionais. Tinha a sensação de que não percebia nada daquilo mas deixava-me ir, como que embarcando inconscientemente naqueles mistérios. 

A sensação de não perceber matérias e de não me importar, pensando que é da aceitação sem reservas -- e sem querer antes descodificar com códigos familiares que podem não ser aplicados -- é algo familiar em mim. Claro que, desta forma, acabo por não ser capaz de me pronunciar como uma especialista sobre o que quer que seja, porque, ao deixar que a minha maneira de ser flua por entre ou por sobre as coisas, contrario o que seria o natural: embrenhar-me em algumas delas.

O mundo multidimensional que, à nossa luz, é mais imaginário que outra coisa é, para mim, um mundo fantástico onde a nossa existência ganharia um colorido inimaginável, uma vivência caleidoscópica. Provavelmente entraríamos em combustão perante uma estética tão desbragada mas imagino-o como um paraíso feérico, uma maravilhosa e superlativa expo habitada por toda a espécie de vida.

Independentemente disso, o mundo povoado por coisas invisíveis é para mim o mundo de verdade. Não sei dizer mais do que isto e sinto-me feliz assim, quase como se soubesse que isso é o que faz sentido já que o mundo que habito está cheio de coisas transparentes, indecifráveis, inexplicáveis, silenciosas.

Quantas vezes a beleza apenas é assimilável em toda a sua verdadeira extensão (se é que isso existe) quando vistas as coisas de ângulos que antes não tínhamos experimentado. Vejam-se as fotografias que aqui tenho, feitas com um drone.

Transcrevo:
Danilo Dungo uses drones to take stunning pictures of Japanese cherry blossoms. Every spring, he goes to the Inokashira Park to admire the blossoms, and while regular photography capture the park’s beauty, the drones reveal something else altogether.
When seen from a great height, the lake Inokashira Park lake appears to be entirely covered in blossoms! Resembling pollen in a river stream, the blossoms turn the lake a surreal pink, a view unseen by most before the drone age. Be sure to check out Dungo’s other photographs at the National Geographic link below!


Os vídeos abaixo explicam um pouco isso: o invisível que nos rodeia, as multidimensões. Talvez seja mera abstração. Talvez sejamos nós que ainda não estamos sintonizados para as percebermos. Talvez. Não faço ideia.

Exploring other dimensions - Alex Rosenthal and George Zaidan


Imagine a two-dimensional world -- you, your friends, everything is 2D. In his 1884 novella, Edwin Abbott invented this world and called it Flatland. Alex Rosenthal and George Zaidan take the premise of Flatland one dimension further, imploring us to consider how we would see dimensions different from our own and why the exploration just may be worth it. 
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What's invisible? More than you think - John Lloyd


Gravity. The stars in day. Thoughts. The human genome. Time. Atoms. 
So much of what really matters in the world is impossible to see.

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Claro que, antes e depois de tudo, tal como a música, está a poesia.

Mesmo que não na língua original, de novo:

Here I love you de Pablo Neruda (lido por Tom O'Bedlam)



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E aceitem ainda, por favor, o meu convite e desçam até à escrita à mão que nos desnuda.

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quarta-feira, março 30, 2016

Como funcionam os testes de compatibilidade? - A matemática por detrás dos encontros online.
E, já agora, o que é o amor?



Continuemos, pois.

E, se não se importam, vamos com uma das músicas que, quando me quero lembrar de uma que tenha a ver com amor, logo se me ocorre. Faz parte da banda sonora de um grande filme, Closer (de que aqui já falei algumas vezes)


No post abaixo mostrei um vídeo sobre os mecanismos que levam à atracção entre duas pessoas e, quando ainda estava envolta nas minhas próprias questões, rebatendo cada uma que se me colocava, olhei para o lado e vi que o algoritmo da google já ali tinha mais dois vídeos para mim, um eles, muito justamente, ligado a algoritmos.

Já estive a vê-los e até fiquei a saber de um site para descobrir compatibilidades, o OK Cupid. Fui à procura e, toda afoita, até ia experimentar -- mas sou afoita mas é o tanas porque parei logo, aquilo já me estava a pedir a identificação e eu não quero cá nada disso, não quero cá encontrar mais nenhum amor, que já tenho que me chegue, queria era perceber o que é que saía dali, se o dito Cupido me recomendava algum monge tibetano ou um jihadista no activo. Mas pronto, fica para outra vez. De qualquer maneira já fiquei a perceber como é que funciona.


Logo uma das perguntas que são referidas no vídeo que aqui partilho convosco e em que explica como é que aquilo funciona -- se a pessoa é organizada, se quer que o outro seja organizado e se isso é importante para si -- faz-me perceber a lógica da coisa, já que há uma atribuição de pontuação e uma calculatória que me parece fazer sentido.
[Já agora respondo: eu, no trabalho, sou organizada mas no resto não sou, gosto que o outro seja organizado mas não muito e não é tema muito relevante para mim. Por exemplo, odiaria viver com um daqueles obsessivos compulsivos que quer tudo simetricamente arrumadinho, não suportaria que me moesse a paciência a dizer que queria os livros aqui todos muito organizadinhos ou, pior, que não admitia nem um livro fora das estantes. Acho que ele é que ia porta fora. 
Nem suportaria viver com um sujeito que quisesse ser o centro das atenções. E isso para mim é relevante pois andar com um palhaço ao lado deve ser do pior que há, detesto dar nas vistas, seja por mim, seja por quem me acompanha. 
Ou se me perguntassem se prefiro um betinho ou um insolente, diria, sem hesitar, que prefiro um insolente (dá-me vontade provocar, ver se tem poder de encaixe ou se escorrega como uma mariazinha; ou seja, para mim um permanente desafio)]
Estou a escrever isto e já com vontade de construir aqui um teste e fazer uns cálculos para ver se construo o meu próprio algoritmo. Um dia que esteja acordada, a ver se me lembro disso que deve ter graça.

Mas se já percebi como é que funcionam os algoritmos que estão por detrás dos sites que arranjam parceiros compatíveis, fico na dúvida se isso funciona, de facto. Acho que se está no domínio da teoria, quase tanto como a folha de excel está para a economia real. Eu acho que a coisa só funciona se funcionar fisicamente e fisicamente só se sabe quando os dois estão face a face. Acho eu. Embora, acredite que o poder das palavras, mesmo que remotas, é efectivo, talvez até demolidor. 

Espero que, mesmo os que não apreciam grandemente a matemática, gostem do vídeo que aqui vos mostro pois é muito facilmente compreensível e é interessante para se perceber como funcionam os testes de compatibilidade de personalidades.


Inside OKCupid: The math of online dating - Christian Rudder 

(um dos fudadores do dito site)


When two people join a dating website, they are matched according to shared interests and how they answer a number of personal questions. But how do sites calculate the likelihood of a successful relationship? Christian Rudder, one of the founders of popular dating site OKCupid, details the algorithm behind 'hitting it off.'



O outro vídeo que o youtube me recomendou também é interessante. Tem a ver com uma daquelas perguntas que, tal como a outra, 'O que é a arte?', pode ter milhões de respostas e nenhuma será a definitiva. O que é o amor?
É viciante? Viciamo-nos numa pessoa? Não conseguimos passar sem saber dela? Não descansamos enquanto não a vemos, não a ouvimos ou não lemos as suas palavras? É bom o amor? É um vício bom? É daqueles vícios dos quais não nos queremos curar? Tem explicação? Ou é bom que não a tentemos sequer encontrar?

What is love? - Brad Troeger


Is love a signal winding through your neural pathways? A cliche? A cult? Love is easy to compare but difficult to define, maybe because we're fundamentally biased; we try to define love while falling in or out of it. And love feels differently to every person who feels it, but this subjective emotion has evolutionary explanations, too. Brad Troeger takes a shot at the definition of love. 

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Isto já vai longo e eu já devia estar a dormir há horas mas, já viram como é, ponho-me aqui de roda disto e esperto, parece que agora é que estava bom para começar a escrever. Caraças. Mas antes de me ir, apetece-me ainda ouvir Pablo Neruda. Devia ouvi-lo na língua original mas apetece-me dito assim, com fadiga na voz.


Here I love you de Pablo Neruda (lido por Tom O'Bedlam)


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Bem, agora é que é. Vou. 
O tema, como disse acima, complementa-se com o post a seguir, sobre a importância dos sentidos nisto da atracção.

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quarta-feira, novembro 11, 2015

Chegou o tempo da esquerda, um tempo de desafios, riscos e esperança. Aos que agora finalmente se uniram e, num passo inédito, se chegaram à frente e disseram 'Presente!', agradeço que tenham posto fim ao desgoverno PSD e CDS, manifesto o meu apoio no duro caminho que têm pela frente e a minha admiração pela coragem que estão a demonstrar porque os outros vão à sombra dos abrigos e tu vais de mãos dadas com os perigos.



Porque os outros se mascaram mas tu não 
Porque os outros usam a virtude 
Para comprar o que não tem perdão 
Porque os outros têm medo mas tu não

Porque os outros são os túmulos caiados 
Onde germina calada a podridão. 
Porque os outros se calam mas tu não.

Porque os outros se compram e se vendem 
E os seus gestos dão sempre dividendo. 
Porque os outros são hábeis mas tu não.

Porque os outros vão à sombra dos abrigos 
E tu vais de mãos dadas com os perigos. 
Porque os outros calculam mas tu não.



Esta é a madrugada que eu esperava 
O dia inicial inteiro e limpo 
Onde emergimos da noite e do silêncio 
E livres habitamos a substância do tempo 


(...)
Portugal,
volta ao mar, a teus navios
Portugal volta ao homem, ao marinheiro,
volve à terra tua, à tua fragrância,
à tua razão livre no vento,
de novo
à luz matutina
do cravo e da espuma.
Mostra-nos teu tesouro,
teus homens, tuas mulheres,
(...)





E se já mostrei rosas juntas com os cravos e uma rosa feliz e multicor, junto também aqui papoilas porque este é um tempo de inclusão em que todos quantos são livres e lutam por um Portugal desenvolvido devem ser chamados a intervir pois todos somos poucos para o tentar recuperar da pobreza e das injustiças sociais para que foi empurrado nos últimos quatro anos.


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Os poemas são de Sophia de Mello Breyner Andresen e, num dia como o de hoje, apetece-me ter aqui Maria Barroso. A gravação não é fantástica mas acho que concordarão comigo que isso é pormenor.

O poema La Lámpara Marina de Pablo Neruda, lido por Tavares Marques, foi dedicado a Álvaro Cunhal (que, justamente, nasceu a 10 de Novembro) e apetece-me tê-lo também aqui.

No penúltimo vídeo, António Costa agradece o papel precursor de Mário Soares - e hoje faço questão de que Mário Soares se junte à festa. E através do link junto também Pacheco Pereira, outra voz que, ao longo dos últimos quatro anos, não se cansou de lutar pela verdade, pela democracia e pela liberdade.
Gostava de ter encontrado algum vídeo com Miguel Portas ou João Semedo ou Francisco Louçã ou Daniel Oliveira ou Catarina Martins em que o registo fosse do género dos que que aqui coloquei mas não encontrei, apenas os vi em intervenções políticas puras e duras. Por isso, fica aqui apenas o registo dessa minha vontade.
Finalmente, Louis Armstrong interpreta La vie en rose -- e é assim que eu hoje quero ver a vida.

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Nota: Esta terça-feira quase não consegui ver televisão mas quero dizer que, do pouco que vi, fragmentos apenas, gostei muito do que ouvi dos discursos de António Costa, Jerónimo de Sousa e Catarina Martins. Uma lição de democracia.

Deliberadamente não falo dos esgares e do mau perder de Passos Coelho, das ameaças infantis e anti-democráticas (e anti-patrióticas) de Paulo Portas, das expressões desagradáveis de Montenegro e de todos quantos mostraram que continuam sem perceber nada do que lhes acontece. Agora, por exemplo, mostram que não percebem como funciona a democracia. É pena. Mas porque o tempo deles acabou (tal como está prestes a acabar o tempo de Cavaco), não os quero ter aqui a contaminar esta minha página que quero que seja uma página em que se festeja o dia em que a direita retrógrada, incompetente e desumana foi derrubada.

Quero aqui hoje festejar a esperança, a expectativa de que se reinicie um caminho de construção, de respeito pelos outros. Quero acreditar que Portugal está de novo a caminhar na direcção do futuro.

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Desejo agora que a inteligência e a maturidade que o PS, o PCP, o PEV e o BE demonstraram até chegarem a estes acordos se mantenham ao longo dos próximos 4 anos - que nunca se esqueçam de que o que os une tem que ser sempre mais importante do que aquilo que os separa.

Dia 10 de Novembro de 2015 foi um dia novo. 

Abriu-se uma porta importantíssima. Abriu-se uma porta e não apenas em Portugal: também na Europa. Estou em crer que também na Europa se começarão a sentir os felizes tempos de mudança. 

Há alternativa.
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Desejo-vos, meus Caros Leitores, uma quarta-feira muito feliz.

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sábado, setembro 26, 2015

Entre a sombra e a alma




Passa, e muito, das duas da manhã e agora é que aqui estou. Nem devia estar mas tenho isto de não querer deixar passar um dia sem vos deixar uma palavra minha (parece que me acho importante mas que hei-de eu fazer?, é uma mania ou um hábito, não sei, capaz de ser vício, sei lá). As sextas-feiras têm disto: ou por programas meus ou alheios, acabo por ter ocupações extra que dão nisto.

Tenho sono, muito, e não consigo ter ânimo para falar de sondagens, eleições, o que quer que seja. De resto nem sei se aconteceu alguma coisa de jeito neste nosso paísinho. Presumo que não.

Já fui saber se me tinha saído o euromilhões mas tive uma má notícia: saíu, sim senhor, mas foi para o Reino Unido. Bolas, o jeito que me dava.

Ao dar um rápido giro pela net, vi que os sexólogos afirmam que existe o ponto G dos homens, acho que se chama ponto P. Mas tão perdida de sono estou que agora, minutos depois de ter lido, já não encontro o artigo. Bolas. Mas, pronto, ao menos lembro-me que tem a ver com a estimulação prostática. Se estivesse acordada, isto dar-me-ia pano para mangas mas, a dormir como estou, só me ocorrem inconveniências. Por isso, deixa-me mas é ficar caladinha para não atentar contra a moral e os bons costumes.

Enquanto escrevo (e vocês, seus preguiçosos, todos a dormirem), estou a ver uma moça, na televisão, na SIC Mulher, com voz de betinha, toda habilidosa, a fazer quadros, caixas, individuais. Acho que o programa se chama O mundo de Sofia. Como gosto de fazer trabalhos manuais até me apetecia prestar-lhe atenção mas, se me ponho a aprender aquilo, ainda me passa o sono e eu quero ir daqui direitinha para a caminha.

Portanto, pedindo-vos desculpa por isto hoje não ter uma linha de rumo, deixo-vos com um poema que andava a ondular na minha cabeça.
Não sei que é isto comigo, em vez de me portar como uma avozinha, ando sempre toda por aqui dada aos amores, aos romantismos. De tarde, ou melhor: ao cair da noite, ao vir no carro com dois dos meus pimentinhas, vinha a ouvir a música habitual. Diz-me o mais velho, 'Ó Tá, põe lá outra coisa, não me apetece continuar com essas tuas músicas românticas'. Fartei-me de rir. Vinha a ouvir música sacra.
Há bocado, ao deitá-los, o mais novo foi chamar-me à sala dizendo que não conseguia dormir. Lá fui com ele até ao quarto. Disse o mais velho 'Ó Tá, é que ele não gosta do escuro e eu já não sei o que lhe hei-de dizer mais. Já lhe disse para fechar os olhos e pensar em azul, porque ele gosta tanto de azul. Mas ele não é capaz, diz que, quando fecha os olhos, só vê preto. Eu não, eu como gosto de verde, fecho os olhos, penso em verde e, pouco tempo depois, já tenho a cabeça cheia de verde'. Fiquei encantada com esta conversa. Não dei troco porque estava era a ver se adormeciam, que era tardíssimo e eles só na palheta mas esta, em condições normais, daria para mil devaneios, mil voos entre cores, flores, recortes de luz.


Bem. Não vos maço mais com esta minha converseta que não leva a lado nenhum. Deixo-vos, então, com o tal poema  - aqui na versão inglesa - e dito pela voz mais cansada e poluída da história dos diseurs e que, por isso mesmo, é uma voz capaz de me levar por maus caminhos. 


Soneto 17 (dos 100 Sonetos de Amor) - Pablo Neruda - dito por Tom O'Bedlam

I do not love you as if you were salt-rose 
(No te amo como si fueras rosa de sal, topacio )




No te amo como si fueras rosa de sal, topacio 
o flecha de claveles que propagan el fuego: 
te amo como se aman ciertas cosas oscuras, 
secretamente, entre la sombra y el alma. 

Te amo como la planta que no florece y lleva 
dentro de sí, escondida, la luz de aquellas flores, 
y gracias a tu amor vive oscuro en mi cuerpo 
el apretado aroma que ascendió de la tierra.

Te amo sin saber cómo, ni cuándo, ni de dónde, 
te amo directamente sin problemas ni orgullo: 
así te amo porque no sé amar de otra manera, 

sino así de este modo en que no soy ni eres, 
tan cerca que tu mano sobre mi pecho es mía, 
tan cerca que se cierran tus ojos con mi sueño.
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Quanto ao mais: se a coligação de PàFs ganhar o País ficará de vez em cacos e eu acharei que mais valia era que os portugueses emigrassem todos de vez para ver se vinham para cá outros com mais tino, capazes de votar em quem os defenda.


Enfim.
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A fotografia lá em cima mostra a quarentona Kate Moss fotografada para a Vogue Paris pela dupla Mert Alas & Marcus Piggott

Não sei quem pintou aquelas cores tão bonitas do mural ali acima - mas é uma graça, não é? 

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Desejo-vos, meus Caros Leitores, um belo sábado. 
A ver se durmo até tarde para ver se mais logo consigo escrever alguma coisa que se aproveite -- o que, como é sabido, não é fácil para criaturas de miolo fraco como esta que aqui tendes perante vós. 
Adiante.

Quanto ao mais: se a coligação de PàFs ganhar o País ficará de vez em cacos e eu acharei que mais valia era que os portugueses emigrassem todos de vez para ver se vinham para cá outros com mais tino, capazes de votar em quem os defenda.

Enfim.
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