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terça-feira, agosto 12, 2025

A consciência anda por aí, ao deus dará, e o nosso corpo humano é que a capta e sintoniza?
Pergunto

 

Não é tema para o querido mês de Agosto e, muito menos, para se falar sem profundidade e sem conhecimentos. Mas, justamente porque o mês de Agosto é condescendente para com os azougados, aqui estou a partilhar um vídeo que vai lá, vai. 

Aquela coisa de eu ter gostado de ser psiquiatra e depois ter desistido porque primeiro teria que ser médica tout court e, portanto, ter que ter aulas de anatomia e ver mortos, e isso é que nem pensar, e depois ter gostado de ser psicóloga e depois ter desistido porque o curso, na altura, parece que não era tido como um curso mesmo a sério (mas, afinal, parece que até era, eu é que parece que estava mal informada), deixou marcas. Depois, apaixonei-me pela física da matéria, pela física das partículas elementares, pela mecânica quântica e aí é que percebi que gostava mesmo era do que não compreendia, do que estava muito para lá do demonstrável, do que toda a gente sabia. Passei a compreender que, dentro de mim, há uma parte, a que se dá a conhecer, a que conversa e quase parece normal, aquela que se põe a ouvir e, por isso, toda a gente lhe conta coisas, e uma outra parte, desconhecida até de mim, que lida mentalmente com mundos indefinidos e em que não existe uma língua passível de ser usada pois não há palavras existentes para realidades inexistentes.

E se parece uma conversa de doidos não é impressão vossa, é mesmo porque ninguém de bom senso confessa tal condição, uma coisa assim esconde-se de todos e da luz do dia. Muito menos se solta no espaço para que fique por aí a vogar em torno do maravilhoso ponto azul que flutua no imenso espaço sideral.

Mas isto para dizer que não percebo em que parte do cérebro se constrói a individualidade dos pensamentos e a forma de lidar com as emoções. E não sei se é no cérebro ou nos intestinos. Ou numa qualquer outra parte. Não sei. nem sei se essa individualidade, o código que faz com que os meus pensamentos sejam só meus e não os de outra pessoa, está dentro de mim, se está inscrito no meu DNA, ou se, misteriosamente, flutua também por aí e o meu cérebro é que capta esse sinal. 

Também não sei porque tenho, com alguma frequência, uma certa telepatia com a minha filha, tal como tinha com a minha mãe, ou como tenho com outras pessoas e coisas, ou como tinha com o meu amigo que estudava essas coisas e que inspirou um personagem do meu livro 'Um segredo tão azul' (por sinal, o meu livro até hoje mais encomendado), o tal livro meio maldito em que, não me perguntem como ou a que propósito, inventei que ele tinha morrido e me deixou a sofrer por ele, para descobrir, dias depois de o ter escrito, com espanto e susto, que ele tinha mesmo morrido de verdade. Coisas que não se explicam, para as quais ainda não se conhecem razões comprovadamente válidas. Há quem lhes chame coincidências. Eu tendo a chamar coisas do caraças.

E não, não sou adepta de esoterismos, de palermices envoltas em conversa fiada: nada disso. Sou da ciência. Mas sou atraída pelo que não conheço, sinto uma atracção, como íman, pelo que tenta aproximar-se do indefinível.

Para contextualizar de forma mais objectiva o tema, atrelei-me ao chatgpt. Transcrevo (com as devidas reservas pois, se fosse uma hora mais decente, iria validar; assim, a partir daqui é transcrição directa):

"Há cientistas e filósofos que defendem hipóteses em que a consciência não é apenas um produto do cérebro individual, mas algo que pode ter uma dimensão externa ou universal.

Isso não é consenso, mas existem correntes sérias (e algumas mais especulativas) que exploram essa possibilidade.

Aqui estão alguns exemplos das linhas de pensamento e quem as defende:

1. Panpsiquismo

O que diz: A consciência é uma propriedade fundamental da realidade, presente em todos os sistemas físicos, em diferentes graus.

Defensores:

  • David Chalmers (filósofo da mente) — conhecido pelo “problema difícil” da consciência.
  • Philip Goff (filósofo, autor de Galileo's Error).

o Ideia central: A consciência não “surge” apenas de cérebros; ela está distribuída na própria estrutura do universo.

2. Teoria do Campo de Consciência

O que diz: A consciência pode existir como um campo fundamental, parecido com o campo eletromagnético, que o cérebro “sintoniza” ou modula.

Defensores:

  • Johnjoe McFadden (biólogo teórico, autor da “teoria do campo eletromagnético da consciência”).
  • Michael Persinger (neurocientista, propôs o “campo de informação” ligado à atividade geomagnética).

      • Ideia central: A mente é como um rádio que capta e transmite um campo mental já existente.

3. Hipótese do “Cérebro como Receptor”

O que diz: O cérebro não cria a consciência, mas funciona como um receptor/transmissor de uma mente universal.

Defensores:

  • Henri Bergson (filósofo, início do séc. XX) e William James (pai da psicologia moderna).
  • Alguns físicos como Roger Penrose (trabalha com Stuart Hameroff na teoria Orchestrated Objective Reduction — Orch OR).

      • Ideia central: A consciência pode existir independentemente da matéria, e o cérebro é apenas o “interface” local.

4. Modelos de Consciência Distribuída / Não-Local

O que diz: A mente pode estar interligada num “campo informacional” que transcende o indivíduo.

Defensores:

  • Dean Radin (Instituto de Ciências Noéticas).
  • Rupert Sheldrake (hipótese dos “campos mórficos”).

      • Ideia central: Há uma rede ou campo informacional que conecta todos os seres vivos, e a consciência individual acessa esse campo.

🔹 Importante:

Grande parte destas ideias é controversa e está fora do consenso científico dominante, que ainda vê a consciência como produto emergente da atividade neural. Mas o interesse está a crescer, especialmente porque a ciência não tem, até hoje, uma explicação completa para como a atividade física do cérebro gera a experiência subjetiva (o “problema difícil”)".

[ChatGPT dixit] 

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E agora o vídeo que me arrisco a partilhar

 Why we might live in a conscious universe | Rupert Sheldrake

Most scientists think that consciousness is created by the brain. After all, most assume consciousness vanishes if the brain is destroyed. But what if this consensus view is radically mistaken? Join distinguished Cambridge scientist Rupert Sheldrake as he argues that the mind extends beyond the brain and explores the radical implications of this account.

Rupert Sheldrake is a preeminent biologist and author best known for his hypothesis of morphic resonance. His books include Science and Spiritual Practices, Ways to Go Beyond And Why They Work and The Science Delusion. Furthermore, he was ranked in the top 100 thought leaders for 2013 by the Duttweiler Institute, Switzerland's leading think tank, and has been recognised as one of the 'most spiritually influential living people' by Watkins' Mind Body Spirit Magazine.


Desejo-vos um belo dia

sexta-feira, janeiro 17, 2025

Superar o legado de famílias disfuncionais

 Disclaimer:

Pergunta: Haverá famílias absolutamente funcionais?

Resposta: Duvido

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Abaixo partilho um vídeo que me parece um testemunho importante. 

Quantas vezes as pessoas arranjam neuras, pancadas, fobias, fixações, embirrações apenas porque veem as coisas segundo a sua própria perspectiva, ignorando a dos outros? E, quando entendemos melhor os outros, quantas vezes não mudamos o nosso ponto de vista, não percebemos que arranjámos problemas desnecessários, nos arreliámos por motivo nenhum?

E quantas vezes criticamos nos outros por não fazerem o que nós também não fazemos? Ou por fazerem o mesmo que nós também fazemos? Ou criticamos nos outros aquilo que os outros dizem também de nós?

Sugiro que vejam o que o António Raminhos aqui conta.

Como superei o legado da minha família disfuncional | António Raminhos | TEDxPorto

Para António Raminhos, todos temos um legado, uma cronografia que nos precede. Cresceu no seio de uma típica família disfuncional dos anos 80, com relações e narrativas peculiares, mas hoje olha para trás com um sorriso e não queria ter de contar outra história.

Na sua talk, partilhou alguns desses momentos, trazendo leveza e comicidade mas sem deixar de refletir sobre a importância vital dos nossos antepassados e como devemos reconhecer o papel fundamental que desempenham nas nossas vidas.

Na sua experiência com a sua família, o julgamento e falta de afeto que sentia criaram-lhe as condições para perturbações do foro mental, tal como ansiedade e perturbação obsessiva-compulsiva. Mas através do diálogo com os seus familiares, e em especial com o seu pai, conseguiu conhecer o passado destes, com as suas perspetivas e dificuldades, compreendendo que a forma como tinha sido educado foi o resultado do melhor que sabiam e puderam fazer. Reconhecer a história dos seus pais e avós foi assim uma forma de ultrapassar o legado que recebeu e de conceber um novo para a sua família.

 Da televisão à rádio, dos livros aos podcasts, das redes sociais aos grandes palcos em nome próprio, António Raminhos surpreende ano após ano reinventando-se.

(...)

segunda-feira, dezembro 18, 2023

Fernando Alvim e o défice de atenção
[LABIRINTO - CONVERSAS SOBRE SAÚDE MENTAL]

 

Creio que já falei aqui de uma colaboradora que tive que era deveras obesa. Chegou a fazer cirurgias para reduzir o peito e para reduzir o estômago. Mas se, mais ou menos, víamos o efeito logo a seguir, a verdade é que um ou dois anos depois já não víamos diferença nenhuma, continuava obesa.

Quando vi os filhos fiquei um pouco chocada pois as crianças eram também obesas. Dizia-me ela que os miúdos só queriam comer pão de forma daquele muito branco e sem côdea, só queriam beber coca cola, comer gomas. Eu dizia-lhe que não desse isso aos filhos, que isso as engordava, que tivesse cuidado. Ela ria-se e dizia que eles saíam a ela, eram uns gulosos, e se recusavam a comer outro tipo de comida.

Entretanto, o rapazinho era muito problemático. Dizia ela que o menino era hiperactivo e tinha défice de atenção e que tinha que tomar ritalina. Pensei -- mas não disse -- que se calhar a quantidade de calorias que a criança ingeria tinha alguma coisa a ver com isso. Contudo, se andava a ser clinicamente seguido, certamente a obesidade tinha sido tida em atenção e, se calhar, o défice de atenção tem causas distintas, ou seja, não tem a ver com terem energia a mais, fruto do excesso de calorias.

Naqueles dias em que as crianças estão de férias mas os pais não, ela pedia se podia ter lá os miúdos com ela. Claro que sim. Ela levava os tablets para os miúdos estarem entretidos. Eu ia lá vê-los e falar com eles e tentava que fizessem desenhos, escrevessem histórias, mas os miúdos não estavam nem aí. Mas até aí eu ainda compreendia. Mas ficava era muito estupefacta com os pacotes de bolachas, daquelas altamente amanteigadas ou com chocolates e recheios, bebidas completamente desaconselháveis e toda a espécie de farnel hipercalórico que a mãe lhes punha em cima das mesas. Com o máximo de diplomacia, eu perguntava à mãe se não podia evitar aqueles alimentos em tal quantidade e ela, com o ar mais natural, dizia que tinha que ser para ver se estavam sossegados e sem levantarem ondas, senão não conseguiria aguentá-los quietos durante tanto tempo. Eu ficava estarrecida.

Com os meus filhos fui fundamentalista e eles ainda hoje se queixam disso. Não havia internet para me informar mas tinha livros de medicina infantil que não largava e seguia à risca todas as recomendações. Não havia produtos com aditivos suspeitos na alimentação deles. Só lhes dava comida tida por saudável. Por mais que se sentissem infelizes por eu não lhes dar o que eles viam os amigos comer, eu não abria mão com medo que um cagajésimo de miligrama de algum produto menos saudável viesse a fazer-lhes um mal terrível para o resto da vida. Em contrapartida, queria que comessem todos os dias os alimentos tidos por recomendáveis. Quando eram bebés ou pouco mais que isso, para onde eu ia, ia com caixinhas de comida feita em casa pois era a única maneira de ter a certeza que as vitaminas, os sais minerais, as proteínas, os hidratos, etc, estavam todos na dose certa e que tinham sido cozinhados como mandavam as boas regras. Os meus pais e o meu marido e o resto da família achavam que se poderia abrir uma ou outra excepção e eu, por vezes, com pena das crianças, violentava a minha consciência e lá deixava que acontecesse uma extravagância, dizendo a mim própria, que era uma vez sem excepção. 

Por exemplo, os meus cunhados eram o oposto. Iam com os filhos, ainda bebés, sem levarem nada a não ser cerelac. Não me esqueço de um dia em que resolvemos ir fazer um grande picnic perto da praia. Outros tempos. Fomos antes ao mercado comprar peixe e o resto da comida e fomos fazer uma sardinhada. Era um grupo enorme. Um dos meus sobrinhos teria um sete ou oito meses, nem sei, talvez menos. Éramos talvez tantos miúdos quantos graúdos. Entre irmãos e primos era um grupo grande de miudagem. Pois bem, o bebé foi entregue ao cuidado dos diversos primos. Os rapazinhos talvez jogassem à bola ou trepassem às árvores e as miúdas ocuparam-se do bebé. Era literalmente um boneco na mão das primas, todas pequenas. Pois deram-lhe à boca sardinhas assadas, pão com molho de sardinha, batatas, deram-lhe melão. E ele tudo comeu. Ao lanche já não me lembro o que comeu mas qualquer coisa foi, certamente o mesmo que os outros, e, como ficámos até tarde, mais para a noite, fizeram-lhe uma papa cérelac. Comeu tudo que se regalou, sem protestar. E este regime liberal mal não lhe fez pois, que se saiba, é um adulto saudável. 

De todos, comparando-o com a irmã e com os vários primos, o mais irrequieto de todos sempre foi o meu filho. Muitas vezes eu pensava que ele era hiperactivo. Muitos vezes penso que ainda é. A quantidade de actividades que ele faz, parecendo ter sempre necessidade de fazer coisas para se cansar sempre me deixou espantada.  Mesmo quando estava na minha barriga, deixava-me até incomodada com a violência das cambalhotas que cá dava dentro. E quando estava já enorme, mais para o fim da gravidez, a violência dos esticões que dava fazia-me sentir que me ia pontapear o estômago para fora da boca. E, quando nasceu e ficou a dormir no porta bebés, virava-se de tal maneira que punha uma perna quase de fora, parecendo, por diversas vezes, que ia virar o porta bebés ou cair de lá. Eu não conseguia perceber a força que ele tinha para, tão pequeno, fazer aqueles movimentos. Por isso, apesar de ainda tão bebé, tive que pô-lo logo na cama de grades que era da irmã e tivemos que comprar à pressa uma cama grande para a minha filha. E depois, quando tinha dez meses, começou a fazer birras diabólicas durante a noite, puxava os vómitos e vomitava-se, levantava-se e recusava-se a deitar-se e uma vez, não sei como, trepou e atirou-se da cama, pregando-nos um susto do caraças ao darmos com ele caído no chão. Exausta, sem conseguir dormir, sem sabermos já o que fazer (ainda por cima, sempre se recusou a usar chucha), resolvemos fazer uma experiência: pô-lo a dormir na cama grande da irmã. E ela, coitada, foi dormir para o sofá cama. Pois foi remédio santo. Passou a dormir que foi uma maravilha. Eu punha almofadas no chão não fosse ele, irrequieto como era, cair da cama. Mas caía e levantava-se. Nunca mais deu noites desgraçadas, nunca, nunca mais. E, claro, tivemos outra vez que encomendar à pressa uma cama para a minha filha. 

Mas se era hiperactivo, défice de atenção não tinha, nem tem. Focava-se totalmente, concentrado no que lhe agradava. Por isso, nunca considerei que fosse caso para preocupação. 

Mas ocorreu-me isto, certamente a despropósito, ao ver a entrevista do Fernando Alvim no âmbito da rubrica Labirinto, as interessantes entrevistas do Observador sobre temas de saúde mental. 

Quando trabalhava, se o horário coincidia, vinha na companhia do Alvim na sua Prova Oral. Quando dava na televisão também não perdia. Ainda agora, se calha virmos no carro àquela hora, é certo e sabido que nos colocamos na Antena 3 para virmos de gosto na companhia do grande Alvim. É ímpar. É genuíno. Muito bom. E o seu testemunho é importantíssimo para sensibilizar as pessoas para a necessidade de identificar e tratar as perturbações de comportamento que têm origem em alterações a nível da saúde mental.

Fernando Alvim e o défice de atenção. "É muito difícil estar concentrado numa coisa"

Cresceu como um miúdo agitado, sempre a fazer muitas coisas, mas só em adulto, há muito pouco tempo, o apresentador foi diagnosticado. Um acaso que, diz, lhe mudou a vida. 

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Agradeço os comentários e os mails. Têm sido muito importantes para mim.

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Desejo-vos uma boa semana

Saúde. Coragem. Força. Paz.

terça-feira, agosto 08, 2023

A ciência do amor

 

Termos planos matinais e aparecer-nos uma pessoa que nos boicota completamente os planos. Depois. apanharmos temperaturas acima dos quarenta e não apenas não conseguirmos estar na rua como termos uma tremenda falta de energia. Acresce o céu toldado de fumo. E acresce ainda uma vontade de não fazer nada. Acresce que, mesmo que quiséssemos fazer alguma coisa, tal o calor, não o conseguiríamos.

Poderia ter lido, e tenho o livro aqui ao meu lado, mas pus-me a ver o Task-Master e a chorar de tanto rir, que não me ocorreu sequer abrir o livro. Mas também não sei se o calor não derreteu as letras.

Antes do Task Master, para fazer tempo para ver se a minha cabeça entrava nos eixos, estive a ver vídeos sobre o cérebro. Intriga-me o que se passa dentro da minha caixa preta pois desconheço os mecanismos do seu funcionamento, não apenas no que se prende com a sua capacidade de processamento como com a sua memória e com os mecanismos de aquisição de sinais enviados pelos sensores externos. E, por mais que tente aprender, mais convicta fico que é um universo infinito que me transcende.

Não vou aqui, agora, em pleno e quente Agosto, pôr-me a partilhar coisas que terei que ver e ouvir com mais cabeça para ver se melhor as compreendo antes de as partilhar.

Mas vou partilhar um interessante sobre a ciência do amor. 

É um tema interessante, cheio de enigmas. O que leva a que alguns relacionamentos funcionem e outros não?

Apesar de apenas me ter casado uma vez e de o casamento durar até hoje, não consigo construir teorias.

O que posso é dizer que assentou em amor à primeira vista, ou seja, apaixonei-me antes de conhecê-lo. Achava-o bonito e queria que ele fosse meu, queria cair nos seus braços e tê-lo nos meus. Queria beijá-lo, queria mexer-lhe. Isto sem saber se era boa ou má rês, sem saber sequer quem era. Mas não tinha dúvida: ele era aquele. E ele a mesma coisa embora não expresso por este tipo de palavras (quando mais tarde me disse em que pensava quando me olhava daquela maneira, a resposta foi muito mais prosaica e minimalista). Depois, quando nos conhecemos, ou seja, quando começámos a falar, aprofundámos bastante esse conhecimento pois estávamos juntos todo o tempo que conseguíamos. Andámos nisto, em namoro pegado, pegadíssimo, quase um ano e meio. Quando casámos, já nos conhecíamos muito bem, já conhecíamos as famílias um do outro, já conhecíamos amigos, já tínhamos passeado, partilhado, experimentado, ido ao cinema, ao teatro, à praia, a museus e etc. Como já disse muitas vezes, casámo-nos pois, na altura. não nos ocorreu viver juntos sem casarmos. Se fosse hoje, provavelmente viveríamos juntos e apenas mais tarde, se calhar quando viessem os filhos ou se houvesse condições financeiras ou fiscais mais vantajosas por algum motivo que não bulisse com as nossas convicções, nos casaríamos.

Seja como for, porque nunca fomos de promessas de amor eterno ou compromissos absurdos, o casamento também não tem estorvado.

Agora uma coisa é certa: eu e ele somos muito compatíveis a nível de visão da vida, temos gostos afins, investimos os dois por igual no relacionamento, na família, na profissão. E não temos queixas um do outro. Aliás: temos queixas, sim. Mas insignificâncias ou, então, coisas que têm a ver com a nossa maneira de ser que ambos mutuamente respeitamos. Marimbamo-nos e desvalorizamos as diferenças (que, por acaso, nos habituámos a aceitar pois são mesmo pouco importantes) e festejamos aquilo em que nos encontramos. Volta e meia discutimos. Discutimos ou, sobretudo, desentendemo-nos. Mas é sempre sol de pouca dura. Ajuda eu ser distraída e primária: esqueço-me de que me zanguei ou, se me lembro, esqueço-me do que causou a zanga.

Mas, mais interessante do que o meu insignificante caso, é o que a Helen Fisher explica, o funcionamento do cérebro no andamento das relações.

Está legendado.

The science of love | Dr. Helen Fisher

Todos nós queremos ter um relacionamento bom e estável com alguém, diz a Dra. Helen Fisher. Portanto, é importante entender como o amor romântico intenso afeta nossos objetivos de longo prazo.

Sentimentos intensos de amor desligam as partes do nosso cérebro envolvidas na tomada de decisões. É por isso que, de acordo com a Dra. Helen Fisher, você deve passar muito tempo com alguém antes de se casar.

O Dr. Fisher acredita que casos de uma noite, "amigos com benefícios" e coabitação de longo prazo antes do casamento são sinais de uma mudança saudável na atitude em relação ao amor. As pessoas têm tanto medo do divórcio que querem experimentar antes de se estabelecerem.

Enquanto o casamento já foi o início de um relacionamento de longo prazo, hoje é o final.


Desejo-vos uma boa terça-feira
Saúde. Amor. Paz.

segunda-feira, março 13, 2023

Ataques de pânico
Anabela Figueiredo e a ansiedade. “Deixei de andar de carro, de jantar com amigos”

 

Não é tema para noite de Óscares nem sequer para passadeira vermelha.

Mas também não tenho frequentado o escurinho das salas de cinema para aqui poder botar faladura sobre matérias cinéfilas.

Portanto, com vossa licença, vou falar de um tema pouco sexy.

Já aqui o referi: felizmente não conheço a experiência dos ataques de pânico pelo que não posso aqui trazer o meu testemunho pessoal. Contudo, conheço quem já tenha passado por essa terrível experiência.

Ainda não há muito, uma pessoa me contava que, na noite anterior, tinha tido um angustiante ataque de pânico. Depois de muitos exames médicos em que tentou despistar diferentes doenças pois tinha a certeza de que tinha um problema físico, concreto, com sintomas muito evidentes, e porque aquelas manifestações exuberantes aconteciam do nada, sem que estivesse nervoso, tinha finalmente reconhecido que o problema de que padece é do foro mental.

Por exemplo, nesse dia, segundo me contou, estava em casa a cozinhar, tranquilamente. 

Como vive sozinho, apesar de já saber que são ataques de pânico e não cardíacos, ainda tem um certo receio de que alguma consequência grave ocorra e, por isso, quando isso acontece e está em casa, vai para o carro. Acha que, em situação de ser preciso algum socorro, na rua, mesmo que dentro do carro, estará mais perto de alguém que passe. 

Diz que já identifica quando os ataques estão a chegar e já consegue ter algum autodomínio nessas situações.

Tem uma vida profissional muito exigente e, diria, muito stressante. A nível pessoal tem também alguns factores que não são especialmente estabilizadores. 

Por causa dos ataques de pânico que são, segundo ele, incapacitantes, começou a ter algum receio de conduzir. E esse facto, o de, por vezes, não conduzir, é um outro factor que, por si, também não ajuda pois perguntam-lhe porque não usa o carro e ele, não querendo contar o que se passa, vê-se na necessidade de inventar desculpas que a ele mesmo parecem esfarrapadas, deixando-o ainda mais enervado. E, uma vez mais, está a ocultar coisas, deixando-o ainda mais inseguro, com receio que descubram. Tem receio que, se descobrirem que tem ataques de pânico, o considerem pouco apto para as suas funções ou gozem com ele.

Perguntei ao Chat GPT o que são ataques de pânico e eis a resposta:

Ataques de pânico são episódios súbitos e intensos de medo e ansiedade que podem ocorrer sem aviso prévio. Eles geralmente duram de 5 a 20 minutos, mas podem durar mais em casos extremos. Durante um ataque de pânico, a pessoa pode sentir uma sensação intensa de perigo iminente ou de morte iminente, mesmo que não haja uma ameaça real presente. Alguns sintomas comuns de ataques de pânico incluem:

    • Palpitações cardíacas ou taquicardia
    • Sensação de sufocamento ou falta de ar
    • Tremores ou tremedeira
    • Suor excessivo ou frio
    • Náusea ou dor abdominal
    • Tontura ou vertigem
    • Sensação de irrealidade ou despersonalização
    • Medo de perder o controle ou enlouquecer

Os ataques de pânico podem ocorrer como resultado de transtornos de ansiedade, como o transtorno do pânico, ou podem ser desencadeados por eventos estressantes, como a morte de um ente querido, mudanças na vida, problemas de relacionamento ou problemas de saúde. O tratamento para ataques de pânico pode incluir medicação, psicoterapia ou uma combinação de ambos. É importante procurar ajuda profissional se você está sofrendo de ataques de pânico ou qualquer outro problema de saúde mental.

Porque se chamam ataques de pânico se a pessoa aparentemente não sente medo?

Embora possa parecer que as pessoas que estão tendo um ataque de pânico não estão sentindo medo, na realidade elas estão experimentando um medo intenso e incontrolável. O nome "ataque de pânico" se refere à intensidade e rapidez com que os sintomas aparecem, assim como à sensação de perigo iminente que muitas pessoas descrevem sentir durante um ataque.

Os sintomas de um ataque de pânico, incluindo palpitações cardíacas, sudorese, falta de ar, tontura e tremores, podem ser tão intensos que a pessoa pode sentir que está tendo um ataque cardíaco ou morrendo. A sensação de medo e terror que acompanha esses sintomas pode ser esmagadora e incapacitante.

Embora as pessoas que têm ataques de pânico possam parecer calmas em outras circunstâncias, isso não significa que elas não sintam medo ou ansiedade. Na verdade, muitas pessoas com transtornos de ansiedade, incluindo transtornos de pânico, podem ser altamente sensíveis ao estresse e à mudança emocional, o que pode desencadear um ataque de pânico, mesmo quando não há um evento estressante aparente.

Qual a melhor estratégia para uma pessoa lidar com um ataque de pânico?

Existem várias estratégias que podem ajudar uma pessoa a lidar com um ataque de pânico. Aqui estão algumas sugestões:

  • Respire profundamente: A respiração profunda pode ajudar a reduzir os sintomas de ansiedade. Tente respirar lentamente pelo nariz, segure a respiração por alguns segundos e expire lentamente pela boca. Repita esse processo várias vezes até que se sinta mais calmo.
  • Identifique e desafie seus pensamentos: Durante um ataque de pânico, é comum ter pensamentos negativos e assustadores. Tente identificar esses pensamentos e desafiá-los, questionando sua validade e racionalidade.
  • Pratique a atenção plena: A atenção plena envolve concentrar-se no presente e aceitar seus pensamentos e emoções sem julgamento. Isso pode ajudar a acalmar a mente e reduzir a ansiedade. Tente se concentrar em sua respiração, notando como o ar entra e sai do corpo.
  • Use técnicas de relaxamento: Existem várias técnicas de relaxamento que podem ajudar a reduzir os sintomas de ansiedade, como meditação, yoga e exercícios de relaxamento muscular progressivo.
  • Busque apoio: É importante procurar ajuda de outras pessoas durante um ataque de pânico. Fale com um amigo, membro da família ou profissional de saúde mental sobre o que está acontecendo e como se sente.
  • Considere a terapia: A terapia, como a terapia cognitivo-comportamental (TCC), pode ajudar a identificar padrões de pensamento e comportamento que contribuem para ataques de pânico e ajudar a desenvolver estratégias para lidar com eles.
  • Considere a medicação: Em alguns casos, a medicação pode ser prescrita para ajudar a controlar os sintomas de ansiedade. Fale com um profissional de saúde mental sobre as opções disponíveis.

Lidar com um ataque de pânico pode ser assustador, mas há muitas estratégias eficazes que podem ajudar a reduzir os sintomas e controlar a ansiedade. É importante encontrar o que funciona melhor para você e procurar ajuda profissional, se necessário.

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Está disponível mais um vídeo da fantástica série sobre os Labirinto - Conversas sobre Saúde Mental do Observador. 

É necessária muita coragem para uma pessoa expor desta forma as suas fragilidades. É sobretudo um acto de generosidade pois, com o exemplo, estes testemunhos ajudam certamente muitas pessoas que sofrem em silêncio este tormento.

Anabela Figueiredo e a ansiedade. “Deixei de andar de carro, de jantar com amigos”

Começou com um ataque de pânico, acabou por transformar-se em fobias que lhe limitaram severamente a vida. Gestora, Anabela Figueiredo só nunca deixou de trabalhar — e hoje interroga-se porquê. 

Desejo-vos uma boa semana a começar já nesta segunda-feira
Saúde. Serenidade. Força. Paz.


quarta-feira, novembro 30, 2022

Como a menopausa afecta o cérebro.
[Não sei é porque é que os estudos não se debruçam sobre como a menopausa afecta o tamanho dos seios...]

 


Sobre a minha menopausa já aqui falei várias vezes. Não sei ao certo que idade teria. Cinquenta e picos, por aí. O período foi ficando incerto. Às tantas já nem me lembrava bem. Creio que calhou quando andava a fazer uma pós graduação num período em que também andava cheia de trabalho, quando veio o diagnóstico do meu sogro com o que se lhe seguiu, muito stress à mistura. Mas também pode não ter tido nada a ver com isso, pode ter tido apenas a ver com o relógio biológico. Foi-se. Naturalmente. 

Um descanso.

Uma vizinha, por causa disso, do espaçamento que até nos leva a esquecer e a desvalorizar, engravidou. Pensava que a loja estava fechada, distraiu-se. Veio uma bebé quando os filhos eram crescidos, adolescentes, tal como os meus. Poucos meses depois, andava ela de bebé ao colo, a barriga mantinha-se estranhamente grande. Escondeu enquanto pôde. Uma vez disse-me: 'Até tenho vergonha... Que me tenha distraído uma vez, enfim, é estúpido mas acontece... Mas uma segunda vez...? Logo a seguir...? Não há explicação. Tenho vergonha...' Fartei-me de rir, mas percebi-a. 

Depois dos partos, a menstruação desaparece por algum tempo. 

Ainda me lembro de quando nasceu a minha filha, era ela bebé de colo, eu a amamentar, e, um dia, vi sangue. Fiquei assustada. Contei ao meu marido a minha preocupação. Pensei que estava doente, gravemente doente, com alguma hemorragia. O meu marido é que se lembrou: 'Não será a menstruação?'. Já nem me lembrava de tal coisa. Depois dos nove meses da gravidez, creio que já ia em seis ou sete meses depois do parto, e nada. Tinha-se-me varrido. Claro que era! Que burra, credo.

Às tantas também poderia ter engravidado nessa altura. Imagine-se, então, isso numa altura em que a pessoa pensa que já está na menopausa...

Também já contei que a menopausa se me deu uma meia dúzia de afrontamentos foi muito. De todas as vezes, que me lembre, foi ao fim da semana quando ao fim do dia íamos para a nossa casa no campo. Davam-me uns calores brutais, tinha que abrir a janela, quase pôr a  cabeça de fora. Aquilo durava uns segundos, não mais que isso, mas, enquanto durava, era uma onda de calor avassaladora que avançava dentro de mim. Parecia que ia pegar fogo. Depois passava. Assim como vinha, assim ia.

Mas teve outro efeito: aumentei de volume. Antes vestia o 38, depois passei para o 40, depois para o 42, agora, frequentemente, já o 44. Olho para o que vestia antes e espanto-me: tão fininha, tão estreitinha. Como é que eu cabia ali? Agora há ondulação a la Rubens a bombordo, a estibordo, you name it. 

Mas parece que os danos não se ficam pelo volume. Parece que no cérebro a coisa pode fiar mais fino. O que a neurocientista Lisa Mosconi explica ajuda-nos a perceber muitas coisas e a evitar outras. Menos mal: parece que, uma vez mais, a dieta mediterrânica opera milagres. Isso e uma vida activa, tranquila... e, claro, dormir bem (e, neste particular, pela parte que me toca, reconheço: tenho que me esforçar por ir para a cama mais cedo)

Convido-vos a ver o vídeo abaixo pois é muito interessante. Não interessa apenas a mulheres na menopausa mas a quem um dia lá há-de chegar bem como a todos os homens que lidam com mulheres. E, desta vez, milagre, milagre... está legendado.

[E aqui abro um parêntesis para elucidar os Leitores que às vezes se queixam que escolho versões não legendadas. Muitas vezes não é isso, muitas vezes tem que ser o próprio a ir às definições (a rodinha dentada que aparece em baixo, à direita, no vídeo) e escolher a opção das legendas e a língua]

How menopause affects the brain | Lisa Mosconi

Muitos dos sintomas da menopausa - ondas de calor, suores noturnos, insónia, lapsos de memória, depressão e ansiedade - começam no cérebro. Como exatamente a menopausa afeta a saúde cognitiva? Compartilhando descobertas inovadoras da sua pesquisa, a neurocientista Lisa Mosconi revela como a diminuição dos níveis hormonais afeta o envelhecimento do cérebro - e compartilha mudanças simples no estilo de vida que você pode fazer para apoiar a saúde do cérebro ao longo da vida.


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Pinturas de Rubens ao som da banda sonora da 2ª temporada do White Lotus

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sexta-feira, novembro 04, 2022

José Carlos Pereira, médico e actor: “A partir do segundo copo, já não existia limite”

 

Um dos meus grandes amigos tinha um problema de alcoolismo. Contudo, se isso era inegável para todos, ele não o reconhecia como problema. Ou melhor, reconhecer até reconhecia mas achava que durava enquanto ele quisesse. Em situações em que estivéssemos juntos, víamos todos onde é que aquilo ia parar. Bebia um copo, depois outro, depois outro. E nós víamo-lo a ficar com os olhos vermelhos e brilhantes, cada vez mais bem disposto e brincalhão... e queríamos pará-lo. Mas era impossível. No fim ainda bebia whiskey e, se fosse preciso, não um mas mais copos. 

Preocupávamo-nos que conduzisse assim. Mas dizia que não ia deixar o carro para trás. Por exemplo, se ia na Marginal, dizia que ia devagarinho, com cuidado para ir entre os dois traços. Quando estava sóbrio ria-se pois claro que não há dois riscos, há um único, o risco de separação das faixas. Portanto, deveria ir -- devagarinho, dizia ele -- a meio da estrada. Foi apanhado algumas vezes. Uma das vezes foram devagar a escoltá-lo até casa. Noutras vezes foi multado. Não havia, na altura, a severidade que há hoje em relação aos excessos de alcoolemia. 

E tinha uma coisa. Guardava sempre umas notas junto aos documentos. Quando o mandavam parar e lhe pediam que mostrasse os documentos, apareciam as notas. Às vezes funcionava. 

Claro que ficávamos chocadíssimos com isto mas, quando estava alcoolizado, facilitava e abrandava os rigores morais e a única coisa que queria era chegar a casa. Uma vez o truque das notas não resultou e acabou na esquadra. Claro que o advogado o tirou de lá. Contou que na altura ficou preocupado e envergonhado mas logo aquilo passou a ser mais uma das várias peripécias com as quais se divertia.

Uma vez, estávamos, um grupo grande, a almoçar num restaurante ali na zona de Alvalade. Bebeu que deus a dava. Caipirinha atrás de caipirinha. Não era o único, mas ele mais que todos. Depois vinho. E escolheram um tinto dos bons. Vieram garrafas sobre garrafas. Inteligente e divertido como era, nessas alturas ficava hilariante. Aquela mesa era uma festa. Mas, ao fim de muitas, naquele dia a coisa deu-lhe para o sentimento. Lembro-me que lhe deu para nos contar que tinha passado o dia do enterro da Princesa Diana em casa, numa tristeza, a ver televisão, comovido. Um outro, gozão: 'Mas o quê, Senhor Doutor, chorou? Chorou...? Foi mesmo de ir às lágrimas...?' e ele, já comovido, 'Ah, sim, quase, quase...' e quase a chorar. E nós todos a rirmos. Às tantas, ar aflito, disse-me em segredo: 'Tou aflito para mijar...'. E eu: 'Então, porque é que não vai?'. E ele: 'Acho que não consigo lá chegar...'. E eu: 'Olha, agora esta. Se está aflito tem que ir'. E ele, todo tarará: 'Qual o melhor caminho...?'. E eu: 'Vá por aqui, encostado à parede. Vire só lá ao fundo na direcção da casa de banho, se for preciso apoie-se a alguma mesa'. Encheu-se de coragem, lá foi, devagarinho, dobrado de aflito que estava. Os nossos colegas riam-se mas a mim fazia-me muita impressão. 

Até que adoeceu. Apanhou um susto e que susto. Teve o apoio de toda a gente, deixou de beber. 

Tinha um outro colega que bebia bem, sempre, mas que, à sexta-feira, era demais. Nesses dias, aparecia de almoço só lá para as quatro ou cinco da tarde. Vinha sempre radiante e estar com ele nesses restos de tarde era uma festa. Por vezes, excedia-se e fazia disparates dos valentes. Uma vez chamou os responsáveis de áreas que dependiam directamente dele e disse-lhes: 'Estou farto de vos ver sempre nas mesmas funções e nos mesmos gabinetes. Reúnam-se entre vocês e troquem. Troquem à vontade. Na segunda não quero ninguém nem nas mesmas funções nem nos mesmos gabinetes.' Contou, perdido de riso, que os outros o ouviam sem acreditar no que ouviam, boquiabertos, preocupados. Eu ouvia-o a contar a proeza, todo feliz com a parvoíce que tinha feito, e fiquei também preocupada. Claro que isto se espalhou e foi com muita apreensão que se tentou mitigar o impacto do disparate. Nessas alturas, dizíamos-lhe que era sorte que no edifício onde estávamos não houvesse controlo de alcoolemia. Dizia que não teria problema. Sabia conter a respiração e enganar 'o balão'. No caso deste não sei se seria um caso de adição pois apenas o víamos fora das marcas à sexta-feira. Em ambiente social, ao fim de semana, sei que também bebia bem mas não tenho ideia que fosse dependente disso.

Poderia contar outros casos de bebedeiras épicas ou, pelo contrário, o caso de um infeliz, alcoólico em último grau, que pediu indemnização para sair. Durante algum tempo, hesitámos. Sabia-se que acabaria mal, longe da nossa vista. Temíamos que usasse o dinheiro da indemnização nos copos. Um dia apareceu lá a mãe, uma senhora bem idosa, a pedir que o deixássemos sair para ele ganhar força de vontade para se tratar. Lá foi. E perdemos-lhe o rasto.

Sobre drogas, poderia falar de um caso próximo mas dado ser, de facto, próximo, não vou falar. Escrevi, há algum tempo, um folhetim em que um dos personagens era inspirado nele. Estava viciado, agarrado, e conseguiu esconder de grande parte da família. Quando a situação assumiu proporções deveras graves, afastou-se do meio lisboeta em que se perdia e onde já se tinha afogado em dívidas (afastou-se... ou foi afastado quase à força), deixou a profissão, isolou-se no campo, casou-se e agora não para de fazer filhos. E creio que é feliz. 

Mas a adição, qualquer adição, é, a partir de certo momento, uma prisão, uma pedra amarrada aos pés. Quem sofre de adições sofre muitas perdas e, a dada altura, começa a perceber que as perdas são penosas demais e que o prazer que se obtém implica cada vez mais riscos e mais perdas.

Uma vez mais partilho uma entrevista da série Labirinto - Conversas sobre Saúde Mental do Observador

Aqui Sara Antunes de Oliveira entrevista o actor e médico José Carlos Pereira que chegou a ser capa de revistas pelo estado alcoolizado em que era visto nas noites lisboetas e pelos atrasos nas gravações. Uma vez mais, temos uma pessoa a falar aberta e humildemente dos problemas que viveu.

E a mensagem é, de novo, a mesma: há saída. É preciso pedir e aceitar ajuda, é preciso persistência, é preciso querer muito. 

José Carlos Pereira e a adição. “A partir do segundo copo, já não existia limite”

Começou a beber socialmente, até perceber que já não se divertia sem álcool ou drogas. Sofreu com a dependência e com o rótulo. Hoje está focado em não voltar atrás.


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Um dia bom
Saúde. Ânimo. Paz.

terça-feira, novembro 01, 2022

O grande Raminhos e o seu TOC

 


Volto à saúde mental. Uma expressão que muito me agrada é aquela de que o cérebro é a última fronteira. Nada sabemos do que o habita. Ou melhor, saber até sabemos. Mas não conhecemos inteiramente o que há para além do que se sabe. Isso não sabemos. E isso é muito.

  • Somos o que a nossa mente é? 
  • E a mente é o que o cérebro processa? Ou é o que é, independentemente das faculdades dos neurónios e das sinapses?
  • E se há ligações no cérebro que, por doença ou acidente, não estão a funcionar bem? Deixamos de ser quem, na verdade, somos?
  • É a nossa maneira de ser, a nossa personalidade, que se altera ou, simplesmente, há algo que tem que ser tratado?

Por felicidade minha -- felicidade ou sorte, não sei -- até hoje ainda não sofri de depressão, não sofro de distúrbios obsessivos compulsivos e, se sinto ansiedade, parece-me legítima e controlável. 

Mas conheço quem já tenha sofrido ou sofra destas perturbações. E sei como sofrem... Um sofrimento terrível, muitas vezes dúvidas sobre se alguma vez vão conseguir ter uma vida normal ou ser capazes de experimentar a felicidade. Ouço as pessoas falar: acordar já com ansiedade mesmo não sabendo exactamente porquê, ter medos, por vezes medos abstractos, indefinidos, medos incapacitantes. 

Ou ter ataques de pânico, crises que se confundem com quase-morte. 

Há algum tempo alguém me contava que tinha tido mais um ataque e que, estando em casa sozinho, com medo de estar sem ter quem o acudisse e medo que fosse um problema de saúde 'a sério', ataque cardíaco, por exemplo, saiu e foi para o carro. Assim, se sucumbisse, talvez alguém o visse e socorresse.

De pessoas que têm assiduamente problemas deste tipo, medos, ansiedades, crises que parecem mesmo de saúde física -- e não de foro "mental" [como se o 'foro mental' não fosse também de ordem física...] -- pode dizer-se que essa é a sua maneira de ser, uma maneira de ser depressiva ou ansiosa, ou são pessoas que apenas estão doentes e a necessitar de tratamento?

Conheço uma pessoa que é obsessiva compulsiva e que, por exemplo, se está na dúvida sobre se desligou o computador, pede-nos a nós que vamos verificar senão ele já sabe que lá terá que voltar umas três vezes a fazer essa verificação. Já se conhece bem, já identificou o seu problema e já consegue lidar com ele, verbalizando as suas dificuldades. Mas não o consegue ultrapassar. Conta que, por exemplo, já se programa para sair mais cedo de casa do que seria necessário pois sabe que é mais que certo que volte várias vezes a casa para verificar se fechou a porta ou se desligou o gás ou a água. Conta que sabe que é absurdo mas que, se não o fizer, a meio do caminho dá meia volta e vai a casa fazer essa verificação.

E tive um colega que, quando havia reunião, nos pedia para fazer a acta, mesmo que tal não fosse necessário. Levava três cadernos e algumas canetas, cada uma de sua cor. E, consoante o que lhe parecia ser o tema dominante, escrevia em seu caderno, usando canetas de cores com sentidos por ele pré-definidos. Raramente participava na conversa tão concentrado estava no registo do que se passava. Antes de começar a escrever, era como um ritual: colocava à frente dele, muito alinhados, os três cadernos e as canetas. Nunca ninguém quis saber daqueles apontamentos. Dizia que tinha estantes cheias de cadernos. Contudo não o dizia com orgulho. Era quase como se fosse uma penitência à qual não conseguia fugir. Dizíamos-lhe que não era preciso, que deixasse para lá, que não se preocupasse em escrever a acta. Qual quê. Parecia que tinha que ser, que era uma compulsão. Claro que era alvo de gozação pelas costas e pela frente. Mas não conseguia parar. Uma vez pediu para sair da empresa, queria negociar a saída. Saiu, claro. Depois disso já publicou vários livros que acho que ninguém deve ler. Dizem-me que são livros chatos, intragáveis, ilógicos. Deve continuar a escrever, certamente de forma muito sistemática, mesmo que que não exista um propósito. 

Ainda existem muitos estigmas sobre as doenças mentais. Quem as sofre teme ser visto como maluco. Para os outros, alguém que se trata em psiquiatras ou psicólogos pode ainda ser visto como um fraco ou como um perturbado, inapto para funções mais exigentes. Ou confunde-se a doença com traços de personalidade. Muito desconhecimento, muito preconceito.

E falo isto sem conhecimentos, apenas pelo que ouço, pelo que leio. 

O que sei é que geralmente quem tem este tipo de problemas sofre muito mais do que sofresse de gastrite, de enxaquecas, de angina de peito ou de rinite alérgica. É que, nestes casos, a doença é reconhecida facilmente como doença e não há pudor ou receio em tratar. Já no caso de uma doença mental não apenas não é ainda frequentemente reconhecida como doença como, sendo-o, há algum receio de tratar-se, receio de adquirir habituação aos medicamentos, receio de ficar com as faculdades limitadas, receio de ficar conotado com uma personalidade fraca ou disfuncional.

Por isso, é importante partilhar testemunhos. Quem sofre não é o único a sofrer. Quem sofre deve poder saber que há tratamento, que há uma saída.

No outro dia já aqui partilhei a entrevista de João Vieira de Almeida sobre a depressão. Hoje partilho a entrevista ao Raminhos sobre o seu transtorno obsessivo compulsivo, a dúvida metódica transformada em paroxismo, em inferno. Uma vez mais, trata-se de uma entrevista da série Labirinto do Observador. Muito sincero, muito lúcido, muito explícito. 

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Raminhos: “‘Eh pá, não penses nisso’ é o pior que se pode dizer a alguém que lida com ansiedade"

Sentiu logo o estigma quando lhe falaram em medicação: "é porque sou maluco". António Raminhos fala sobre o seu transtorno obsessivo-compulsivo, que chegou a impedi-lo de sair de casa, no 'Labirinto — Conversas Sobre Saúde Mental'.


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Esculturas de Bruno Walpoth na companhia de Joyce DiDonato com Lascia ch'io pianga

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Um bom dia feriado
Saúde. Serenidade. Paz.

domingo, julho 10, 2022

Cérebro meu, cérebro meu, como garantir que, até ao fim, serei sempre eu?

 



De novo um dia muito preenchido. Entre o programa de festas da manhã e o da tarde, tempo para fazer peixe cozido para o almoço (maruca com batata, feijão verde e ovo, temperado com azeite e sumo de limão). Acabámos de almoçar à três e tal e, como a companhia da tarde não chegaria antes das quatro e meia e eu estava que não podia, deitei-me no sofá e liguei a netflix. Para dizer a verdade nem sei se cheguei a começar a ver alguma coisa. Tenho a vaga ideia que sim mas não faço a mínima sobre o que foi. Acordei estremunhada quando eles chegaram. Devo ter dormido uma hora ou quase. Estava mesmo cansada.

O que me vale é que durmo um niquinho e acordo fresca. Mas estes niquinhos não chegam. Sinto que estou a precisar de descansar e o aborrecido é que não estou a ver maneira de consegui-lo nos próximos tempos. Precisava de poder dormir de manhã até o corpo querer, sem despertadores, sem ter que me preocupar com o que tenho que fazer a seguir. E precisava que isto pudesse acontecer durante vários dias seguidos. Precisava também  de dormir a sesta todos os dias durante vários dias. Claro que também era bom que conseguisse passar a deitar-me mais cedo. Só que este bocado, à noite, é o meu tempo, o bocado em que estou sozinha, sem ter mais nada que fazer senão o que me apetece. 

Outro que está como eu é o dog. Com este calor só lhe apetece descansar à fresca e ou somos nós que saímos e o levamos ou é a animação que vem até nós. Acresce que o cão da casa ao lado o tira totalmente do sério. Aliás, o cão não faz quase nada. Mas existe e é carismático e isso perturba a existência do nosso cabeludo. Corre, salta e ladra freneticamente durante tempos e tempos. Não consegue descansar de dia e, chega a esta hora, e deixa-se cair, completamente desfeito.

Mas a tarde foi boa, a companhia animada. E deu até à noite. Estivemos na rua até talvez às dez. Depois de um caloraço durante o dia, pôs-se muito bom para a noite, uma temperatura agradável, uma levíssima aragem a refrescar o ambiente. As luzinhas solares são o máximo, criam uma onda acolhedora. Para além disso, são fotogénicas. Hei-de fotografá-las para vos mostrar. 

Uma noite de verão assim é uma maravilha. Infelizmente sabemos que se há casos em que as aparências iludem este é um deles. 

As temperaturas anormais e persistentemente altas como corolário de um ano demasiado seco mostram o que serão os calores cada vez maiores e mais frequentes, os riscos cada vez mais intensos de incêndios difíceis de controlar e o devastador problema da falta de água. Ou acordamos seriamente para a necessidade de puxar pela cabeça, da ciência dar as mãos à tecnologia e de arregaçar as mangas ou o país tornar-se-á um lugar não apenas perigoso como francamente inóspito para algumas espécies, nomeadamente para a humana. 

Mas, enfim, adiante.

Na sexta, o meu filho não perdeu os Metallica e, neste sábado, foi a minha filha que me falou no imperdível concerto dos Da Weasel. E disse-me que se podia acompanhar na rtp. Desconhecia. E, por isso, quando chegámos à sala, foi na rtp 1 que nos sintonizámos. Já ia adiantado mas, até ao fim, não despegámos. Muito bom. Fabulosa energia.

Pasmo com a incrível multidão que ali esteve, unida, em comunhão, vibrando com o potente som e a muito boa vibe daqueles matulões da margem sul. E estão melhores, muito melhores. Ganharam uma outra dimensão. 

Agora, enquanto escrevo, actuam os Two Door Cinema Club. Nunca tinha ouvido. Estou a gostar. Estou a escrever e a dançarinhar ao mesmo tempo. No recinto mantém-se uma multidão.

Dá ideia que a malta se marimbou de vez para a covid, se marimbou para distanciamentos e para a vida em suspenso. A malta quer é curtir, quer é viver em liberdade. A vida é uma coisa extraordinária.

Há pouco, enquanto a Filomena Cautela enchia chouriços com uns bacanos, dei uma volta pelo youtube. E vi este que aqui partilho e que, lamentavelmente, não tem legendas em português.

Explica o que é a doença de Alzeihmer e, de certa forma, como tentar preveni-la. Nada de novo: fazer exercício, ter uma boa alimentação, em especial na base da dieta mediterrânica, conviver, evitar o stress prolongado, aprender coisas novas e... dormir o suficiente. Pode não trazer novidades espampanantes mas é claro e bem sistematizado. Recomendo-o.

Lembro-me da minha avó paterna. Para o fim, de vez em quando tinha alguma perturbação que a fazia ter comportamentos algo estranhos, deixando-nos desconfortáveis, sem sabermos como deveríamos agir. O meu avô fazia por ignorar. Eu tentava relativizar. O meu pai não. Reagia como se ela estivesse normal, zangava-se. Lembro-me de uma vez estarmos em casa dos meus pais e de ela e o meu avô lá estarem também a almoçar. Ela queria ir, a seguir, a casa do seu outro filho, o meu tio, e estava preocupada que se fizesse tarde. E, então, por mais do que uma vez, levantou-se da mesa com a intenção de se ir embora. O meu pai irritava-se, que estivesse a almoçar sossegada, onde é que ia?, todos à mesa e ela naquele disparate, o irmão sabia que ela lá ia, não ia sair, ela que tivesse calma. Ela não respondia mas estava ansiosa. Sentava-se, comia mais alguma coisa e, de seguida, voltava a levantar-se e a dirigir-se para a porta. Aquilo fez-me muita impressão. Fez-me também muita impressão ver como o meu avô assistia com aparente indiferença mas não era indiferença, era impotência. Em vão, tentava que aquilo nos parecesse normal ou irrelevante. Muito triste.

Outra vez perdeu completamente o conhecimento. Partiu uma perna, foi operada. A seguir apanhou uma pneumonia. Esteve muito mal. O hospital fez-lhe também mal. De alguma confusão inicial passou para a total ausência de tino. Não dizia coisa com coisa nem conhecia ninguém. Os médicos diziam que era normal as pessoas ficarem confundidas em situações assim. Não era aconselhável que tivesse muitas visitas pois ainda mais baralhada ficava mas os meus pais disseram que não sabiam como é que a situação ia evoluir pelo que era melhor eu ir lá. Não conhecia ninguém. Mas mal me viu, reconheceu-me: 'Olha a minha menina, a minha querida', disse o meu nome e abraçou-me e beijou-me muito. Estava quente, febril. Foi uma sensação estranha pois comigo falava normalmente e com as outras pessoas era o vazio. Não sei se teve Alzeihmer ou um outro tipo de demência ou se era fruto de AITs que na altura não sabíamos que tinha, só o soubemos quando teve um AVC que viria a ser fatal.

Com o meu pai foi diferente. Foi o AVC que lhe varreu o cérebro e o deixou com sérias limitações. Estava lúcido e com excelente memória mas foi perdendo a audição, depois a visão. Depois ficou acamado. E muito medicado. De vez em quando passava por períodos muito complicados. Até que se acertasse com a dosagem era, por vezes, um calvário. Chegou a perguntar se já tinha morrido. Nem sabia se estava vivo. Muito complicados esses períodos. Quando ficava lúcido, pedia para o deixarmos morrer. Muito difícil. Por isso, para o fim quase só dormia e a comunicação era quase nula. Também quase não falava, estava com sonda gástrica e com oxigénio em permanência. Se calhar, para ele foi melhor não assistir lúcido ao inevitável desenlace.

Talvez por estes dois casos próximos, a falta de lucidez, a dependência e o declínio que acompanham as limitações mentais assustam-me bastante. E gosto de me informar.

Espero que também achem útil.

5 ways to build an Alzheimer’s-resistant brain | Lisa Genova

Only 2% of Alzheimer’s is 100% genetic. The rest is up to your daily habits.

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Desejo-vos um feliz dia de domingo

segunda-feira, agosto 02, 2021

Ela era a melhor e, no entanto, por ter vergonha do seu corpo, desistiu.
Katelyn Ohashi - não há muito um 10 absoluto

 


Quando começaram os Jogos Olímpicos fui ver se Katelyn Ohashi lá estava. Não estava. Fiquei muito admirada. O que lhe teria acontecido?

Quando aconteceu isto de Simone Biles ter desistido, afirmando-se atormentada e sem vontade anímica para se atirar para o ar pois receava que o corpo agisse descomandado face à mente, voltei a tentar saber de Katelyn. 

Sendo jovem e superlativamente brilhante, alguma coisa deveria ter acontecido. Lesão? Paixão ou ocupação incompatível com a carreira desportiva? Algum drama pessoal?

Várias vezes aqui presente no Um Jeito Manso, não conseguia perceber porque é que a menina voadora, divertida e de borracha tinha ficado de fora.

Fui ver algumas das suas brilhantes actuações para me certificar de que hoje a minha opinião ainda seria equivalente à de quando a tinha visto há uns dois anos. 

E é.

Enquanto Simone Biles é uma máquina programada para a perfeição, um corpo pequeno e poderoso que executa os mais arriscados movimentos com mestria e coragem, parece até que com um certo sentimento de dever, Katelyn é de outra cepa, mais intuitiva e brincalhona. Tudo nela é alegria e desafio, arrojo e prazer.

Mas eis que fico a saber que também ela foi vencida pela insegurança, pela falta de autoestima. Gozavam com ela: era a sua baixa estatura, era o seu corpo com curvas generosas, era bicho não destinado a altos voos, pássaro anafado, insucesso anunciado. 

Poder-se-ia pensar que uma pessoa com o talento dela faria ouvidos de mercador a quem não via o seu valor, prendendo-se, antes, a preconceitos. Mas não. Katelyn, afinal, foi mais outro ser que revelou ser humano. Katelyn é de borracha, não de ferro. 

Habituamo-nos a ver estas jovens que avançam destemidamente para os aparelhos, que se elevam dando saltos pelos ares como se confiantes no poder impulsionador das suas asas, e não nos ocorre a pressão a que estão sujeitas e que pode desprogramá-las. Nem nos ocorre a inconsciência do risco que correm, pondo em causa a sua integridade física para se superarem aos olhos de quem delas exige tudo. Sobretudo, não nos ocorre que, se alguma coisa falha, por milimétrica que seja a falha, a queda pode ser fatal. Ou, se não fatal, pelo menos muito dolorosa, porventura incapacitante.

A pressão a que estas ginastas são sujeitas é permanente, brutal e, de facto, não estou certa de que o espírito olímpico seja isto. 

O que aconteceu a Kerri Strug em 1996 é exemplo da superação que se espera (que se exige) aos desportistas de eleição: aguentou a dor até conseguir o salto perfeito que lhe valeu a medalha de ouro. 

Mas faz isso sentido? Faz sentido que se exija a dor, física e mental?

Não estou certa disso.

Até não há muito, quem mostrava as suas falhas anímicas era alvo de troça. Miolo mole. Cabeça fraca. Maricas. Fracote. Por isso, quem sofria -- dor física ou dor de alma -- sofria para dentro, nada revelando. Deuses em forma de máquina, corpos amestrados para serem mais do que corpos humanos, corpos habituados ao esforço supremo e à dor. A elegância e a leveza que revelam é, sobretudo, uma construção. Uma longa e dolorosa construção.

As ginastas, e agora apenas falo delas, sorriem, avançam determinadas, saltam, praticam, correm e, ao mesmo tempo, estão disponíveis para entrevistas, palestras e sessões fotográficas. Se têm dúvidas ou dores, prudentemente disfarçam-nas.

Até ao dia em que não aguentam mais. E aí todos nós ficamos espantados. Não tínhamos dado por nada, só víamos a perfeição, os sorrisos abertos, a destreza. Não víamos a insegurança, as dúvidas ou as dores que sentiam.

Aconteceu com muitos desportistas de alta competição, desde o nosso Mamede até ao fabuloso Phelps. Os JO do Japão vão ser os jogos em que Simone falou dos problemas que tem por a mente não conseguir comandar o corpo e ter atingido um ponto de saturação, levando-a à desistência.

Mas, como podemos ver abaixo, algo de idêntico tinha acontecido a Katelyn Ohashi. É pena.  


Pode ser que com estes casos a virem a público, aos poucos volte a ser possível que os desportistas sejam também seres humanos. 

E os humanos, nós todos, se formos espertos, poremos a mão na consciência. Pode ser que se aprenda alguma coisa com isto. Mas não sei, não...


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Desejo-vos uma bela semana a começar já por esta segunda-feira.
Estamos em Agosto e desejo que, para todos os que aí estão desse lado, seja um querido mês.