segunda-feira, fevereiro 29, 2016

Longos dias têm cem anos




"Longos dias têm cem anos". assim me diziam quando se tratava de protelar um assunto, de o fazer amadurecer na lânguida separação do inadiável. E os longos dias passavam, carregados de justo sentimento pelas coisas que devíamos fazer de maneira lesta e durável. às vezes, não se faziam nunca. Outros planos, mudanças, resistências, vazios súbitos do coração, que é quem nos comenda o trabalho e a fantasia. "Longos dias têm cem anos". Era uma admoestação e uma ironia para o preguiçoso inveterado que num século acha tempo adequado para os seus projectos e a combinação laboriosa que os acabe. Só que eu, como o frade no seu horto, acordo sempre a horas, e retomo a palavra que tinha começado muitos anos antes. 

Foi assim com Maria Helena e Arpad. Disse um dia: "Vou escrever um retrato de ambos.". Não sei quando disse isto. Ontem, parece-me; acontece que podia ter sido nos anos sessenta -- os anos sessenta foram importantes para mim. Mas não foi, com certeza, no dia em que os conheci. Porquê? as primeiras impressões não são decisivas. Às vezes são fatais, mas não decisivas.

Lembro-me que chegaram a casa de Sophia de Mello Breyner, à noite, e era como no teatro quando entramos tarde e se passa um bocado sem que se compreenda nada da peça. Entendi que se tratava de pessoas vindas de longe. Falavam do Brasil. Eu sabia pouco de tudo. Ainda hoje sei muito pouco de tudo, o que me causa embaraço quando vejo a tremenda bagagem de conhecimentos que têm as pessoas. Se ouvirmos tudo o que se diz nos autocarros, nas praias, nas repartições, ao fim do dia podíamos escrever uma enciclopédia em vinte volumes e até ter êxito com ela. Não há nada de mais aceitável do que a pequena sabedoria, os amores confessáveis e as histórias de doenças.

Maria Helena falava pouco. Olhava, sobretudo. Olhava com uma intensidade fria, como se estivesse a atravessar um rio e se dividisse entre o perigo e o prazer. O fundo arenoso onde se recortavam peixes prateados dava-lhe aquela expressão suspensa e maravilhada; mas, de repente, o remoinho da água trazia a noção da forte corrente, e, um pouco mais, era a dúvida, um temor concentrado, a razão alertada. O rosto exprimia angústia, os olhos abriam-se mais e ganhavam uma cor cristalina. 

Entretanto, Arpad falava muito. Como todos os homens belos, conhecia bem o descontentamento que é merecer o amor. Disse: "A Maria Helena (bicho) estudou em Itália. A mãe dela mandou-a para lá quando ela tinha vinte anos, e passou lá bastante tempo. Uma mulher sustenta-se com pouco, e assim pode aguentar melhor do que um homem. Um homem tem que comer um bom bife.". pensei que Arpad observava bem, mas não me convenceu. Madame Curie sustentava-se de rabanetes no seu tempo de estudante de Paris, o que não a impedia de desmaiar de fome. 

Imaginei Maria Helena em Florença, bastante acautelada de necessidades, recebendo as mensagens da mãe e da avó com quem se criara em Lisboa. Uma avó e mãe como as do jovem Proust, extremamente corajosas para a surpresa do génio. Olhei para ela e, nesse momento, pude localizá-la em Florença; com um vestido azul e os cabelos espessos presos com uma fita verde. Verde e azul eram as cores combinadas em certos trajos-alfaiate dos anos imediatos ao cubismo. O azul era uma cor da juventude; a cor da cólera, por mal que pareça dizê-lo. Não é o vermelho que é a cor do arrebatamento, mas o azul. A época mais deslumbrante de Picasso foi chamada "azul"; a de Vieira da Silva também. Esse azul traduz um vigor concordante com o melhor das aptidões humanas.

(...)

Íamos nisso do meu primeiro encontro com o Arpad e a Maria Helena. Arpad disse que estavam ali as três mulheres de mais talento em Portugal, e, por sorte, ninguém mais o ouviu senão nós três. Ele sabia que não ia acender rivalidades porque tínhamos diferentes artes. Modalidades, como se diz no Porto. (...) Pois nós não nos acotovelávamos na modalidade. Maria Helena pintava, eu escrevia romances, a Sophia fazia poesia -- e assim continuamos dentro do território demarcado, sorrindo, aplaudindo e permitindo ao génio a cumplicidade em que a emulação não mete o dente. A Sophia era um caso -- uma mulher que tem a cortesia de parecer vulnerável. Eu era um caso -- incerteza apaixonada. Vieira era um caso -- uma mulher justa, o que é extraordinário e incalculável. Por exemplo: eu não sou justa, ajuízo as coisas. Eu e a justiça somos pura coincidência; o facto de isto se repetir faz talvez o prodígio, mas não a certeza.

(...)

[Excerto de 'Longos dias têm cem anos' - presença de Vieira da Silva, de Agustina Bessa-Luís, mais uma bela edição da Guimarães editores]

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Devo confessar que é com esforço que me detenho. Ler as palavras de Agustina é, para mim, um prazer inesgotável. Transcrevê-las também. Há na escrita desta mulher um vigor exuberante, uma alegria sem preocupações, que me prende, que me prende como se fosse a primeira vez, uma sedução virginal. Posso lê-la muitas vezes e, a cada vez, é sempre esta surpresa.. Por vezes até me abstraio do que ali se diz para me render à forma como o diz. Contudo, quando Agustina fala de alguém que admiro, então, o fascínio é redobrado. Este livro, em que fala de Maria Helena Vieira da Silva e também de Arpad é maravilhoso.

Agustina Bessa-Luís, 93 anos
Longos dias têm cem anos


E, procurando imagens de Agustina, encontrei um vídeo interessante que aqui partilho convosco, no qual o marido, Alberto Luís, companheiro e suporte de toda a vida, e a filha, Mónica Baldaque, falam dela para a Rádio Renascença.

O mundo de Agustina


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Já agora, sugiro também a leitura da entrevista que Anabela Mota Ribeiro fez a Mónica Baldaque sobre a mãe, Agustina Bessa-Luís

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A primeira imagem, da autoria de Arpad Szenes, é Marie-Hélène X, 1942, óleo s/ tela, Col. Fundação Arpad Szenes-Vieira da Silva. A última de Maria helena Vieira da Silva é Estuaire Bleu.

Lá em cima, Anna Netrebko interpreta A Canção da lua da ópera Rusalka da autoria de Antonín Dvořák sobre imagens de obras de Maria Helena Vieira da Silva.

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E sobre o vestido mais bonito da cerimónia Oscar 2016 (e outros, também bonitos), queiram, por favor, deslizar até ao post seguinte.



O Oscar 2016 para o vestido mais bonito da noite vai para...
Cate Blanchett,
(of course)


Depois de ter escrito sobre o feliz livreiro que vive junto a um inesperado cavalo negro, estava aqui eu, posta em sossego, a escrever uma coisa (que já vos mostro) e nem dei conta que já estávamos na noite dos Oscares. 

Por isso, quando mudei de canal, já a passadeira vermelha estava carregadinha de gente famosa. Mas dei logo de caras com aquela que é, para mim, talvez a mais versátil e elegante artista de Hollywood: Cate Blanchett e, credo, linda, linda. Não sei o que vai aparecer mais mas, seja o que for, não é possível que venha a aparecer um vestido mais bonito do que o dela. Por isso, cá está o:

The Oscar for the best dress goes to the fabulous Cate Blanchett


Cate Blanchett: 

claro que a silhueta ajuda - e muito: que corpinho bem feito, o dela - mas aqui é tudo, o vestido , as jóias, a maquilhagem, o penteado. Tudo perfeito.


Cate is wearing an Armani Privé seafoam green cap-sleeve mermaid gown that features hand sewn clusters of Swarovski crystals and white feathers






Mas, para não parecer fundamentalista, destaco também estes belos modelitos

Alicia Vikander, Oscar 2016 para melhor Actriz Secundária - num vestido Louis Vuitton


and these ladies in blue:


Naomi Watts - vestido da Armani Prive e um colar  Bulgari

Sophia Vergara - Marchesa e Lorraine Schwartz


Brie Larson, Oscar 2016 para melhor Actriz principal - em Gucci

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E daqui a nada já publico aquilo que estava a escrever sobre uma mulher fabulosa a falar de outra também fabulosa.

Um cavalo no meio dos livros





O programa era bom, um intervalo num dia sem história apesar de complicado: primeiro um pequeno passeio, depois almoço num lugar agradável. Mas os imprevistos acontecem. O almoço teria que acabar mais cedo porque uma súbita reunião tinha aparecido ao outro conviva e, ainda por cima, com tanta chuva, eu cheguei atrasada. Por isso, à última hora, ajustámos a combinação: suprimiu-se o passeio e o almoço foi num restaurante mais perto e mais rápido.

Contudo, no fim, já eu sozinha, apeteceu-me não abdicar do passeio, não o original mas qualquer outro. Então fui andando devagar, vendo os prédios da rua, as árvores, as montras. De repente, uma livraria despertou o meu interesse. Tantas vezes já ali tinha passado, mas sempre de carro, nunca tinha reparado. Estava fechada, segui. Mas depois fiquei a pensar: que livraria era aquela? Aliás, fiquei na dúvida se seria mesmo uma livraria. Voltei atrás. Sim, livraria mas talvez alfarrabista. A montra escassa. Escuro lá dentro, não percebi bem. Espreitei. Fui até à porta para ver se via a hora de abertura. Espanto. Uma pequena tabuleta dizia 'aberto'. Empurrei ao de leve. 

Uns degraus. Pouca luz. Livros por todo o lado, em estantes, em mesas, pequenos montes, livros muito antigos, alguns pareciam ter pó impregnado, as folhas já secas. Capas de pele em que apetece passar a mão, mas não, algum receio de estragar. Cores quase douradas, o papel tingido pelo tempo, a pele tisnada do sol.


Ao ir para o outro lado da loja, reparo, então, num grande cavalo. Fico espantada: um cavalo no meio de um alfarrabista? Enorme, em tamanho natural, negro. Não sei de que material, talvez resina sintética, não sei. Como não reparei eu, logo, num cavalo daqueles ali no meio dos livros? E o que está aquele cavalo ali a fazer? Decoração? Objecto para venda? Que estranho.


Então, estando eu ainda perplexa, reparando no cavalo, eis que, lá ao fundo, um vulto se levanta. Cumprimenta, pergunta se pode ser útil. Vejo, então, que, ao fundo, numa secretária cheia de livros, iluminada por um pequeno candeeiro, estava o livreiro. 

Digo que não, que estou apenas a ver, que não conhecia. O senhor que 'esteja à vontade', volta a sentar-se. E eu, ali ando, de estante em estante. Livros variados, antigos, muito antigos, outros nem tanto, colecções, séries, livros avulso, naqueles em que vejo o preço vejo que são bons preços, noutros tenho medo de mexer. Depois passo junto ao livreiro, está entretido lá na sua vida. Sinto-me quase uma intrusa, como se estivesse ali em turismo num tal lugar que parece ser de culto. Tenho vontade de lhe perguntar sobre a sua actividade mas não gosto de ser indiscreta nem quero perturbar o sossego bom de quem ali parece viver entre preciosidades.


Depois, agradeço, despeço-me, subo os degraus, saio para a rua. Chove, está frio.

Ao lado, um antiquário, um espaço amplo, peças de qualidade, vejo que também leiloeiro. Também nunca tinha visto. Passa-se à pressa, de carro, se se estaciona é para ir à pressa para algum lugar. A vida nisto. Nunca se pára, tudo nos é estranho. Entro. Uma senhora numa secretária da entrada ao telefone, conversa de negócios. Lá dentro um casal, homem e mulher com um catálogo na mão, atentamente inspeccionando cada peça, daquelas pessoas de quem se diz terem ar de ser 'de posses'. Bons móveis, belos quadros, bibelots com muito bom ar. Há sempre silêncio nestes lugares. O casal opinava em surdina sobre o que via, consultava o catálogo. E eu via as peças, via-os a eles. Desceram ao piso de baixo. Tive vontade de ir mas não quis perturbá-los.

Saí.

Depois apeteceu-me ir para um jardim. Fui passear. O tempo já era escasso mas, ainda assim, o cheiro da terra molhada, as árvores, a chuva, os pássaros eram apelo grande. Por ali andava, já a ver as horas, tinha que ir, quando, de entre as árvores, surgiu um vulto. Tinha chapéu e protegia-se da chuva. Pareceu-me o livreiro.


Depois esqueci-me, Até que, há pouco, ao ler o belo texto Oslo Nye Antikvariat, principescamente ilustrado com as fotografias do lugar de que ali se fala, me deu vontade de falar nisto. Mas não é nada de especial, isto de aqui falo. É sobretudo a graça de haver um grande cavalo preto no meio de livros belos como jóias, num lugar silencioso e bom. E de, ao lado daquela gruta maravilhosa, haver um antiquário com peças tão valiosas. E de, ao pé, haver um jardim tão bonito. 

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Desejo-vos, meus Caros Leitores, uma boa semana a começar já por esta segunda-feira.

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domingo, fevereiro 28, 2016

Terirem





De vertigens, de sobressaltos, de inquietações. Do que existe para não ser falado, do que existe desde antes do princípio, desde antes de haver compreensão. De um tempo antes do tempo, sem explicação, pura perdição. De sombras que não são sombras, desvãos imensos, lugares nenhuns. De espaços indefinidos, sem luz, sem ar, sem contornos. Ondas que vão e vêm, voos infinitos, acordes longínquos, sonhos perdidos que pertencem a ninguém. Do nada. Do tudo. Do antes do antes, do que não tem depois, nem nunca.

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Muito tempo depois, alguém, algures, escreve, alguém, algures, lê. Alguém, algures, diz, alguém, algures, escuta. Sem rosto, sem voz. Tacteando no vazio, alheios à sua cegueira. Palavras feitas de silêncio e impossibilidade, sons intangíveis, mãos que se estendem no vazio e que nunca se tocam. Uma solidão desmedida perdida por entre palavras transparentes. Vogando ao acaso, segredos que se escondem por entre a inquietude. E todos estranhos, todos tão estranhos. Estranhos perdidos no vazio. Lançando palavras ao vento, esperando que alguém as colha - palavras, flores, pássaros, reflexos de luz, segredos. Pontes infinitas, sem princípio nem fim, sobrevoando o imenso espaço. De um lado alguém, do outro lado alguém. Estranhos, sem rosto. Estrangeiros. Pó perdido no espaço. Pó levado pelo tempo.

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Quem, do mundo, se acha julgador, quem, do mundo, se julga sabedor, nada sabe. Não há julgamento possível quando os mares se evadem e os astros se escondem e os risos se ocultam e a imensidão é infinita e a incompreensão absoluta. Pobres dos que julgam que muito sabem. 

Mas deixa.

Dorme, meu menino, dorme, dorme que a lua é uma ilusão.
           Dorme, meu menino, dorme que o sol e a chuva e o vento pouca coisa são.
                      Dorme, meu menino, dorme porque a vida é breve e o tempo não espera, não. 

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Mas, se quiseres que eu pense que ainda estamos vivos, então conta-me de vigílias em templos de pedra onde a noite se esconde, conta-me de liturgias com que eu nem sonho, conta-me de ressurreições inventadas, conta-me de lendas bizantinas onde os espíritos do mal e do bem se enlaçam, conta-me de histórias de dragões de fogo e de subtis princesas, de leões dos oceanos e de bordados eternos, de ilhas douradas onde velhos navios naufragaram e esguias palmeiras se esgueiram para os céus, conta-me de ninfas loucas e de monstros perdidos em inexistentes labirintos, conta-me de estátuas feitas de carne e sangue, de deusas caçadoras e zeladoras da virgindade, conta-me de guerras sangrentas, de longos abraços festejados com banhos de mel. Fala-me de longos beijos. Fala-me de amores inventados. Fala-me de ti.

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Fotografias feitas este sábado na exposição de Hein Semke no CAM da Gulbenkian. 
Lá em cima Nektaria Karantzi interpreta Terirem

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E queiram -- se vos apetecer, claro -- descer até aos três posts abaixo e  percorrer o que os meus passos percorreram este sábado: venham passear comigo entre jardins, museus, lugares abandonados.

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Arte no museu
[Post 1 de 3]


Visita às exposições do Centro de Ate Moderna da Gulbenkian, lugar a que sempre volto. O tempo passa mas passa em mim, não neste lugar de intemporalidade. É um espaço de luz e cor, de descoberta, por vezes de subversão, por vezes de ternura, onde apetece estar sempre. As crianças adoram os filmes incompreensíveis, gostam de ficar a ouvir o que não percebem. Sentam-se e ficam de gosto. Por mais estranho que seja o que vêem, não estranham. Assim vão aprendendo a habituar-se à diversidade do mundo. Se chove lá fora, cá dentro o espaço fica ainda mais bonito. Os verdes que entram pela janela trazem luz e vontade de ficar a olhar as figuras, os desenhos, as cores. E de voltar. Sempre.
















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Arte no jardim
[Post 2 de 3]


Tarde na Gulbenkian. Passeios nos jardins. Frio, chuva, de quando em vez o sol a descobrir. Cores maravilhosas, uma tranquilidade que ignora as taras, as depressões, as guerras, as desarmonias. Uma parcela de mundo onde tudo é perfeito. Penso que seja a estes lugares em que o espaço e o tempo se detêm para que percebamos o que é a beleza e a paz que se chama oásis. Arte ao natural.









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Arte na rua
[Post 3 de 3]


Dia frio, de chuva, vento, pouca gente na rua. Dia bom para passear, portanto. Manhã reservada à agreste beira do rio e, depois, à venturosa descoberta de um lugar abandonado onde floresce a pintura nas paredes que em tempos pertenceram a edifícios talvez garbosos. Mais bonitos, apesar de decadentes e aparentemente degradados, estão agora. Quem ali pinta parece trazer uma vida cheia de cor e calor ao cimento gasto, às janelas e portas que já não se abrem.












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sábado, fevereiro 27, 2016

A zanga da Bernardina com o Tiago do Desafio Total com todo o vocabulário vernacular de que há memória?
O Carlos Costa que acha não vai demitir-se por causa de um incidente de nada e que quem lhe dera mandar facturas para a lua ?
O cartaz dos dois pais de Jesus parido pelo Bloco de Esquerda?
O Anselmo Ralph e o José Cid na festa do Marcelo?
Menos, menos... Coisas muito mais lindas e bem cheirosas:
Ephemeral - Vanilla Planifolia e Maisons d’Art


No post abaixo já deixei um conselho pro bono para as gentes do PSD que não sabem como fazer o láparo cair na real. Há uns especialistas em lidar com animais em estados de estupor catatónico, nomeadamente gatos que, como é sabido, é animal felpudo tipo coelho.

E agora estava aqui sem saber se havia de falar:

  • do tal Carlos Costa que ainda está à frente do Banco de Portugal e que já fala em mandar facturas para a lua e que diz que era o que faltava que se fosse demitir, está tão bem ali, ora essa, 

  • se, por falar em Quinta das Celebridades, devia dar destaque ao desatino da Bernardina, dita Bibi, contra o seu bem amado Tiago, dito Gingas. 

Mas depois pensei: não, Carlos Costa por Carlos Costa, prefiro o da Teresa Guilherme e, se é para saber do pirilau do Tiago, ao léu, voando pelo espaço, preferia vê-lo ao vivo a passar aqui ao pé da minha janela, quiçá integrado num bando de outros que tais. E não é só por isso: é que a Bibi usa uma linguagem muito violenta para falar do irrequieto membro do pai da sua filha e das cabriolices que ele praticava com uma tal dona de um outro animal de estimação, e eu sou mais peace and love, nada de guerras fomentadas, presumo eu, pela Madame Guilherme e demais interessados em ter canal. E, sobretudo, aqui o UJM é um lugar de altas políticas, não de baixas anatomias.


Portanto, desviei-me desses temas pop e pus-me a pensar: o que está a dar é o cartaz do BE, toda a gente nas televisões e blogs está a falar nisto, portanto, deixa-me lá desarrincar qualquer coisa inteligente e, então, pus-me a olhar para ver o que é que aquilo me dava vontade de dizer. Ora olhei, olhei e não me ocorreu dizer nada.

E, assim sendo, comecei a lembrar-me de trocadilhos para desconversar e, ao querer arranjar uma imagem que os ilustrasse, constatei (uma vez mais) que sou retardada: já muita gente antes de mim se tinha lembrado disso. Com o Jesus ex-Benfica já eram mato, com a Catarina e os seus neurónios idem. Até com as manas Mortáguas, que era o que eu queria, já havia um.

E, então, preparei-me para desistir. Jesus e os seus dois pais, jamais.

Ainda fui dar uma espreitadela aos jornais a ver se o Portas já teria formados meia dúzia de start ups que parece que é isso que vai fazer e sempre estou para ver o que vai sair dali; ou se a Madame Cavaca já andava com os do Querido mudei a Casa a decorar a nova maison do esposo; ou se havia mais alguma novidade para a fête de coroação do Marcelo, o nosso Príncipe do Povo, tipo a Romana ou a Ana Malhoa. Mas não descobri nada. É certo que fiz uma pesquisa em voo de pássaro mas, ainda assim, não descobri nada de mais. Na capa da revista do Expresso ainda vi a Camille Paglia e reparei que estava já com umas rugas valentes e, então, toda entusiasmada, fui ver a idade para confirmar que bem conservada que estou, nada que se compare com ela. Mas, hélas, afinal ela é mesmo um bom bocado mais velha que eu, não há-de já ter rugas (-- e onde é que fui buscar a ideia que ela era bem mais nova?)? 

Claro que tenho aqui ao meu lado um livro fantástico, daqueles em que uma pessoa começa a ler e sente uma vertigem -- não sei se já vos aconteceu --, um arrepio que vem das entranhas, uma sensação de que uma escrita assim nos agarra por dentro e nos puxa para o interior das palavras. Aliás, hoje, ao sentar-me aqui e ao pegar no livro, e que macia é a sua capa, que bela a sua encadernação, era nisso que vinha a pensar. Mas não estou com concentração para tal. Os meus dias têm sido do piorio, só eu sei o que tem sido: uma loucura. Chego aqui num estado de esvaimento que ou sai bordoada no láparo e afins ou sai maluqueira. Ou isso ou escrever em piloto automático, como por exemplo ontem, quando falei de quando for verão. 

Por isso, não vos maço mais e vou mas é para um lugar onde me sinto sempre bem: flores, essências, perfumes. Já vos disse que acho que adoraria ser jardineira? E trabalhar em perfumes também deve ser bom. 

Ephemeral - Vanilla Planifolia


CHANEL discovered that there is a key moment in the life cycle of Vanilla Planifolia when the fruits of the plant offer intense regenerating properties. At this essential moment, when these molecules reach their highest concentration, the Planifolia fruits must be harvested by hand, one by one, in order to preserve their extraordinary power.

(Um vídeo tão bonito, tão perfumado)




E, por falar em coisas delicadas, mostro também um outro que estive a ver de novo e que me dá vontade de me pôr já aqui a fazer costuras assim, a bordar, a pintar florzinhas de pano, a coser lantejoulas, pedrinhas brilhantes, rendinhas. Gosto imenso de fazer trabalhos manuais e, afinal, passo os dias fechada em edifícios sem janelas, a tratar de assuntos tão pouco delicados. Por isso, chego aqui e é coisas assim que me dá vontade de ver para descansar a cabeça (enquanto ouço mails de trabalho a chegar e que nem vou ver para não me esvair ainda mais). Enfim.

Inside the Maisons d'Art for the Paris in Rome - CHANEL


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E, se me permitem, queiram descer até à brigada de confundidores de gatos que talvez seja útil ao PSD para ver se tiram o coelho do estupor catatónico em que se encontra mergulhado.

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Para ver se Passos Coelho acorda do estado catatónico em que se encontra, pensando que ainda é primeiro-ministro, de bandeirinha na lapela, a fazer inaugurações e a botar faladura todo prosa, acho que é melhor o PSD contratar a brigada especializada em confundir gatos -- pode ser que também resulte com láparos


Um coelho com toda a espécie de comportamentos esquisitos

Na ausência da aplicação de impulsos, a inércia num corpo não se traduz apenas na imobilidade. Não: se antes o corpo estava em movimento, na ausência de grande atrito, manter-se-á em movimento durante mais algum tempo.

Com Passos Coelho está a passar-se um qualquer fenómeno do género. Há já algum tempo que a sua situação mudou: já não é primeiro-ministro. Contudo, parece que ainda não o assimilou. A postura é a mesma, falando como se ainda mandasse. Dá ideia que, mal se distrai, pensa que ainda está debaixo da protecção da dama antiga que durante dez anos fossilizou em Belém. Ora não apenas o Rei das Cagarras já não está nem aí nem ninguém tem paciência para lhe alimentar a ilusão. Quanto muito, se acorda, fala como se lhe tivessem roubado o lugar. O funcionamento da democracia é coisa que o láparo ainda não percebeu bem. 
Ao contrário de Rajoy que percebeu que, não tendo o seu partido a maioria nem contando com apoio de outros partidos na Assembleia, não tinha condições para formar governo e, portanto, declinou o convite para formar governo, por cá o láparo que nos calhou em sorte, não senhor, aceitou, apresentou-se na Assembleia -- e, claro, deu com os burrinhos na água, saíu pela porta baixa, derrubado ao fim de meia dúzia de dias. Pois nem assim o bicho percebeu que em democracia consegue governar quem tem condições para tal. 
De cada vez que o vejo, ressabiado, mordendo os finos lábios, todo ele destilando fel e raiva, ou quando o vejo em conferências de imprensa armado em estadista em funções, só me ocorre o gato que não reagia, que, acontecesse o que acontecesse, se mantinha na dele.

Ora bem, o que podem fazer os donos de um animal assim? Chamar um veterinário e, em casos graves, contratar uma brigada especializada em confundir gatos. Se tudo correr bem, o gato percebe que tem que reagir e vai-se embora, para casa.

E, assim sendo, para os senhores do PSD que andam desertos por se ver livres do seu triste presidente (o Alberto João, no seu desbragado estilo, já goza às escâncaras, dizendo que o láparo acha que é uma linda coisa andar debaixo das saias da Merkel), o que recomendo é que tomem providências: marquem uma reunião lá na S. Caetano à Lapa e organizem uma cena idêntica à que abaixo se mostra
(há uns talentosos e talentosas que certamente conseguiriam armar uma bela patuscada: por exemplo, a tal que faz lembrar o urso de Paasilinna, o Depuralino Amorim, o inteligente Hugo e tantos outros que têm ganho traquejo na bancada laranja, em cima dum palco eram moços para armar barraquinha a sério); 
ou, achando que a tarefa é demasiado desafiante, contratem uma brigada de especialistas.

É uma questão de procurarem na net: brigadas de confundidores de gatos. Pode ser que resulte.

Monty Python - Confunda Um Gato




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Já cá volto. Estou só aqui a acabar uma cena.


sexta-feira, fevereiro 26, 2016

O corpo nem sequer é percebido pelo ritmo que o leva





Quando vier o calor despirei a pele do inverno, vestirei vestidos floridos, colocarei umas gotas de perfume feito de bergamota, jasmim, pétalas de rosa, flor de laranjeira e violetas, apanharei o cabelo, talvez use um travessão colorido, talvez vá já à procura de um que tenha flores também, usarei brincos ruidosamente coloridos, sapatos altos de cor a condizer com o vestido, procurarei as flores que se escondem em lugares secretos da cidade, irei talvez para a beira de um lago, procurarei o lugar onde melhor possa ouvir o canto dos pássaros, talvez me sente na relva, encostada a uma árvore, talvez até leve um livro, um livro é uma boa companhia, entregar-me-ei à sua leitura, mas não muito, que um livro, para mim, é para ser saboreado com deleite, as palavras rolando sobre a língua devagar antes de se transformarem em oxigénio ou sangue, de vez em quando terei que olhar para a folhagem que dança levada pela suave aragem, de vez em quando terei que aspirar a tepidez terna das boas lembranças, e depois talvez tenha que voltar o rosto para o sol, os olhos fechados, e, de certeza, esquecerei as nuvens -- e se me apetece despir-me de nuvens, não pensar nelas, não ter nada a ver com elas, pas de nuages, s'il vous plaît.

Claro que não farei uma selfie. Mas talvez o meu amor me queira fotografar e me peça para levantar um pouco a saia e eu, discretamente. far-lhe-ei a vontade.


Quando vier o calor, escolherei um lenço de seda com riscas e flores, dobrá-lo-ei e com ele farei uma fita que me prenda o cabelo, escolherei um gloss bem colorido para que os meus lábios fiquem a condizer com a rosa mais rubra do jardim, talvez passe uma sombra ligeira nos olhos, talvez em azul leve, para que qualquer coisa no meu olhar retenha a pureza do céu, talvez escolha pulseiras, uma de cada cor, para que os meus braços pareçam ter flores frescas, como se tivessem sido colhidas ainda com a inocência da alvorada, talvez escolha uma carteira da cor dos sapatos para que me sinta em harmonia com o que me cobre, e talvez lá dentro coloque uma bolsa com lápis de várias cores para contornar os olhos conforme os vestidos, as cores do céu ou das folhagens das árvores ou das plumagens das aves ou dos reflexos do sol na água, e batons de vários tons para que o meu sorriso transporte a cor das pétalas das flores que se abeirem de mim.

E ouvirei muitas músicas. Mas não me lembrarei do nome de nenhuma. Mas não faz mal porque, em cada dia, ouvirei uma palavra ao acaso que me transportará até aos acordes que depois me transportarão a mim até onde as searas ondulam com a brisa, até onde as árvores se douram sob o sol da tarde, até onde a luz se espraia sobre a pele das mulheres macias feitas de pedra. 

Quando vier o calor e os dias forem grandes, o meu tempo será maior -- lá dentro haverá espaço para os risos, os livros, as músicas, para passear abraçada, para não pensar no frio, para me sentir longe do cinzento desolado, para me sentir longe das nuvens carregadas de desalentos, da tristeza dos dias sôfregos como hoje.

E, claro, não farei uma selfie. Mas talvez o meu amor me olhe com amor e eu me veja nos olhos dele e me sinta radiosa, bonita.

O corpo nem sequer é percebido
pelo ritmo que o leva.
Transitam curvas em estado de pureza,
dando este nome à vida: castidade.

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Em itálico um excerto de 'Mulher andando nua pela casa' de Carlos Drummond de Andrade in 'O amor natural'

Lá em cima Lucia Popp (como Susanna) e Gundula Janowitz (como Contessa Almaviva) interpretam "Sull' aria" de "Le Nozze di Figaro" de Mozart

O vídeo e as fotografias pertencem à campanha de verão Italia is Love da Dolce & Gabanna

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E, se estiverem para aí virados, queiram por favor deslizar até ao post abaixo onde há imagens de beijos, poemas de amor e beijos, casais apaixonados dançando e beijando-se, tudo ao som da bela canção que me deu a ideia do post. 

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N' O Instante antes do beijo diz o meu nome





Não quero o primeiro beijo:

basta-me 
O instante antes do beijo.

Quero-me 
corpo ante o abismo, 
terra no rasgão do sismo. 

O lábio ardendo
entre tremor e temor, 
o escurecer da luz 
no desaguar dos corpos: 
o amor 
não tem depois. 

Quero o vulcão
que na terra não toca: 
o beijo antes de ser boca. 


[O Instante Antes do Beijo de Mia Couto, in 'Tradutor de Chuvas']


Diz o meu nome 
pronuncia-o 
como se as sílabas te queimassem 
                                  [os lábios 
sopra-o com a suavidade 
de uma confidência 
para que o escuro apeteça 
para que se desatem os teus cabelos 
para que aconteça 

Porque eu cresço para ti 
sou eu dentro de ti 
que bebe a última gota 
e te conduzo a um lugar 
sem tempo nem contorno 
(...)


(...)
No húmido centro da noite 
diz o meu nome 
como se eu te fosse estranho 
como se fosse intruso 
para que eu mesmo me desconheça 
e me sobressalte 
quando suavemente 
pronunciares o meu nome 


[Excerto de Diz o meu nome de Mia Couto, in 'Raiz de Orvalho']

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A escultura lá em cima é Psyché ranimée par le baiser de l’Amour de Antonio Canova (1757 - 1822)

A primeira fotografia é de Doisneau: Le baiser de l’Hôtel de Ville, 1950

A terceira mostra Alain Delon e Romy Schneider durante a rodagem do filme 'A Piscina', 1968

A dança é Paris Is Kissing pelos bailarinos do Dot Move sobre «Dans Tes Yeux» originalmente interpretada por Anis, cantada por Tiwayo.

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Desejo-vos, meus Caros Leitores, uma bela sexta-feira

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