Há temas que me revolvem as entranhas e me fazem perder a distância emocional de que a racionalidade precisa. Aquele que, há uns anos, invadia a comunicação social foi um deles. Tantas discussões que tive por causa disso, em especial cá em casa. Queriam chamar-me à razão e eu não queria ouvir. Teimava que, se as crianças diziam, é porque era. Nessa altura, eu não sabia que as crianças podiam ser manipuladas e que os investigadores poderiam condicionar as suas respostas.
Quando mete crianças eu cego, eu viro loba, predadora de quem pode querer fazer-lhes mal.
Nessa altura, eu também ainda não tinha aprendido que a justiça pode ser leviana, traiçoeira, destruidora, injusta e vil. Nem sabia que a imprensa escrita e televisiva saliva por sangue, por perversidade. Muito menos sabia do conluio entre agentes da justiça e a imprensa mais sensacionalista e nojenta. Ainda me lembro dum Expresso a fazer capa com Ferro Rodrigues. Nesse dia o meu marido divorciou-se do Expresso e eu, apesar de duvidar da notícia, não condenei o Expresso, apenas tive pena que o jornal se tivesse enganado tão grosseiramente. A minha compreensão andava toldada.
Quando mete crianças eu cego, eu viro loba, predadora de quem pode querer fazer-lhes mal.
Nessa altura, eu também ainda não tinha aprendido que a justiça pode ser leviana, traiçoeira, destruidora, injusta e vil. Nem sabia que a imprensa escrita e televisiva saliva por sangue, por perversidade. Muito menos sabia do conluio entre agentes da justiça e a imprensa mais sensacionalista e nojenta. Ainda me lembro dum Expresso a fazer capa com Ferro Rodrigues. Nesse dia o meu marido divorciou-se do Expresso e eu, apesar de duvidar da notícia, não condenei o Expresso, apenas tive pena que o jornal se tivesse enganado tão grosseiramente. A minha compreensão andava toldada.
A toda a hora, se sabiam de casos, a toda a hora se ouviam e liam testemunhos. Foi feita uma lavagem ao cérebro dos portugueses. E eu, tão inocente na altura -- tamanhas eram a minha preocupação pelas crianças e a repugnância por quem poderia molestá-las --, não duvidei que a Justiça não estivesse a fazer o seu papel.
De forma cega, condenei inocentes. Um deles foi Paulo Pedroso.
Lembro-me bem das televisões a mostrarem a sua prisão na Assembleia da República, o juiz a acompanhar o espectáculo. E lembro-me da dignidade de Paulo Pedroso. Mas não coloquei a hipótese de que toda aquela encenação fosse um dos momentos mais negros da Justiça do Portugal democrático.
Só passado algum tempo caí em mim. Mas caí em mim tarde de mais. Fui injusta, cega e, portanto, cruel. Percebi, só então, que não há maior crueldade do que condenar um inocente.
Gostava de poder voltar atrás no tempo e ter tido, nessa altura, a lucidez que penso que, com o tempo, fui adquirindo, com a constatação objectiva dos erros grosseiros e dos vícios da justiça em Portugal. Se isso fosse possível, teria a oportunidade de defendê-lo com unhas e dentes, teria oportunidade para mostrar a minha repugnância por quem ousasse enlamear de forma tão vil um homem inocente. Mas não é possível voltar atrás no tempo.
Por isso, a única coisa que posso fazer é aqui pedir públicas desculpas a Paulo Pedroso. Mas faço-o sabendo que isso é coisa que não vale nada, nada, pois mesmo que ele me desculpasse, jamais me desculparei eu a mim mesma. Condenar um inocente é coisa que não tem perdão.
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Escrevo isto depois de ter lido no Aspirina B: Ubi non est justitia, ibi non potest esse jus que remete para o blog de Paulo Pedroso: O dia do triunfo do absurdo
E incluí aqui pinturas de Francis Bacon e se calhar não devia pois este texto não deveria consentir distrações uma vez que há palavras que devem impôr-se sobre tudo -- e assim deve ser um pedido de desculpas. Mas, quando penso em absurdo, em situações informes e degradantes, mentalmente associo-as às pinturas de Bacon. E a situação terrível, absurda e de uma violência demolidora pela qual passou Paulo Pedroso é isso tudo.