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segunda-feira, janeiro 03, 2022

A difícil vida dos escritores

 

Gostava muito de ver o filme de que abaixo mostro a apresentação. Não sei se vem para Portugal nem sei se ganharei confiança para me enfiar durante hora e tal numa sala fechada a respirar o ar saturado, expirado pelas outras pessoas. Claro que há que acreditar que os sistemas de climatização dos espaços públicos estão configurados e mantidos para não comportarem riscos para a saúde pública, em especial em época de contágios pelas vias respiratórias. Mas, ainda assim, como nas relações um pouco saturadas, acho que prefiro dar um tempo.

No entanto, confesso que, apesar do cheiro e do ruído mandibular associado às pipocas, ainda acho que há uma mística em assistir a filmes no escurinho da sala de cinema. Além disso, como frequentemente ia ver filmes que não atraíam muito público, era bafejada pela sorte de ter salas com pouca gente e, sobretudo, por partilhar o filme com gente silenciosa, respeitadora.

Seja como for, para garantir que o via, a verdade é que gostava que o filme passasse na Netflix ou na HBO. Tromperie|Deception

Gosto bastante da Léa Seidoux, em geral gosto de filmes franceses; e ser baseado numa obra de Philip Roth é um plus que não deve ser negligenciável.

Ao ver a apresentação, ocorreu-me que uma das dificuldades para quem tem uma vida sentimental e sexual muito movimentada e uma escrita confessional deverá ser o risco de reacção de quem se sente retratado e, para os que são casados, o receio de que o/as respectivo/as tentem tirar a limpo se o que é ali retratado tem fundo de verdade.

[Alimento a esperança de ainda vir a ter tempo para me dedicar, de alguma forma, à escrita. Se me puser a escrever memórias, creio que terei alguns episódios interessantes para reportar. Mas tenho para mim que mais do que apontamentos que possam ter algum interesse do ponto de vista da petite histoire associada à história dos dias, teriam graça os episódios anedóticos ou atrevidos. Mas... e se os envolvidos o lêem e não acham graça nenhuma? Perdoar-me-iam que os expusesse daquela forma?

Será mais seguro ficcionar. Mas como ficcionar na íntegra, escrever na base de uma imaginação bacteriologicamente pura, quando a vida é tão rica e supera em densidade, divertimento ou picante a ficção?]

E pode um escritor ficcionar uma história de adultério, descrevendo ao milímetro as aventuras, os cenários e os momentos de amor, sedução ou prazer, descrever os riscos incorridos, descrever as perplexidades, os sustos, descrever a adrenalina, descrever as combinações em segredo... e o cônjuge não desconfiar que aquilo não é ficção coisa nenhuma, que aquilo é confissão pura e dura?

E como reage um escritor quando é confrontado com essas desconfianças? Ou com acusações de deslealdade por parte de quem, em segredo, viveu esses amores encobertos?

Nega? Confessa? Pede desculpa? Ou, no íntimo, está-se nas tintas e quer é viver situações extremas para ter o que contar?

Tromperie | Deception (2021) | Realizado por Arnaud Desplechin
An American novelist living for a time in London converses with his wife, his mistress, and other female characters he may have dreamed up.
Arnaud Desplechin returns with a powerful, haunting story of sex and loyalty, love and deceit. Adapted from Pulitzer Prizewinner Philip Roth’s bold autobiographical novel exploring the world of adulterous intimacy.

E, ao que parece, Léa Seydoux, 36 anos, assina mais uma memorável representação.

Estou danadinha por vê-la a beijar as palavras

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Percebi que começaram os debates para as Legislativas. Não vi. Sei bem em quem vou votar. Não é com trocas de galhardetes em formato de condensado televisivo que vou mudar de opinião. 

Ao fazer zapping vi que começou outro Big Brother, desta vez com a Madame Brega in action, gritando como uma capada. Na sala das anedotas, um bando de gente de aspecto suspeito, incluindo o Bruno de Carvalho. Não conheci ninguém a não ser ele. Pelo aspecto do que vi, parece que sacaram um bando de desocupados nalguma casa de alterne. Curiosamente, parece que chamam a esta edição a dos Famosos. A TVI na sua trajectória descendente, a bater no fundo. 

Quanto aos outros canais não tenho ideia. Estive a ver a Terapia com o Gabriel Byrne (e daqui vai, de novo, o meu obrigada pela dica!). 

Não estamos a começar bem o ano, televisivamente falando.

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Desejo-vos uma boa segunda-feira

quinta-feira, maio 11, 2017

Falar com eles...?
Não sei, não. Só se for com alguém que encaixe nos meus requisitos.





Gosto de ler sobre o processo de criação. Ler ou ouvir. Sejam escritores, pintores, escultores. Se calhar tabém músicos mas, não sei porquê, sobre música não me desperta tanto interesse.

Gosto de ler diários de escritores. Claro que não de quaisquer escritores. Nunca me passaria pela cabeça ler um diário do Valter Hugo Mãe, do Gonçalo M. Tavares, ou de grande parte das pessoas que podemos ver na Feira do Livro (é verdade... deve estar quase a abrir, não...?). Sou tão exigente no gostar de outras pessoas. Sendo eu pessoa em quem os outros vêem alguma simpatia, a verdade é que tenho alguma impaciência para com um grande número de pessoas. Pessoas agressivas: zero, não tolero. Pessoas secas, desinteressadas, inertes, indiferentes perante tudo: zero, não tolero. Pessoas que acham que sabem tudo e que, na prática, por serem pouco inteligentes, não sabem disfarçar a sapiência e, pior, maltratam aqueles que acham cultural ou intelectualmente inferiores: zero, não tolero. Pessoas que monopolizam qualquer conversa, egocêntricos e narcísicos: zero, não tolero. Pessoas que só vêem o lado mau da vida, que não acreditam em nada nem em ninguém, que acham que não vale a pena empenharem-se em nada, pessoas geralmente corrosivas: zero, não tolero. E etc.


Portanto, se eu pensar que gostava de conversar com um escritor que admire, logo dou um passo mental atrás pois quem me garantiria que, sendo bom de escrita, não seria um desastre no convívio?

Não há muitos escritores portugueses que ainda escrevam que eu admire. Se, em relação a essa minoria, imaginar como serão como pessoas, tenho que confessar que a lista fica tão exígua que eu agora só me lembro de uma pessoa, da Hélia Correia. Penso que poderia estar um dia inteiro a lidar com ela, na cozinha, no quintal, talvez à janela. Mas não me lembro de outro, imagine-se. Mas admito que é o de sempre: quando é fazer listas, tenho uma branca.


Aliás, agora ocorre-me que também gostaria de conversar com Pedro Támen. Gosto muito da poesia dele e das suas traduções, duas artes especiais. Acho que deve ser agradável falar com ele, tem ar de ser pessoa interessante. 

Um com quem eu teria adorado conversar era o Cesariny. Ou a Agustina. De resto... Tenho que dar uma volta pelas estantes e montes aqui da sala a ver se não haverá mais alguém. Ah, talvez o Mia Couto. Tem ar de ser silencioso e de falar das terras por onde anda com o olhar perdido nesses horizontes.

Bem, se continuar por aqui com esta conversa, talvez me vá lembrando de um ou outro.

De qualquer forma, nunca vou a Encontros de Escritores ou sequer me abeiro deles nas Feiras do Livro. Ali é tudo circunstancial, desligado da alma, toca e foge, um smile e já chega. Nem pensar. Uma conversa com alguém interessante (mesmo que não seja artista de nenhuma arte) tem que ser conversa com vagar.


Talvez para colmatar esse meu gosto que não consigo consumar, volta e meia ponho-me a ver videos com entrevistas. Deixem que partilhe convosco (enquanto na televisão dá o futebol e reparo que o Cristiano Ronaldo está ruivo e com a pele cor de laranja).

Ian McEwan fala do seu processo de escrita




Philip Roth fala de como é escrever sobre sexo



Já agora, a Hélia Correia a falar do livro da sua vida



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Entretanto já fui ali jantar. Tinha deixado o jantarinho a preparar-se e estava saboroso. Assei um lombo de peixe sobre cama de maçã aos gomos e, por cima, coloquei-lhe tomate maduro às rodelas largas. Um pouco de sal, orégãos, alecrim e azeite. Antes forno aquecido ao máximo. Quando o tabuleiro entrou, baixei para 150º e deve ter estado para aí 1 hora. Acompanhei com feijão-verde e brócolos cozidos e, para sobremesa, frutos vermelhos (framboesa. mirtilos).

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Apeteceu-me ter um vídeo dançante: um tango de Piazzolla Tango - Oblivion

As fotografias são selfies de Flora Borsi combinadas com fotografias de animais

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E um dia feliz a quem por aqui passa.
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terça-feira, maio 10, 2016

Escrever à mão, desnudar-se


Manuscrito de Agustina


Quando, um dia, um namorado meu quis oferecer-me um livro com os seus poemas e pensou fazer uma edição de autor, eu não quis, achei que isso seria quase como lavar as palavras, tirar-lhes o rasto das suas mãos que as tinham escrito. Pedi que mo oferecesse em folhas escritas à mão.

Ele acedeu e fez ainda melhor que isso. Em papel espesso e caneta de tinta permanente escreveu os poemas e depois encadernou-o, uma bela capa em carneira com as letras cravadas. É um livro muito bonito, uma edição muito especial. Depois disso publicou livros e recebeu prémios mas penso que nenhum será tão valioso como aquele livro tão bonito, tão especial, edição absolutamente única.

Sempre gostei de ver a letra das pessoas.

José Afonso

A minha mãe tem uma letra bonita, elegante, desenhada com precisão e leveza. Mas não admira já que é professora. O meu pai tinha uma letra firme, inclinada para a frente, escrita com pressão, muito regular e apressada. O meu marido agora tem a letra legível e até a acho bonita (dentro do género, claro) mas antes era absolutamente ilegível. A minha filha tem uma letra apressada, regular, equilibrada, espontânea. O meu filho tinha uma letra impossível, inexplicável, tão rápida que era incompreensível (agora não sei como é). Acrescia que, quando escrevia à pressa, dava erros ortográficos absurdos, indesculpáveis. Despachava uma folha em três penadas com uns gatafunhos desesperantes e, se os percebíamos, era de irmos ao tecto com o disparate dos erros. Se escrevia pausadamente não dava erros e a letra lá se conseguia perceber. Um mistério.

Quanto ao conteúdo, os meus filhos escrevem muito bem. Os que por aqui andam há mais tempo talvez se lembrem do que eles (e o meu marido) escreveram sobre mim quando o Um Jeito Manso atingiu o milhão de visitas. Independentemente de me terem deixado divertida e emocionada, orgulhei-me por escreverem bem (embora eu não seja a pessoa mais isenta para o dizer, claro).

Quanto à minha letra, não a sei definir. Apenas sei, porque o meu professor de grafologia o disse, que o meu F revela que sou uma sedutora (e, note-se, disse isso só vendo a letra, sem me ver a mim).  

A minha nora tem a letra quase igual à minha e, por isso, quando escreveu uma folha para eu analisar, não fui capaz, pareceu-me que seria quase a mesma coisa que analisar a minha escrita e isso não sou capaz.

Sophia

Já aqui o disse que fiz um curso de Grafologia, um curso a todos os títulos maravilhoso, com o Professor Alberto Vaz Silva. 

Depois disso, já analisei a escrita de muitas pessoas, umas que conheço e outras que não, nomeadamente Leitores que digitalizaram folhas manuscritas e mas enviaram. Acho que nunca me enganei, pelo menos redondamente.

Passo a vida a ver se descubro pedaços de escrita manual para poder avaliar a personalidade dos seus autores. É surpreendente como a escrita espelha tão bem a maneira de ser da pessoa. Ainda no outro dia vi a forma de escrever e de assinar de uma pessoa que eu devia respeitar e que, agora, não sei como vai tal ser possível.

Outras vezes, quando não percebo bem que tipo de pessoa é alguém, fico a aguardar, sorrateiramente, que algum pedaço de escrita me seja dado apreciar. Tiro logo as teimas.

Eduardo Lourenço

Para complementar os meus conhecimentos, encomendei alguns livros franceses sobre o assunto mas, para mim, como funciona melhor é seguir o guião que aprendi no curso e depois fazer uma apreensão global e discorrer segundo a minha intuição.

Mas fica-me sempre a curiosidade: que relação existe, e tão estreita, entre a maneira de ser e forma como se escreve à mão? A que se deve isso? Porque é que a forma como escrevemos nos desnuda de uma forma tão crua? Haverá como que uma ligação directa entre a nossa mente (seja lá o que isso for) e as nossas mãos que exprimem os nossos pensamentos. preocupações e vontades?

Ernest Hemingway

E é que se pode tentar disfarçar, controlar a letra, mas até isso se nota, que a escrita é forçada. 

Por vezes, ao ler alguns blogues, dou por mim a tentar imaginar a escrita caligráfica dos seus autores. Nuns imagino uma letra miudinha, nervosa, noutros uma letra atrapalhada, incerta, noutros uma letra arejada, solar.

De notar que não tem a ver com ter a letra feia ou bonita mas como a letra se difunde na página (e, por isso, tem que ser numa folha sem linhas ou quadrículas), a dimensão das margens, a orientação do texto na folha e da escrita na linha, o espaço entre palavras ou entre linhas, etc. Cada aspecto tem uma leitura, ou seja, uma interpretação.

Philip Roth

Enfim, um dos muitos assuntos que me intriga e que, portanto, me fascina.

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O que abaixo partilho convosco não tem a ver com isto mas com a caligrafia como arte: um vídeo encantador.

Calligrapher Carol DuBosch


For 50 years, Portland native Carol DuBosch has been perfecting the art of calligraphic script. We recently paid a visit to her home studio to observe the master at work. Watch the video to learn about her craft, her process and what she's working on now.


Para mim isto é um outro mundo. Um dos muitos mundos encantados que desconheço.

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Talvez ainda cá volte (mas não garanto).

quarta-feira, abril 13, 2016

A corrupção. A blogosfera.
Em noite de chuva e trovoada, prefiro dar a palavra a quatro escritores:
Mathias Énard, Ian McEwan, Philip Roth, Agustina Bessa Luís


Abaixo já partilhei um poema que me estava a apetecer ouvir. Nunca fui de apetites avulsos, nem sequer quando estava grávida, altura em que tudo me seria permitido, mas volta e meia tenho umas lembranças que puxam por mim. Palavras que têm uma delicadeza dentro de si e que soam como uma dançante toada, nesta noite em que, de vez em quando, uma forte bátega de água bate na janela ao meu lado, estavam a apetecer-me: She walks in beauty. E apetecia-me tê-las entre cores e árvores, nesta noite fria e escura -- é no post a seguir a este.



Depois, estive aqui a ver os jornais. Corrupção, detenções. Parece que todos os dias se descobre um novo foco de infecção.

E eu interrogo-me: será que somos um país de gente corrupta? Tendo a crer que não, que são apenas pequenos focos, insignificantes. Mas, face ao que se vem sabendo, já não digo nada.

Até hoje ainda não foi detido alguém que eu conhecesse pessoalmente. Penso que me dou com gente séria, gente que não corrompe nem se deixa corromper. Contudo, vejo tanta gente sob suspeição que tenho medo de um dia descobrir que alguém que tenho por pessoa decente se deixou tocar pela doença de corrupção. Temo. Do que me conheço, não perdoaria. Penso que não há atenuantes.

Tenho desempenhado funções em que era fácil deixar-me corromper. Aliás, já uma vez fui abertamente aliciada para tal. Ficaria muito rica num instante. Reagi de forma rápida e definitiva: essa empresa nunca mais fez negócio com aquela em que eu, na altura, trabalhava, e mudei os procedimentos em certas áreas, chamando a mim responsabilidades que, até aí, estavam descentralizadas. E disse para que se ouvisse distintamente: a partir de agora ninguém mais dirá que, nesta empresa, alguém recebe dinheiro; a partir de agora, quem tiver alguma a coisa a dizer, não falará em abstracto: acusar-me-á a mim. Foi remédio santo. Mas não há só corrupção em dinheiro: há a outra, a corrupção miúda: as viagens, os almoços. Digo-o muitas vezes: se eu quisesse, almoçava todos os dias à borla, se eu quisesse conhecia o mundo inteiro 'à pála'. Mas não quero. Assuntos de trabalho, não os trato à hora de almoço e, se quero passear, não aproveito convites para participar em conferências ou para visitar fornecedores estrangeiros, pago eu as minhas viagens. Mas, enfim, não me creio a única incorruptível nem melhor que os outros. Espanto-me é por haver tanta gente a ser apanhada nas teias destas sujeiras. Penso sempre que devem ser pessoas que se julgam imortais, que pensam que nunca vão ser descobertas e que acham que vão viver para sempre para poderem desfrutar pela eternidade afora do fruto dos seus maus actos.


Mas estar à noite a falar nisto... Não me apetece, tenho tido uns dias complicados, chego à noite a precisar de paz de espírito.

Então pus-me, durante um bocado, a circular pela blogosfera. Vou sempre à procura de aprender alguma coisa ou de me divertir a sério ou de ficar a pensar no que li -- ou por uma ideia inesperada ou por um ponto de vista inusitado -- ou de reconhecer o génio, ou de me enternecer com a delicadeza. No entanto, não sei se sou eu que ando mais impaciente ou se é deste tempo incerto e cinzento, mas a verdade é que, depois de andar a espreitar, aconteceu-me sentir uma grande saturação disto. Não quero ser injusta, talvez a amostra não fosse significativa, não foi certamente. Mas, do que vi, que tédio e agastamento senti. Há muita gente a dizer coisas que me parecem fúteis, inúteis, e muita gente a criticar-se entre si, e há muitos ecos -- um fala de uma coisa e logo dez vão atrás ou para dizer o mesmo ou para complementar ou para parodiar ou, até, para censurar -- e, tudo somado, espreme-se e não dá em nada. E há pessoas que a gente lê e não percebe qual a ideia, percebe-se que é gente inteligente mas parece que baixam a potência da inteligência para escrever de forma comezinha, vulgar. E depois verifico que a escrita rudimentar travestida de sensível ou viril atrai uma comunidade de fãs que, numa azáfama, produzem comentários igualmente nulos a que os autores respondem também com afirmações nulas embrulhadas em faz de conta. Cansa-me isso.


E, escrevendo isto, tenho vontade de parar, de apagar o que escrevi, penso que sou mais uma voz nesta imensa cacafonia, em que ninguém acrescenta nada. Hesito. Hesito. Já apaguei e voltei a escrever. Tenho vontade de me calar também. Uma imensa poluição em que parece que os rasgos de génio ou a genuína simpatia são uma ínfima minoria, em que generosidade ou a delicadeza se perdem num mundo obscuro e em que o imenso espaço sideral parece estar preenchido por ruído cacafónico, lixo, partículas depressivas, exibicionismo ridículo, provocações gratuitas, arrogâncias dirigidas que mais parecem amarguras sem destino, solidões agressivas, ou, então, palavras de plástico, letras repetidas e pouco mais.

Então, quando isto acontece, ponho-me a ouvir música do youtube, a passar fotografias da máquina para o computador, a ver as folhinhas secas, as hastezinhas que crescem, as florzinhas do campo, tão perfeitas, tão belas na sua garrida simplicidade, o meu heaven tão bom, que vontade de lá estar, de passar as mãos pela pele molhada das flores, pela pele húmida e fria das rochas, de ouvir os pássaros, de sentir o musgo macio e tão verde.


Mas isso parece-me tão distante, aqui nesta noite invernal, a chover e a trovejar aqui mesmo ao meu lado (agora um trovão tão grande que a casa toda estremeceu e eu dei um salto na cadeira, assustada). Como não posso estar no meu heaven tão acolhedor, procuro, então, blogues de fotografia, fotografias do outro lado do mundo, ou ponho-me a ouvir poemas, entrevistas. Com preguiça de desligar isto e ir pôr-me a ler ou a fazer tapetes. Tenho vontade de voltar a fazer tapetes, ou pintar. Ou desligar-me da internet, ligar a aparelhagem e pôr-me a ouvir CDs. Gostava de tentar escrever a sério. Um dia vou tentar.

(Devia conseguir ter aqui também cheiros para que pudessem sentir o perfume limpor e fresco das flores de laranjeira)

Por isso, enquanto a preguiça não me deixa afastar-me do computador e não me passa esta sensação de esmagamento sob um infinito manto de resíduos, restos, ruídos, tenho estado aqui a ouvir escritores. Gosto de ouvir escritores.


Mathias Énard -- Parle-leur de batailles, de rois et d'éléphants



 

Ian McEwan e o seu processo de escrita 




Philip Roth - um senhor 

 



Agustina Bessa-Luís - Um documentário

 

Nasci adulta e morrerei criança


 ....

Lá em cima era o Ensemble vocale Ricercare a interpretar La bocca onde l'asprissime parole
do II libro dei madrigali (Venezia, 1590) de Claudio Monteverdi
.....

E desçam, por favor, se quiserem ouvir  She walks in beauty.


quinta-feira, outubro 16, 2014

O adultério e o pénis verde artificial. Ah, a imaginação...



É incrível as mentiras que as pessoas são capazes de manter por trás da máscara do rosto verdadeiro. 

Pense-se na arte do adúltero: sob uma pressão tremenda e correndo enormes riscos, maridos e mulheres normais, que ficariam petrificados de vergonha em cima de um palco, no teatro do lar, sozinhos perante a audiência do cônjuge traído, desempenham papéis de inocência e fidelidade com uma capacidade dramática impecável. Grandes, grandes desempenhos, concebidos com génio até ao mais ínfimo pormenor, actuações naturalistas impecavelmente meticulosas, e tudo feito por amadores. Pessoas que se fazem passar perfeitamente por 'si mesmas'. 

O faz-de-conta pode tomar as formas mais subtis, sabe? 

Porque é que um romancista, fingidor profissional, seria menos hábil ou mais fidedigno do que um contabilista estólito, sem imaginação, suburbano, que anda a enganar a mulher?





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Philip Roth, antes de sair de cena





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O texto em itálico faz parte da entrevista concedida por Philip Roth a Hermione Lee em 1984 que integra o livro Entrevistas da Paris Review, 2, recentemente publicado pela Tinta da China.


A entrevista do vídeo foi feita a Roth numa das suas casas, em 2010, para o Estadão, e escolhia-a não tanto pelo dildo verde mas, especialmente, por estar traduzida e, assim, ser de mais fácil compreensão por parte de quem não tem grande facilidade com a língua inglesa. Mas é muito elucidativa do estilo Roth (- e reparem no arzinho malandreco que por vezes ele faz).


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Permitam que vos diga que este é para aí o 5º post desta noite pelo que, se estiverem para isso, vão descendo porque há para todos os gostos.


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Desejo-vos, meus Caros Leitores, uma bela quinta-feira.

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Para quem escrevem Philip Roth e Henrique Manuel Bento Fialho?




Tem algum leitor de Roth em mente quanto escreve?


Não. Ocasionalmente, tenho um leitor anti-Roth em mente. Penso: "Como ele vai odiar isto!". Pode ser exactamente esse o encorajamento de que necessito.



in Entrevistas da Paris Review






Para quem escreve?


Nunca escrevi senão para os que não me lêem, é neles que penso sempre que escrevo e deles não espero senão que continuem sem me ler. Só isso oferece sentido ao tempo despendido nesta inútil actividade.



in Antologia do Esquecimento




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How They Shine



Solveig Slettahjell


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Vão descendo, por favor, que abaixo há mais.


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quinta-feira, junho 05, 2014

Quase summertime in heaven. A minha casa, as minhas coisas, a minha vida. 'Em que histórias as pessoas transformam a vida', escreve Zuckerman, isto é, Philip Roth.


No post abaixo já falei de uma criatura que, pelo menos a nível de conversa, consegue ser tão mau ou pior que o Passos Coelho e o Paulo Portas: um tal Bruno de Carvalho a quem ouvi umas declarações completamente descabidas. 

Falei disso e falei dos outros que por aí andam a fazer e a dizer parvoíces que, como bem sabemos, felizmente não chegam ao céu. Mas, apesar de não chegarem ao céu, são suficientes para criarem instabilidade no funcionamento regular das instituições e criarem incerteza na nossa vida.

Mas isso será a seguir, lá mais para baixo. Aqui, agora, a conversa é outra.


Summertime por Melody Gardot




Numa semana repleta que nem um ovo, daquelas que não me deixa um minuto de sossego, chego aqui para ver se limpo a cabeça de maçadas para amanhã estar pronta para outra e só dou com notícias que não ajudam, é que não ajudam mesmo nada.

Por isso, que se lixe a actualidade.

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Se me permitem, vou deslocar-me mentalmente até ao meu ninho no meio da passarada. 


Gosto de andar descalça, tal como gosto de mexer nas coisas com a pele nua, e depois acontecem-me percalços. 

Espetou-se-me um pico qualquer na sola do pé que me anda aqui a incomodar um bocado. O organismo acabará por absorvê-lo, o corpo sempre incorpora o que vem do exterior.

Adiante.

Entremos, pois, no meu pedaço de paraíso. Entremos descalços para melhor sentir o chão que pisamos.


No fim de semana que passou estive descansada, o tempo estava de verão, o sol entrava pela casa toda. 

Cada pequeno recanto da casa me agrada, há sempre por ali um pouco de mim, há a natureza que entra pela casa e que se mistura com as minhas coisas. 

O meu marido queixa-se, diz que ocupo todos os espaços. Tem razão mas não consigo evitar.

Tirei a fotografia aqui ao lado quando estava a varrer e o sol entrava e dourava os chapéus e, de dentro da casa, as árvores que se viam pela janela quase pareciam dentro de casa. Mas, nessa altura, ao ir afastar a cadeira para varrer por baixo, dei com a balança que ali podem ver. Fiquei espantada. O que é que estava a balança ali a fazer? A balança é antiquíssima, trouxe-a de casa de uma tia do meu marido quando ela morreu. Gosto de ficar com coisas assim e nem sei explicar porquê. Por baixo do prato da balança estava uma receita escrita com a bonita letra da tia. A balança estava na cozinha em cima do micro-ondas e por algum motivo a tirei e por algum motivo ali foi parar. Ou então não fui eu. Não tenho boa memória para este tipo de coisas. Varri o chão e deixei-a ali ficar. Parece que não destoa. Ao pé da cadeira tenho uma pequena mala de viagem também antiga, e um galo de chapa e uns tamancos de madeira que trouxe dos Picos da Europa. Ao pé da janela está também uma daquelas mesinhas altas que veio de casa de uma das minhas avós. Esta por acaso é a mais baixa do conjunto de três que trouxe. Parece que preciso da harmonia que vem da mistura de memórias, da natureza, das minhas coisas, de alguma desarrumação.

Misturo velas de vários feitios (gosto de uma que tem feitio de ovelha de pé), com galinhas de papier machê, santas artesanais de madeira, quadros que pinto, bancos que desenho e que mando fazer, azulejos que mando pintar e faço embutir na parede, cortinas que sobreponho, tapetes que faço, molduras com fotografias da família, livros que não acabo de ler, tintas, cestos com pinhas.

Depois o difícil é manter isto tudo limpo. 

Uma casa assim, em que se entra e sai por todo o lado, está sempre a precisar de ser varrida. Há bichos de conta e teias de aranha que aparecem de uma semana para a outra. O que vale é que se há coisa que gosto de fazer é varrer. Varrer ou lavar o chão.

Um dia destes vou lavar os tapetes todos. Gosto de fazer grandes barrelas. Se passasse um rio aqui à beira de casa, haveria de levar a roupa numa cesta e pôr-me-ia a lavar roupa na beira do rio.


Mas não é só dentro de casa. À volta da casa, todo aquele chão precisa de ser varrido mas, nestes fins de semana curtos, o tempo não me chega.

A caruma cobre todo o chão. E há ervas por todo o lado e as árvores estão todas a precisar de um belo desbaste. As pequenas azinheiras parecem umas adolescentes despenteadas.

Claro que os muros também precisam de ser pintados mas, se nos metemos nós a fazer isso, acabamos os fins de semana mais cansados do que para lá fomos. Se contratamos alguém, custar-nos-á os olhos da cara. Mas eu gosto de ver os muros com a patine com que o tempo os vai cobrindo.

A natureza e o tempo são extraordinários: moldam o mundo. 

E eu já não sei se fui eu que imaginei e fiz tudo isto ou se isto já existia há muito tempo, antes de eu sequer o ter imaginado, se apenas esperava oportunidade para se materializar. Não sei mesmo.

Gosto de me deitar naquele branco comprido que puderam ver lá mais acima. Levo o colchão de uma espreguiçadeira, almofadas, livros, o Expresso.

O banco está encostado a um muro alto no qual se projectam as sombras que o grande pinheiro desenha. Ao longo da tarde, as sombras vão mudando e eu vou contemplando a sua evolução como se estivesse a ver um filme. Como estou ali imóvel, os pássaros aceitam a minha presença e por isso voam e pousam nos ramos por cima de mim e eu fico a vê-los e a ouvi-los. Não me mexo para não os perturbar. A paz absoluta é preciosa, não se deve perturbar por motivos fúteis. Os pássaros cantam, brincam. Talvez estejam  a divertir-se ou a comunicar uns com os outros. Não sei se reparam em mim e percebem que sou uma deles ou se nem me vêem.

Mais para o fim do dia começou a levantar-se uma aragem que foi ganhando força. A aragem vem perfumada. O pinheiro, os cedros, o alecrim, o rosmaninho, toda essa flora solta os seus perfumes com este sol que prenuncia o verão. Por fim já estava mesmo uma ventania. Como o banco é abrigado, apenas ouço o vento a vejo a copa das árvores numa dança agitada, mas ali em baixo não sinto o frio que o vento de fim de tarde já traz.

Estou a ler 'Os factos', autobiografia de um romancista, de Philip Roth. Estou a gostar de ler.

É claro que os factos nunca vêm ter connosco assim, sem mais nem menos, antes são incorporados por uma imaginação que é formada pela nossa experiência anterior. As recordações do passado não são recordações de factos mas recordações da nossa imaginação dos factos.
(leio na introdução do livro) 

É bem verdade isto.

De vez em quando os meus filhos (especialmente ela que é toda romântica) recordam coisas da sua infância ou adolescência e eu fico muito admirada porque não tenho ideia de que tivesse sido nada daquilo. No entanto, não consigo dizer de certeza absoluta que a minha versão é que seja a correcta pois cada um de nós vê as coisas pelo seu prisma, faltando-nos sempre outras perspectivas e mesmo alguns factos que, para nós, podem ter sido acessórios, para os outros podem ter sido fundamentais.

Gosto de ler autobiografias. São recordações que tentam ser fiéis à realidade mas que, certamente, estão moldadas pela emoção com que foram vividas, suavizadas pelo tempo.

Se calhar, quando a vivência foi má, o tempo produz o efeito contrário, adensa-as. Não sei.

Li há bocado uma notícia terrível passada há décadas, mas terrível mesmo, e ainda pensei escrever sobre isso mas não consegui.

Pergunto-me: quem passou por aquilo e sobreviveu, como recordará agora esses tempo? Será que as pessoas que vivem amarguradas passaram por experiências más quando eram pequenas?

Serei tão descontraída por ter crescido no meio da natureza, a brincar na rua, à solta?

Ou procurarei com tanta necessidade e urgência a natureza, como se fosse um alimento e eu faminta, porque preciso disso para manter o equilíbrio face a uma vida feita entre reuniões, situações desgastantes, enervantes mesmo, e trânsito e mais trânsito, e elevadores cheios de gente desconhecida?

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Bem. Já estou para aqui a divagar e a noite já vai longa e daqui a nada tenho que estar a pé para mais uma maratona de sol a sol. Por isso, fico-me por aqui e não vos maço mais.

Recordo: abaixo falo de criaturas horrorosas e de situações periclitantes. Por isso, pensem bem se querem aventurar-se por temas bem longe da paz que se vive quando a conversa decorre in heaven.

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Desejo-vos, meus Caros Leitores, uma boa quinta feira. 
Saúde e alegria. E boa sorte a quem dela precisar.

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