sexta-feira, março 31, 2023

Um já está. O segundo está a caminho.

 


Daqui a nada são duas da manhã e é agora que estou a começar a escrever aqui. 

Ao fim de não sei quantos dias repletos de anormalidade eis que consegui um dia parcialmente normal. Um dia não, uma tarde.

A manhã não foi. Quase toda ao telefone. Tentar falar com um médico num hospital é tarefa do outro mundo. O telefone toca, toca e ninguém atende e, depois de muito tocar, a chamada esgota-se por si. Recomeço. A mesma coisa. Quando alguém atende e tenho oportunidade de dizer o que quero, a chamada é transferida e toca, toca, toca e ninguém atende e, depois de muito tocar, a chamada auto-desliga-se. E recomeço.

Ao fim de horas, consigo.

E quando transmito à minha mãe o que a médica disse percebo que já não está nem aí, já mudou de ideias.

Portanto, da manhã não reza a história. Mas a tarde foi razoável. 

Acabei a revisão da minha """obra""" (e ponham lá aspas na obra que eu tenho os pés na terra e tenho bem noção do caminho que ainda tenho para andar). 

E já escrevi também a sinopse, coisa que estava meio bloqueada pois queria revelar sem revelar e não estava a fluir.

Mal acabei, enviei para o meu marido. 

Entretanto, atirei-me ao seguinte que é da pesada. Quando falei do primeiro o meu filho perguntou-me se eu não ia envergonhá-lo. Assegurei-lhe que não. Mas deste segundo não poderei dizer o mesmo.

Quando há pouco quando foi deitar-se, lembrei o meu marido que já lá tinha o livro para ler. Disse-me que estava mais interessado no segundo.

Estava eu aqui no sofá a reler o que já tinha escrito, coisa pouca, umas vinte e tal páginas, e não conseguia parar de rir. Ele queria que eu lesse em voz alta mas não lhe fiz a vontade. Nem pensar. Lê no fim ou quando a coisa já tiver mais forma.

A verdade é que já fiz completamente a agulha e agora já só me apetece atirar-me a este. Tenho que encontrar a forma mais correcta de o conduzir. 

Digo já. O primeiro é ficção com alguma realidade ficcionada à mistura. O segundo fia mais fino, é um livro de memórias, umas verdadeiras e outras nem tanto. Ora como é que uma pessoa como eu, mais torrencial que metódica, escreve um livro de memórias? 

E em segundo plano na minha mente está a preocupação da publicação. Ideias não me faltam, incluindo derivações diversas, cada uma mais destravada que a outra. 

Na volta ainda me meto é a criar uma editora própria. Mas não quero. Não tenho pachorra para coisas maçadoras, estou mais numa de criar. Conheço uma pessoa que tem uma editora e sei as trabalheiras que às vezes tem. Aliás não conheço uma, conheço duas. Géneros opostos mas em qualquer dos casos é gerir empresas. Podem ser pequenas empresas mas são-no. Não quero. Já tive a minha dose.

Contudo, há muito que aprendi que nunca se deve dizer nunca. Na gaveta é que não ficarão. 

(Digo eu de que).

Portanto, bola para a frente. E depois logo se vê.

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Fotografias de Vincent Fournier na companhia de Natalie Merchant, Blackberry Sessions

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Desejo-vos uma boa friday

Saúde. Boas vibes. Paz.

quinta-feira, março 30, 2023

A Mona Lisa...? Uma aldrabice.
[Do Rodin salva-se o Thinker mas é por causa dumas coisas do TikTok]

 

Dia longo e, graças a ainda não nos termos visto livres dos efeitos pós-covid, um bocado cansativo.

Para já a noite foi muito em branco. A minha mãe tinha encostado a porta do quarto e o dog, que tem que ter sempre o que guardar, começou por deitar-se, no corredor, à porta do quarto dela. E até aí tudo bem. O pior é que, a partir de certo ponto, deu-lhe para ganir. Aliás, mais parecia que estava a chorar. Uma coisa impressionante. Pensei que, com aquela choradeira, não estava a deixar a minha mãe dormir.

A chatice é que, de noite, quando tentamos impedi-lo de fazer o que quer, não reage lá muito bem. 

O meu marido dormia a sono solto e eu equacionava ir eu tentar tirá-lo dali ou acordar o meu marido. Não queria acordá-lo mas não sabia como é que conseguiria tirar o urso felpudo dali. É teimoso como uma mula e, fixado como estava em estar de sentinela ao quarto da minha mãe, era certo e sabido que seria debalde.

Então, vendo que o tempo passava e ele não se calava, acordei mesmo o meu marido. Vestiu-se e lá foi. Só que, como por milagre, o guardador de rebanhos calou-se. E o meu marido, passado um bocado, apareceu e disse que ele se tinha calado e que não o tinha visto. Pensou que tivesse ido para junto da janela do primeiro andar, onde gosta de dormir.

Só a partir dessa altura consegui dormir.

De manhã, quando lhe perguntei sobre o safado que tinha feito aquela linda choradeira à sua porta, a minha mãe disse que não ouviu, que dormiu profundamente. Mas que, já de madrugada, ouviu empurrar a porta à força. Assustou-se. E ainda mais se assustou quando sentiu alguém a saltar-lhe para cima da cama. Claro que percebeu logo que era ele. A excelência, tendo conseguido o que queria, aconchegou-se e dormiu. Só que aí foi ela que espertou, não conseguindo dormir mais.

De tarde, eu e o meu marido fomos com os dois meninos, um dos quais está quase a fazer anos, comprar-lhe o presente de anos.

Basicamente agora o presente principal que querem (os rapazes) é chuteiras ou ténis de modelos ou marcas que eles lá sabem. Portanto, para ser ao gosto deles e para os provarem, temos que ir com eles. Não dá para arriscar.

O mais velho, recém chegado do passeio de Paris (onde parece que fez das dele) foi connosco, como conselheiro.

Eu ou o meu marido escusamos de opinar pois eles têm ideias muito bem definidas. 

Gostamos também de oferecer sempre roupa pois precisam sempre. Como a minha filha me tinha dito que ele precisava de tshirts e de um casaco aberto à frente, enquanto eles dois desataram a escolher por eles, eu fui escolher tshirts. Quando as viram, tshirts normais, discretas, com uns desenhos engraçados, disseram que nem pensar, que 'sem ofensa, Tá, já não estás bem ao corrente do que se usa...'. O mais velho disse que 'basicamente, Tá, se ele usasse isso seria vítima de bullying'. Fiquei a olhar para as tshirts a tentar descortinar a razão de tão dramáticas consequências. O mais novo elucidou-me: 'Basicamente, Tá, eu seria alvo de chacota'. Fiquei na mesma. Mas, pronto, ok.

Quanto aos casacos com fecho, não quiseram saber dos requisitos da mãe. Sweatshirts com capuz e mais nada. Casacos com fecho já não estão com nada. E lá escolheram. O mais velho escolheu tudo. Para já que o irmão precisava de umas calças beige. Depois tshirts lisas ou só com algum dizer, simples. Sweatshirts lisas, claras, simples. E um boné como deve ser. O irmão vestia e pedia para eu chamar o irmão, para o irmão se pronunciar. E o irmão opinava. Com bom gosto e ultra despachado. Gostei de ver.

Mas a perdição na loja dos ténis foi a secção das tshirts dos clubes, perdição sobretudo do mais velho, e a das chuteiras, perdição de ambos. Depois de escolhidos os ténis, dirigiram-se para lá. Qualquer deles já as tem, boas, mas, com o pé a crescer-lhes a ritmo acelerado, estão sempre a precisar de novas. 

Imagino que a vossa literacia sobre chuteiras seja equivalente à minha. Mas deixem que vos conte que é todo um mundo novo. 

Há um ou dois anos eu acharia aquilo uma bimbalhice. Agora já sei que é mesmo assim. E eles adoram. Dizem que umas são as do Ronaldo, outras as do Messi, outras as de não sei quem. Parecem umas sapatinhas de plástico ultra coloridas, com uns espigõezinhos que parecem uns saltinhos fofinhos. Mas consta que os jogadores de futebol acham o máximo. Os meus netos põem-mas na mão para eu lhes sentir a leveza, quase não pesam, e parece que são resistentes e confortáveis. E carérrimas.

Se bem percebi, saíram de lá já a saber quais as que o menino dos anos vai 'cravar' ao pai.

Depois, já atrasados para o treino do mais novo (um grande guarda-redes que já joga a sério), íamos no carro quando o mais velho se saiu com uma, certamente no seguimento da conversa anterior sobre as suas aventuras em Paris, 'Agora a Mona Lisa...? Uma aldrabice.'. Apanhados de surpresa, reagimos, o meu marido referindo o sorriso enigmático da dita, eu rindo e referindo também a intemporalidade da obra. Ele continuou: 'Filas enormes, depois temos que ficar a dez metros e, afinal, aquilo é uma coisinha de nada, com dois centímetros, e não passa daquilo'. Protestámos. Corrigiu, dois centímetros não, mas não mais que isto - e mostrou com as mãos a fraca dimensão da coisa. Continuou: 'Quadros maiores, melhores', como se não percebesse a fama da Mona Lisa quando comparada com coisa melhor. E concluiu: 'O Louvre, uma seca'.

Perguntei pelo Orsay. Disse que outra seca. Rebatemos. O mais novo veio em defesa do irmão: 'Tá tens que perceber, basicamente esses museus são uma seca para putos como nós'. Não me dei por vencida. Falei nos impressionistas, pinturas tão lindas. 

E falei no Rodin. 

Aí lembrou-se. 'Ah, Rodin, sim, o Thinker'. Tendo chegado de uma 'visita de estudo' a Paris, estranhei: 'O Thinker?'. O meu marido disse: 'Le Penseur'. Ele comentou que sabia mas preferia dizer em inglês, o Thinker, e era por causa dumas cenas do Tik Tok. Mas fiquei com a impressão que eram coisas de que ele, basicamente, não podia ou não queria ali falar.

Fomos a casa para deixar o mais velho e para o mais novo se trocar. Dali levámo-lo ao treino. E viemos para casa. De caminho apanhámos uma pizza. Ainda fomos fazer uma breve caminhada. Quando chegámos a casa já era de noite. E, adivinhem, basicamente perdidos de sono.

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Desejo-vos um dia bom

Saúde. Boa disposição. Paz.

quarta-feira, março 29, 2023

Clarice, a difícil que sabia escrever fácil
[Uma luz a iluminar a minha noite]

 

Mais um dia cheio de atipicidade. Assim têm sido os meus dias desta minha nova era.

Ainda na parte da manhã tantos os telefonemas, tantas as mensagens, tanta a logística a ser improvisada, tanto tudo a ter que ser preparado às pressas que o meu marido, que gosta das coisas mais calmas e mais planeadas, se ia enervando. Queria falar comigo e eu não conseguia deixar de estar ao telefone ou a ler ou a responder a mensagens.

Nada a fazer, as coisas são o que são. Há alturas em que não dá para fazer o que se quer, como se quer, quando se quer, pois a urgência dos factos fala mais alto.

Portanto foi mais um dia em grande parte fora de casa, parte do qual a ter que conviver e fazer conversa com quem não estou nem aí, e a estar de boa cara pois as pessoas genuinamente fazem por bem e há que corresponder.

E esta quarta-feira vai ser outro dia atípico, em grande parte fora de casa. 

E o corpo a pedir descanso, pesado, os olhos a quererem que os feche. Pior é que a noite passada foi noite mal dormida. 

O sono chegou quase de manhã e logo depois chegaram os pesadelos. Não é a primeira vez, um assim. 
Estou num hotel onde decorre um encontro do Grupo e dou por mim e as peças de roupa que trago vestidas e que tinha vestido à pressa e com pouca luz não condizem entre si. É tudo em verde mas tons díspares, um é verde dourado, o que prefiro, outro é verde quase garrafa, as meias ou os sapatos, não me lembro, num tom quase alface. Vejo-me ridícula e decido que tenho que me trocar. Mas as malas já não estão no quarto. Ando aflita a correr sala após sala e não as descubro. Passo pela sala onde se serve o pequeno almoço, e eu cheia de fome e sem tempo para comer. Quando finalmente as descubro, mal consigo abrir a mala de tão ceia que está. Depois consigo tirar a roupa lá de dentro mas o resto vem atrás, depois a mala não fecha. Vejo as horas e vejo que o autocarro está quase a partir. Resolvo mudar-me ali mesmo, em frente às pessoas, e sinto imensa vergonha mas tem que ser. Depois a roupa que visto está húmida ou então sou eu que mão me limpei bem e a roupa não escorrega na minha pele, fica presa. Eu puxo, puxo, o tempo passa e eu naquela aflição.
Acordei. Tentei interiorizar que era um sonho. Ao adormecer, o mesmo sonho, mais refinado, o tempo a esvair-se e eu sem conseguir despachar-me.

Parecia eu que adivinhava o que estava para vir.

Mas, pensando bem, as coisas estão melhores do que estavam faz esta quarta-feira uma semana. Por isso, bola para a frente.

Tenho muitas coisas para fazer e muita vontade de fazê-las. E sou optimista e tenho esperança que as coisas acalmem e normalizem.

Até lá é aquilo que já se sabe: keep calm and carry on

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E, creio que pressentindo que tenho esta vontade de ter tempo para conseguir rever o meu 'livro', mas rever com olhos de ver, com sentido crítico e distanciamento, o meu amigo algoritmo apareceu-me com um vídeos de uma escritora que muito aprecio: a nascida na Ucrânia Clarice Lispector. Não será estreia aqui no pedaço mas é sempre um prazer.

Entrevista com Clarice Lispector 

(feita alguns meses antes de morrer)


Um dia bom
Saúde. Serenidade e esperança. Paz

terça-feira, março 28, 2023

Isto que estão a ver não existe

 

Claro que vai chegar a um ponto em que não saberemos o que pensar pois as fronteiras entre o verdadeiro e o falso, entre o correcto e o incorrecto, entre o bom e o mau se esbatem. Perante o que julgamos ser evidências seremos confrontados com o facto de que o que estamos a ver é uma ilusão.

Por exemplo, reparem no que abaixo mostro. As fotografias mostram o Papa Francisco todo fashion, em branco imaculado, com uma parka digna de capa da Vogue.

Segundo leio, as redes sociais estão ao rubro. O Papa, sempre tão apologista do despojamento, cedeu aos caprichos da moda?









E, no entanto,, nada disto alguma vez aconteceu. Foi um programa que usa inteligência artificial e que responde a comandos em que lhe pedem para criar imagens que reflictam situações que gerou estas imagens. [Ver: Cette photo du pape François stylé en doudoune blanche XXL... n'existe pas]

Trata-se do software Midjourney

E imagine-se o que isto significa a todos os níveis. Imagine-se o valor das fotografias como valor de prova a partir de agora. Imagine-se o que isto significa para os fotógrafos que hoje se esmifram para conseguirem fotografias em situações difíceis... (um urso pardo numa montanha ao pôr do sol sentado com a olhar o horizonte, o Cristiano a beijar uma modelo russa num hotel em Las Vegas... o que for) -- basta ir ao programa e escrever isto que acabei de escrever que as imagens aparecerão, perfeitas, realistas)

E, note-se, tudo isto ao alcance de todos. Software livre. À vontade de quem o queira usar. À vontade, não. À vontadinha. Sem regras, sem restrições.

Por todo o mundo proliferam poderosas (e extraordinárias!) ferramentas que usam a inteligência artificial. Note-se que considero um passo de gigante para a humanidade haver ferramentas tão imensamente poderosas ao dispor de todo o mundo. Mas, mil vezes aqui o tenho referido, acho terrivelmente preocupante que tudo isto aconteça sem qualquer regulação ou controlo.

Claro que perante a ubiquidade dos recursos ao dispor, será tarefa hercúlea tentar controlar alguma coisa. Mas mais difícil será quanto mais tarde se tentar fazê-lo. Tenho para mim que, se isso não for feito, não tarda habitaremos a distopia mais completa e a vida, tal como a conhecemos, poderá tornar-se algo de muito difícil.

segunda-feira, março 27, 2023

Marcelo. Macron. O sentido de estado.
[E, só porque sim, como um despropositado intróito, um pouco do meu dia]

 

Estou particularmente cansada, hoje. Quando chegámos a casa, ainda fui regar um pouco, talvez para conseguir ter alguma normalidade no dia ou levar a cabo alguma acção por minha decisão. Há vários dias que ando a reboque dos acontecimentos, horas fora de casa, sempre a sair cedo e a chegar tarde, sempre sem saber o que se segue. 

Quando cheguei a casa, depois de comer um iogurte ao qual juntei frutos secos (pois não tinha almoçado), sentei-me e, estafada como estava, adormeci. Ouvia, à minha volta, o urso cabeludo a ladrar freneticamente... mas o sono foi bem mais profundo, levou a melhor. 

Estava também expectante em relação à chegada do mais velho, que chegava de Paris, e que, fruto da confusão que por lá vai, tinha de lá partido com atraso. Isto depois de dias de farra e alta animação. E tinha pensado que tinha que acordar à hora dele chegar.

Quando o meu marido me foi acordar para ver se queria ir à rua passear com o dog pensei que não conseguia despertar de maneira nenhuma e, muito a custo, disse-lhe que fosse sem mim. Mas vi as horas, vi que estava quase na hora do avião aterrar. Fui logo ver o site. Ainda não tinha chegado.

Então forcei-me a levantar-me do cadeirão, bebi água e lá fui à rua, sempre agarrada ao telemóvel, a ver as mensagens e o site. Só aterrou cerca de meia hora depois. Aí respirei de alívio. 

E liguei à minha mãe a quem tinha deixado, um bocado antes, muito pouco animada, cheia de medos e ansiedades. Felizmente, já estava melhor.

Quando regressei a casa, fui fazer o jantar. 

Quando depois cheguei aqui ligou-me o jovem 'parisiense', rouco, rouco, radiante, feliz da vida, cheio de peripécias. Rico menino. Já quer lá voltar, diz que quer ir com os primos (e com o irmão, claro), quer ir repetir as aventuras, quer voltar a sentir a adrenalina das aventuras mais radicais. Quando tinha a idade dele e andava num ano lectivo equivalente ao dele, a minha excursão foi à Serra da Estrela. Agora vão a Paris. Outros tempos, outros tempos.

E agora estou aqui a lutar para me manter acordada mas não está fácil.

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Tenho andado para ver se conseguia falar de dois temas e gostava que fosse hoje. Vou tentar.

O primeiro tem a ver com as recentes medidas do Governo para mitigar as dificuldades económicas face à inflação, nomeadamente o aumento de 1% à função pública e à redução do IVA num conjunto de produtos essenciais, isto em conjunto com apoios a inquilinos de baixos rendimentos ou a quem tem créditos à habitação que não consegue suportar. E o que tenho a dizer é que, se for só isto, acho algo preocupante. Eu, numa situação de défice baixo, mais baixo do que o previsto, e com o crescimento do PIB acima do expectável, como meritoriamente aconteceu (e sinceros parabéns ao Governo!) centraria grande parte do esforço na redução da dívida. Sempre que se reduz a dívida poupam-se os custos dos seus encargos, libertando-os para outras áreas. Em contrapartida quando se aumentam custos, em especial custos fixos, pode estar a comprometer-se o futuro.

Ora não ouvi falar na redução da dívida e isso preocupa-me pois essa, em meu entender, deveria ser uma grande, grande, prioridade. 

Depois não sei se não se está a concentrar demasiado as ajudas nos sectores mais desfavorecidos, quase numa lógica de dádiva. Penso que fazê-lo de forma quase exclusiva é coisa de vistas curtas. O motor de uma economia é sempre a classe média. É a classe média que puxa pela classe mais baixa, e fá-lo numa lógica sustentável, criando empregos, gerando riqueza replicável. 

Ora parece-me que se está a agir demasiado numa lógica assistencialista e pouco numa lógica de desenvolvimento, de crescimento. E isso, a ser verdade, não é muito inteligente.

Contudo, mal tenho conseguido acompanhar as notícias pelo que posso apenas estar mal informada.

Além do mais, faz mal Marcelo em andar cegamente colado às sondagens e à opinião pública, pensando e actuando apenas numa lógica imediatista. Ele diz que é para contrabalançar a maioria absoluta mas eu acho que ele introduz confusão e ruído minando o terreno, pois, depois do que diz, deixa de ser possível ao Governo agir de forma racional, numa lógica de futuro.

O segundo tópico de que aqui quero falar tem a ver com o que se passa em Paris, com a rua em polvorosa contra a subida da idade da reforma. E o que tenho a dizer é que fico perplexa com aquela violência e disparate. Macron tem razão e nem sei como é que o sistema francês de pensões se aguenta com reformas aos 60, 61 ou 62 anos. Claro que, se não sobem a idade da reforma, é quase inevitável que, daqui por algum tempo, haja problema. Para além do mais, com a esperança de vida tão longa, que mal tem as pessoas trabalharem até aos 65 ou 66 ou mesmo 67 anos? Os actuais sessentas são os antigos cinquentas. 

Os cálculos relativos a pensões de reforma são cálculos complexos e dão sobretudo pelo nome genérico de cálculos actuariais. Há muito trabalho de simulação sobre modelos estatísticos e probabilísticos. E um dos factores que mais influencia os cálculos é, como não poderia deixar de ser, a esperança de vida. Se uma pessoa vive até aos noventa ou cem ou mais anos e se cada vez há mais pessoas a viverem muitos anos, tem que se ver bem de onde vem todo o dinheiro para lhes pagar. Por isso, quanto mais tarde se reformarem, menos pressão haverá. Claro que se a demografia for favorável com muito mais gente nova a trabalhar do que gente a receber a reforma, o problema estará mitigado. Mas acontece que em França (tal como em Portugal) a população vai envelhecendo sem que os novos se reproduzam ao ritmo necessário. Ajudam, nesta matéria, os imigrantes. Mas não chega. 

Não sei como é que Macron não consegue explicar uma coisa tão óbvia. Não sei se há aqui uma falha de comunicação da parte dele e do Governo ou se são os manifestantes que não querem perceber o óbvio. Os franceses deveriam era estar agradecidos a Macron. Ainda bem que ele é um estadista e não um catavento que gira ao sabor da opinião pública. 

Mas o que eu receio, ao ver aquelas inflamadas manifestações em que grande parte parece gente arruaceira, de baixa idade, é que os sindicatos e as ruas estejam infectados com agitadores que, como tem sido divulgado, poderão ter mão russa a agir na sombra para minar as democracias europeias.

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E para animar, um belo momento de dança e alegria.

Jerry Lewis Jitterbug


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Uma boa semana a começar já nesta segunda-feira
Saúde. Boa sorte. Paz.

domingo, março 26, 2023

Viver

 

Bem. Aquilo que vou mostrar abaixo é tudo o que é oposto em relação ao meu estilo de vida. Eu preciso de segurança, de conforto, se ter a certeza que o futuro está devidamente salvaguardado, quando estive grávida e dei à luz quis ter a certeza absoluta que estava bem acompanhada, com um bom médico, num lugar que tivesse equipamentos que pudessem vir a ser necessários, depois em boas escolas, depois preocupada com o futuro deles. Sempre a querer prevenir o dia de amanhã, como soe dizer-se, seja para mim, para eles e agora também já para os filhos deles 

Mas a verdade é que admiro quem pensa o oposto do que eu penso, quem age livre e despreocupadamente.

Acho que é como na pintura: nas minhas paredes o que tenho é alheio e é aquilo de que gosto (eu e o meu marido, obviamente). Mas, se me ponho a pintar, o que me sai é o oposto. 

Pode gostar-se do que nos é distante, a todos os títulos. Aliás, às vezes parece que até me sinto mais próxima do que me é mais distante.

Uma casa feita com as mãos, viver do que a terra dá, ter um filho no meio do nada, criar a criança na natureza e entre amigos, é algo que eu jamais quereria para mim. Sobretudo, acho que por ser medrosa. E digo isto pois não consigo evitar pensar como será quando as crianças sentirem que deveriam ter frequentado a escola, convivido na cidade com outras crianças ou quando ela for mais velha e precisar de cuidados médicos e precisar de sustento e já não tenho como provê-lo por si só. Mas, por outro lado, acho que deve ser uma vida boa, a dela, uma vida animal, dentro da natureza a que pertencemos, agradecidos com o que a terra e o ar e a vida e o tempo nos dão.

Ela vive numa construção clandestina e acredita que ninguém a tirará de lá pois é uma construção integrada na natureza, feita com os materiais da terra e porque, segundo ela, para todos os efeitos, pode considerar-se que é um construção provisória. Mas diz que, se a tirarem, ainda assim acredita que se sentirá feliz pois o que tem vivido ali já lhe valeu a pena, sente-se feliz pelo que ali tem aprendido e vivido. E isso chega-lhe. E eu compreendo-a.

Nos antípodas do estilo de vida dela, lembro-me do que um amigo me disse quando lhe contei que tínhamos resolvido vir viver para uma moradia rodeada por um jardim, fora dos centros urbanos. Disse-me ele que não foi opção que alguma vez tenha considerado pois pensa sempre que, quando um morrer, a casa ficará grande e solitária para o que sobreviver. Percebo-o muito bem. Mas disse-lhe que esse raciocínio nunca entrou na nossa equação pois mesmo que isso um dia aconteça (e é provável que aconteça), o que vivermos até lá terá valido a pena. Cada dia conta. E claro que cada dia pode ser o último. Mas não temos que estar a pensar nisso em cada dia, temos é que dar-nos por felizes por termos esse dia para vivermos.

Viver como a Isa vive, tranquila, no campo, e, ao mesmo tempo, integrando algum tecnologia, deve ser bom. Isa parece banhada por luz e, não sei se pela cor do cabelo ou dos olhos, parece que a luz também lhe vem de dentro. E a casa é bem bonita. Se calhar viver como vivem os animais, que não se preocupam com os acasos de que é feito o futuro, sentir apenas o tempo que alimenta a vida é a forma inteligente de se viver.

Vivo de maneira completamente antagónica mas admirar quem é o meu oposto ajuda-me a manter o equilíbrio, os pés n terra, a cabeça na lua.

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Abro um parêntesis para dar notícias do que referi aqui e aqui. No outro dia deixei-a no hospital, à noite. Acompanhei-a até a levarem para o internamento numa ala provisória pois na ala para onde deveria ir não havia vagas. No dia seguinte, de manhã recebi um telefonema. Informavam-me que a tinham transferido para outra unidade do mesmo hospital, um edifício a uns dez quilómetros. Fiquei admirada, pensando que lhe tinha sucedido alguma coisa. Não, apenas isso, tinha sido transferida. Provavelmente precisaram da cama onde estava (desde há não mais que umas quatro ou cinco horas). Quando a fui visitar, contou que de noite estava a dormir quando ouviu uma barulheira e alguém chamar pelo nome dela. Acordou assarapantada, pensando que era de manhã e que ia fazer algum exame. Não, era uma da manhã e ia ser transferida. Ficou espantada mas não lhe deram explicações. Puseram-na numa ambulância e lá foi.

Entretanto fez anos. Conseguimos que deixassem que fossemos os três, eu e os meus filhos, levámos um bolo com velas, cantámos-lhe os parabéns a você. Tirámos fotografias, a minha filha fez também um vídeo. Parece estar bem. Pelo menos está melhor do que quando deu entrada nas urgências, na quarta-feira à hora de almoço. Está a ser estabilizada, em vigilância. E far-lhe-ão mais exames para ver se fica boa para ir para casa. 

Diz que tem dormido bem, que tem comido bem, está bem encarada e bem disposta. No fim do ano passado esteve uma semana internada num hospital privado mas não gostou, estava sempre em dúvida sobre se não estava internada ou a tomar medicamentos desnecessários por mero mercantilismo. Ao princípio coloquei essa hipótese mas depois percebi que não. Ela não se convenceu. E aparentemente tanto lhe dá estar numa enfermaria com uma data de gente, com uma casa de banho no corredor, ou num quarto só para ela, com casa de banho privativa.

Este sábado, depois de a termos ido ver, juntámo-nos aos demais e fomos até à praia. Os meninos brincaram, comeram gelados, apanhámos sol, conversámos. Foi bom.

Claro que ando cansada. Primeiro foi o joelho, depois a covid, depois o pós-covid (que ainda dura) e agora esta situação que, sendo obviamente pior para ela, a mim também condiciona completamente os dias, tanto mais que é um bocado longe daqui e tenho lá ido todos os dias. Mas são fases, passam. E, desde que as encaremos com optimismo e algum leveza, tudo se vai resolvendo.

Claro que não tenho tido disponibilidade para rever o meu 'livro'. Nem tempo para agradecer os vossos comentários e mails. Leio tudo e agradeço-vos mas não levem a mal que não vos responda ou agradeça já.

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E este é o vídeo que mostra Isa a viver no campo, feliz da vida. Está legendado em português.

Jovem mora em caverna e dá à luz a filha sozinha

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Desejo-vos um bom dia de domingo

Saúde. Confiança em dias melhores. Paz.

sábado, março 25, 2023

Não é para todos

 

Começo a duvidar se não serei descoordenada motora. Nunca antes tinha suspeitado, juro. Mas, na hidroginástica, vejo-me aflita para atinar com alguns exercícios. Tudo o que seja do género: levanta a perna esquerda para o lado esquerdo e acompanha com o braço direito que vai para a esquerda, depois leva a mesma perna esquerda para a frente e passa o braço esquerdo para trás das costas, depois a perna esquerda chuta alto para o lado direito e o braço esquerdo vai para a frente e para a direita. E troca. E aí já começo a baralhar-me. Qual braço e qual perna vai agora para onde? Ou então: segura com o braço esquerdo o braço direito, levanta o cotovelo direito por cima da cabeça e empurra com o braço esquerdo. E troca. E aí já eu não sei onde pára o braço esquerdo ou o direito e até chega a parecer-me que a mão direita se mudou para o braço esquerdo. 

E como é música bem puxada para aquilo ser de tipo aeróbico, mal começo a concentrar-me para ver se atino (chego a fechar os olhos para ver se consigo raciocinar) já o professor ordena: e troca! 

Outra que é do caraças é fazer exercícios com uns tijolos de espuma compacta. Fora de água é coisa de crianças, não pesam nada. Dentro de água viram um pesadelo. Com cada um em sua mão, abre os braços (debaixo de água) e leva-os até às pernas. E abre, e fecha, e abre, e fecha. Rápido, rápido. E segura neles à frente e levanta as pernas e junta-os por baixo das pernas. E passa a mão esquerda com o tijolo por baixo da perna direita e troca. E troca. E troca.

Muito difícil.

No outro dia uma camarada, com um tubo de espuma por trás das costas e as mãos sobre as extremidades, num exercício de levantar as pernas, deu mais balanço do que devia e ficou numa aflição, rebolando-se de barriga para o ar. Teve que ser ajudada. Aguentei-me sem me rir pois pensei que poderia ser comigo. E que não fosse. Há que respeitar as dificuldades alheias. Se alguém me filmasse naquela dislexia motora também haveria de ser bonito.

Uma coisa é certa: sempre pensei que, com o par certo, haveria de ser capaz de dançar um tango à maneira. Mas, ao fim de um par de aulas de hidroginástica, já perdi as peneiras. Não seria capaz de me sincronizar. Nem pensar. Não seria só o caso de o pisar. Haveria de, sem dar por isso, lhe passar rasteiras... e até cabeçadas lhe haveria de dar.

Já Aoniken Quiroga, o improvável tangueiro, é um mimo. A música funde-se com as células do seu corpo e ele desliza, rodopia e encanta com um destreza extraordinária. Muito bom. Talvez se ele me levasse ao colo eu conseguisse ter a ilusão de conseguir dançar um belo tango. Mas só assim.

Alejandra Mantinan y Aoniken Quiroga - Berlin - 2022 - Exhibicion - Tango Show
Bailan: Y te parece todavia - Hector Varela


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Ia dizer sobre o vídeo abaixo: assim seria eu. Mas não digo, porque tomara eu...

Mariela Sametband y Guillermo Barrionuevo - La Milonga de Buenos Aires


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Um bom sábado
Saúde. Boa disposição. Paz.

sexta-feira, março 24, 2023

Carpir ou dançar. Ou rir.

 

Os dias não têm andado fáceis. Mantém-se a situação de que ontem falei, agravada pelo vazio comunicacional. Ninguém informa sobre nada e, se ligamos para lá, ninguém atende.

Acresce que, com a carga da bateria a esvair-se, o contacto com ela tornou-se diminuto.

E assim foi o dia até que, ao fim da tarde, finalmente, depois de inúmeras, longas e pacientes tentativas, alguém atendeu e aí, ao dizer o nome dela, aconteceu o milagre. Informação: que estava a fazer outro exame e que ia pedir ao doutor para me ligar. Fiquei de boca aberta. Duvidei até que acontecesse.

Mas, na realidade, ele ligou-me e combinou falarmos in loco.

Quando cheguei, senha tirada, eis que chega a minha vez. A senhora do atendimento muito admirada, o médico combinou uma conversa? Duvidou e duvidou como se eu estivesse a querer dar algum golpe. E eu que sim, que ele me tinha ligado e que tínhamos combinado. Ela fixa em mim -- marcou? com esse doutor? -- perscrutando-me, antevendo o momento em que eu ia vacilar. Mas aguentei firme. 

Então deu-se por vencida: foi ao sistema, depois disse que ia lá dentro. Desapareceu. Apareceu algum tempo depois, dizendo que não sabiam desse médico mas que eu esperasse que, quando ele aparecesse, logo me chamavam.

Mas eis que uma funcionária, fardada, que ali estava para tratar de outra situação, me disse que era médica e que podia falar comigo sobre a minha mãe. Perguntou-me se eu era filha dela. Fiquei admirada. Admiradíssima, melhor dizendo.

Fomos para um espaço mais privado. Simpatiquíssima, estava ao correntíssimo, conversámos, uma conversa tranquila, e, entretanto, referiu o contacto que um colega tinha recebido de um familiar nosso ligado ao sector.

Abro um parêntesis para enquadrar o ambiente de hoje. Podendo parecer impossível, a verdade é que aquilo estava ainda mais cheio. Dir-se-ia que ingerível. As urgências a deitar por fora, desde a rua à sala de espera. Ambulâncias, gente em macas, gente em cadeiras de rodas, feridos, achacados, gente estranhamente obesa com ar infeliz e muito doente, gente encolhida -- um pouco de tudo. 

Levaram-me, então, ao pé da minha mãe. Até lá chegar, passei por corredores lotados de macas, umas a seguir a outras, e gente doente ou acidentada em cadeiras. 

É o grau zero da dignidade: uma pessoa doente, numa maca, num corredor, por onde passa um e outro. E uma pessoa dependente, vulnerável, ali exposta. Uns choram, outros chamam. Os outros não ligam. Cada um está entregue ao seu próprio sofrimento.

Até que cheguei ao espaço onde estava a minha mãe. Uns tossem, afogados em expectoração, outras gemem e gritam, uns dizem maluqueiras e querem arrancar tubos, outros com ar sofredor e infeliz.  

Contudo, pelo menos connosco, os funcionários amabilíssimos. O médico foi lá ter e conversámos, ele com tranquilidade e extrema simpatia. A enfermeira e as assistentes técnicas também amorosas. As auxiliares atentas e delicadas.

E eu fiquei a pensar se esta disponibilidade e simpatia teriam um pouco a ver com o contacto referido ou se, portas adentro, são sempre assim, amorosos, dedicados, competentes. E, para que não fiquem dúvidas, o contacto foi apenas para saber o que se passava com a minha mãe pois eu não sabia o que se passava para ela lá continuar. Não foi para pedir o que quer que fosse, apenas uma informação. Temos também lá um familiar muito próximo com um cargo de direcção e a quem não falámos na situação da minha mãe para que não ficasse a ideia de que queríamos algum tratamento diferenciado.

Ou seja, pode acontecer que, vencendo aquela caótica barreira da multidão da urgência, lá dentro haja dedicação, atenção, cuidado.

A minha mãe ainda lá continua e para onde foi não deixaram que levasse telemóvel. Por isso, não sei se amanhã terei alguma informação ou se vai ser outra luta para conseguir saber alguma coisa.

E volto a dizer o que ontem referi: há ali um nítido problema de organização. Horas e horas e horas. Há muito doente impaciente, muito familiar cansado e desinformado. Tudo se atrasa, tudo se acumula, todo o ambiente se degrada.

Não há dúvida que deveria voltar a haver Serviços de Atendimento Permanente (SAP) para ficarem com muitos doentes a montante e não irem todos cair nos hospitais. Se calhar deveriam estar equipados com alguns meios de diagnóstico mais simples (recolha de sangue e urina que fossem enviados para laboratórios, 24 horas x 7 dias ou raios X).

Contudo, apesar de isso me parecer vantajoso, admito que não é indispensável pois até poderia, por uma questão de sinergias, não se optar por descentralizar os serviços. Mas, então, deveria haver uma triagem que segregasse para instalações distintas, com equipas distintas, tudo o que fosse mais simples e tudo o que fosse caso grave. Assim, como está, tudo ao molho e fé em deus, se aparecem mais casos graves, ficam os outros a penar por horas infindas, gerando o nefasto efeito de acumulação.

Além disso, deveriam ter um sistema humanizado, sistemático e atempado de informação aos familiares. Senão, por cada doente, há pelo menos um familiar desagradado. Isto quando não se junta toda a numerosa família, armando uma barulheira que incomoda.

Enfim, não há como negar que há na Saúde um problema complicado. Contudo, penso que as soluções não serão forçosamente nem muito complexas nem muito dispendiosas. Há em gestão um conceito que dá pelo nome de quick wins, ou seja, ganhos rápidos, ou seja, medidas fáceis que trazem ganhos quase imediatos. Seria bom que, antes de se pensarem em grandes soluções e grandes investimentos (antes ou, pelo menos, ao mesmo tempo), se enveredasse por uma abordagem mais modesta, tentando obter quick wins. Envolvam-se as equipas, peça-se que avancem com sugestões, peça-se ajuda a outros que noutras unidades (públicas ou privadas) já façam melhor. É que não há dúvida que é preciso arregaçar as mangas e deitar mãos à obra.

E é isto. Vou descansar.

Mas para que isto não fique uma pessegada difícil de tragar, deixem que partilhe convosco um vídeo de dança que talvez anime quem se sinta desanimado com estes temas.

James Last - La Cumparsita


Um dia bom
Saúde. Força. Paz.

quinta-feira, março 23, 2023

Horas e horas e horas e horas nas urgências de um hospital (público).
Ou seja, não acontece apenas aos outros.

 

Ouve-se nas notícias, percebe-se que é do caraças mas parece que é coisa que está longe. Não está. Estamos todos sempre perto de tudo.

Não vou entrar em pormenores. Não apenas não me dizem directamente respeito como são irrelevantes para o caso que aqui me traz. Mas quero dizer que chegámos ao hospital às duas da tarde e saí de lá à 1 da manhã. É fazer as contas. E é isso que aqui me traz.

E saí porque, à meia noite e tal, a senhora da segurança me sugeriu que fosse bater à porta da triagem e pedisse ao enfermeiro que fizesse o favor de me informar. Senão, se calhar a esta hora ainda lá estaria.

Um enfermeiro bem simpático percebeu a minha preocupação e impaciência, foi ao sistema e disse-me que ela estava a ser medicada, que ia lá passar a noite e que amanhã reavaliariam. Perguntei porque é que não tinham informado antes. Disse-me que, sim, eu tinha razão, deviam tê-lo feito pois já um bom bocado sabiam disso, mas que não deveriam ter conseguido mas que eu, se estivesse com o médico, de manhã, o questionasse. Provavelmente já será outro e a justificação já não servirá de nada.

Entretanto, a minha mãe (tal como eu) estava praticamente sem carga no telemóvel. Perguntei ao gentil homem da triagem se não haveria por lá carregadores. Sorriu, encolheu os ombros, disse-me que aquilo são as Urgências... como poderiam ter carregadores...?

Não disse nada mas pensei: poderiam, sim, é barato e resolveria muitos problemas e evitaria muita ansiedade. Quando eu tive um episódio cardíaco há ano e picos e fui de charola para as Urgências, numa ambulância com luz azul e um ti-nó-ni a atravessar os ares, tendo lá passado a noite e a manhã, também sofri horrores a ver o telemóvel a ficar sem bateria, o meu marido, os meus filhos e os meus netos a ligarem ou a mandarem mensagens e eu a ver-me a ficar incomunicável. E, claro, carregador que pudessem emprestar, nicles.

Agora é a minha mãe que está na mesma. Aflita com medo que a carga se esgote.

Eu, entretanto, já estou em casa, já tomei banho, já comi um iogurte e uns frutos secos e já tenho o telemóvel a carregar. Mas ela provavelmente vai ficar sem conseguir ligar ou atender chamadas ou mensagens e toda enervada.

Durante toda a tarde estive sem perceber o que se passava. Tentava saber, telefonando-lhe ou trocando mensagens, e nada de concreto, apenas um sistema empastelado. O médico viu-a pouco depois de chegar. Vinha com uma carta do centro de saúde, foi logo para a chamada sala aberta. Depois ao longo da tarde foi fazendo exames e depois até às onze da noite esteve à espera dos resultados. Pelo meio houve mudança de turno, nova equipa. Depois parece que apareceram reanimações, outras e compreensíveis prioridades, e o médico esteve desaparecido. Perto da meia noite apareceu, perguntou-lhe como estava, auscultou-a, e disse-lhe que se calhar podia ir para casa. Depois disse que se calhar não porque a filha se tinha ido embora. A minha mãe disse que achava que eu não me tinha ido embora, que não iria sem lhe dizer. Depois o médico foi ver e disse que era confusão. E que ia falar com outro médico e já lhe dizia.

E voltou a desaparecer. 

Eu trocando mensagens com ela ou telefonando, e nada, o médico desparecido e a enfermeira que, pouco tempo antes também tinha dito que se calhar ela ia para casa, depois também não sabia.

Até que à meia noite e tal, sem saber se deveria ali continuar à espera, horas e horas e horas, lá fui bater à porta da triagem e lá soube o que contei acima, que ela lá ia ficar.

O que é isto? Desorganização? Falta de consideração pelos doentes e pelas respectivas famílias? Isso tudo mais falta de sentido de gestão na equipa que dirige o hospital?

E porque levam tantas horas a ter os resultados dos exames? Há algum estrangulamento no laboratório ou na imagiologia que esteja a causar tamanhos atrasos? Será que, se resolvessem isso, não resolveriam muitos problemas a jusante?

Tenho experiências de idas a urgências e internamentos no Público e no Privado e uma coisa é certa: há um problema severo de (des)organização e de comunicação no Público. Não vejo que haja diferenças a nível de competência ou de qualidade de serviço. Mas na organização e na disponibilização de informação há uma terrível diferença.

Uma coisa que o Ministério da Saúde poderia fazer seria tentar replicar o modelo de organização e gestão de um hospital privado num hospital público. A CUF pode ser um bom modelo pois já teve inclusivamente a responsabilidade pela gestão de hospitais públicos. Num hospital privado não há mais recursos nem se ganha mais. Do que sei o que há é um foco na boa gestão, com indicadores internacionais que o comprovam. 

Bem, são quase três da manhã, estou cansada, foi uma tarde e uma noite stressantes. Fui lendo os comentários e tenho pena de não responder, mas não consigo. Pode ser que esta quinta-feira a tarde seja tranquila e consiga. 

Enfim. É a vida..., como dizia o outro.

quarta-feira, março 22, 2023

Consente na doçura, tem dó da matéria dos sonhos e das aves.
Invoca o fogo, a claridade, a música dos flancos.

 

Não há muito, abria a agenda e estava preenchida quase de cabo a raso. Estava numa reunião e em stress porque se atrasavam e iam canibalizar parte da reunião seguinte ou tinha que atalhar, deixando os presentes aborrecidos pois as pessoas têm sempre muito para dizer, especialmente as que gostam muito de se ouvir a si próprias.

Agora é uma limpeza. Poucas coisas, muito espaçadas e predominantemente coisas pessoais. Um alívio. Nos dias em que tenho alguma coisa, já me parece muito.

Por isso, ando um bocado desfasada das especificidades do calendário. O dia da semana ainda sei sempre qual é. Mas, para me certificar sobre qual o dia do mês, já tenho que recorrer muitas vezes o telemóvel. Ainda esta terça-feira, depois de acordar, tentei descobrir a quantas andava. Tive que fazer uma ginástica, andando às arrecuas a partir do próximo sábado cujo dia do mês sei qual é. Percebi que era dia 21.

E, ao percorrer os blogs, vi mais poesia do que é costume. Ocorreu-me, então, que talvez fosse Dia da Poesia. Fui conferir. Assim era. 

Penso que também era Dia da Árvore e só é pena que não seja também o começo da Primavera. 

Estava à tarde a descansar no sofá do terraço. Tinha vindo da hidroginástica, tinha almoçado, e estava outra vez como ficava quando encetava a ápoca balnear e passava parte do dia na praia, chegando a casa moída, espapaçada. Assim me senti hoje à tarde: perdida de sono, com urgência em deitar-me e deixar-me ir. Peguei num livro, deitei-me e li até dormir profundamente. Quando acordei, fiquei a olhar para as florzinhas encarnadas da buganvília e para as amarelas do jasmim. Tão delicadas, tão bonitas. Do outro lado, a glicínia ostenta o primeiro cacho de florzinhas em suave lilás. Pensei que finalmente tínhamos entrado na primavera. Bem precisados andamos. Pelo menos, eu andava desejando temperaturas amenas, solzinho bom, perfumes florais, natureza, a paz da bondade e da justiça. 

E com a mudança da hora para breve e com os dias a ficarem maiores, então, ainda mais animada fico e mais optimista me sinto. Que bom.

Mas, voltando ao tema da Poesia, quando quero aqui festejá-la e ter poesia dita e música e imagem, lembro-me deste vídeo do Cine Povero. Acho-o uma beleza. É o que volto a querer aqui ter. A leveza dos movimentos, a doçura das palavras, a cor luminosa, a musicalidade da toada poética.

Eugénio de Andrade |||| Faz uma chave

Faz uma chave, mesmo pequena,
entra na casa.
Consente na doçura, tem dó
da matéria dos sonhos e das aves.

Invoca o fogo, a claridade, a música
dos flancos.
Não digas pedra, diz janela.
Não sejas como a sombra.

Diz homem, diz criança, diz estrela.
Repete as sílabas
onde a luz é feliz e se demora.

Volta a dizer: homem, mulher, criança.
Onde a beleza é mais nova.


Desejo-vos um dia bom
Saúde. Boa primavera. Muita poesia. Paz.

terça-feira, março 21, 2023

Primeiros passos

 

No outro dia perguntaram-me o que é que eu estou a fazer. Disse que nada, que quero degustar o prazer de não ter compromissos, que é tão bom pensar que no dia seguinte não vou ter reuniões complicadas, que saber que não vou receber telefonemas problemáticos e um sem fim de temas que devoravam os meus dias é uma maravilhosa sensação de alívio.

E lembro-me sempre daquela ex-colega que encontrei uma vez no Colombo. Eu sentada num restaurante e ouço: 'Olha quem ela é...!'. Olho, admirada, e é ela, toda turista, toda radiante, vindo na minha direcção. Perguntei-lhe como era, ter todo o tempo do mundo. E ela: 'Tão bom...! Se vocês que ainda trabalham soubessem como é bom, ficavam todos infelizes, ainda bem que nem sonham, senão queriam todos deixar logo de trabalhar'

Mas ele insistiu e eu confessei que estava a escrever um livro e que isso é uma sensação muito boa. Pode até vir a ser uma frustração, não conseguir que alguma editora publique o que eu escrever. Mas estou em crer que não. Gosto do que dá luta, gosto de ter o que alcançar a duras custas. Ele disse que sim, que deve ser uma sensação boa, interessou-se.

Claro que dar estes meus novos primeiros passos em cima da covid não ajuda. 

E já acabei o livro. Estou na fase da revisão. Mas, para mim, bom, bom mesmo, é criar, pôr cá fora o que antes não existia. Agora... rever, limar, retocar... para isso já é preciso paciência. Agora imagine-se o que é isto caída de sono. É de cair para o lado.

A minha filha também é de escrever. Escreve, escreve. E, quando está inspirada, diz que é de rajada. Um dia vai ganhar um prémio, um dia vai publicar.

O meu filho não. Pelo menos até ver. E sempre se incomodou com os meus métodos: escrever ou pintar ou o que for tudo de empreitada. Para ele um livro deveria ser escrito em longos e esforçados meses. Disse-me que o Saramago escrevia uma página por dia. E diz-me que os leitores apreciam uma obra bem acabada. Contei ao meu marido que me sugeriu que eu lhe diga que o Camilo escreveu o Amor de Perdição em quinze dias.

Cada um é como é. E tomara eu poder chegar aos calcanhares de qualquer deles mas claro que estou mais para a velocidade do Camilo do que da do Saramago. 

Estou a rever o que escrevi e já desinteressada pois já só me apetece é saltar para o seguinte.

A minha neta disse-me: 'Gostava de ler o teu livro'. E eu disse que sim, poderia ler o início, e ia abrir para estar ao pé dela Mas ela disse que eu lho enviasse por mail. Ah isso não. Expliquei que tem partes para adultos. Deixava-a ler as primeiras páginas para perceber qual a opinião dela mas o livro todo só o meu marido é que pode. A minha filha perguntou se eu não queria que ela lesse. Não. Seria inevitável que viesse com sugestões e eu já não estaria nem aí. Uma coisa é detectar um erro, uma pontuação errada, uma sugestão na base da coisa pouca. Agora sugestões que me obriguem é meter-me outra vez na pele dos personagens, reverter partes do enredo, mudar o DNA de alguém, isso já não quero, já não dá.

Mas hoje que tinha pensado entregar-me a essa tarefa da revisão não consegui. Uma moleza e um sono... Uma amiga trocou mensagens comigo e disse-me que tenho que ter que paciência, que isto é natural, que ela, depois da covid, andou quase dois meses assim, cansada, cheia de sono, a arrastar-se.

Fomos ao fim da tarde fazer compras, nomeadamente adubo para citrinos e outras coisas, e depois passear na praia. Pois, ao chegarmos, enquanto o meu marido tomava banho, antes de jantar, voltei a adormecer profundamente. Mas isto depois de, a seguir ao almoço, pensando ler um livro que a minha filha cá deixou, ter também adormecido. 

Portanto, assim vai. Tenho que voltar a ter a energia habitual para meter pernas a caminho. Assim, como estou, não consigo fazer planos ou ter ritmo. Adormeço pelo meio. Ou, mesmo que não adormeça, pouco mais faço que borregar, preguiçar. 

E, a seguir, mal volte a ter pilhas, tenho que aprender a organizar-me nesta minha nova vida em que também me está a saber bem demais não ter obrigações a cumprir.

segunda-feira, março 20, 2023

Neste feliz Dia do Pai
[E técnicas simples para melhor enfiar a linha no buraco da agulha]

 

Dia de feliz primavera com a família reunida, cozinha a várias mãos, mesa cheia, algazarra, tempo belíssimo para almoçarmos no terraço, todos muito bem dispostos. Uma alegria.

A tarde continuou sereníssima, amena, sol ligeiro, uma temperatura amável. 

Pena é eu agora estar perdida de sono e não conseguir contar mais do que isto. Por exemplo, como o mais crescido está tão mais crescido que já me passa o braço pelo ombro e me diz que está preocupado comigo, eu cada vez mais pequena, qualquer dia uma criança. Ou as tropelias que uns fazem aos outros e que me fazem rir de gosto. 

Como é bom de ver, confirmou-se que amanheceu cedíssimo. Uns acordam os outros e já ninguém consegue dormir. Vêm logo ter comigo, conferir se estou a dormir. Ora, com eles cá, fico sempre com sono leve, acordo ao mínimo ruído. Por isso, antes de aparecerem ao pé de mim já eu estou a antecipar-lhes os movimentos.

Já estamos os dois, eu e o meu marido, bem melhor, quase normais (do pós-Covid, quero eu dizer). Mas a falta de energia ao fim do dia é que ainda não é lá muito normal. De tarde, enquanto uns jogavam ping-pong e os outros ficaram ao sol, o meu marido retirou-se para a sala e dormiu um bocado. Eu não. Por isso, agora, aqui à noite, já me deixei dormir. Diz ele que dormi horas. E agora estou aqui sem conseguir acordar capazmente. Horas não terei dormido, mas um bom bocado não digo que não. Já viram isto...?

Ontem já não consegui responder e agradecer os comentários e hoje estou na mesma. Não levem a mal.

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Há bocado, quando estive a espreitar as sugestões do Youtube, passei adiante das notícias bélicas russas ou das crises bancárias e desandei para as coisas inócuas e tranquilas. Nomeadamente, vi o vídeo que aqui partilho e que me pareceu particularmente útil. Dantes eu tinha umas agulhas que eram fáceis de se lhe enfiar a linha. Não sei o que lhes aconteceu. As que tenho agora são infernais. Acresce que longas temporadas de teletrabalho, maioritariamente frente ao computador, não me fizeram grande coisa à visão. Dantes eu não via muito bem ao longe mas ao pé era uma maravilha. Com o tempo, parece que a coisa funcionou como um sistema de vasos comunicantes: vejo melhor ao longe e pior ao perto. Enfiar a linha na agulha é um castigo.

Este vídeo é muito instrutivo. E é daqueles que é bom para a gente descansar a cabeça e preparar-se ainda melhor para dormir.


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Uma boa semana a começar já nesta segunda-feira
Saúde. Boa disposição. Paz.

domingo, março 19, 2023

Mila era para ser filósofa mas preferiu ser pedreira

 

E eis que às cerca de duas semanas minhas de covid, retomámos a vida social, pelo menos a nível familiar. 

Depois do electricista na parte da manhã (que apareceu com duas horas de atraso quase fazendo perigar parte do programa de festas), visitas à família na parte da tarde e, a seguir, pimentinhas cá em casa a jantar e a dormir. 

Muito bom. Muito queridos. Muita brincadeira. 

Depois de jantar, estando todos na sala da televisão, diz um deles: 'O que eu gosto disto, aqui todos juntos...'. Mais fofo.

E houve mimo e penteados e todos a ver Task Master durante um bocado e todos a rirmos. Depois, na hora da deita, teve que ser a história da Princesa Margaret e do seu cão atrevido, história que já deve ir no milésimo capítulo.

Ainda tivemos uma pequena peripécia com o mais pequeno a querer dormir, primeiro, na que costuma ser a cama do irmão e, depois, na cama onde estava a irmã-- com os mais velhos a protestarem, claro. Mas lá se conseguiu convencer a deixar de inventar pretextos para atrasar o sono e passado pouco tempo já dormiam todos a sono solto.

E eu estou aqui a cair para o lado, cheia de sono. Além disso, já se sabe que com esta malta miúda o despertar é com as galinhas. Por isso, o melhor que tenho a fazer é ir dormir senão no domingo vou estar de gatas. E não posso porque o programa também promete.

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Contudo, tenho aqui um vídeo giríssimo para partilhar convosco. Mila era estudante de filosofia mas não conseguia encontrar o sentido da vida. Até que um dia construiu um muro e descobriu aquilo de que andava à procura. Largou a filosofia e dedicou-se a ser pedreira. Há histórias que parecem ficção. Aliás, que superam a ficção.


Desejo-vos um bom dia de domingo
Saúde. Alegria. Paz.

sábado, março 18, 2023

Lucy

 

Tenho a informar que, certamente fruto da sessão de hidroginástica e da meia dúzia de braçadas de ontem, esta sexta-feira dormi até depois das onze da manhã. Nem mais. Acordei e vi as horas para avaliar se ainda era boa hora para dar meia volta e dormir mais uma ou duas horas. Onze e vinte. De penalti, desde que me deitei, às duas e pouco, até às onze e vinte. Se não tivesse visto as horas de certeza que o sono se prolongaria, o corpo pedia-me mais. Levantei-me com sono. 

De tarde, tanto era o sono, fui para o meu cadeirão reclinável, puxei uma mantinha, fechei os olhos e foi imediato, boa noite cinderela. 

Infelizmente o cadeirão está junto à janela de que o urso de guarda fez guarita. Assim, mal passa um carro ou uma pessoa ou mal o cão do lado se mexe, aí está a fera a ladrar como se não houvesse amanhã. Por isso, a sesta, se existiu, foi de minutos. 

E o dia foi completamente improdutivo. Uma ressaca a preceito como se um ontem tivesse sido um dia de excessos. Mal dá para acreditar.

Parece que continua um qualquer bicho dentro de mim a sugar-me a carga da bateria. Ando sem pilha. O olfacto e o sabor estão repostos, a tosse foi-se e só de vez em quando fico com algum pingo ou alguma sensação de estar como que a resfriar-me ou a começar a doer-me a garganta. Coisas breves, episódicas, mal vêm assim se vão. Agora esta falta de energia mantém-se. É uma estupidez sem explicação

Apesar disso, entre uma breve caminhada a meio do dia (na verdade, a seguir a ter tomado o pequeno almoço) e a do fim do dia, fiz mais de dez mil passos. Mas esta última, debaixo de vento e frio, foi feita a pensar no bem que ia saber-me a caminha daí por mais um bocado. E sinto as pálpebras pesadas como se estivesse com défice de sono. Dá para entender...? Não dá.

E o meu marido está na mesma. Continua a levantar-se cedo, mas, de dia, passa largos períodos deitado no sofá (hoje, por exemplo, a rever os penaltis do jogo de ontem e, provavelmente também a dormitar) e agora, depois de se ter deixado dormir há séculos, já foi para a cama.

Claro que não fomos ao ginásio. Constatámos o óbvio: é melhor deixarmos passar mais uns dias.

Caraças para esta falta de energia. 

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E depois do boletim clínico (sorry por abusar da vossa santíssima paciência), vamos ao que interessa. 

Lucy. 13 anos. Um talento increditável.

O cérebro humano, esse vasto universo desconhecido, é extraordinário. Dá ideia que, nos casos em que os recursos não são distribuídos como usualmente, em vez de se perderem, não: são alocados a outras zonas. 

O caso de Lucy (tal como, por exemplo, o de Kodi Lee), é ilustrativo dessa hipótese. 

Lucy também é autista -- autismo severo --, e cega. Ainda quase bebé teve que ser operada a tumores malignos nos olhos. Tem também algum atraso no seu desenvolvimento. E, no entanto, apesar de parecer viver isolada do mundo, tem um dom extraordinário. Toca piano de uma forma absoluta. Todo o seu corpo vibra. Não se consegue dizer se é ela que procura a música para se entregar ou se é a música que a procura a ela para a envolver e conduzir.

O professor de piano, Daniel Bath, descreve o peculiar e difícil método de ensino. Diz também que nunca trabalhou com ninguém tão talentoso quanto ela. Ele toca, ela reproduz. Ela engana-se, ele põe as mãos dela sobre as suas. Ela escolhe o que tocar. Ou Bach ou Chopin. Ou Debussy. Outras vezes jazz. Intercala. E improvisa. 

Vê-se e ouve-se e não se acredita. Muito comovente. 

Mika e Lang Lang, que fazem parte do júri, também se mostram surpreendidos e emocionados.

Para assistir com o coração.

Lucy 
Ao vivo no Royal Festival Hall na  final de "The Piano"


E abaixo um vídeo em que se percebe melhor

The Amber Trust  -- A história de Lucy


Um bom sábado
Saúde. Amor. Paz.

sexta-feira, março 17, 2023

A caminho de me pôr fit -- dia 1.
Isto em dia de grande alegria sportinguista cá por casa.
Com surrealismo gostoso à mistura

 



O dia foi bom. O pior foi que, andando eu distraída da meteorologia, a meio da tarde fui surpreendida com o dia a escurecer e a chuva a cair. Pensava que ia estar um dia de sol e, afinal, descambou daquela maneira. 

Ia começar a rever a minha obra literária mas tive que me deixar disso e ir apanhar a roupa que tinha estendido pouco antes. 

Entretanto, as coisinhas de que falei no outro dia já estão penduradas, bonitinhas e a piscarem-me o olho para me deixarem feliz da vida. Olho para a parede e fico toda contente.

E, como tinha pensado, fui inscrever-me nas minhas actividades hídricas. E, quando a menina da secretaria ia começar a explicar-me a dinâmica do local e o que eu devia trazer, disse-lhe que já vinha equipada e pronta para entrar em acção. 

E assim foi. 

No balneário estava atrapalhada com o cadeado (levei um de código) quando uma parceira foi em meu socorro. Pouco depois já uma segunda se nos tinha juntado e, simpaticamente, começado a explicar-me o funcionamento da coisa, não só dos cacifos mas de tudo.

Depois foi a aula. Gostei imenso do professor. Jovem, alegre. Música a bombar. 

Claro que tive alguma dificuldade em sincronizar-me. E salta, e levanta o joelho direito e toca com a mão esquerda no calcanhar direito. E troca. Levanta o joelho esquerdo e toca com a mão direita no calcanhar esquerdo. E troca. E etc. Sempre em acção. 

Estar a olhar para ela e conseguir aguentar o ritmo, movimentando braços, pernas, ancas e ombros, foi um desafio. Mas lá me esforcei para me manter alinhada. 

Foi bom. Sempre a bombar. Contudo, devo confessar que, para o fim, já me sentia um pouco cansada. Com a prática e com mais uns dias de pós-covid em cima espero ficar mais em forma.

No fim, fiz sinal ao professor para saber se podia dar umas braçadas. Como gosto muito de nadar, uma piscinona ali ao dispor era para mim um convite irrecusável. 

Disse-me que sim. Fui. Mas aí percebi que não estou mesmo em forma. Os vinte e cinco metros para lá ainda foram bem. Agora os vinte e cinco metros para cá já foram em esforço. Nessa altura é que me lembrei: gaita do corona. Ainda me canso mais do que é normal, essa é que essa. Por isso, fiquei-me por aí.

A este nível tenho contudo uma outra dificuldade que, esta, não sei se é transponível: não consigo pôr-me nua a ensaboar-me por dentro e por fora, tudo na maior fraternidade, todas conversando e rindo na maior naturalidade, tudo ao léu na maior descontra. Não consigo. Não sei se diga que ainda não consigo ou se diga que não consigo nem conseguirei. Não sei.

Enquanto eu estava lá, o meu marido andou a fazer uma caminhada com o urso-fofo. Eu bem tento mostrar-lhe os benefícios da coisa. Não consigo. Irredutível. Aquilo não é número para ele.

Ao fim da tarde fomos fazer o nosso passeio de fim de dia e já estamos a começar a retomar as distâncias anteriores.

E a nível de actividade física foi isto. 

Também aproveito para andar enquanto estou ao telefone. Sempre assim foi, mesmo quando estava circunscrita ao gabinete.

E hoje, para além das chamadas diárias normais, tive uma bem longa, e agradável, com um ex colega. 

Ou seja, ao ver agora o comentário do Ccastanho, fui ver qual o meu score, convencida de que andava bem modesto. E até fiquei admirada... Depois de dias de sono e borreganço, hibernação covídica pura e dura, eis que voltei a ver os meus usuais 15.000 passos.

Fiz uma captura do ecrão do telemóvel para eu própria não duvidar.


A ver se esta sexta-feira vamos avaliar o tema do ginásio para ver o que nos recomendam e se nos agrada. 

O meu marido avisa-me: não te estiques. Mas, depois da chatice do joelho e da covid, só me apetece é partir para a acção. Fartinha de dormir e de pouco fazer, fartinha, fartinha.

E estou focada na escrita. E, também, a fermentar a vontade de me atirar às tintas. Só que tal como ao escrever não consigo pensar em escrever 'para nada' e só penso em como conseguir publicar, também ao pintar penso logo em como fazer para vender o que pinto. Ora, como são meios que em absoluto desconheço, sinto-me um bocado às escuras. No entanto, esta sensação é, para mim, parte do processo de encantamento em que gosto de estar (não saber no que me vou meter, estar na mais absoluta ignorância... e desejosa de partir à descoberta, ignorando dificuldades, sem medo de bater com a cabeça na parede, toda eu atirada para a frente, ansiosa por arriscar)

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Falta-me dizer que reina a alegria aqui por casa e que, a certa altura, até me assustei tal a intensidade do grito. Quando tentei perceber, só ouvi: que golaço!

Muita alegria. De casa da minha filha veio logo um vídeo. Outro sportinguista aos saltos e transbordante de alegria. Aliás, o avô estava a dizer que ele deveria estar radiante. Um outro, mais novo e com treinos e jogos às oito da manhã e ao fim do dia, já tinha adormecido.

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Como ando a pensar em pintura, aqui o algoritmo do YouTube -- que me adivinha os pensamentos --, apareceu-me, todo lampeiro, a oferecer-me o vídeo que qui agora partilho (e, desta vez, com legendagem em português)

O mundo surreal de Rene Magritte 

(autor das pinturas que ilustram este texto)
 

Art History School

Aprenda sobre o mundo bizarro de Rene Magritte, nesta biografia de Rene Magritte. Ele foi um artista surrealista belga e um dos mais famosos pintores surrealistas. As suas pinturas eram caracterizadas por símbolos particulares – o torso feminino, o “homenzinho” burguês, o chapéu-coco, a maçã, o castelo, a rocha, a janela e outros objetos comuns, frequentemente colocados em situações inusitadas ou inesperadas. Como outros pintores do surrealismo, a sua obra é misteriosa e deliberadamente difícil de decifrar. Casou-se com Georgette Berger em 1922 e fez amizade com Andre Breton, Paul Eluard, Hans Harp, Joan Miro e Salvador Dali do grupo surrealista parisiense.

As obras mais importantes de Rene Magritte incluem The Menaced Assassin, The Red Model e The Enchanted Domain, um mural que ele criou para o Knokke Casino na Bélgica. O trabalho de Magritte teve um grande impacto desde sua morte. Pop art, conceitualismo e a pintura dos anos 1980 podem apontar para a sua influência e o seu trabalho ainda inspira arte comercial e designers gráficos em todo o mundo. O Museu Magritte, inaugurado em Bruxelas em 2009, possui mais de 200 pinturas, desenhos e esculturas de Magritte, que merecem uma visita.

[Traduzido pelo Translate do Youtube]


Um dia bom
Saúde. Ânimo. Paz.