Afinal, não foi só lá longe. Leio que a Cambridge Analytica pode ter usado dados de 63 mil utilizadores portugueses. Claro. Porque haveriam os portugueses de ficar a salvo do regabofe? E o que se vai sabendo é apenas a ponta do iceberg -- já o disse e repito-o. Agora qual a dimensão do iceberg, isso não sei. Nem ninguém sabe.
Não há como ter certezas de nada porque não há como controlar. Apenas se pode saber que o que se sabe é apenas uma pequena parte do que há para saber.
Da mesma forma que.
Estava, na quarta-feira, ao fim do dia, na fisioterapia. Desculpei-me: 'Peço desculpa por ter chegado a esta hora'. O fisioterapeuta já desistiu de protestar. Ou não chego a horas ou nem chego a ir. Saturada dos engarrafamentos, aborrecida por chegar tão tarde, acrescentei: 'Um trânsito... Tudo parado... Deve ter havido acidente na ponte porque parece que tudo o que vai lá dar está parado e, por isso, à volta, tudo parado está'. Ele esclareceu: 'Não foi um acidente. Foi um incidente'. Não percebi. Ele disse: 'Quando há coisas assim, dizem incidente'. Nunca tinha ouvido tal. Perguntei: 'Mas sabe o que se passou?'. Ele disse: 'Vi a fotografia'. Continuei sem perceber. Ele explicou: 'Um doente mostrou-me. Um tipo num cabo da ponte. Um suicida.'. Fiquei ainda mais tolhida pela incompreensão. 'Um doente mostrou-lhe?! Mas mostrou-lhe o quê??'. Ele disse: 'Quem está lá parado fotografou e pôs nas redes sociais'. Fiquei gelada.
Portanto, no Waze também. Claro. São os utilizadores que fazem o upload das imagens e podem pôr o que quiserem. Um homem em pleno e triste processo de desistência de viver, um homem pronto a cair no vazio -- e algumas pessoas, indiferentes à presença da dor alheia, fotografaram-no e, sem qualquer respeito por aquela pobre pessoa desesperada, exibiram-na perante o mundo. Apenas por estarem dentro dos carros, não foram fazer uma selfie com aquele homem que conduziu o carro até à ponte, parou, saíu e trepou para um cabo para acabar com o sofrimento. Assim fotografaram-no apenas.
Quem cometeu tão torpe acto são as mesmas pessoas que escrevem comentários malvados, que destilam veneno, que agem a coberto do anonimato para amedrontarem gente de bem, que mostram invejas, raivas, vontades de vinganças. As mesmas que falam de si próprias como sendo gente boa, amigas de gatinhos e do ambiente. As mesmas que se alimentam das redes sociais e que as alimentam.
Digo isto, usando eu o blogger. Mas escrevo aqui como poderia escrever um diário só para mim, um livro de contos, memórias, crónicas para um jornal inventado, cartas de amizade, cartas de amor.
E, sabendo eu que, apesar da minha aversão a redes sociais ou a auto-exposições, a minha pegada é, certamente, imensa, tento manter-me consciente em relação aos riscos que corremos. E corremos muitos riscos. Muitos mesmo.
E não os corremos apenas pela profusão da informação pessoal que inunda as redes sociais -- e que pode ser usada contra a liberdade e contra a democracia -- mas também pela proliferação de ferramentas que usam inteligência artificial.
Boicote foi assinado por mais de 50 académicos e surgiu uma semana antes de uma reunião das Nações Unidas sobre armas autónomas
Investigadores especialistas em inteligência artificial de quase 30 países estão planear um boicote a uma universidade na Coreia do Sul em reação a uma parceria de um laboratório da instituição com uma empresa ligada ao setor da defesa: há o medo de que o projeto possa criar "robôs assassinos", revela o Times Higher Education. (...)
In this open letter to Google’s CEO, over 3,000 employees urged the company not to work on a Pentagon ‘AI surveillance engine’ used for drone warfare (...)
Amid growing fears of biased and weaponized AI, Google is already struggling to keep the public’s trust. By entering into this contract, Google will join the ranks of companies like Palantir, Raytheon and General Dynamics. The argument that other firms, like Microsoft and Amazon, are also participating doesn’t make this any less risky for Google. Google’s unique history, its motto “don’t be evil”, and its direct reach into the lives of billions of users set it apart. (...)
A classe política e a sociedade em geral parecem continuar indiferentes ao que está a passar-se. Não vejo verdadeiras preocupações, vontade de regular, vontade de vigiar. As coisas vão acontecendo e ninguém parece perceber que é preciso actuar enquanto ainda é tempo.
O mundo está a caminhar para um precipício desconhecido e que intuo ser deveras perigoso e quase ninguém parece ter vontade de parar para pensar. Ninguém parece ter vontade de recuar até ao tempo da inocência.
Penso que já uma vez aqui o contei. Estavamos à porta do restaurante da Gulbenkian num fim de semana cheio de turistas quando um casal, com ar intrigado (e talvez revelando um certo asco) e de dicionário em punho, nos perguntou em inglês: O que querem dizer com 'Não tragar cães'?, enquanto a senhora apontava para a porta.
Olhámos e vimos um autocolante na porta de vidro que dizia 'Não traga cães'.
Desatámos a rir. Explicámos que 'traga', neste caso, era do verbo trazer e não tragar. O casal suspirou de alívio.
Não tem nada a ver mas recordei isto ao ver a série de fotografias do Bored Panda dedicada a coisas bizarras que aparecem nas lojas e que mostram como alguém ali tem sentido de humor.
After decades of globalisation, our political system has become obsolete – and spasms of resurgent nationalism are a sign of its irreversible decline
What is happening to national politics? Every day in the US, events further exceed the imaginations of absurdist novelists and comedians; politics in the UK still shows few signs of recovery after the “national nervous breakdown” of Brexit. France “narrowly escaped a heart attack” in last year’s elections, but the country’s leading daily feels this has done little to alter the “accelerated decomposition” of the political system. In neighbouring Spain, El País goes so far as to say that “the rule of law, the democratic system and even the market economy are in doubt”; in Italy, “the collapse of the establishment” in the March elections has even brought talk of a “barbarian arrival”, as if Rome were falling once again. In Germany, meanwhile, neo-fascists are preparing to take up their role as official opposition, introducing anxious volatility into the bastion of European stability. (...)
Há profissões que desconheço. Quando constato que existem fico admirada por nunca antes me ter apercebido da sua existência.
Isto do sexo por telefone agora deixou-me assim. Estava a ver o The Guardian e vi uma série de fotografias sobre profissionais do sexo por telefone e fiquei a modos que espantada. Não que, na verdade, não soubesse, de todo, da sua existência mas sobretudo porque pensei que fosse coisa que tivesse caído em desuso. E, a bem dizer, também parece que estava convencida que eram gravações. Ou melhor, nunca tinha pensado que havia gente de verdade a falar, ali, em tempo real, com os passados (ou solitários) que ligam para esses números.
E, agora que escrevo isto, até me lembrei de uma vez para aí há uns vinte anos. (Céus, parece que foi numa minha outra vida).
Tínhamo-nos mudado para um edifício lindíssimo no qual, antes, tínhamos feito umas obras invulgares. Eu tinha acompanhado a escolha do local, o projecto, as obras, a mudança, a estabilização da estrutura no novo local. Por razões que agora não vêm ao caso, tínhamos aproveitado a ocasião para levar a cabo uma reestruturação de fundo. Tudo ali era novo: os directores, as pessoas nas suas funções, os processos. Tudo. Na altura, liberalizado que estava o mercado das comunicações, eu tinha sugerido também aí mudanças, e uma modernização considerável tinha sido posta no terreno.
O presidente da empresa, pessoa que, então, já era mediática (e que, agora, ainda mais o é), era a pessoa a quem eu reportava e com quem tinha (e tenho) uma excelente relação. Lembro-me bem do seu gabinete. Teria, no mínimo, uns 40 m2, com enormes janelas, com uma decoração interessantíssma, com um óleo imenso que enchia de azul uma parede pintada de encarnado. Entre o corredor daquele piso e o gabinete dele havia um corredor interior, depois uma salinha de espera e o gabinete da secretária. Dali é que se entrava para o gabinete dele. A privacidade estava garantida, sobretudo depois da secretária ter saído. Como ele era (e é) pessoa de múltiplas ocupações, punha o trabalho em dia ficando até tarde. Era normal falarmos ao fim do dia e ele ainda lá ficar a despachar o expediente do dia, a ler reatórios, a deixar memos para a equipa.
Sendo o operador de comunicações novo no mercado e sendo tudo aquilo novo para nós, eu acompanhava de perto o funcionamento da coisa. E eis, então, que um belo dia começam a surgir facturas com valores excessivos e incompreensíveis.
Resolvi perceber o que se passava. Pedi informação. A questão estava relaconada com chamadas de voz. Pensei que era inexperiência do operador, que não atinavam com a facturação, que aquilo estava tudo gatado. Protestei. Pedi detalhe.
Informei o presidente. Disse que tomara que não tivessemos dissabores com o operador. Que as facturas estavam com valores escandalosos, que eu estava numa de não pagar e já tinha avisado que ai deles que cortassem o serviço. Mas que sabia lá eu. Ele secundou-me, que percebesse eu o que se passava e agisse como melhor entendesse.
Recebo, então, informação de que se tratava de chamadas de valor acrescentado -- mas que informação mais detalhada só com um pedido por escrito, autorizações formais. Falei com ele e decidimos avançar.
Por essa altura interrogava-me eu: Chamadas de valor acrescentado...? Mas o que poderá ser...? Comentava com os meus colaboradores mais directos que só podia ser barracada na facturação, que não haveria chamadas, por caras que fossem, que somassem tão escandalosos montantes. E dizia: 'Impossível. A malta trabalha quase toda em open space; quem é que ia pôr-se com gaitas dessas à frente dos outros? Impossível'. E todos estavamos nesse comprimento de onda.
Eu ia mantendo o presidente ao corrente. Com a PT nunca aconteceria uma barracada daquelas, que tínhamos mudado para poupar e, afinal, estavamos metidos numa fantasia de mau gosto e possíveis chatices. Ele apoiava-me, que, se eu achasse que era caso disso, pois que avaliasse a razoabilidade de uma rescisão.
Até que o impensável aconteceu. Recebemos o relatório detalhado: ligações para linhas de sexo e tudo do gabinete dele, tudo a partir do início da noite. Lembro-me bem. Eu de pé com os papéis na mão, parva, parva com aquilo, sem saber o que pensar.
Quando o meu colaborador mais próximo me perguntou se eu já tinha alguma conclusão fiquei sem saber o que dizer. Mas, confiando eu tanto nele como em mim própria, contei-lhe. Ele ficou tão espantado como eu. E disse-me: Diga-lhe que já se sabe de que gabinete foram feitas, que são chamadas para linhas de sexo por telefone, mas que do operador não informam qual a extensão, invente que só com ordem judicial, qualquer coisa assim'. Aconselhou-me: Não lhe diga que sabe. Não se meta nisso.
Mas eu estava tão escandalizada que resolvi dizer-lhe. Levei-lhe o relatório. Sentados na mesa de reuniões do gabinete dele, eu de frente para ele. Pousei o relatório à frente dele e disse: 'Está aqui. Sexo. Tudo do seu gabinete'.
Ele ficou branco, atirou-se para trás na cadeira: 'O quê?!? O quê?!'. E eu, seca: 'Veja'.
Ele branco a olhar-me nos olhos: 'E passa-lhe pela cabeça que possa ser eu?. E eu, incomodada: 'Não passa nem deixa de passar. Limito-me a ver o que aqui está'.
Ficámos assim, ele revirando-se na cadeira, as longas mãos mexendo nos papéis, constatando o que eu acabara de dizer, eu desejando não estar a passar por aquilo. Perguntei-lhe: 'E agora fazemos o quê?. E ele: 'Faça o que lhe parecer melhor'.
Saíu-me: 'Vou escrever uma nota geral a dizer que, dado estar a verificar-se consumos exagerados, vamos bloquear as chamadas de valor acrescentado e vamos passar a monitorizar os custos das chamadas por extensão'. Ele respondeu: 'Acho bem'.
Saí do gabinete e nunca mais trocámos uma palavra sobre o assunto. E nunca mais se verificaram consumos abusivos.
O meu colaborador disse-me na altura: 'Não devemos fazer juízos precipitados. Há o guarda do edifício que fica aqui sozinho toda a noite. Nada nos garante que, mal sai a última pessoa, não se instale bem e não lhe dê para se entreter'.
Não sei.
De resto, entre mim e esse presidente passaram-se outras situações igualmente melindrosas. Em todos os casos trocávamos umas palavras sobre elas e a coisa morria ali.
Uma vez fui eu que fiz uma coisa muito pouco recomendável. Sempre fui leal em primeiro lugar à minha consciência e em segundo à empresa. Quem está à frente da empresa, seja accionista ou administrador, é, para mim, conjuntural. Por isso, numa altura em que achei que um dos accionistas estava a lesar a empresa e que os administradores que os representavam estavam a agir mal, usei da minha influência e capacidade para me movimentar nos bastidores para obter informação supostamente reservada e fazer chegá-la ao outro accionista. Quando esses administradores-meliantes (e um deles é um conhecido e poderoso meliante-mor) foram chamados à pedra e confrontados com a evidência dos factos, não só foram forçados a arrepiar caminho como, furibundos, desconfiaram que era obra minha. Reuniu-se de emergência o conselho de administração para decidir o meu despedimento com justa causa. Valeu-me o presidente.
Nesse dia, ao fim do dia, contou-me o sucedido e contou-me como tinha argumentado e demonstrado aos outros como o que eles diziam era impossível. Olhava-me nos olhos e eu percebia que ele sabia que tinha sido eu. Acrescentou: 'Até porque você é inteligente, saberia que seria a principal suspeita e que, provando-se, seria despedida'. Mantive-me inalterável. Comentei apenas: 'Claro'. Mas depois, aquela velha driving force, puxou por mim e desafiei: 'Mas eles que provem o que dizem'. E olhei-o também nos olhos. Ele acrescentou, definitivo: 'O assunto está encerrado'. E ficámos assim. Assunto morto e enterrado.
E outras vezes. Coisas melindrosas mesmo, das quais não posso aqui falar.
‘I’m 60 years old, have a BA in cultural anthropology from Columbia University and have been married for 25 years. Men call me for an infinity of reasons. Of course, they call to masturbate. I call it “executive stress relief”. It’s not sex; it’s a cocktail of testosterone, fuelled by addiction to pornography, loneliness and the need to hear a woman’s voice. I make twice the money I used to make in corporate finance. I work from home, and the money transfers into my bank account daily.’
Há coisas que se fixam na nossa memória como se tivessem sido tocadas pela graça da eternidade. No largo espaço do tempo -- onde se albergam várias geografias, muitas pessoas ao longo das suas múltiplas idades e memórias fragmentadas de acontecimentos ocasonais -- essas coisas permanecem incólumes, como se o tempo se tivesse detido para as conservar, frescas e belas, dentro de nós.
Essas coisas (ou pessoas) especiais preservam-se no ambiente em que um dia tocaram o nosso coração. Pode ser, por exemplo, um sorriso avistado numa varanda suspensa, entre flores e sobressaltos. Pode ser o canto do mar saltitando nas rochas, rompendo por entre uma gruta numa longínqua tarde de verão ou o nosso nome descoberto entre ruínas, tempos depois de lá termos estado com alguém que escondia o seu amor.
Ou uma luxuriante avenca no fundo parapeito interior de uma larga janela ocultada por espessa cortina. De um verde secreto e sereno, a terra sempre húmida, o vaso dentro de um prato alto sempre molhado. Na sala dos meus avós. O cadeirão onde o meu avô se sentava, ali sob esse largo parapeito. A minha avó com uma tesourinha, cortando as folhinhas secas, passando a mão pela frescura viçosa das hastes repletas de folhinhas pequeninas e perfeitas como um denso bordado.
Depois disso já houve outras avencas. Mas nenhuma bela e farta como a daquela janela por onde a luz não era autorizada a entrar. Sempre que me lembro de avencas, é daquele vaso ali que me lembro Eternamente ali.
Como o perfume fresco, subtil, delicado, que ofereci à minha mãe. A essência da violeta. Um frasquinho pequenino, muito bonito. Como o vasinho de violetas que tive na minha primeira casa, aquele ninho de amor no alto de uma torre de onde se via o mundo a toda a volta.
E agora -- contei-o aqui -- recebi um inesperado vasinho de violetas pelo Natal. Estamos em Abril e estão ainda vivas as florzinhas e aveludadas as macias folhas.
Penso no largo parapeito da minha avó. Não tenho nenhum parapeito assim nem as violetas são parecidas com a grandiosa avenca do vaso da minha avó.
Está na bancada de pedra da minha cozinha, junto ao tabuleiro da fruta. As cores luminosas das laranjas, das maçãs, das bananas, a luz coada passando pela cortina de renda, e o vasinho de violetas. Olho e penso que gostaria de guardar na minha memória o sentimento de harmonia que dali me vem. Mesmo quando as laranjas doces e sumarentas tiverem sido comidas e as florzinhas definhado, mesmo então eu gostava de ver ali as cores e a suavidade destes momentos.
Em vão tenho procurado um perfume tão suave e intangível como o daquele que, quando era ainda menina, ofereci à minha mãe. Mas todos os que encontro não são tão eternos e elegantes como aquele. Ontem, ao passar os olhos pelo Bois de Jasmin dei com um texto sobre violetas, Vintage Violets. Encantei-me a lê-lo.
Swan-down puffs, lace camisoles, ivory fans, tulle skirts, satin shoes… If these words evoke an appealing vision for you, then you’re the right candidate for a Victorian violet perfume. While the 19th century under the reign of Queen Victoria is often described as conventional and stuffy, the favourite aromas are anything but.
Despite its reputation for being dainty and demure, violet has a complex scent with a fascinating history.
The Victorian era was a period of great change in society, and the simple example of a violet cologne is a good illustration of the dynamics of the time.
Violet waters became popular long before Victoria was crowned, highly sought after for their sweet scent with nuances of raspberry and rose. At first, fragrances based on this flower were derived from Parma violets via the painstaking process of collecting tiny blossoms and extracting their essence. It made violet a costly and luxurious perfume available only to a select few.
Violets and other floral notes were usually blended with musk and amber to give them depth and character.
Guides to contemporary etiquette urged women to select light and delicate perfumes, but fragrances rich with sandalwood, balsams and ambergris were much loved.
Queen Victoria herself favoured Ess Bouquet, a bold choice that during her 1855 trip to France confounded Parisian mavens. A perfume “with a detectable hint of musk” on a royal persona seemed surprising, risqué and yet intriguing. (...)
It might make you understand why Napoleon Bonaparte, a character far from demure and retiring, selected the violet as his signature flower.
E Victoria Frolova refere os perfumes de violeta que mais aprecia. Infelizmente, que eu saiba, nenhum se vende em Portugal.
Mas não faz mal. Vive ainda dentro de mim a eterna fragância da mais perfeita essência, aquela que guardo desde a minha meninice e que agora sinto colorida pela doçura da minha memória.
Calhou, quando estava no carro, ouvir a Madame Cristas a perorar contra o Governo, com baboseiras tão típicas nela. Estava a plantar uma árvore em Leiria e gabava-se de saber fazê-lo já que, segundo ela, nos últimos tempos não tem feito outra coisa: faz-se uma cova, põe-se a árvore e calca-se com o pé, dizia a senhora dona doutora-silvicultora.
Mas, se fosse só isso, a gente sorriria face à inócua indigência. O pior foi quando se atirou para fora de pé. E, com a Madame Cristas, não é preciso muito: mal dá um passo, a água ainda apenas pelo tornozelo, e já está fora de pé.
Dizia ela, com aquele seu ar doutoral, soletrando cada palavra como se estivesse a falar para mentecaptos, que o Governo não fala verdade e que, na realidade, fez um aumento da carga fiscal como não o fazia há mais de vinte anos (acho que disse 22). E quem a ouvisse falar diria que o Governo sacrificou mais os portugueses, obrigando cada um a pagar muito mais do que de há vinte anos para cá, quiçá mais do que quando a sua Marilu-amiga geria as finanças públicas.
E eu, ouvindo-a, senti-me tentada a escrever-lhe um recadinho.
É que a senhora não apenas mentiu (não sei se deliberada, se involuntariamente) como tratou os portugueses como se fossem tão matematicamente iletrados como ela -- e isso maça-me um bocado.
E então, Srª Dona Cristas, vamos lá. Faça um esforço e veja se me acompanha que vou tentar que perceba como é que a aritmética funciona.
Imagine que estão 100 pessoas num recinto e que devem contribuir com um donativo. Imagine ainda que 15 deles não têm dinheiro. Vamos supor que os 85 que podem contribuem com 10 euros cada. Ou seja, conseguir-se-ia reunir 850 euros.
Suponhamos que, tempos depois, se juntam de novo mas que, desta vez, apenas 5 não têm dinheiro. Portanto, 95 irão contribuir. Mas resolvem que desta vez o donativo será menor: apenas 9 euros cada. Mas, milagre, milagre D. Cristas, conseguirão reunir 855 euros.
Ou seja, apesar de o montante global ter subido, o contributo individual até foi menor. E percebeu porquê... ou não consegue atingir...?
Eu explico: é que o factor multiplicativo predominante, digamos assim, foi superior, em vez de 85 passou para 95.
Assim aconteceu em Portugal. Com menos desemprego e com mais consumo, com uma base mais alargada, isto é, com mais gente a pagar impostos, apesar de cada um pagar menos, o 'bolo' global consegue ser maior.
E é por esta ser a receita certa -- e oposta à receita estúpida e comprovadamente errada que os PaFs aplicaram durante o desgraçado governo lapariano de que V. fez parte -- é que os resultados atingidos pelo Governo de António Costa (e apoiado pelo PCP e pelo BE) são notáveis e um exemplo a estudar por todos os burros que ainda não perceberam que a austeridade pela austeridade é fatal para o desenvolvimento de um País.
Percebeu ou quer que lhe explique ainda mais devagarinho?
Quando nasceu o mano do mais crescido, eu fiquei a tomar conta deste e, enquanto não era hora razoável para irmos ter com a sua mãe e com o seu maninho recém nascido, arranjava programas.
Um dos dias, fomos almoçar à Gulbenkian e, de passagem, levei-o a ver uma exposição que lá estava, creio que no piso de baixo da Fundação.
Era daquelas instalações alternativas nas quais uma pessoa leiga e bronca que nem eu não vê nem cu nem pé nem bico. Não me lembro de nada em concreto a não ser de uma zona escura, um banco corrido e uma tela gigante na qual se projectavam imagens. E as imagens eram alguém a partir ovo atrás de ovo. Mas a partir como na culinária: um toque para quebrar casquinha, abrir em dois e despejar o conteúdo para uma tigela. Um grande plano só com isto. Pois bem: o miúdo delirou com a instalação. Queria lá ele saber de ir para o pé do bebé, queria era perceber o que era aquilo. Eu puxava-o e ele nada, queria saber o que ia acontecer. E eu dizia: não vai acontecer nada, é só isto. Mas ele não acreditava e não queria arredar pé. Ainda não tinha três anos. Mal chegou ao hospital, contou logo o sucedido: tinha estado a ver um filme a partir ovos. A minha filha, pasmada: 'What..?!'. E o que é certo é que durante anos o menino teve vontade de ir ver exposições a ver se voltava a ver aquele filme tão cativante. Perguntava: 'Onde é que está o ovo?'
Outra vez, nesse mesmo espaço, fomos todos ver uma outra bela exposição. Eram uns vasos gigantes com uma espécie de árvores surreais e, a fazer de conta de cobertura da terra dos vasos, umas bolas brancas. Para as crianças aquilo não era nem deixava de ser arte. Era, isso sim, um lugar bom para brincarem às escondidas atrás daqueles big vasos. Logo percebemos que devíamos era basar dali antes que acontecesse alguma. E aconteceu. O bebé que entretanto tinha crescido e que era (e é) uma força da natureza corria e fazia fintas à frente do irmão e dos primos. À tantas um sarrabulho: tinha dado um safanão numa das árvores e, no acto, uma data de bolinhas brancas transbordou do vaso e rebolavam pelo chão. Em transe, eu e a minha filha atirámo-nos a apanhar as mini-pecinhas de arte que ali estavam espalhadas pelo chão. Por sorte, nenhum guarda se deu ao trabalho de vir ver o que se passava senão ainda nos teríamos visto metidas em apuros. Assim, num ápice e no maior low profile, repusémos a ordem naquela arte.
E isto já para não voltar a contar daquela vez em que os miúdos, ao darem de caras com um monte de rebuçados num canto de uma sala, no Guggenheim, se atiraram a ele -- para nosso pânico ao vermos que era uma obra de arte. Felizmente era uma obra arte comestível e, portanto, não fomos punidos. Mas implorámos que não voltassem a mexer em nada porque eram obras de arte.
Logo de seguida ao verem uma esfregona num balde perguntaram se também era arte e nós, totós, não soubémos responder. Mas não era, era simplesmente uma esfregona num balde para limpar o chão que ali estava sujo.
Portanto, a propósito destas peculiares formas de arte, eu não sei que diga. Que há quem goste isso é inegável: presumo que seja coisa para crianças de dois anos e para gente adulta que padeça de inocência aguda. Ou coisa do género. Mas gostos não se discutem. Muito menos eu que não tenho vocação para crítica de arte nem sou entendida nem nisto nem em coisa nenhuma.
Para quem goste e possa, há o Festival de Arte Contemporânea Do Disturb no Palais de Tokyo de 6 a 8 de Abril. Para abrir o apetite, um cheirinho do que foi em 2016.
E, façam-me o favor: nada de fazerem como as senhoras do vídeo abaixo que não apenas não sabem educar os filhos como, tal como os meus, também desataram a comer as obras de arte
Monty Python - Galeria de Arte
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E queiram continuar a descer que a matéria, ali abaixo, é transcendente.
Devo dizer que já antes tinha ido a uma nutricionista. Sentia que tinha alguns quilos a mais e, sobretudo, arreliava-me não poder vestir blusinhas justinhas sem que se percebessem os pneus. Em verdade se diga que eram uns pneus a modos que raquíticos mas ainda ssim pneus. Seguindo eu uma dieta super saudável e na base do regime crudífero, que é o que prefiro, o meu pequeno almoço era sobretudo peças de fruta, iogurte com cereais, ao almoço bebia sumo natural a acompanhar a refeição e no fim rematava com uma salada de fruta, chegava a casa e comia uma peça de fruta e uma mão cheia de frutos secos e terminava com um jantar leve com salada e fruta. Conclusão da nutricionista: fruta a mais. Eu parva. E ela, ah pois é, açúcar que se farta. Adoptei o novo regime, perdi peso, fiquei bem e assim me mantive durante bastante tempo.
Até que, aos poucos, fui deixando para lá. Pãozinho com queijo, iogurtezinhos, fruta e mais fruta, uma ou outra sobremesa sempre que calhava, um copo de vinho às refeições e já lá ia eu upa, upa.
O médico da medicina do trabalho disse que estava bem assim, sem peso a mais. Eu a protestar, que sabia que tinha uns quilitos a mais e ele que não. Já o contei aqui pois fiquei furibunda -- acrescentou: 'Para a sua idade...'.
Até que voltei à nutricionista.
Como sou disciplinada, num instante perdi seis quilos e doze centímetros de perímetro abdominal. Mas como não sou tão disciplinada como deveria ser, já estou outra vez a fraquejar. Já aumentei um quilo. No entanto, a nutriconista achou bem, diz que se me mantiver assim, estarei bem. Mas eu sinto que mais um deslize e lá as blusinhas brancas a tender para o revelador passarão à história. E se tenho comido doces... (bolos de anos, folares, sericaias, fruta, fruta e mais futa, etc...)
A nível estético é que ainda não realizei nenhuma intervenção. Nem corrigi imperfeições de nascença nem disfarecei os efeitos da iadade. Não que não precise mas porque não nasci para sofrer (e acho que o pós-operatório dessas coisas deve ser péssimo) nem tenho coragem para correr o risco de ficar a parecer uma múmia pastelona de beiças esbandalhadas.
A despropósito: um colega chegou ao pé de mim a mostrar-me uma foto no seu telemóvel: 'Veja lá se sabe quem é'. Olhei e não conheci. Ele insistiu: 'Veja bem'. Vi bem. A feição não me era estranha mas não, não identificava. Mas, então, reparei no último nome do seu apelido e ia-me dando uma coisa. Era um ex-colega nosso. Tinha-me despedido dele há uns anos como um homem de meia-idade. Aquele ali era um homem já com um ar entrado. Mais bonito, com muito melhor aspecto mas, caneco, com mais uma carrada de anos em cima. Fiz as contas. De facto, mais de dez anos depois, talvez fosse natural que já não parecesse ser o quarentão de que me despedi.
Agora uma coisa é certa: é frequente que os homens melhorem como tempo. Já as mulheres não, perdem viço sem ganharem nada em troca. Mas, enfim, é o que é.
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E isto a propósito de uma série de fotografias antes e depois, mas uma daquelas séries mesmo ao meu gosto.
Conheci uma mulher. Quando a conheci já não era nova mas era ainda uma mulher interessante, com o seu quê de irreverência que era patente no que dizia, na forma como se vestia, no arrojado corte de cabelo, na maquilhagem atrevida. Era uma mulher moderna. Era também uma digna representante da nossa aristocracia e, como os irmãos, tinha herdado propriedades e outros bens. No entanto, o lado superior, conservador e discretamente paroquial que tantas vezes se observa nestas famílias não existia nela. Sempre prezara a vida solta, sem preconceitos, sem obrigações. Viveu amores e paixões, conheceu maridos e amantes, viajou por onde quis, albergou amigos, arrivistas e vasta fauna. Sem apegos materiais, foi-se desfazendo do que herdara.
Pela actividade que, entretanto, ia desempenhando foi reconhecida pela sociedade; mas não era assídua nem esforçada e essa mesma sociedade foi-se esquecendo dela. Sem mágoa e com compreensão, sempre aceitou tudo o que lhe aconteceu.
Quando a conheci, apesar de se ver nela ainda o porte que em tempos teria sido altivo e apesar de as maneiras denunciarem a sua ascendência nobre, sabia-a já a viver com alguma dificuldade.
Depois de ter vivido em palácios, de ter convivido com reis e princesas e de ter à disposição uma vasta equipa de empregados, era, naquela altura, uma mulher que não tinha acautelado os seus anos de madura idade. Nunca tinha feito descontos para nada pelo que vivia totalmente desprotegida.
Fui sabendo das preocupações que a família sentia e de como se uniram para a ajudar. Mas, de uma forma ou de outra, para todos os descendentes das anteriores e prósperas gerações estes também já eram tempos bem distantes do fausto que conheceram noutras épocas pelo que para nenhum deles a situação foi fácil.
Por fim, vivia sozinha numa casa mal cuidada e ela própria também pouco cuidada. Quando alguém falava dela, percebia-se sempre uma grande tristeza. Das casas que tinha habitado nada tinha sobrado.
Como ontem referi, estou a ler a conta-gotas 'O Leopardo' -- e que prazer a sua leitura me tem trazido.
Sem querer, vou evocando memórias recentes, situações em que famílias da aristocracia, numerosas e prósperas, aos poucos, à medida que o património se vai dividindo, se vêem confrontadas com dificuldades de vária ordem: frequentemente tentam manter a altivez, a atitude superior, como se acreditassem ainda pertencer a uma casta privilegiada mas a força das circunstâncias obriga-as a descer ao mundo terreno, a lidar com as minudências do dia a dia, a ter que conviver com aqueles que antes viam como seres de uma casta inferior.
Referi há pouco aquela casa enorme e ao abandono que vimos à beira da praia. Imagino que, dentro, conserve ainda vestígios da grandeza que, em tempos, deve ter vivido. Mas, por fora, os sinais de decadência mostram bem como não há fortunas perenes nem certezas adquiridas. A vida, a sorte, as memórias, os afectos, tudo, tudo tem que ser cuidado, acarinhado pois um dia tudo pode esfumar-se. É um lugar comum, isto, mas é tão verdade. É que, quando tudo se esvai, não há paredes que sustenham o declínio que, por vezes, desafortunadamente assolam algumas vidas.
Já que a reunião familiar foi de véspera, este domingo foi dia de passeio.
Andámos pela beira do mar e, de tarde, fomos até onde, durante anos, passei férias. Era, então, quando comparado com o que é hoje, terreno quase virgem. No entanto, lembro-me que já na altura se falava de que por ali, por onde passávamos, havia antes casas de pescadores, cabanas. Tenho ideia de ainda ver uma ou outra, mais para a zona sem acessos, lá onde era a praia em que apenas se podia ir de barco.
Andámos por aí também. Onde antes era terra de gente pobre é agora zona de casas de ricos, muito ricos. Casas tão grandes, tão luxuosas. Pensei que mesmo que me saísse o euromilhões não quereria viver num casarão tão imenso, tão difícil de manter. Vi os belos jardins, alguns em socalcos, grandes sebes bem aparadas, grandes relvados -- e pensei que teria que ter jardineiro a tempo inteiro; vi as janelas imensas e as superfícies de vidro que nem janelas seriam mas talvez paredes por onde a luz entre como se os seus habitantes estejam em plena praia -- e pensei que uma empregada sozinha não dava conta de tanta limpeza. Não, casarões assim só com uma empresa a fazer a faxina e famílias enormes e ruidosas lá dentro a darem vida e alegria a tanto espaço; mas não sei como ter liberdade com um bando de empregados à volta. Não, para mim não daria.
Vimos uma casa enorme, mesmo em cima da praia, mas enorme, enorme, e com aspecto de abandonada. Portão escancarado, mato a toda a volta. Custa perceber como se deixa ao abandono uma casa assim, que valerá seguramente para cima de um milhão de euros. Mas a gente nunca sabe as vidas das pessoas e até nem é difícil imaginar que possa faltar a força anímica, a saúde, a vida ou a simples coesão familiar e que, num instante, se deixe vazia e triste uma casa daquele tamanho, toda em cima da praia.
Tive alguma dificuldade em reconhecer onde eram os caminhos que antes percorríamos até alcançarmos a zona que preferíamos, abrigada de vento, sem fundões nem correntes. Desapareceram esses caminhos entre giestas e mimosas, agora ruas alcatroadas para onde dão os grandes portões das ricas mansardas.
Mas, belos e ricos casarios à parte, são tão bonitos todos estes lugares da beira do mar, onde céu e oceano e rio se diluem e em que até as serras ao longe se dissolvem em azul.
Devo confessar que sinto um certo gostinho pelo politicamente incorrecto. Não é coisa de adolescente retardada já que, por sorte, tenho gozado cada idade em seu tempo. Não fui uma adolescente rebelde mas estive longe de ser muito bem comportada. Politicamente sempre me situei à gauche e a minha natureza livre sempre me afastou de partidos, movimentos, clubes, religiões. Mas, justamente por ser intrinsecamente livre e por não sentir qualquer necessidade de fidelidades a padrões comportamentais, de aplausos ou de afagos ao ego, sinto-me, frequentemente, tentada a fazer coisas que não me trazem muitos votos.
Sentir-me bem não passa por me sentir popular. E, que me lembre, sou assim desde que me lembro de mim: volta e meia a fazer coisas que deixam os outros com vontade de me repreender ou, o que é ainda mais delicioso, com vontade de me corrigir, quiçá, até, de me educar. Assistir a isso diverte-me à grande. Mesmo aqui na blogosfera: se algum blogger ou leitor se amofina comigo e me dirige palavras menos cordatas, isso, para mim, é pura diversão (como se estivesse a dar-me o pretexto para eu fazer ainda pior). Se leio ralhetes, observações sardónicas ou coisa do género eu dou por mim a sorrir -- qualquer coisa como 'ok, baby, make my day...' -- quase pedindo que se esmere ainda mais para eu ter sérias razões para lhe aplicar o justo correctivo.
Enfim. Não que isto seja virtude mas, creio, pecado também não será. É o que é. Se a turba grita potato eu invariavelmente sinto-me tentada a dizer tomato. E daí também não vai mal ao mundo, acho eu.
E, portanto, perdoar-me-ão os meus queridos Leitores que, num dia como o de hoje, eu não me apresente vestida de roxo, paramentada a preceito, com cânticos de fazer tanger os sinos da torre e, em vez disso, aqui vos traga tudo menos o que devia ser.
Mas, enfim, alguém sabe dizer, com certezas absolutas, o que, a cada momento e em cada circunstância, se deve ou não deve fazer?
E, assim sendo, sem mais delongas, convido-vos a ver este vídeo com a talentosa Divine (nascida Harris Glenn Milstead, 1945 - 1988 ). A bem da diversidade, da inclusão, do humor e da irreverência, que entre a diva.
E um belo dia de domingo para todos os meus Leitores.
O meu querido algoritmo da Google* -- que tal como o algoritmo do Facebook também é cheio de inteligência e subtilezas - hoje tinha um belo ovo da páscoa para me presentear: Sergei in blue.
Sei que, para os católicos, a Páscoa é o momento mais significativo do ano religioso. Mas, para mim que não sou de práticas religiosas ou de me encaixar em preceitos que atentam contra a minha racionalidade, a Páscoa nunca teve significado.
Que aqueles que amamos para sempre viverão em nós, na nossa memória, isso é para mim uma verdade que me é cara. Não tem a ver com ressurreição ou com fenómenos paranormais. Tem a ver com a força do amor que supera as leis da vida.
Na minha família também nunca se ligou à Páscoa. Não sei porquê, quando me baptizaram, os pais convidaram a minha avó paterna para minha madrinha e o irmão do meu pai para meu padrinho. Por isso, ainda hoje o trato por padrinho. E à mulher dela trato por madrinha. Mas essa minha avó, pela Páscoa, lembrava-me que era minha madrinha e dava-me dinheiro (chamava-lhe 'as amêndoas') e um ovo de chocolate e um folar. Nunca consegui comer aquele bolo maçaroco com ovos cozidos lá dentro. A minha mãe é que gostava, comia-o como se fosse pão, às fatias, e acho que até punha manteiga. Aqui há agum tempo, provei e até gostei, sabia a erva doce ou lá o que era. Mas naquela altura, pela Páscoa, acontecia essa bizarria da minha avó vir com aquilo de me lembrar que a madrinha era ela e não a mulher do meu tio, e me aparecer com um envelope com notas, com um bolo incomestível e, vá lá, com um ovo de chocolate com amêndoas às cores lá dentro.
Mas, enfim, isto não vem ao caso. O que vem ao caso é que o algoritmo me apareceu hoje a dizer que me recomendava um novo vídeo com o belo e ultra talentoso Sergei -- e eu fiquei feliz como se ele viesse dentro de um guloso ovo de chocolate.flo
* Isto dos algoritmos e das plataformas de partilha de informação tem que se lhe diga. Se a Google também não fica muito atrás do Facebook no que se refere a ter um poder social astronómico face ao valioso manacial de informação personalizada de cada um de nós -- e isto num mundo desregulado em que tudo, nestes domínios, é possível -- a verdade é que, na avaliação que faço, o Facebook supera a Google no nível de perigosidade pois o modelo de funcionamento, mais imediato, mais propenso à propagação exponencial, torna-o uma arma muito, mas mesmo muito, arriscada.