Afinal, não foi só lá longe. Leio que a Cambridge Analytica pode ter usado dados de 63 mil utilizadores portugueses. Claro. Porque haveriam os portugueses de ficar a salvo do regabofe? E o que se vai sabendo é apenas a ponta do iceberg -- já o disse e repito-o. Agora qual a dimensão do iceberg, isso não sei. Nem ninguém sabe.
Não há como ter certezas de nada porque não há como controlar. Apenas se pode saber que o que se sabe é apenas uma pequena parte do que há para saber.
Da mesma forma que.
Estava, na quarta-feira, ao fim do dia, na fisioterapia. Desculpei-me: 'Peço desculpa por ter chegado a esta hora'. O fisioterapeuta já desistiu de protestar. Ou não chego a horas ou nem chego a ir. Saturada dos engarrafamentos, aborrecida por chegar tão tarde, acrescentei: 'Um trânsito... Tudo parado... Deve ter havido acidente na ponte porque parece que tudo o que vai lá dar está parado e, por isso, à volta, tudo parado está'. Ele esclareceu: 'Não foi um acidente. Foi um incidente'. Não percebi. Ele disse: 'Quando há coisas assim, dizem incidente'. Nunca tinha ouvido tal. Perguntei: 'Mas sabe o que se passou?'. Ele disse: 'Vi a fotografia'. Continuei sem perceber. Ele explicou: 'Um doente mostrou-me. Um tipo num cabo da ponte. Um suicida.'. Fiquei ainda mais tolhida pela incompreensão. 'Um doente mostrou-lhe?! Mas mostrou-lhe o quê??'. Ele disse: 'Quem está lá parado fotografou e pôs nas redes sociais'. Fiquei gelada.
Li agora 'O homem pendurado na ponte', escrito pelo Ferreira Fernandes. Arrepia.
Portanto, no Waze também. Claro. São os utilizadores que fazem o upload das imagens e podem pôr o que quiserem. Um homem em pleno e triste processo de desistência de viver, um homem pronto a cair no vazio -- e algumas pessoas, indiferentes à presença da dor alheia, fotografaram-no e, sem qualquer respeito por aquela pobre pessoa desesperada, exibiram-na perante o mundo. Apenas por estarem dentro dos carros, não foram fazer uma selfie com aquele homem que conduziu o carro até à ponte, parou, saíu e trepou para um cabo para acabar com o sofrimento. Assim fotografaram-no apenas.
Quem cometeu tão torpe acto são as mesmas pessoas que escrevem comentários malvados, que destilam veneno, que agem a coberto do anonimato para amedrontarem gente de bem, que mostram invejas, raivas, vontades de vinganças. As mesmas que falam de si próprias como sendo gente boa, amigas de gatinhos e do ambiente. As mesmas que se alimentam das redes sociais e que as alimentam.
Digo isto, usando eu o blogger. Mas escrevo aqui como poderia escrever um diário só para mim, um livro de contos, memórias, crónicas para um jornal inventado, cartas de amizade, cartas de amor.
E, sabendo eu que, apesar da minha aversão a redes sociais ou a auto-exposições, a minha pegada é, certamente, imensa, tento manter-me consciente em relação aos riscos que corremos. E corremos muitos riscos. Muitos mesmo.
E não os corremos apenas pela profusão da informação pessoal que inunda as redes sociais -- e que pode ser usada contra a liberdade e contra a democracia -- mas também pela proliferação de ferramentas que usam inteligência artificial.
Boicote foi assinado por mais de 50 académicos e surgiu uma semana antes de uma reunião das Nações Unidas sobre armas autónomas
Investigadores especialistas em inteligência artificial de quase 30 países estão planear um boicote a uma universidade na Coreia do Sul em reação a uma parceria de um laboratório da instituição com uma empresa ligada ao setor da defesa: há o medo de que o projeto possa criar "robôs assassinos", revela o Times Higher Education. (...)
Leio também:
In this open letter to Google’s CEO, over 3,000 employees urged the company not to work on a Pentagon ‘AI surveillance engine’ used for drone warfare (...)
Amid growing fears of biased and weaponized AI, Google is already struggling to keep the public’s trust. By entering into this contract, Google will join the ranks of companies like Palantir, Raytheon and General Dynamics. The argument that other firms, like Microsoft and Amazon, are also participating doesn’t make this any less risky for Google. Google’s unique history, its motto “don’t be evil”, and its direct reach into the lives of billions of users set it apart. (...)
A classe política e a sociedade em geral parecem continuar indiferentes ao que está a passar-se. Não vejo verdadeiras preocupações, vontade de regular, vontade de vigiar. As coisas vão acontecendo e ninguém parece perceber que é preciso actuar enquanto ainda é tempo.
O mundo está a caminhar para um precipício desconhecido e que intuo ser deveras perigoso e quase ninguém parece ter vontade de parar para pensar. Ninguém parece ter vontade de recuar até ao tempo da inocência.
A classe política e a sociedade em geral parecem continuar indiferentes ao que está a passar-se. Não vejo verdadeiras preocupações, vontade de regular, vontade de vigiar. As coisas vão acontecendo e ninguém parece perceber que é preciso actuar enquanto ainda é tempo.
O mundo está a caminhar para um precipício desconhecido e que intuo ser deveras perigoso e quase ninguém parece ter vontade de parar para pensar. Ninguém parece ter vontade de recuar até ao tempo da inocência.
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