sábado, fevereiro 06, 2016

Carol. Patricia. Cate. A sexualidade de três mulheres perigosas.



Sexta-feira, sempre que possível e sempre que há alguma coisa que desperte a atenção, é dia de cinema. Hoje foi dia de Carol. Quando disse à minha filha que ia ver este filme, perguntou-me se era aquele das lésbicas. Respondi-lhe que era aquele com a Cate Blanchett e que era adaptado de um romance da Patricia Highsmith.


O meu marido estava um bocado renitente, queria que eu lhe dissesse se o filme não seria uma daquelas pepineiras de que eu gosto tanto e a que ele não acha graça nenhuma. Disse-lhe que achava que era bom, que ele ia gostar. Antes de entrarmos, disse-me que estava mesmo a ver que a sala ia estar cheio de fxxxx. Volta e meia gosta de se armar em engraçadinho. Aliás os meus filhos às vezes dizem que vê-se mesmo que o pai gosta de fazer a mãe rir. Mas não ri, respondi-lhe que estava a ser parvo. Quando estávamos já sentados no nosso lugar, chegou-se ao meu ouvido e segredou: 'O que é que eu disse?'. Olhei à volta e, sem querer, soltou-se-me uma gargalhada. E depois custei a ir ao sítio, uma vontade danada de me rir. Não é inédito haver grupos de mulheres nos cinemas, aliás é o que menos falta. Mas, caraças, o que se via a toda a volta eram vários conjuntos de duas mulheres em que, na maior parte, dava mesmo a ideia de serem casais de verdade.

Mas, pronto, não é coisa para se rir, já disse aqui mil vezes que acho que cada um tem a orientação sexual que tem e boa noite, nada a ver com isso. Mas foi aquilo de ele ter dito aquela parvoíce e de, depois, ter confirmado. Ou isso ou a sonsice dele que me faz desatar a rir e ele mantém-se sério, como se a parva fosse eu. 

Enfim. Coisas nossas.

O filme é bom, a história é credível, as representações muito boas, tudo bem. Mas, para mim, parece que falta ali alguma emoção mais funda, alguma hesitação mais violenta, mais dolorosa, alguma sedução por um lado mais contrariada mas, ao mesmo tempo, mais difícil de contrariar. Sendo uma história marcante, parece que corre com demasiada facilidade. Tenho o livro mas ainda não li. Não sei qual o fio com que Patricia Highsmith coseu a trama pelo que não posso ajuizar se o pecado é original ou se houve ali -- no guião, na filmagem, na edição ou na banda sonora, não sei -- uma certa falta de densidade ou de textura. Parece que lhe falta erotismo apesar das cenas de amor e nudez. Tal como acho que ao marido parece que falta incompreensão, desespero ou raiva. Parece que nunca há nem verdadeiro sofrimento nem verdadeiro prazer.


Mas o filme é bom, que não se pense que não: aliás, recomendo que o vejam e que formem a vossa própria opinião. Às tantas eu é que já ia com as expectativas muito altas ou que sou niquenta. Nunca se sabe.
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Foi na sequência deste filme que Cate Blanchett disse, numa entrevista, qualquer coisa que deu azo a que dela dissessem que também era sexualmente fluida.


Transcrevo as notícias da altura:
In an interview ahead of the film’s premiere at Cannes on 17 May, Blanchett was asked if playing the title role in the Todd Haynes-directed period drama was her first turn as a lesbian.
“On film – or in real life?” the actor responded. Pressed on whether she had ever had a relationship with a woman, Blanchett told the interviewer: “Yes. Many times.”

Mais tarde Cate veio esclarecer que não é lésbica, que nunca teve relações sexuais com outras mulheres e que a entrevista acabou de outra forma:

Do you mean have I had sexual relationships with women? Then the answer is no.’ But that obviously didn’t make it.”
Mas a isso já não foi dada qualquer importância e volta e meia leio que ela já teve relações com mulheres e aparece na lista das actrizes que se assumiram como bissexuais.

Cate, uma mulher inteligente, acrescenta sobre o assunto:
“[Carol’s] sexuality is a private affair. What often happens these days is if your are homosexual you have to talk about it constantly, the only thing, before your work. We’re living in a deeply conservative time.”
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Mas let's look at the trailer


 

Sobre o filme Carol transcrevo do Cinecartaz:


Nova Iorque (EUA), década de 1950. A jovem Therese Belivet sobrevive com um emprego na secção de brinquedos de um grande armazém ao mesmo tempo que sonha com uma carreira como fotógrafa profissional. Um dia, conhece Carol Aird, uma mulher sofisticada de cabelos loiros e casaco de vison que ali chega para comprar um presente de Natal para a filha. Therese anota o endereço de envio do brinquedo e, num impulso, escreve um cartão de felicitações. Carol, que está a viver um momento conturbado e que se encontra à beira do divórcio com Harge, o marido, responde. Mais tarde, as duas encontram-se e tornam-se amigas. Com o tempo, a ligação torna-se mais íntima, e a amizade converte-se em paixão. Mas quando a relação se torna evidente, o marido de Carol retalia pondo em causa a sua competência enquanto mãe e exigindo a guarda total da filha de ambos. É então que Carol, desesperada, desafia Therese a fazer uma longa viagem pelos EUA…

Nomeado para seis Óscares da Academia (entre os quais Melhor Actriz, Melhor Actriz Secundária e Melhor Realizador), uma história dramática realizada por Todd Haynes (“Velvet Goldmine”, “Longe do Paraíso”, “I'm Not There – Não Estou Aí” ou, mais recentemente, a série televisiva “Mildred Pierce”). O argumento, da autoria de Phyllis Nagy, baseia-se na obra “O Preço do Sal”, da escritora norte-americana Patricia Highsmith. Cate Blanchett, Rooney Mara, Sarah Paulson e Kyle Chandler dão vida às personagens. 
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Quanto a Patricia Highsmith (americana, 1921-1995), escritora compulsiva, democrata, ateia e homossexual (e que recorreu a tratamentos para ver se ficava em condições de querer casar e a quem se conheceram vários relacionamentos amorosos com mulheres), não estivesse eu já perdida de sono e escreveria aqui quelque chose sobre a sua extraordinária obra mas já não consigo. Assim limito-me a dizer que que se diz que mulheres que escrevem levam vidas perigosas e que Patricia, que tanta gente matou, que o diga.



Patricia Highsmith - A woman of mistery


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E, por agora, por aqui me fico.

Desejo-vos, meus Caros Leitores, um belo sábado.

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5 comentários:

Anónimo disse...

Devoradora compulsiva rsrs de todos os livros de Patricia Higsmith
Não me lembro de ter lido a lista dos livros que escreveu mas seguramente que todos os que estão traduzidos para português li há muitos muitos anos

assim de memória e fazendo um esforço grande; acho que o li nos anos 80 (por estar fora de casa não tenho possibilidades de ir à estante buscá-lo para confirmar porque costumo escrever nos livros a data de aquisição e de leitura... assim como anotações que me dê na gana)
retomando
a ideia que me ficou foi exatamente a contrária: a de que haveria por parte do marido (arquiteto?) uma grande compreensão. Já lá vão 30 anos mas recordo uma cena em que eles estão os dois a falar no atelier e ela diz-lhe apenas que vai sair. PH constrói nesse momento toda uma narrativa em que o marido reflete sobre esta saída repentina começando com algo do género "ele sabia para onde ela ia..." e nesse momento mostra-nos toda a compreensão dele...
UJM, posso estar completamente errada mas foi o que a minha memória reteve...

De todos os livros dela há um que me marcou profundamente e volta e meia até o vou buscar para ler as partes sublinhadas. Recomendo vivamente. Leia-o, se poder "O diário de Edite" Se me fosse possível garanto-lhe que lho oferecia. Pode ser que um dia também o deixe lá escondido num qualquer buraco para o ir buscar :)
Bom fim de semana
Beijo
GG

Um Jeito Manso disse...

Olá GG,

Também gosto de Patricia Highsmith embora ultimamente me tenha quase esquecido dela. Já li o Diário de Edite e gostei muito.

No filme o marido sabia mas usou o facto para tentar tirar-lhe a custódia da filha. O personagem do marido aparece alcoolizado, fraco, muito dependente da opinião da mãe. Fiquei com vontade de ler o livro para perceber como é que a autora pegou no assunto pois o filme, sendo bom, pareceu-me aquém do que a história sugeria.

E agradeço, GG, que lhe passasse pela cabeça oferecer-me o livro. Não é preciso que o tenho mas, acredite, sinto-me agradecida como se agora o tivesse recebido de presente.

Um abraço!

Silenciosamente ouvindo... disse...

Também já vi o filme. Ontem à tarde. Estavam poucos espectadores na sala.

Na fila onde fiquei além de eu e o meu marido apenas uma senhora.

Li o livro há imensos anos e tinha gostado bastante, mas sinceramente

já não me recordo bem. Tenho que o voltar a reler.

Gostei muito da música, e da cena final. As palavras não foram

necessárias.

Subscrevo a sua análise. Deviam ter arriscado mais na intensidade

dos sentimentos.

Bjs, e bom domingo.

Ah, fico à espera da novidade.

Irene Alves

Rosa Pinto disse...

Pronto. Também já vi o filme. Nada de por aí além....morno...vê-se...não vou dizer - vai ver.

By Me disse...

Adiei os meus compromissos e sentei-me a ver. Tem alguma razão! Faltam cenas arrebatadoras; Bofetadas na cara, gritos de revolta, corridas desesperadas...lágrimas a escorrer, uma história com ingredientes chocantes!Um verdadeiro drama!
Pelo contrário, é um enredo calmo, sereno, pleno de glamour, se seriedade, de tranquilidade, de magia ...de poesia, de sedução___ Adorei! Julgo que não falta nada! Caiu-me bem... como uma serenata de Outono ou uma música Jazz...delicioso...nestes casos é preciso ter outra sensibilidade! O fim! Apoteótico, aquele sorriso de Carol...