sábado, setembro 02, 2017

Repete as sílabas onde a luz é feliz e se demora.



Posso mudar a cor do céu, incendiar a linha do horizonte, posso inventar cenários impossíveis,  posso pintar as árvores debruando-as a encarnado, posso incandescer o que vejo enquanto aspiro a serenidade dourada do entardecer, enquanto sinto o nostálgico recolher dos pássaros.


Posso tingir o céu com padrão de damasco, pintar a cor das folhas que, ao anoitecer nele se recortam, posso fazer brilhar ainda mais a lua, posso acender um halo purpúreo em volta dela, posso sentar-me no chão, ouvir o silêncio, deixar que de mim nasçam as cores que alumiam a escuridão que quer envolver-me.


Posso deixar que os meus olhos vejam um azul cobalto quando o azul já se tingiu de ultramarino, posso fazer a lua dançar derramando luz como uma insubmissa serpentina branca, posso salpicar de incarnadine o que sobra da silhueta das folhas, posso ouvir ao longe, muito ao longe, uma música e sonhar que é para mim que os acordes soam.

Posso. Mas acho que não consigo mudar o sentido do vento que lentamente começa a soprar em volta das folhagens, fazendo-as dançar, arrefecendo a minha pele que ainda há pouco se aquecia ao sol.

Tenho então que entrar em casa, fechar as janelas, acender a luz que é suave, guardar os sonhos, refugiar-me entre as palavras, sílaba a sílaba desenhar a luz, idealizar a sombra quando se demora nos muros, escrever-vos sobre os ténues fios que o tempo vai tecendo em volta de mim, à vossa vista.


Faz uma chave, mesmo pequena,
entra na casa.
Consente na doçura, tem dó
da matéria dos sonhos e das aves.

Invoca o fogo, a claridade, a música
dos flancos.
Não digas pedra, diz janela.
Não sejas como a sombra.

Diz homem, diz criança, diz estrela.
Repete as sílabas
onde a luz é feliz e se demora.

Volta a dizer: homem, mulher, criança.
Onde a beleza é mais nova.


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Pudera eu comandar o vento, o rodar dos dias, encurtar distâncias, dilatar a doçura da luz 

Mas não. Não sou como ela que aqui diz:

I, too can command the wind, sir!




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As fotografias foram feitas in heaven
O vídeo é do Cine Povero: 'Faz uma chave', poema de Eugénio de Andrade que também o diz.
Excerto de Elizabeth: The Golden Age com Cate Blanchett

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