domingo, outubro 15, 2017

Onde estão as mulheres?




Fomos, por pouco tempo, até à nossa casa no campo. Éramos para almoçar num restaurante onde, volta e meia, paramos. Estava fechado. Fomos então até a um outro numa pequena aldeia lá perto. Quando o dono do restaurante nos veio atender, com duas ementas na mão, naturalmente devo ter-me mobilizado para a receber. Não senhor, muito respeitosamente entregou-a ao meu marido e, só depois, a outra a mim. Quando ele se afastou, o meu marido riu-se: 'Pensavas que te ia dar a ti... querias...'. De facto. E foi assim durante todo o almoço. Depois reparei que, nas outras meses, a regra era sempre essa: primeiro os homens.

Também já aqui referi a impressão que me faz quando, nas aldeias do país profundo, vejo os cafés cheios de homens, grupos de homens conversando nos passeios, e nunca nenhuma mulher. Se uma pessoa quer um café ou uma água tem que penetrar, não sem alguma ousadia, naquele exclusivo espaço masculino. Disse ousadia mas não. Quando o faço, não é ousadia que sinto. É curiosidade. Mas penso: se eu não fosse uma turista acidental mas sim uma habitante local, talvez tivesse que ser ousada para ir contra os hábitos da comunidade.


Habituada que estou a que nenhum espaço me seja vedado, a frequentar espaços em que não existe qualquer diferenciação de género e a que me seja dada a primazia de passagem, de atendimento, etc, fico sempre admirada quando me acontece o contrário.

Ainda no outro dia, por exemplo, estávamos num grande almoço numa certa guest house. Na minha mesa, era eu e mais onze cavalheiros. A comida estava em travessas numa bancada. Estávamos sentados à mesa, na conversa, tasquinhando azeitonas, pão, azeite, queijo. Às tantas, ouvi chamar o meu nome. Era o dono da casa que me chamava, dizendo-me: não é serviço à mesa, é self-service. Se não pára de falar e não vai servir-se, temos que ficar todos aqui à sua espera. Estava tão distraída que nem tinha dado por isso. Mal me levantei, logo todos os outros me seguiram. E, para mim, isto é o normal.

Contudo, o que hoje me aconteceu não foi inédito. Especialmente nas pequenas terras de província, a prioridade da deferência é, muitas vezes, reservada aos homens.


Mas, se falo em gestos de elegância que me são reservados nos meios mais cosmopolitas, também é verdade que, em cargos de gestão, sou uma mulher entre uma larga maioria de homens. E quanto mais se sobe na hierarquia mais rareia o género feminino. Estive, no outro dia, numa reunião na qual participavam os mais altos responsáveis de um grande grupo empresarial. Numa sala imensa, equipada com a melhor tecnologia, com belíssimas pinturas nas suas paredes, à volta de uma mesa da melhor madeira e de uma dimensão imensa e sentados em belos e confortáveis cadeirões de pele, era eu e mais catorze homens. Conhecendo-os como os conheço, percebo: uma mulher ia desestabilizar aquele discreto equilíbrio em que ninguém ousa dar um passo dissonante ou pronunciar uma palavra desalinhada.

Ou seja, diga-se o que se disser, apesar de tudo, é ainda um mundo de homens.

Aquilo de que no vídeo abaixo se fala não tem a ver com a sociedade rural ou com o misógino mundo dos negócios. Tem a ver com mulheres artistas e do longo caminho que têm percorrido para poderem afirmar-se como mulheres.

Na pintura como na literatura ou na música, quantas mulheres anularam a sua identidade para que a sua obra se pudesse impor? E quantas não ficaram pelo caminho? Quantas não viram a autoria da sua obra atribuída a homens, nomeadamente aos homens com quem viviam?

Os tempos têm vindo a mudar, é certo. Mas, infelizmente, não em todo o lado e não tão celeremente quando devido.

Mas aqui fica o vídeo.

Jemima Kirke – Where Are the Women? | Unlock Art

Girls actress Jemima Kirke (known as Jessa Johansson in the HBO series) addresses the topic of women in art (or the lack them). She looks at the changing role of female artists in a male dominated art world over the centuries - and how some of them eventually took on the establishment in the 1970s.


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Uma mulher artista

Yayoi Kusama – Obsessed with Polka Dots


The nine decades of artist Yayoi Kusama’s life have taken her from rural Japan to the New York art scene to contemporary Tokyo, in a career in which she has continuously innovated and re-invented her style. 
Well-known for her repeating dot patterns, her art encompasses an astonishing variety of media, including painting, drawing, sculpture, film, performance and immersive installation. It ranges from works on paper featuring intense semi-abstract imagery, to soft sculpture known as ‘Accumulations’, to her ‘Infinity Net’ paintings, made up of carefully repeated arcs of paint built up into large patterns. 
Since 1977 Kusama has lived voluntarily in a psychiatric institution, and much of her work has been marked with obsessiveness and a desire to escape from psychological trauma. In an attempt to share her experiences, she creates installations that immerse the viewer in her obsessive vision of endless dots and nets or infinitely mirrored space. (...)

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