quarta-feira, maio 09, 2018

Pedro Sousa e D. João VI - gémeos separados à nascença...?


Por vezes quase sou levada a pensar que nasci para sofrer. Conto. Estava eu aqui, linda e posta em sossego, neste meu torpor ledo e cego, vagueando nos saudosos campos do meu sofá, quando percebo que, uma vez mais, a fortuna não deixa durar muito esta minha paz de espírito já que aqui, nesta minha sala, já se falava de futebol e de casos e de árbitros e de vídeo-árbitros e da cama que estão a querer fazer ao Vitório e já todos fazendo drama, zangados uns com os outros, interrompendo-se, amuando, picando-se. 

Olho, então, para a televisão e, para meu grande espanto, vejo um senhor muito meu conhecido.

Indaguei: mas o nosso esbelto D. João VI reencarnou como comentador de futebol?

O meu marido confirmou: pois é, bem me parecia que este gajo era parecido com alguém.

Nem mais.

E assim é que daqui lanço um apelo à equipa da TVI24: façam um favor de arranjar um capachinho em bom, de cabelinho branco e suiças generosas, para o Pedro Sousa e arranjem-lhe um casaquinho à Goucha, colorido, com dourados e medalhões -- a ver se ele não fica tal e qualzinho o nosso fofo D. João VI.



A diferença está nas mulheres. Enquanto o nosso D. Juan se casou com uma Carlota Joaquina que fazia um belo pendant com ele, o futeboleiro Pedro Sousa teve gosto mais apurado e parece que desposou a Patrícia Gallo, que, não desfazendo, sempre tem melhor catadura que a dita Jaquina.




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E pronto, é isto. 
Agora vou ali escolher uma toilette para me vestir a preceito para um evento temático. 
Já volto para vos mostrar a minha escolha.

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terça-feira, maio 08, 2018

Fernanda Câncio e a tragédia de Sócrates:
ou quando uma mulher usa a sua condição de jornalista para ajustar contas com o ex-namorado


Faz dois anos escrevi aqui sobre os escritos de Fernanda Câncio sobre Sócrates. Dizia, então, que sentia alguma (genuína) pena dela e aconselhava-a a seguir em frente, não ficando enredada nas memórias e nas justificações face ao que sabia ou deixava de saber sobre o ex-namorado.

É certo que Sócrates congrega ódios e paixões pelo que não me custa a imaginar que uma mulher como Fernanda Câncio, toda ela igualmente temperamental, depois da rotura amorosa, possa ter passado da paixão ao ódio. Mas, lembrava-a eu, nessa altura, há sempre mais vida para além da morte de um relacionamento e que o melhor é seguir com a bola para a frente. Ressentimentos e desejos de vingança nunca foram bons conselheiros.

Ainda há dias voltei a ouvir a divulgação pública de telefonemas seus para Sócrates e imagino como se sente ridícula e arrependida daquelas conversas. Todas as brincadeiras, meiguices ou malandrices são permitidas na intimidade de uma conversa a dois mas, quando expostas fora de contexto, facilmente podem ser apenas patéticas. Eu sentir-me-ia humilhada se fossem minhas aquelas palavras.

Mais: tendo namorado com aquele homem poderoso, carismático e de raciocínio ágil, imagino como se sentiu ela ao descobrir que, afinal, pouco sabia daquele homem. Mais ainda: como mulher, imagine-se a perplexidade ao saber como Sócrates não apenas já estava de namorada nova como também ajudava financeiramente outras mulheres. Facilmente uma mulher que se sente enganada se sente furiosa e com vontade de se vingar. Imagine-se, então, uma mulher como Fernanda -- do que lhe tenho visto, facilmente se transformará numa irascível gata em telhado de zinco quente  pelo que dela tudo se poderá esperar.

Imagino-me, eu, no seu lugar. Imagine-se se, ao ligar a televisão, ouvia a minha voz dengosa falando com ele, querendo convencê-lo a comprar uma casa caríssima, ou ouvia alguém a relembrar as minhas férias com ele, referindo que frequentávamos belíssimos restaurantes, e eu, tonta ingénua, na altura, convencida de que ele nadava em dinheiro. Imagino quão ridícula e parva me sentiria agora, ouvindo isso. Eu a querer uma casa cara e ele a chamar-me à razão, eu, ivozinha infantilóide, a dizer 'buraco és tu...'. Ah, quanta raiva. Como teria podido ser tão burra, tão inconsciente a ponto de não ter percebido nada....? Como? E a ouvir a cumplicidade dele para com a mãe dos filhos.... Ah, quantos ciúmes.

Imagino a mágoa, a incredulidade, a vontade de lhe atirar à cara mil impropérios. 
Então, afinal, não eras rico? Então vivias às custas de um amigo...? Mas onde, à superfície da terra, alguém nos dias de hoje vive às costas de alguém...? Filho da mãe que não confiaste em mim, que não me contaste nada! Um pelintra sem ter onde cair morto e, veja-se bem, armado em bom,  a dispensar pagamentos, como se tudo aquilo fosse dinheiro da mãe ou de empréstimos. Falso, falso! E, se foste falso a esse ponto, quem garante que não foste corrupto e que tudo em ti não é um logro? Alguma vez me amaste? Alguma vez me falaste verdade? Como foste capaz? Como deixaste que eu me expusesse, defendendo-te, quando não passas de um vulgar mentiroso? Odeio-te, odeio-te, odeio-te agora e na hora da tua morte. Safado, sacana, filho da mãe! E eu que gostei tanto de ti... Como pudeste fazer-me isto, Zé...?
E Fernanda, sentindo pena de si própria, as lágrimas escorrendo-lhe no rosto, sentindo a raiva a crescer-lhe dos dentes, varada de ódio e ciúme, não podendo deitar as unhas de fora e arranhá-lo de alto a baixo, atira-se ao computador e, com a força das suas palavras, mentalmente chamando-lhe bandido, aldrabão, sacana da pior espécie, e jurando a pés juntos que nunca mais na vida lhe dirige a palavra e que, se se cruzar com ele, virará a cara e fingirá que não o conhece, vai escrevendo:
(...) Urdiu uma teia de enganos. Mentiu, mentiu e tornou a mentir.
Mentiu ao país, ao seu partido, aos correligionários, aos camaradas, aos amigos. E mentiu tanto e tão bem que conseguiu que muita gente séria não só acreditasse nele como o defendesse, em privado e em público, como alguém que consideravam perseguido e alvo de campanhas de notícias falsas, boatos e assassinato de caráter (que, de resto, para ajudar a mentira a ser segura e atingir profundidade, existiram mesmo). (...)
Chocante, porém não surpreendente. De alguém com uma tal ausência de noção do bem e do mal, que instrumentalizou os melhores sentimentos dos seus próximos e dos seus camaradas e fez da mentira forma de vida não se pode esperar vergonha. Novidade e surpresa seria pedir desculpa; reconhecer o mal que fez. Mas a tragédia dele, que fez nossa, é que é de todo incapaz de se ver.
Fernanda é, ao escrever estas palavras, não uma isenta jornalista, mas uma mulher ferida. Uma mulher que usa o púlpito do Diário de Notícias para ferir José Sócrates tanto quanto ele a feriu a ela. 

E eu, no fundo, tenho pena dela e dele. Estão unidos pela mesma tragédia.


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Cecilia Bartoli interpreta "Sposa son disprezzata" de Vivaldi
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segunda-feira, maio 07, 2018

Sócrates, Pinho, a Justiça, a populaça




Assusta-me ver como há tantas pessoas que condenam na praça pública sem necessidade de julgamentos de verdade. Assusta-me ver a superficialidade de grande parte da população que se acha dona da verdade e da capacidade de julgar, dispensando provas, contraditórios, testemunhos. Assusta-me perceber como qualquer pessoa pode, na realidade, tornar-se vítima de processos que se julgariam apenas possíveis na imaginação de escritores. Assusta-me ver como é fácil trucidar alguém, lançando notícias no Correio da Manhã. Assusta-me perceber como tanta gente confunde os planos e da censura ética, baseada em factos conhecidos, tão facilmente parte para a condenação judicial no pelourinho da comunicação ou das redes sociais, e isto com base em partes de factos, as partes que alguns jornalistas seleccionam.

Assusta-me ver como, da simples defesa do funcionamento do Estado de Direito em todas as suas vertentes, há quem infira que, quem o faz, é incondicional de A ou de B e, de imediato, essas pessoas sejam incluídas na claque de A ou de B e, provavelmente, tão 'culpados' quanto eles.


Do caso Sócrates, tal como agora do caso Pinho ou de qualquer outro, a minha posição é a mesma de sempre: para julgar existem os tribunais e, até prova em contrário, todas as pessoas são inocentes. 

E não é qualquer um que é juiz nem é qualquer um que está em condições de decretar sentenças. É preciso ter formação e é preciso estudar os casos.

Nem eu, nem o Dâmaso, nem a maior maioria de quem fala (ou escreve ou sentencia contra qualquer dos arguidos mais conhecidos) é juiz ou conhece todas as peças dos processos. Portanto, não me sinto habilitada a pronunciar-me -- e assusta-me ver como os cuidados que eu tenho são ignorados pela maioria das pessoas. 

O que digo desde sempre é o mesmo: que quem for culpado, seja condenado. Que até ser condenado pelos tribunais, ninguém o seja na praça pública. E que seja devido respeito a todos os cidadãos.

Os tempos estão mais para o populismo e para a consequente regressão democrática do que para a ponderação e recato que situações complicadas requereriam, mas a mim não me verão a percorrer o caminho mais fácil. Não alinho em julgamentos populares.


Fui crítica em relação a situações dúbias em termos éticos e que, no entanto, eram aceites pela comunidade:

  • Gente 'influente' nos meios do poder, com uma boa 'agenda' (leia-se: 'contactos'), era (e já não é?) convidada a fazer parte de conselhos de admistração, conselhos fiscais, mesa da assembleia geral ou cargos de assessoria de tudo o que era grande empresa. Ninguém comenta(va), tudo normal.
  • Deputados em part-time têm poiso em tudo o que era (e já não é?) escritórios de advogados ou cargos aqui e ali -- e, enquanto isso, decidiam e legislavam sobre dossiers sensíveis. Tudo normal para o comum dos mortais. 
  • Deputados e jornalistas a passearem por aqui e por ali, pagos por empresas (e não: não era só o BES que pagava essas moromias!) -- tudo normal. Ontem e, presumo, ainda hoje. 

Ninguém diz nada ou, se dizem, falam baixinho. Uma situação que se presta à promiscuidade, aos jogos de favores -- e tudo a céu aberto. E ninguém vê até algum cair nas malhas das suspeições e ficar na mó de baixo.

Quantos dos meninos do Expresso e de outros jornais que hoje tanto comentam estes casos não andaram a viajar à conta, a andar de barco à conta, em bons hotéis à conta, em bons restaurantes à conta? Corrijo: andam. Poderia dizer nomes. Poderia porque sei. A hipocrisia dos que falam do alto da sua cátedra contra A ou B incomoda-me sobremaneira, especialmente por saber como sabem ser servis para com quem os leva a conhecer do bom e do melhor. 


Outra coisa. Que o BES empregou meio mundo era mais que sabido. E dava garantias de reingresso a todos quantos de lá saíam para cargos políticos. Mas qual a novidade disso? E, na verdade, qual o mal disso? Se alguém tem um bom emprego numa empresa, vai largar essa estabilidade folgada para se ir enfiar num governo sujeitando-se a trabalheiras, maçadas e decréscimo de nível de vida e arriscando-se, quando de lá sair, a ficar desempregado? Só se for maluco. Além do mais, para essa empresa, é bom ter de volta, aos seus quadros, alguém cujo CV terá sido enriquecido pela experiência e pelos contactos adquiridos. Mas, e que mal pergunte... era só o BES que fazia isso...? Olhem que não... olhem que não... Alguém que pesquise o que se passava com todas as outras grandes empresas verificará que, afinal, não era só no BES que isso acontecia.

Não conheço pessoalmente nem Sócrates nem Pinho, excepto por ter estado para aí umas duas vezes em eventos nos quais ambos estiveram. Deles apenas posso falar enquanto cidadã, por me ter sido dado assistir à governação que cada um, a seu nível, levou a cabo. O juízo que fiz sobre Sócrates, em particular, expressou-se nas urnas.

Se fosse amiga pessoal dele, teria questões a colocar-lhe pois há aspectos que vieram a lume na sua conduta pessoal que me deixam um bocado perplexa. Mas não sou sua amiga, nem pessoal nem sem ser pessoal.

A nível criminal, espero que a Justiça funcione pois estou curiosa para saber qual o desfecho do processo Marquês. Estou mesmo muito curiosa para saber quais as provas que existem pois, até hoje, ainda não ouvi falar de uma única.

Quanto aos pilares do Estado de Direito, espero que se mantenham firmes e saudáveis apesar de toda a onda de populismo que por aí grassa e pelo gosto de espectáculo e de pisar quem cai em desgraça que a populaça sempre demonstrou.

E, tirando isso, por hoje, nada mais a dizer.


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Fotografias deste domingo feitas in heaven
Guardian angels de The Triumph of Time and Truth (HWV 71) de George Frideric Handel (1685-1759) com Sophie Bevan como soprano
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domingo, maio 06, 2018

Condição de mãe




Conheço mulheres que quiseram ser mães e tentaram e tentaram e tentaram, lutando incansavelmente até serem forçadas a desistir. Conheço outras que gostavam muito de ter sido mães mas a vida foi passando sem que a oportunidade tivesse surgido. Também conheço algumas que nunca sentiram o apelo da maternidade. Nenhuma deixa, por isso, de ser mulher por inteiro.

E conheço as que foram mães depois de muito esforço, umas lutadoras, e outras que o foram sem esforço. E conheço algumas que muito trabalham e muito lutam para conseguirem dar uma vida boa aos seus filhos e outras que conseguem ser mães a tempo inteiro. E conheço mães a quem o infortúnio levou um filho, sofrendo na carne no espírito a dor mais triste e dilacerante de todas as dores. Todas mães de corpo e alma.

Todas nasceram de uma mãe. Umas têm uma relação próxima com a sua mãe, outras assim-assim e outras já não a têm consigo. Mas, para todas, a mãe será, sempre, uma presença.

Se falar apenas por mim, posso dizer que desde que me conheço que senti vontade de ser mãe e que, casada ainda quase menina e moça, logo que senti que a nossa vida estava estável, curso acabado e trabalho garantido, logo partimos para cumprir esse meu sonho (melhor: nosso sonho). Fui mãe aos vinte e poucos e apenas porque não tinha apoios familiares perto de nós e porque conciliar a vida profissional e familiar não era fácil nos ficámos pelos dois filhos. Outras tivessem sido as circunstâncias e vontade de ir aos quatro ou cinco ou mais não me teria faltado.

Sou muito, mas mesmo muito, chegada aos meus filhos, os meus muito queridos e amados filhos, e não há dia que passe que não sinta necessidade de ouvir a sua voz e semana que passe que não tenha vontade de estar com eles. Quando penso em mim, penso logo na minha condição de mãe. Ser mãe é uma parte muito funda e íntima de mim.

E sou também muito próxima da minha mãe. Sempre fui. Não sei se alguma vez a magoei. Creio que não mas, se o fiz, foi involuntariamente e, do mais fundo do meu coração, espero que logo mo tenha perdoado. Todos os dias falo com ela e, nestes últimos anos, duas vezes por dia. Preciso de saber que, quer ela quer o meu pai, estão bem. 

A minha maneira de ser não é muito parecida com a da minha mãe, excepto no sentido de humor, no sentido prático e no gosto pelo riso. Não sei se teria a coragem, a força e o sentido de abnegação que a minha mãe tem. Nem sei se chegarei à idade dela e, muito menos, se chegarei como ela aqui chegou: jovial, sempre sorridente, bem disposta, cheia de energia e planos. Tem oitenta e cinco anos e está muito longe de ser velha, quer de corpo, quer de alma.


Hoje, in heaven, apanhei um ramo de flores do campo e, ao fim do dia, fui lá a casa e levei-lho. Tem aquele perfume de que ela tanto gosta e imagino que lhe traga a memória dos seus tempos de meninice, quando corria pelos campos, loura e inocente, longe de saber os anos de dureza que um dia haveria de ter pela frente.

Não sou de festejar os Dias de. Parece-me coisa mais virada para estimular o comércio do que para incentivar afectos transviados. Mas o que posso acrescentar, a propósito deste domingo ter sido o Dia da Mãe, é que o que desejo a todos quantos por aqui me acompanham é que vivam em paz e harmonia com as mães, os filhos ou a sua memória.

In heaven, o corpo entregue ao sol e ao amante do Porto




Este sábado esteve azul e o ar perfumado e tépido. Dia tranquilo e bom. À chegada aqui, a casa gelada. As paredes largas de pedra conservam ainda o frio deste inverno prolongado. Mas, lá fora, quentinho e macio de dar gosto. Despi a roupa que trazia, vesti uns shortinhos, um topzinho de alcinhas, descalça, a pele redescobrindo o prazer da liberdade intrínseca da motherland.


Depois de almoço, abri a espreguiçadeira debaixo do telheiro. Contudo, o sol, na maior obliquidade, furava a folhagem da figueira toda rebentadiça e de todas as árvores que, beneficiando do mistério que habita in heaven, crescem desmesuradamente e se misturam na sua diversidade e fulgor, e a luz morna vinha pousar na minha pele.

Tão bonito, tudo tão bonito, e sensações tão boas, tudo tão primordial e simples.


As telhas por cima de mim, e eu gosto delas mesmo assim, esverdeadas da humidade do inverno, e os verdes das árvores ali à frente tudo tão cheio de paz e eu, encantada, deitada, a fotografar tudo.

Tinha trazido um livro e tinha começado a lê-lo no carro, o último da Rita Ferro, 'O amante do Porto'.
Falo dos outros mas eu própria guardo alguns preconceitos de estimação. Quando ela apareceu, não me lembro se a escrever a meias com a filha ou qualquer outra coisa, achei que era mais uma daquelas zinhas que escrevem delicodoçuras e palavrões a metro, tudo muito rebelo pinto, tudo muito beta e vazio, a fazer de conta que é livro. Não comprei, não li. Até que um dia qualquer, não sei porquê, folheei e pareceu-me ver ali coisa bem escrita. Levei para casa e gostei. Depois disso já li mais um ou outro, e acho sempre que é uma mulher desenvolta, de verbo solto e escrita fluida. Escreve bem e prende. 
E, portanto, ali estive, estendida sob o sol rendilhado de sombra, a ler. Não foi, no entanto, sol de muita dura. Logo adormeci. É uma sensação boa, boa, esta de sentir o sono a chegar devagarinho, eu a deixar-me ir, o ar quentinho sobre mim, toda eu leveza e rendição.

Dormi uma bela sesta.

Quando acordei, os pássaros cantavam a várias vozes e a plenos pulmões. Deixei-me ficar a acordar devagarinho.


Dpois retomei o livro. Ouvia, lá em baixo, o meu marido com a motosserra mas como sabia o que ele andava a cortar, não senti necessidade de ir verificar. Estava a cortar os ramos dos cedros até para aí um metro de altura da terra. Portanto, tranquilo. Não corria risco de fazer avaria como a que fez no outro dia com a roçadora, quando despedaçou uma fiada de lírios do campo, deixando-me inconsolável. Lírios é o que não falta por aí. Estes devem fazer cá uma falta..., disse ele, ainda armado em bom. E achas que, com a máquina a trabalhar, posso estar a ver erva a erva: esta corto, esta não corto? - perguntou, irritado por eu estar zangada. Expliquei-lhe pela milésima vez: 'Lírios não são ervas, são flores'. Mas é escusado. Mas agora estava concentrado na parte de baixo dos cedros, não havia grande margem para fazer estragos.


Portanto, pude ler descansada. Não direi que é grande literatura mas tem aquele misto de escrita pessoal, de vivência de mulher independente, livre e inteligente, de frases bem construídas e de enredo escorreito que leva a que sigamos para a página seguinte até chegarmos ao fim. Não me acontece aquilo de ficar presa ao encantamento como quando, por exemplo, leio 'O leopardo' em que, a cada frase, me detenho tentando contemplar, com vagar, a elegância e ironia do que acabei de ler. Mas mal estaríamos se no mundo só houvesse génios. Perderíamos a oportunidade de nos deslumbrarmos com a superação de alguns.


Li o livro todo, portanto. De penálti.

A seguir, fui pôr uma roupa a lavar, fui comer uns morangos e fui ter com o meu marido.

Havia montes e montes de grandes ramos de cedros que já estava a transportar para o 'campo de futebol' para fazer uma fogueira. Ajudei-o e fui desramar mais umas quantas pequenas azinheiras e aroeiras.


Regressei já ao anoitecer. O céu lindo, as árvores lindas e multicores recortadas contra aquele azul cobalto e profundo. Não resisti a fotografar.


Os pássaros já estavam aquietados, o silêncio já apenas interrompido por um ou outro canto tardio.

Tudo me parece tão belo e inexplicável que penso que toda a minha espiritualidade converge na adoração que tenho à natureza, às árvores, à perfeição das flores e do canto dos pássaros, à vastidão do céu, aos cheiros da terra. Não sobra espaço para misticismos de outra natureza.
Talvez apenas para as provas da existência da arte e da generosidade dos homens (quando elas existem, claro -- e existem).

Pensava que tinha que ir pôr o arroz ao lume, que já não era nada cedo, que tinha roupa para apanhar e outra para estender e ali andava eu a fotografar, quase em êxtase.

E a luz tinha-se extinguido, o céu tinha anoitecido de vez, as flores brancas da Robinia pseudoacacia desafiando a escuridão e eu a pensar que se um dia, em momentos assim, passa, junto a mim, um gato ou uma raposa, apanho um susto daqueles. Mas não passou e eu entrei em casa, feliz da vida como se estivesse a regressar de um magnífico espectáculo.


Depois fui aos meus afazeres. Só depois chegou o meu marido, cansado, a cheirar a fumo. Tinha ficado lá em baixo até a fogueira ficar apagada.

Enquanto os banhos não estivessem tomados, a roupa suja dele a lavar e que pudéssemos ir à janta, ainda demorou. Jantámos tarde, portanto.

Agora aqui estou, no maior silêncio, sozinha na sala. Há pouco o meu marido mexeu-se na cama e, de lá, perguntou-me quando é que eu ia para a cama e que horas é que já eram. Passa da uma e meia, respondi-lhe. Na brincadeira, perguntou a que horas queria eu que ele me acordasse amanhã. Livra-te, disse-lhe eu. Mas a verdade é que amanhã já é hoje. Espero que não me acorde para eu poder desfrutar a manhã de domingo na caminha, na maior paz. Abrirei a janela para que a luz e o canto dos pássaros me despertem com gentileza, deixarei que o meu corpo guarde este tempo longo e suave dentro de mim.

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Sergei Polunin e  Natalia Osipova em "Falling Into Place” 



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[E, caso prefiram outro tipo de danças, queiram descer até o post abaixo. Imperdível, vos digo eu]

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Do melhorzinho que tenho visto


Desespero aqui com a falta de rede. Verdadeiramente a pedal. Quero ver os blogs que acompanho e primeiro que abram é um desespero. Quero espreitar as notícias e vejo o computador a puxar pelos neurónios, os miolos à voltinha e nada, o mundo toldado de branco, sem nada a acontecer. Habituada que estou a fazer tudo à pressão, só me apetece fechar a tampa do computador e pôr-me a ver televisão. Depois controlo as pressas. É como quando venho ao supermercado na vila aqui mais perto ou na cidade a seguir. Os empregados na maior vagareza e eu numa impaciência. Conversam com os clientes, olham para quem passa ou está noutras caixas, e eu incapaz de perceber como é que toda a gente acha aquilo normal. Só me apatece refilar: 'Desculpe lá, importa-se de prestar atenção ao que está a fazer e despachar-se?'. Mas contro-me. Penso, então, que, se calhar isto é que é normal e não a velocidade a que tudo se processa nos supermercados de Lisboa. Aqui, agora, também. Fraca cobertura de rede. Mas não é fácil ter paciência. Quero espreitar os vídeos que o Youtube tem para me fazer agradinhos e sofro para conseguir que as imagens apareçam, as imagens mexam, que o enredo desenrole, que a malta mexa os pés.

Enfim. A verdade é que abri este vídeo e, depois de longa espera, já me deliciei. E, pasme-se, a coisa passa-se há 85 anos! Quando penso em como tanta gente, nos tempos que correm, é tão cinzentinha, tão arrumadinha da cabeça, quadradinhos da ponta dos cabelos à ponta dos pés, incapazes de uma gargalhada ou de um acho descomportamentado, penso que os tempos parece que não correm no sentido da alegria e da irreverência mas no sentido padralhoco, beatífero e bafiento. 

Eu, pela parte que me toca, vou ver se convenço o meu parceiro aqui do lado a ensaiar esta coreografia comigo para, na próxima festarola familiar, surpreendermos toda a gente com um número que certamente não vai deixar ninguém indiferente.



Wilson and Keppel, Sand Dance. 1933

sábado, maio 05, 2018

Vandalizar com sentido de humor


Inteligência é fundamental. Elegância é fundamental. Decência é fundamental. E muito mais coisas são fundamentais. 
Cruzo-me a toda a hora, por estas bandas e por outras, com pessoas que se acham o máximo, que desdenham tudo o que não bajule o seu pedantismo, pessoas que exibem a sua sabedoria, a sua estreita e coxa sabedoria, pessoas que da vida pouco mais conhecem que o seu bafiento umbigo. Geralmente a pessoas assim faltam muitas coisas e uma que logo sobressai pela ausência é o sentido de humor.
Gente que se acha o máximo mas que, à vista desarmada, exibe a sua falta de sentido de humor é gente que não vai longe. Invariavelmente tropeçam no seu fel e estatelam-se contra o espelho que têm como público. Uma lástima. Poderia ilustrar com casos concretos mas prefiro ignorar a publicitar.

Em contrapartida, pessoas há que, apesar de viverem momentos de dor ou perturbação, conseguem ver para além de e elevar-se até ao varandim de onde tudo se vê em perspectiva e, ao falarem, conseguem rir de si próprios, mostrando a grande dimensão da alma que os habita. Para o ilustrar, poderia aqui deixar o link para um extraordinário blog da autoria de alguém que se enquadra nesta categoria mas, claro, não o faço pois, apesar de adorar a sua criatividade e humor, respeito o que lhe vai na alma e não ia aqui referi-lo. 

Num dia agitado e complicado (mais um) e depois de ter aterrado aqui, a dormir, sem um pingo de energia no corpo, eis que, ao acordar, vejo que o meu amigo secreto que se esconde na programação do YouTube tinha coisas para me animar. E, de novo, juntando coisas que me agradam. Desta vez, graffiti e humor. Uma graça.


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Ao jantar perguntei quais as notícias do dia. Disseram-me: o Sócrates saíu do PS. Trocámos umas quantas palavras sobre o assunto. E, se calhar, era natural que eu agora aqui falasse nisso. Mas hoje não é o dia.

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sexta-feira, maio 04, 2018

Quando os miúdos tiram os graúdos do sério
[O caso do meu filho, por exemplo]


Só para dizer que percebo o desespero dos que se podem ver no vídeo lá em baixo. As crianças, volta e meia, levam qualquer um ao desespero ou colocam-nos em situações do caneco.

Por exemplo, o meu filho quando era pequeno. A minha filha teria mil coisas mais a dizer que eu -- mas não vou, aqui, arrasar o bom nome do rapaz que já é pai de família e tem uma imagem a preservar. Conto só uma ou duas. 

Teria ele um ano, se tanto, fomos a um restaurante à noite, no inverno. Levámo-lo no carrinho e deixámo-lo ali, entre nós. Veio o empregado com as ementas. E vai ele desata a dar grandes puns (ele, o meu filho, bem entendido) e o empregado a tentar manter-se composto. Passado um bocado voltou para receber o pedido. E o meu filho a continuar naquilo. Começa-me a dar vontade de rir. O empregado já a dar sinais de fraquejar. E o meu filho a dar uns puns absurdos. O meu marido, como sempre, inalterável e eu já a rir descontroladamente, o empregado a tentar controlar o riso. Lembro-me que eu pensava que devia levantar-me e ir com o rapaz para a rua (o rapaz, o meu filho, claro) mas com o frio que estava ainda o constipava. Ou ir com ele para a casa de banho e ficar lá fechada a noite inteira...? Perdida de riso que estava nada fiz. Até hoje, quando me lembro de mim incapaz de falar e do empregado a retorcer-se para também não cair na risota, ainda me desato a rir.

Outra passou-se com os meus pais. Quando os meus filhos eram pequenos, os meus pais vinham de vez em quando ficar em minha casa para tomarem conta deles nas férias. Resolveram, então, comprar uma casa cá. Um dia, foram com eles ver algumas. Uma era uma pequena moradia com um quintalinho. A casa era muito antiga e os donos um casal de idade que queria voltar para a terra. Então, como sempre acontecia, ao meu filho, quando chegava a algum lado, dava-lhe vontade de fazer cocó. Teria uns dois anos, se tanto. A minha mãe começou por não lhe dar atenção. Depois tentou dizer que já se iam embora, que logo fazia quando chegasse a casa. E ele só a dizer que queria fazer cocó. O meu pai a querer ir-se embora, com medo do que pudesse acontecer achando que a higiene ali não era exemplar. A senhora, entretanto, a oferecer a casa de banho e os meus pais a quererem sair, ele a dizer que tinha que fazer cocó. A senhora a insistir e a minha mãe já com vergonha por não deixar a criança fazer uma necessidade e por não aceitar a gentileza da senhora. Então, incomodada e a ver a cara do meu pai, já furioso, a minha mãe lá foi para a casa de banho. Tentou pegá-lo no ar mas ele com medo de cair e a estrebuchar, não fez nada. Então a senhora foi ao quarto buscar um bacio, provavelmente o dela. A minha mãe enojada, que não, que não. E o meu filho que sim, que sim. E foi mesmo sim. Um cocozão no bacio duma velha numa casa desconhecida.

Outra vez, tínhamos ido passear a Espanha com os meus pais. Ficámos, na vinda, em Elvas, a jantar. Fomos a um restaurante numa rua por detrás da avenida principal. À entrada tinham um grande aquário. Sentámo-nos. Quando o empregado veio perguntar o que queríamos, o meu filho, que devia ter uns três anos mas que já, na altura, era um despachado, perguntou-lhe: 'Tem lagosta?'. E o empregado: 'Temos'. E ele: 'Então, quero lagosta'. E eu e o meu marido, encavacados, para o empregado: 'Não come nada...' Naquela altura a lagosta era um balúrdio e nós nunca gostámos de abusar (porque era o meu pai que pagava a conta quando comíamos fora). E os meus pais, 'Mas olhem, se ele quer..'. E ele 'Quero' e eu: 'Não quer nada'. E ele, já convencido: 'Pronto. Então quero canónes'. E o empregado: 'Canónes?'. E eu: 'Não comes nada canónes', e ele : 'Como, como'. Canónes era como ele dizia, vá lá saber-se porquê, camarões. Já nem me lembro como é que a coisa acabou. Presumo que o meu pai deve ter mandado vir uma travessa de camarões.

Mas, enfim, não conto mais (não conto, por exemplo, aquela de ele dar um grito e um salto no ar, tipo karaté kid, numa noite, ao ver uma t-shirt branca a levitar no corredor, quase me matando de medo, levando-me a mim a dar também um grito e um salto).

Mas vejam, por favor, este vídeo que me faz rir até mais não.


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E queiram descer até ao post seguinte para verem peças de toilette que talvez não tenham sido especialmente bem conseguidas

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Quando o designer não pensou bem no efeito da peça quando em uso
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NOTÍCIA DE ÚLTIMA HORA:
Descoberto o nome da herdeira do Paulinho


Já me aconteceu não ter tempo para, na loja, provar bem alguma peça de vestuário e, quando, em casa, ao usá-la, descobrir que as mangas são tão justésimas que fico com os braços enchouriçados lá dentro ou chegar à conclusão que o que pensava ser o decote é, afinal, a abertura das costas, supostamente para fechar com um laço, sendo, pois, fechadinha à frente (quando gosto de andar esgargalada).

Mas, enfim, desastres maiores que estes, assim de repente, não recordo. De resto, o mais que pode acontecer é ter que voltar à loja, para trocar a peça.

Mas há casos verdadeiramente desastrosos e com os quais, curiosamente, as pessoas parecem conviver bem. 

A selecção abaixo é apenas uma pequena amostra da colecção que o Bored Panda tem para nos apresentar. 

Este vestidinho era suposto fazer o corpinho da senhora mais elegante. Afinal... 
Para além de parecer que tem um das caldas a trepar por ela acima...
(mas isso, se calhar, já é a minha mente perversa a funcionar)


O malmequer estava com o período?


E este abaixo? Qual a ideia? Será para poder mostrar a todos que tem uma passarinha com asas?
(E umas pernas com olhinhos?)


Ups... Um spotlight na descaradona genitália das atletas...? 
Quem é que, assim, olha para a carinha delas quando sobem ao pódio?


Olha, e aqui abaixo? Mas qual foi a ideia? Qual a lógica de um padrão com moscas fornicadoras?


E este vestido, caneco? Podia ser tão bonito. 
Assim, até parece que a menina, talvez de tanto andar a cavalo, ficou com as perninhas não apenas arqueadas como completamente minguadas


E fico-me por aqui. 

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Entretanto, acabada de receber por mail, uma notícia de última hora:


quinta-feira, maio 03, 2018

Caneco, Steve Cutts, quando te tenho ao pé de mim, ainda fico com mais vontade de... (nem digo)
Olha, faz o favor de não me mostrares a tua visão do que é a felicidade nos tempos que correm. Ouviste...?


Tenho a dizer que o meu 1º de Maio foi um dia muito feliz.

Como boa trabalhadora que sou, trabalhei que me fartei. Dar de comer a muitas bocas e fazer gosto em que seja tudo feitinho com as próprias mãos é trabalhoso. Mas é trabalho que se faz de gosto e com recompensa imediata. Estar sentada no meio de tanta descendência é uma alegria. Ver como gostam todos tanto de estar uns com os outros é um aconchego para a alma. Ver os mais pequenos a brincarem em conjunto e o bebé já a querer participar nas brincadeiras é uma ternura.

Mas a realidade tem outras faces. Ao regressar ao trânsito, às reuniões, aos problemas e conflitos, às muitas horas de muitas coisas a que não se pode voltar as costas porque há compromissos e responsabilidades, ao chegar atrasada à fisioterapia receando que, uma vez mais, não conseguisse fazê-la, ao chegar a casa já depois das nove da noite, eu penso que já devia ter conseguido atingir o direito a ter uma vida mais descansada. Mas não sei como. Não é uma escolha, é assim porque é assim. Talvez seja esta a vida que escolhi mesmo sem perceber que chegaria a este ponto em que, mesmo que sinta vontade de trabalhar menos, o trabalho cai em cima de mim mais e mais e mais. Estou numa reunião, a conduzi-la e, sem poder desfocar-me dela, ao mesmo tempo a espreitar os mails que chegam e onde se anunciam crises e problemas que, se não atalhados, desembocarão em problemas maiores. E depois chegam mais pedidos de reunião e mais e mais e mais. Uma pastilha difícil de engolir. Pior: pastilhas que nunca mais acabam.

Estava na marquesa da fisioterapia e os mails continuavam e, ao contrário do que tantas vezes acontece, nem me deu sono. E agora que aqui estou, em vez de falar de frescuras e laroquices, estou nisto. Dia chato, conversa chata. Não gosto. Nem gosto de vos maçar com maçadas que só a mim dizem respeito. Mas nem energia nem inspiração para me alienar eu hoje tenho.

E aqui chegada, neste lindo estado de espírito, abro o YouTube para ver se o meu amigo -- que está carregadinho de inteligência artificial -- tem alguma graça para me animar e dou com um vídeo carregadinho é de ironia, de sarcasmo, de amargura. Steve Cutts, imagine-se. Logo ele. Caraças. Que mau gosto o do YouTube. Já uma vez aqui o tive, falando deste nosso mundo. Coisa lúcida até demais.

Agora, aqui, ele fala de Felicidade. Felicidade o escambau. Podia ser coisa para a gente se rir mas, bolas, vontade de rir é que eu não tenho mesmo. Ora vejam...



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quarta-feira, maio 02, 2018

Voa, Sergei, voa.
Out of the chrysalis



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As mulheres no mundo do trabalho





Não sinto que tenha sido prejudicada, a nível profissional, por ser mulher, mas talvez eu seja uma excepção. Não sei, se quisesse ter funções de maior responsabilidade do que as que tenho, se as poderia ter mas nunca tirarei isso a limpo porque não tenciono querê-las. Há um ponto em que o aumento de responsabilidade tem a óbvia consequência de uma redução na qualidade de vida. Sem me dar conta, de forma natural e progressiva, fui-me tornando muito dependente das responsabilidades que fui assumindo. Muita da minha paz de espírito ou tempo de descanso têm sido consumidos por eu, simplesmente, não poder virar as costas às minhas responsabilidades. Mas mais do que isto não. Sempre estabeleci uma fronteira muito clara: nunca o trabalho poderia afectar a minha disponibilidade para os meus filhos (em especial até serem adultos e agora também, sempre que necessário, para os filhos dos meus filhos), para o meu marido e, agora também, para os meus pais. Equilibrar o tempo para a família e para o trabalho sempre foi árdua ginástica mas tem resultado. E penso que é aqui que se estabelece parte da diferença entre homens e mulheres a nível profissional. Os homens facilmente dão o passo que desequilibra a sua presença na família em favor da presença no trabalho. Mas isto advém de um outro aspecto que, em si, é causa e consequência da preponderância masculina em alguns cargos ou profissões: o excesso de horas de trabalho fora de horas. Há este mito de que, para desempenhar algumas funções, tem que se estar sempre disponível, vinte e quatro horas por dia, sete dias por semana. Engano.
Quantas famílias se desfizeram ou não chegaram, sequer, a fazer-se para alimentar este estúpido mito?
Voltando a mim. Também não creio que ganhe menos por ser mulher mas também não tenciono tirar isso a limpo. Sou desprovida de sentimentos de inveja ou despeito. Por onde tenho passado nunca os ordenados foram tabelados. Cada um ganha o seu ordenado. Também, anualmente, em função dos resultados das empresas e das avaliações, recebemos um prémio. Nunca quis saber se o que recebo é maior, menor ou igual ao dos outros. Não quero saber. Recebo o que me pagam sem questionar. Acho que o que ganho chega e sobra para as minhas necessidades e, como não me comparo com ninguém, também nunca arranjo pretextos para me aborrecer.

Contudo, grande parte dos meus colegas ou subordinados não é como eu. E, ao longo dos anos, tem-me sido dado percepcionar como a maior razão de descontentamento das pessoas se prende com o sentimento de injustiça. Nem sempre têm razão. Aliás, na maior parte dos casos, em minha opinião não a têm. Isso resulta de quase toda a gente se achar melhor do que é. É natural e, por isso, todos devemos ter isso presente e, por conseguinte, dar o desconto quando achamos que deveríamos merecer mais do que o que recebemos (seja dinheiro, reconhecimento ou afecto).
A forma como os outros nos vêem não é a mesma que a nossa. Nós tendemos a ser generosos e tolerantes connosco e implacáveis justiceiros para com os outros e isso distorce a percepção de justiça relativa.
Mas, a propósito disto de ser mulher num mundo profissional em que a maioria dos cargos de poder são ocupados por homens, devo dizer que o que acima disse em relação a mim, não significa que ache que sou um bom exemplo do que se passa, em geral. Tenho tido a sorte de trabalhar em empresas civilizadas e, portanto, não posso vitimizar-me. Contudo, a análise estatística das remunerações por género mostra bem como há um caminho a percorrer.

A desigualdade é ainda uma realidade.

Como já o referi algumas vezes, tendo eu partido de uma posição convicta contra as quotas, hoje estou certa de que, se não se for lá à força, através de quotas que imponham a presença feminina em cargos tradaicionalmente reservados a homens, não se vai lá.

Só quando as mulheres passarem a estar nas direcções das empresas, nos governos e em todos os lugares de decisão podermos ter equilíbrio e justiça pelas estruturas organizativas abaixo. Com mulheres nos órgãos de decisão, certamente muitos paradigmas se alterariam. Trabalhar em excesso, trabalhar como se não fosse essencial equilibrar o tempo de trabalho, o tempo de lazer e o tempo de descanso, como se a família e os amigos não fossem um esteio indispensável no equilíbrio emocional de qualquer pessoa, impor condições rígidas de trabalho quando as pessoas moram longe, não têm com quem deixar os filhos ou os pais e não têm dinheiro para arranjar apoios -- é qualquer coisa que uma sociedade evoluída e socialmente responsável não deveria admitir. E, estou em crer, as mulheres, porque sempre foram mais sacrificadas, são mais sensíveis aos problemas advenientes pelo que, mais facilmente, se tiverem poder, quererão mudar o estado das coisas.

Volto a mim num aspecto que é marginal mas, nem por isso, despiciente: apesar de não me sentir discriminada, sei bem como, por vezes, a presença de uma mulher em lugares de direcção é um factor de desconforto ou de desestabilização. Quando mais de uma dúzia de homens estão juntos, em ambiente informal, o espírito de equipa coeso e forte, e a conversa avança, naturalmente, para futebol, para anedotas brejeiras, para marcas de carros e para coisas do género, naqueles momentos em que não consigo alimentar grande conversa em torno desses temas, volta e meia dou por mim a pensar que eles prefeririam que eu não estivesse ali a perturbar o ambiente, a fazê-los ter algum cuidado ou a terem que puxar um bocadinho pela cabeça para arranjar assunto para fazer sala comigo. Irrelevâncias, é certo. Mas quantas vezes, na hora de escolherem mais um elemento para o seu inner circle, os homens -- pela facilidade de não terem que fazer concessões, para poderem estar à vontade ou, simplesmente, para não serem pressionados para mudar algumas coisas -- não optam por escolher um homem e não uma mulher? Portanto, pelas pequenas razões e pelas razões de fundo, desejo que as quotas de género sejam obrigatórias e que haja danos reputacionais para as empresas ou instituições em geral que não as levem a sério.

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A mulher na primeira fotografia é Jacinda Ardern, primeira-ministra da Neo Zelândia (que, por acaso, está grávida). A pintura, que pretende traçar um não paralelismo dos tempos, é de William Henry Margetson: At The Cottage Door, c.1900.

terça-feira, maio 01, 2018

Diferentes e sozinhos, sob o chasco e o insulto da canalha
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O discurso do Grande Ditador






Assim, muitas vezes, o que nos parece a loucura dos outros não é mais que a nossa própria incompreensão. 

Como sabem os estudantes, como sabe quem quer que seja, se o orgulho desmedido do dr. Raul Leal não é ilegítimo hoje só para ter sido sempre legítimo amanhã? Acham excessivo, mesmo como doença , o aspecto desse orgulho? Acham sofística a demonstração de que não é louco quem diz que quer fundar uma nova religião, "o terceiro reino divino"?

Por muitos que sejam os sintomas de desequilíbrio que uma psiquiatria justa possa encontrar no dr. Raul Leal, não são tantos quantos os sintomas de loucura, de degeneração, de perversão intelectual e moral que um psiquitra eminente, o dr. Binet-Sanglé, encontrou na pessoa de Jesus Cristo, o qual, contudo, fundou uma religião, como mesmo os estudantes de Lisboa devem saber.

Os três volumes intitulados La folie de Jesus constituem, sem dúvida, um exemplo de probidade clínica e de exposição psiquiátrica. Neles podem os estudantes aprender, lendo, como se demonstra um caso de loucura. Fechados eles, porém, podem aprender, reflectindo, que é a loucura que dirige o mundo. Loucos são os heróis, loucos os santos, loucos os génios, sem os quais a humanidade é uma mera espécie animal, cadáveres adiados que procriam.

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O grande ditador

Não batalheis pela escravidão! Lutai pela liberdade!


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O texto lá em cima bem como a primeira parte do título deste post são excertos de "Sobre um manifesto de estudantes" de Fernando Pessoa

O vídeo acima mostra um excerto do filme 'O grande ditador' de e com Charlie Chaplin

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As anedotas e o apelo a sério vêm já a seguir

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3 Anedotas e 1 Apelo a sério


Introdução

No que se refere às duas primeiras histórias, nada contra os alentejanos, muito longe disso. E agradeço ao Leitor que mas enviou.

Já quanto ao anormal do vídeo que se lhes segue, é ver para crer. Imagino o que ela pensou e sentiu durante a anedota que se passava ao seu lado. Nem discuto a veracidade do que ele disse. Mas o que é verdadeiramente surreal é a falta de educação, a falta de bom senso, a falta de tino. Não há palavras.

O último é para os meus Leitores que não são dados a frescuras. Coisa a sério, portanto.

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No dentista em Borba


- O seu dente está morto!

- Atão, nesse case, arranca-se, nã é sr. Doutori?

- Bem, se quiser posso pôr-lhe uma coroa...

- Nã, nã, doutori... ê prefiro enterrá-lo sen cerimónias!


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Os óculos do alentejano

Um Alentejano foi de visita à China e comprou um par de óculos cheios de tecnologia que permitiam ver todas as pessoas nuas.

Manuel coloca os óculos e começa a ver todas as mulheres nuas. Fica encantado com a descoberta chinesa.

- Ponho os óculos... só vejo mulheres nuas! Tiro os óculos... já as vejo vestidas! Que maravilha! Isto sim é tecnologia!!!

E assim foi o Manel para o Alentejo, louco para mostrar a novidade à sua Maria.

No avião, maravilha-se ao máximo vendo as hospedeiras e as passageiras todas nuas. Quando chega a casa, entra já com os óculos postos para abraçar a sua Maria toda nua. Abre a porta de casa e vê a sua Maria a conversar com o seu vizinho, todos nus sentados no sofá. Tira os óculos... todos nus! Põe os óculos... todos nus! Tira os óculos... todos nus! Põe os óculos... todos nus!

 E Manel exclama:

- Olha... já avariaram... Estes produtos chineses são mesmo uma merda!


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Donald e Angela - momentos de empatia



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E agora uma coisa a sério: um apelo a que é bom que toda a gente dê ouvidos


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Até já