quarta-feira, maio 02, 2018

As mulheres no mundo do trabalho





Não sinto que tenha sido prejudicada, a nível profissional, por ser mulher, mas talvez eu seja uma excepção. Não sei, se quisesse ter funções de maior responsabilidade do que as que tenho, se as poderia ter mas nunca tirarei isso a limpo porque não tenciono querê-las. Há um ponto em que o aumento de responsabilidade tem a óbvia consequência de uma redução na qualidade de vida. Sem me dar conta, de forma natural e progressiva, fui-me tornando muito dependente das responsabilidades que fui assumindo. Muita da minha paz de espírito ou tempo de descanso têm sido consumidos por eu, simplesmente, não poder virar as costas às minhas responsabilidades. Mas mais do que isto não. Sempre estabeleci uma fronteira muito clara: nunca o trabalho poderia afectar a minha disponibilidade para os meus filhos (em especial até serem adultos e agora também, sempre que necessário, para os filhos dos meus filhos), para o meu marido e, agora também, para os meus pais. Equilibrar o tempo para a família e para o trabalho sempre foi árdua ginástica mas tem resultado. E penso que é aqui que se estabelece parte da diferença entre homens e mulheres a nível profissional. Os homens facilmente dão o passo que desequilibra a sua presença na família em favor da presença no trabalho. Mas isto advém de um outro aspecto que, em si, é causa e consequência da preponderância masculina em alguns cargos ou profissões: o excesso de horas de trabalho fora de horas. Há este mito de que, para desempenhar algumas funções, tem que se estar sempre disponível, vinte e quatro horas por dia, sete dias por semana. Engano.
Quantas famílias se desfizeram ou não chegaram, sequer, a fazer-se para alimentar este estúpido mito?
Voltando a mim. Também não creio que ganhe menos por ser mulher mas também não tenciono tirar isso a limpo. Sou desprovida de sentimentos de inveja ou despeito. Por onde tenho passado nunca os ordenados foram tabelados. Cada um ganha o seu ordenado. Também, anualmente, em função dos resultados das empresas e das avaliações, recebemos um prémio. Nunca quis saber se o que recebo é maior, menor ou igual ao dos outros. Não quero saber. Recebo o que me pagam sem questionar. Acho que o que ganho chega e sobra para as minhas necessidades e, como não me comparo com ninguém, também nunca arranjo pretextos para me aborrecer.

Contudo, grande parte dos meus colegas ou subordinados não é como eu. E, ao longo dos anos, tem-me sido dado percepcionar como a maior razão de descontentamento das pessoas se prende com o sentimento de injustiça. Nem sempre têm razão. Aliás, na maior parte dos casos, em minha opinião não a têm. Isso resulta de quase toda a gente se achar melhor do que é. É natural e, por isso, todos devemos ter isso presente e, por conseguinte, dar o desconto quando achamos que deveríamos merecer mais do que o que recebemos (seja dinheiro, reconhecimento ou afecto).
A forma como os outros nos vêem não é a mesma que a nossa. Nós tendemos a ser generosos e tolerantes connosco e implacáveis justiceiros para com os outros e isso distorce a percepção de justiça relativa.
Mas, a propósito disto de ser mulher num mundo profissional em que a maioria dos cargos de poder são ocupados por homens, devo dizer que o que acima disse em relação a mim, não significa que ache que sou um bom exemplo do que se passa, em geral. Tenho tido a sorte de trabalhar em empresas civilizadas e, portanto, não posso vitimizar-me. Contudo, a análise estatística das remunerações por género mostra bem como há um caminho a percorrer.

A desigualdade é ainda uma realidade.

Como já o referi algumas vezes, tendo eu partido de uma posição convicta contra as quotas, hoje estou certa de que, se não se for lá à força, através de quotas que imponham a presença feminina em cargos tradaicionalmente reservados a homens, não se vai lá.

Só quando as mulheres passarem a estar nas direcções das empresas, nos governos e em todos os lugares de decisão podermos ter equilíbrio e justiça pelas estruturas organizativas abaixo. Com mulheres nos órgãos de decisão, certamente muitos paradigmas se alterariam. Trabalhar em excesso, trabalhar como se não fosse essencial equilibrar o tempo de trabalho, o tempo de lazer e o tempo de descanso, como se a família e os amigos não fossem um esteio indispensável no equilíbrio emocional de qualquer pessoa, impor condições rígidas de trabalho quando as pessoas moram longe, não têm com quem deixar os filhos ou os pais e não têm dinheiro para arranjar apoios -- é qualquer coisa que uma sociedade evoluída e socialmente responsável não deveria admitir. E, estou em crer, as mulheres, porque sempre foram mais sacrificadas, são mais sensíveis aos problemas advenientes pelo que, mais facilmente, se tiverem poder, quererão mudar o estado das coisas.

Volto a mim num aspecto que é marginal mas, nem por isso, despiciente: apesar de não me sentir discriminada, sei bem como, por vezes, a presença de uma mulher em lugares de direcção é um factor de desconforto ou de desestabilização. Quando mais de uma dúzia de homens estão juntos, em ambiente informal, o espírito de equipa coeso e forte, e a conversa avança, naturalmente, para futebol, para anedotas brejeiras, para marcas de carros e para coisas do género, naqueles momentos em que não consigo alimentar grande conversa em torno desses temas, volta e meia dou por mim a pensar que eles prefeririam que eu não estivesse ali a perturbar o ambiente, a fazê-los ter algum cuidado ou a terem que puxar um bocadinho pela cabeça para arranjar assunto para fazer sala comigo. Irrelevâncias, é certo. Mas quantas vezes, na hora de escolherem mais um elemento para o seu inner circle, os homens -- pela facilidade de não terem que fazer concessões, para poderem estar à vontade ou, simplesmente, para não serem pressionados para mudar algumas coisas -- não optam por escolher um homem e não uma mulher? Portanto, pelas pequenas razões e pelas razões de fundo, desejo que as quotas de género sejam obrigatórias e que haja danos reputacionais para as empresas ou instituições em geral que não as levem a sério.

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A mulher na primeira fotografia é Jacinda Ardern, primeira-ministra da Neo Zelândia (que, por acaso, está grávida). A pintura, que pretende traçar um não paralelismo dos tempos, é de William Henry Margetson: At The Cottage Door, c.1900.