terça-feira, julho 08, 2025

Quando formos para melhor

 

No fim de semana, parte da família esteve a banhos no sudoeste e, da outra parte, um dos meninos esteve numa festa de anos, numa destas festas que também são happenings, desta vez incluindo equitação. Fui recebendo fotografias de uns e de outros, uns a mergulharem, outras a cantarem, um a andar a cavalo. 

Portanto, a casa não esteve tão cheia como quando estão todos, mas foi igualmente bom. Se sei que estão todos bem também estou bem. 

O bem estar e a felicidade são estados de geometria variável.

No outro dia recebi uma fotografia de uma das minhas primas com o seu neto mais novo, o que conheci no dia do velório e que voltei a ver no dia da cremação da minha tia. Na fotografia estava também o meu tio que, como sempre, estava impecável. Por tanto que tem passado e mantém-se inalterável, sempre muito bem arranjado, sempre com boa cara, mesmo muito bem. Está quase igual ao meu avô, seu pai.

O tempo passa a correr, é o que é. Penso que o nome deste meu tio, o petit nom pelo qual era chamado, foi a segunda palavra que disse (a primeira foi cão). Embora pouco efusivo -- nada a ver com o meu outro dia que falava alto, que ria, que conversava e contava histórias --, sempre admirei a contenção e os modos reservados deste meu tio. Levava-me a andar na sua bela mota, com cromados reluzentes. Os meus pais não queriam, mas ele transgredia. Eu sentia o cabelo ao vento em especial quando ele curvava. Ninguém usava capacete. Depois arranjou uma namorada bonita, com uns grandes olhos verdes e uma voz com um timbre distinto. Levou-me algumas vezes com ele quando ia namorar. Aquela namorada despertava-me curiosidade. Devia ter uns quatro anos, eu, e achava que ela parecia uma artista de cinema. Algum tempo depois fui a menina das alianças e levei um vestido todo feito de renda branca e o cabelo apanhado em cima, com uma fita de rendas em volta.

Agora ele já tem uma bisneta que é igual, igualzinha, à minha prima. Até na forma como se riem, gargalhando de forma franca, aberta. Agora a minha prima já não ri assim, está muito parecida com o pai, nos modos contidos. Mas, quando era pequenina, a minha prima ria muito. Eu também. Por vezes tínhamos ataques de riso e partíamo-nos a rir. A minha mãe diz que ficava com vontade de rir só de ver como nos ríamos. 

E, para além da bisneta que é igual à filha, quando era pequenina, o meu tio agora tem este bisneto bebé, também muito fofo.

É aquilo que digo. A nossa vida humana dura enquanto nos aguentamos na passadeira rolante. De vez em quando há um que sai. Um ano depois da minha mãe, foi a minha tia que saiu. Mas, entretanto, pouco antes tinha entrado um novo bebé.

As famílias recompõem-se. É um fenómeno fractal. Também os nosso corpos vão libertando células velhas e novas vão aparecendo. Pouco somos daquilo que um dia fomos.

Contei, num vídeo que publiquei agora no Instagram, como, no outro dia, um dos meus meninos me perguntou para quem ficaria este espaço a que, entre nós, damos um outro nome mas a que aqui, no blog, chamo heaven: 'Olha lá, quando tu e o avô forem para melhor, o 'heaven' fica para mim ou para o pai?'. Num primeiro momento não percebi. Depois percebi que ele queria dizer 'quando forem desta para melhor'. Não me fez impressão a pergunta. Pelo contrário, fico contente que gostem tanto deste lugar. Já há uns anos, um outro menino, com mais hesitação, me tinha perguntado o que aconteceria a isto quando nós morrêssemos. 

O que me preocupa e o que me custa, isso sim, é pensar como pode ser difícil a sua vida quando forem adultos, quando tiverem os seus próprios filhos. Gostava que se mantivessem juntos, amigos uns dos outros, que vivessem numa terra verdejante, amena, pacífica, em que todos se estimassem e amparassem, em que o futuro fosse promissor e aguardado com optimismo e alegria. Isso era mesmo o que eu queria. 

Mas receio tanto... Hoje esteve outro dia de calor difícil de suportar. As temperaturas sobem, sobem. E, muito sinceramente, não vejo que em Portugal estejam a ser tomadas medidas estratégicas, de longo prazo, para combater, na medida das nossas possibilidades, as alterações climáticas. E devia haver um toque a rebate, medidas globais, que tocassem a toda a gente.

Vejo que na Suíça o Estado está a financiar o arranque do betão dos pavimentos para o substituir por jardins. Junto às casas, nos parques públicos, em todo o lado em que tal faça sentido, é um movimento que está a começar. Pretende-se que os solos consigam absorver as águas para que os rios não transbordem, pretende-se devolver à natureza o que à natureza nunca deveria ter sido retirado.

Vejo que na Dinamarca há incentivos estatais para que, a nível geral, a alimentação usual comece a ser substituída por alimentação sobretudo baseada em vegetais. A poluição resultante das explorações intensivas, nomeadamente de animais, é muito relevante. Tudo o que se possa fazer para a reduzir, sem prejuízo para a saúde humana, é de louvar.

Seria interessante que houvesse, por cá, uma chamada de atenção para a necessidade de se fazer alguma coisa -- e um plano de acções para fazer o que há a fazer.

Partilho os vídeos. Dá para activar a auto-tradução que, já se sabe, não é famosa mas que pode ser uma ajuda para quem não esteja à vontade com a língua inglesa.

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"Recuperar o espaço do betão: Como as cidades suíças estão a ficar mais verdes" - Focus on Europe

O betão está a abrir caminho para o solo, enquanto os ativistas suíços trabalham para recuperar o espaço urbano para a natureza. Como o solo absorve muito melhor a chuva, a iniciativa promete reduzir a carga sobre os sistemas de esgotos urbanos.

O ambicioso plano da Dinamarca para impulsionar os alimentos de origem vegetal | FT Rethink

Os alimentos de origem vegetal são essenciais para a transição verde da Dinamarca e deverão proporcionar benefícios económicos e de saúde significativos. A pequena nação escandinava é agora líder mundial neste sector. Então, como é que a Dinamarca fez isso? Será que esta estratégia poderia funcionar noutros locais?

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Dias felizes

segunda-feira, julho 07, 2025

Sócrates & Montenegro
-- De novo, a palavra ao meu marido --
o

 

No seguimento do último post que escrevi sobre os insucessos do governo do Montenegro, e não fui exaustivo porque o post já ia longo, fui brindado com vários comentários que, em vez de rebaterem o que escrevi mencionando os "sucessos" do Montenegro nas áreas que abordei, o que era manifestamente impossível porque aos erros iniciais seguiram-se outros erros e os sucessos foram zero, vieram comentar com a velha e estafada história do Sócrates. Como por acaso andava com vontade de escrever um post sobre as evidentes semelhanças entre a postura do Sócrates e a postura do Montenegro, vou aproveitar a deixa.

Devo referir que o Sócrates até ser condenado é inocente e que, obviamente, no caso do Montenegro, as más práticas e/ou a violação de lei só poderão ser consideradas factuais quando provadas.

Parece-me evidente que existem semelhanças na forma como têm actuado para desviarem a atenção das situações em que estão metidos. Em ambos os casos, fazendo fé nas notícias, ambos escondem, numa primeira fase, uma parte dos factos, fazem comunicações formais que depois são desmentidas e usam expedientes legais para que a verdade não seja conhecida (suponho que os comentadores de serviço sabem dos pedidos do Montenegro ao TC e também do comunicado do gabinete do PM que foi desmentido pela Entidade da Transparência). E nestes três aspectos estranho que os comentadores sempre prontos a zurzir o Sócrates nada digam sobre o Montenegro. 

Existe uma diferença clara entre ambos: o Montenegro recusa-se a falar sobre o caso (será que a explicação seria pior que a percepção?), esquecendo-se que o escrutínio faz parte da democracia. O Sócrates, pelo contrário, faz tudo para ter tempo de antena. Existirão certamente outras diferenças -- e uma delas é que o Sócrates tinha uma visão para o país e o Montenegro não. 

Talvez seja razoável os ditos comentadores terem um olhar mais sereno e fazerem uma análise mais desapaixonada sobre o Sócrates reconhecendo que, enquanto governou, o país se desenvolveu. 

Se o julgamento provar que é culpado, obviamente deve ser condenado e cumprir a pena respectiva -- o que, aliás, se aplica a qualquer político, seja ele qual for.

domingo, julho 06, 2025

Galinha-choca

 

Os meus avós paternos tinham, no quintal, uma grande capoeira. Havia o recinto ao ar livre, cercado por uma vedação e havia umas casinha que comunicava com o recinto através de uma passagem em arco. Podia entrar-se directamente quer para o recinto, quer para a casinha. Ao recinto ia-se para limpar e lavar o chão, com agulheta, para pôr água fresca, para lhes dar milho ou sêmeas. Aí os meus avós nunca queriam que eu entrasse. Mas deixavam-me ir à casinha. Espreitava a ver se não estava nenhuma galinha e para ver se havia ovos na cestinha. Se havia, eu recolhia-os. E, por vezes, a minha avó fazia-me uma gemada, quer com ovo completo quer apenas com gema. Mexia bem com um pouco de açúcar. Adorava.

Se alguma galinha ficava choca e isso lhe era permitido, então a galinha tinha direito a tratamento vip. Mas muitas vezes não queriam, não sei porquê, e sacrificavam a pobre da galinha com banhos debaixo da torneira do quintal, a galinha tentando fugir, estrebuchando com todas as suas forças, e o meu avô ou avó agarrando-a com firmeza.

Mas quando a coisa podia ir adiante, a partir de certa altura a galinha era deslocada para a 'casinha', não a pequenina, anexa à capoeira, mas um anexo que também havia no quintal. Esse anexo tinha uma parte com ferramentas, muitas, algumas penduradas na parede do fundo, outras em bancadas. Tinha também uma parte em que estavam os produtos colhidos pelo meu avô na horta. Batatas em caixas no chão, cebolas entrançadas penduradas em réstias, algos também pendurados, entrançados, e uma coisa de que eu gostava imenso, tomates chucha, também pendurados pela rama, igualmente entrançada. Duravam todo o ano. A casinha tinha umas janelas pequenas pelas quais entrava pouca luz e a porta, que tinha uma janela também com portada, tal como as janelas, também não deixava entrar muita luz. Era neste anexo, à meia-luz, que a galinha chocava os ovos. E era ali que nasciam os ovos. Para mim era um sentimento misto: por um lado andava sempre naquela expectativa: já nasceram? estão quase? os ovos já estão bicados? Mas, por outro lado, aqueles pintos meio molhados, esquisitos, feios, meio apardalados, intimidavam-me bastante.

A minha avó não queria que eu andasse por ali a cirandar e não queria que eu fizesse barulho. Por vezes, ajudava-os a nascer. E pegava-lhes. Eu nunca consegui. Bichinhos assim, demasiado frágeis, sempre me fizeram muita impressão.

Mas o pior foi o que uma vez aconteceu. Creio que já o contei mas, como não tenho a certeza, arrisco a contar. 

O meu pai houve uma altura que também quis ter uma capoeira no quintal. Felizmente foi sol de pouca dura pois nem ele nem a minha mãe tinham o mesmo à vontade que a minha avó. Mas, enquanto durou, calhou uma galinha ficar choca. Não sei porquê, resolveram montar apartamento para a galinha, creio que nos dias antes do 'parto', num recanto da sala de jantar. Quando os pintos começaram a sair dos ovos, foi uma atrapalhação. Para mim, pequena, aquilo era uma preocupação. Intuía que os parteiros não tinham sabedoria para a situação. E eles não queriam que eu andasse ali de roda para não stressar a galinha e os pintos. Só que eu não resistia a espreitar. E, numa das vezes, dei com um dos pintos estendido e a esticar uma perna. Apesar de ser uma criança pequena, já tinha ouvido a expressão 'esticar o pernil' e percebia o significado. Então, em pânico, saí dali a correr fui ter com a minha mãe, mas, tão, aterrorizada estava, que mal conseguia falar. A minha mãe não percebeu a razão daquele pavor mas eu empurrei-a para a sala de jantar e, com esforço, lá consegui balbuciar que o pinto estava a morrer. A minha mãe também não era corajosa para essas situações mas lá foi espreitar. Os pintos estavam todos bem. Chamou-me. Mas, quando um dos pintos se espreguiçou, meio a dormir, esticando a pata, ela percebeu o que tinha acontecido.

Ao ver, no vídeo que aqui partilho, o pinto recém-nascido a cair de sono, lembrei-me disso.

E ao ver os pintos a quererem sair do ovo, voltei a sentir, mas a sentir vividamente, aquele susto e receio que sentia há mil anos, quando, pequenina, num compartimento quase sem luz, aguardava que o milagre do nascimento se desse.

Esta galinha mãe fala com os seus ovos – e eles cantam de volta! | BBC Earth

Já se perguntou como é que uma galinha ajuda os seus pintainhos a chocar? Conheça a Patricia, uma galinha anã de Pequim dedicada, que mantém os seus ovos à temperatura ideal e cacareja suavemente para guiar os seus pintos ao mundo.


Um bom dia de domingo

sábado, julho 05, 2025

Um mau governo
-- A palavra ao meu marido --

 

O Montenegro foi a primeira vez para o governo porque prometeu resolver os principais problemas do país e saiu reforçado na segunda eleição porque os portugueses terão ficado minimamente contentes com o que fez, muito provavelmente porque não eram fãs do Pedro Nuno Santos e porque a acefalia ainda não era um mal generalizado que pudesse dar o primeiro lugar ao Ventura. 

Os principais problemas do país apontados pelo Montenegro, bandeiras da campanha eleitoral e sobre os quais zurzia o PS, eram a saúde, a habitação, a educação, os incêndios. Para seguir a agenda do Ventura também levantou os pseudo problemas nacionais da segurança e da imigração. 

Ao fim de um ano e tal de governo, conseguiu o governo Montenegro resolver minimamente estes problemas? 

Não, não conseguiram! 

Senão, vejamos. 

O que está a passar-se na saúde -- cujos problemas Montenegro anunciou, antes de formar o seu primeiro governo, que seriam resolvidos em 60 dias --, é uma tragédia, a situação piora todos os dias e os resultados da política deste governo são assustadores em todos os aspectos. Com as tragédias que tem acontecido, como é possível que a ministra e o Montenegro não tenham um pingo de vergonha e a ministra não se demita ou não seja demitida? 

E, para variar, o Marcelo, sempre tão interventivo noutras ocasiões, agora mantem-se de bico calado. Que vergonha. A incapacidade do ministério chega ao ridículo de contratarem para o INEM uma empresa para fazer o transporte de doentes de helicóptero que não tem helicópteros nem pilotos. Inimaginável. Ninguém se demite nem é demitido? Pior é impossível. 

Depois de tudo o que aconteceu na saúde no último ano, a ministra continua. Diz que não se demite porque quer resolver os problemas, mas de facto só os agravou. Não se demite porque, como parece e muita gente o afirma, o objetivo não é resolver os problemas da saúde: é privatizar a saúde e o resto é paisagem. Como é  possível que os interesses dos lobbies da saúde se oponham aos interesses dos portugueses?

Relativamente à habitação, o governo conseguiu, com as medidas que tomou, aumentar de forma absolutamente insuportável o preço das casas. É certo que os jovens ricos, ou os pais por eles, compraram mais casas à conta das medidas do governo. Mas resolver o problema da habitação não é ajudar os que têm mais dinheiro. É exatamente o contrário. É criar condições para que quem tem menos rendimentos consiga ter uma habitação condigna. Exatamente o contrário do que foi feito pelo governo. 

Na educação iam resolver o problema de haver alunos que não tinham professores pelo menos a uma disciplina. O brilhante resultado foi haver 1,4 milhões de estudantes que não tiveram professores pelo menos a uma disciplina. Mais um "sucesso" do governo. 

Relativamente aos fogos, a área ardida triplicou. Obviamente mais um problema que não foi resolvido.

Relativamente à segurança, como era um pseudoproblema, nada foi feito e daí não veio mal ao país. 

A política do Governo não tem nada a ver com os reais problemas da imigração (a sua integração, terem habitação, educação para os filhos, saúde, etc). O objetivo é ultrapassar o Chega, se possível pela direita, e ganhar votos. Lamentável. 

Para atirar poeira para os olhos da malta e os jornais não falarem naquilo que não interessa ao governo lembraram-se de propor uma nova lei da nacionalidade que ainda por cima parece que é inconstitucional e que não era sequer tema. Aprenderam com o Trump. 

Em resumo, não resolveram nenhum dos problemas importantes que se propunham resolver. Mandaram a ética e os valores para as urtigas e criaram novos problemas e clivagens na sociedade. Infelizmente, parece ser disto que a maltinha gosta. A esperança em melhores dias já não é grande. O populismo através das redes sociais está a criar uma massa amorfa que não questiona e que não pensa, apostando no perceptível e esquecendo o essencial. 

É o que temos.

sexta-feira, julho 04, 2025

Em dia de notícia triste, socorro-me do facto de estarmos na silly season e faço a agulha para uma coisa de nada.
Eu ficava doida com as canções dela enquanto alguns amigos (no masculino) ficavam doidos com a beleza da outra

 

Estamos na silly season e, portanto, temos legitimidade para esparvoar, para falar sobre coisa nenhuma e para atirar um dia numa direcção e, no outro, numa completamente diferente.

Mas acontece que hoje, de manhã, ao olhar para o telemóvel, vi uma mensagem da menina que estava no estrangeiro, na sua viagem de finalistas. Num primeiro pensamento imaginei que fosse uma fotografia sua com amigos mas, logo depois, vi que estava a enviar a notícia da morte do Diogo Jota e do irmão, André Silva. Nada percebo de futebol e não conhecia os rapazes mas, apesar de o nome dele não me ser estranho, só o facto de morrerem dois jovens assim de repente deixou-me congelada. Mas, de imediato, pensei na mãe, a perder dois filhos. Dor inimaginável, dor existencial. Depois li que o Diogo se tinha casado dias antes, que os filhos, três crianças, tinham assistido ao casamento. Tragédia dolorosa demais. E este peso acompanhou-me todo o dia.

Não quis falar nisto pois dores imensas, em meu entender, requerem contenção, silêncio. Agora à noite, ao ligar a televisão, vejo o expectável: uma overdose, uma exploração ad nausean de uma desgraça tamanha que se abateu sobre uma família.

Por isso, não vou aqui fazer declarações sobre um tema que me deixa transida de pena, de aflição.

Espero que não levem a mal mas vou divergir, vou disfarçar.

E, para isso, trago a Janis Joplin que eu adorava ouvir, cujo LP 'Pearl' ouvi carradas de vezes, ao som de quem dancei mil vezes.

E trago a Raquel Welch que os rapazes achavam uma 'brasa', uma 'bomba', um 'avião'. 

When Janis Joplin met Raquel Welch on the Dick Cavett Show (1970)


Uma boa sexta-feira

quinta-feira, julho 03, 2025

Quando vejo um cão assim só penso: 'porque é que o meu cãobeludo maluco não é só um bocadinho assim...?'

 

Quando cá temos animação à mesa, para ele não andar de roda de nós a fazer das dele, o meu marido arranja-lhe umas coisas para ele se entreter. No outro dia arranjou uma orelha -- mas, calma, uma orelha não humana (sei que é de um outro bicho mas não me lembro de qual). Uma orelha seca, creio que, a bem dizer, só a cartilagem.

Não ligou muito mas, por via das dúvidas, foi enterrá-la. 

Hoje desencantou-a. Estava mole, escura, com ar podre. Quando me aproximei para ver que porcaria era aquela que estava, todo lambão, a roer, parou e olhou-me fixamente, nitidamente numa daquelas: 'make my day'. 

Manda quem pode, obedece quem deve. Ou seja, desisti. 

E, de cada vez que eu me aproximava, parava de roer aquela coisa e olhava-me, não sei se com medo que eu fosse roubar aquela iguaria, se a preparar-se para defender o seu tesouro. Quando está assim, possessivo, mais vale não medir forças com ele.

Tivemos que usar o truque de tocar à campainha. Aí salta, vai a correr para o portão, para impedir que qualquer invasor ouse pôr o pé no jardim. Nessa altura, o meu marido foi resgatar aquela coisa, deitando-a fora, para bem longe.

Se fosse um cãozinho fofo, obedientezinho, deixava que lhe tirássemos os seus troféus. Mas não é. Sabemos, sabemos bem, que se atirará a quem o ousar. O professor que o treinou durante meses recomenda que o distraiamos, que não o enfrentemos pois ele é mais rápido que nós e o seu instinto falará sempre mais alto. Portanto, já percebemos: pode alguém ser quem não é? Mesmo que de um cão se trate.

Agora imagine-se como fico invejosa quando vejo um canito obediente como este aqui abaixo. 

Human and Dog Team STEAL THE SHOW | Britain's Got Talent

Witness the incredible bond and acrobatic power of Christian Stoinev & Percy as this dynamic human and dog team takes the Britain's Got Talent stage by storm! Their flawless routine combines amazing feats of agility and strength, leaving the judges in a spin and absolutely mesmerized. This unforgettable performance truly steals the show!


Apocalipse sobre a praia

 

Não é novidade pois aconteceu há uns dois ou três dias mas é um cenário tão apocalítico que não quero deixar de aqui o ter, pro memória.

Se eu estivesse na praia e visse aquele rolo, qual fofo e gigante rolo compressor, a vir do lado de lá do horizonte, teria ficado assustadíssima, a imaginar que, de lá, sairiam naves espaciais assustadoras e das quais sairiam seres que nos deixariam petrificados.

De tal maneira a imagem é do caraças que, quando vi na televisão, não liguei, pensei que estivessem a falar de algum filme. Só depois percebi que era real, que o mundo está a ficar cheio de coisas do além.

Cet énorme « nuage rouleau » observé en pleine canicule au Portugal n’était pas un fake

PORTUGAL - Comme un air d’apocalypse. Ce dimanche 29 juin, de nombreux Portugais voulant se rafraîchir sur les plages du centre et du nord du pays ont fait face à un phénomène aussi rare qu’effrayant : un « nuage rouleau ». Comme vous pouvez le voir dans notre vidéo ci-dessus, plusieurs personnes ont en effet filmé un immense nuage horizontal, avançant depuis l’horizon.


quarta-feira, julho 02, 2025

Origami

 

O calor destes últimos dias tem-me desfeito. Só estou bem em casa, ao fresco. 

Mas calhou termos combinado um almoço ali para as bandas do centro, de perto do rio. Um calor de ananases. Felizmente o restaurante era relativamente perto de um grande parque pelo que o stress do estacionamento desta vez não foi tema. Claro que tive que me abstrair da memória de todas as vezes em por ali andei quando a minha mãe esteve internada, durante quase um mês, no hospital lá perto, num belo quarto com uma bela vista, vista essa a que nem ela nem eu prestámos qualquer atenção. Mas, enfim, o tempo anda e temos que andar também, transportando as memórias.

Não tentámos pôr o carro perto do restaurante pois estamos escaldados com as dificuldades em encontrar lugar. Assim, ali era garantido e, de resto, a distância não era nada por aí além. Mas subestimámos o calor que estava. Caraças. Infernal. Um daqueles calores que queimam, que custam a suportar.

Lembro-me sempre do meu espanto, há uns trinta e tal anos -- numa altura em que as viagens não eram uma banalidade absoluta --, quando um amigo chegou de umas férias algo exóticas pelos locais menos turísticos de Marrocos e me contar que, de tudo, o pior tinha sido o calor, temperaturas em torno dos 40º. Falou dos ventos, das areias, das ruas estreitas, de mil coisas, mas o calor... isso tinha-o deixado francamente marcado. E eu perguntava como suportavam, o que faziam para prosseguir os passeios dentro de tal forno. 

A experiência mais próxima que eu tinha tido tinha sido em Angola, numa viagem feita na minha adolescência. Mas a viagem foi no verão de cá, logo no tempo menos quente de lá. Estava calor e o ar era pesado, tanta a humidade, o meu cabelo chegava ao fim do dia todo empapado, mas o calor era razoável, nada de nada de fornos acima dos 40º.

E, no entanto, agora, por cá, é o que se sabe. Uma coisa impossível.

Ainda não foi desta que fui conhecer o Macam, o novo museu, às terças está fechado. Ainda tive a ideia de ir até ao CCB mas fui demovida, a ideia era peregrina demais.

Portanto, depois de termos cumprido uns afazeres, regressámos a casa onde o cãobeludo nos esperava, estendido no chão de pedra. 

Vesti o biquini e fui ler para o spot que descobri ser o mais perfeito, aquele onde poderia estar todo o santo dia, uma sombra verde, fresca e boa. 

O livro não me convence mas isso parece ser o 'novo normal', livros que não aquecem nem arrefecem mas que, espantosamente, parecem ser do agrado dos editores (e, se calhar, de muitos leitores). Mas entre uma página e outra vou olhando para a copa das árvores, para os pássaros que por ali andam, para o céu, para lado nenhum.

E estou a gostar muito das caminhadas ao cair da noite. É a hora da doçura, da intimidade. As luzes das casas estão acesas, mas as janelas ainda abertas deixam ver o tom quente e dourado do interior. As ruas estão silenciosas, o ar mais fresco, e sabe muito bem andar assim, o cão mais ligeiro, nós conversando ou não que o silêncio às vezes é muito reconfortante.

E, agora à noite, depois de ter feito umas coisas para o Instagram (tenho este lado proleta, de não me baldar, parece que tenho sempre que produzir quelque chose e então lá está, todos os dias tento fazer uma coisa para a story e outra para o feed), o Youtube traz-me de novo a matemática e a física, temas que sempre trago no coração, e, uma vez mais, envoltas em poesia. 

Desta vez o tema é o origami, tema que sempre me atraiu (numa onda contemplativa, não executiva). O que se faz com uma folha de papel só não é mágico porque tem muita técnica. Uma maravilha.

This Origami is Changing Engineering…

Twenty-five years ago, physicist Robert Lang worked at NASA, where he researched lasers. He also garnered 46 patents on optoelectronics and wrote a Ph.D. thesis called "Semiconductor Lasers: New Geometries and Spectral Properties." But in 2001, Lang left his job to pursue a passion he’d had since childhood: origami. In the origami world, Lang is now a legend—and this Great Big Story documentary tells his true story. It’s not just his eye-catching, intricate designs that have taken the craft by storm. Some of his work has helped pioneer new ways of applying origami principles to complex real-world engineering problems.


Dias felizes

terça-feira, julho 01, 2025

E se vivêssemos dentro de um buraco negro?

 

Sabemos tudo e mais alguma coisa a propósito de tudo. É ver os comentadores que aparecem nas televisões mal algum acontecimento salta para a ribalta. Os mesmos que sabem tudo sobre a Ucrânia e sobre a Rússia sabem também tudo sobre Israel e sobre a Palestina mas também sabem sobre Trump e sobre a legislação americana e, se necessário for, também são capazes de dissertar sobre as eleições no Benfica ou sobre a nuvem-rolo que galgou a linha do horizonte para ir a banhos. Mas pouco sabemos do que se passa dentro de nós, em especial no cérebro, e também muito pouco sobre o 'lugar' em que vivemos, como viemos aqui parar e para que freguesia vamos pregar quando o nosso corpo tão pobremente humano perecer.

Pasmo com as pessoas que põem e dispõem como se fossem viver para sempre, que tomam decisões definitivas sobre porcarias sem qualquer interesse como se estivessem a definir o futuro da humanidade.

E, igualmente, pasmo com as dúvidas que, por vezes, assolam à cabeça de cientistas.

O tema dos buracos negros é daqueles do caraças: matematicamente demonstra-se a sua existência e consegue-se saber (ou pensa-se que se consegue) as leis físicas que os regem. Mas ir lá vê-los, saber ao certo como são e sair de lá para contar... isso está quieto.

Até que alguém se lembra: espera lá... e se vivêssemos dentro de um? E se o que (pensamos que) conhecemos seja apenas o que existe dentro do buraco negro? Ou seja, e se o que (pensamos que) conhecemos não for o universo mas, apenas, uma ínfima parte dele? Ou seja, e se vivemos numa cápsula dentro do mega universo?

Claro que nada disso alteraria a nossa realidadezinha pequenina: o que amanhã vamos fazer para  jantar, o que temos que trazer do supermercado, em quem vamos votar nas autárquicas, como vamos desenrilhar-nos do enredo marado que prometem ser as presidenciais. Tudo isso existe e é inalterável estejamos nós dentro ou fora do buraco. E que raio de espaço habitamos é também uma coisa tão intangível que até se perceber alguma coisa não nos doa a nós a cabeça. Mas que teria graça percebermos alguma coisa disto, lá isso teria.

Mas isto, na volta, é conversa de quem tem os neurónios a derreter. Este calor derrete-me. Por mais que me banhe, nada arrefece as minhas células (nem as estátuas que tentam refrescar-me as entranhas).

Por isso, passo a palavra a Neil deGrasse Tyson.

Is Our Universe Inside a Black Hole?

Is our universe inside a black hole? Neil deGrasse Tyson (Astrophysicist & Hayden Planetarium director) breaks down intriguing new evidence along with other curious parallels that could point to the universe being inside a black hole. Is the edge of our universe an event horizon on a black hole in some other universe?  

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NB: As esculturas que aqui veem não existem, são totalmente inventadas por mim (com a ajuda da Sora)

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Dias felizes

segunda-feira, junho 30, 2025

Totalmente de acordo com o combate a sério à evasão fiscal anunciada pelo Governo e totalmente de acordo com o apontado por Vital Moreira

 

Desde que por aqui ando que falo disto: em Portugal, quem paga impostos paga mais do que deve, especialmente quem ganha um pouco acima da média, e isto porque há muita gente que deveria pagar (ou pagar mais do que paga) e não paga.

A partir de certo ponto, a carga fiscal é sentida como um esbulho. Taxar como se fossem milionários pessoas que são classe média  -- e, em vários países europeus, classe média baixa -- é dissuasor para quem pode ir trabalhar para outro país ou para quem pode fugir ao impostos.

A cena do IRS jovem é falaciosa, creio que até absurda. Qual é o jovem que opta por Portugal porque até aos 35 anos tem IRS baixo, sabendo que, quando fizer 36, o fisco lhe vai cair em cima? Nenhum. Se o tema for impostos, ele vai olhar para o que vai descontar à medida que progredir profissionalmente e aí vai ver que em Portugal se impede que alguém ganhe um pouco mais, pois metade do que ganha vai direitinha para impostos e contribuições. 

Isto do lado do que é preciso fazer na redução de impostos como arma de combate à evasão fiscal.

Mas depois há os casos especiais que igualmente carecem de combate.

O caso de que já aqui falei inúmeras vezes das personalidade coletiva (pseudoempresas unipessoais ou familiares) como expediente de fuga ao fisco, em que incorre um bom número de profissionais liberais (advogados, médicos, etc.) é para mim chocante e, num primeiro momento, eu incidiria muito claramente nesta vertente. Claro que muitos deputados, provavelmente muitos governantes (antes de estarem no Governo -- espera-se) recorrem a essa habilidade pelo que terão o rabo mais que preso e, portanto, motivação nula para irem atrás disso.

Mas, reconheça-se que, se a legislação o permite e se a alternativa é deixar ficar uma parcela enorme de rendimentos na mão do Estado, a tentação pode ser quase inescapável. 

Por isso, ao mesmo tempo que se vá atrás disso, volto a dizer: baixem-se os impostos, baixem-se de forma palpável, reduzam-se os escalões, torne-se tudo mais aceitável.

Já aqui falei que tenho muitos amigos médicos e os que já atingiram a idade da reforma e têm gosto por continuar a exercer apenas trabalham um ou dois dias por semana pois dizem que mais que isso é para ser comido pelos impostos. Portanto, os que não têm a dita empresazinha para ser encharcada de custos e para fugir ao fisco, fazem a optimização fiscal não trabalhando. Isto, numa altura em que a escassez de médicos é brutal. E isto é um exemplo pois cada um tem os seus motivos e argumentos para estar revoltado com o esbulho fiscal a que é sujeito.

Outra situação é a dos senhorios e da "enorme percentagem de arrendamentos não declarados". O que não falta são as situações de arrendamentos 'por fora' ou 'por baixo da mesa'. Só não digo que conheço vários casos em que assim é para não me virem pedir que os denuncie. Os senhorios põem as suas casas ao dispor de pessoas que não conhecem, pessoas que lhes podem trazer problemas, os senhorios têm que fazer a manutenção das casas, têm que pagar IMI, têm que pagar o seguro da casa, têm que pagar o condomínio, e, no fim, têm que pagar um imposto que é francamente dissuasor. Conheço pessoas que preferem ter uma trabalheira a manter casas antigas a que não dão uso apenas porque acham que não lhes 'compensa' se forem pagar os impostos mas não querem entrar numa situação irregular. Por isso, optam por não arrendar as casas. Com a falta de casas que há, para além de serem precisas mais casas, em especial casas para os muito pobres e para os 'remediados', habitação social, portanto, da responsabilidade do Estado, há que conseguir pôr no mercado mais casas para a classe média. E a maneira sensata será baixar os impostos sobre as rendas, mas baixá-los consideravelmente, e, em simultâneo, criar incentivos fiscais para os inquilinos que declarem as rendas através de contratos registados nas Finanças. Só assim se incentivará os senhorios a arrendarem casas a que hoje pouco ou nenhum uso deem e, ao mesmo tempo, se incentivará a que declarem fiscalmente os contratos.

O caso "do setor dos restaurantes, bares e estabelecimentos similares, onde é percetivel uma elevada evasão", também referido por Vital Moreira, é outro que merece destaque. O número de vezes em que vou a uma churrasqueira buscar frango assado ou a uma pizzaria ou a um qualquer restaurante em que, ao pagar, me dão o ticket do pagamento e o ticket da 'registadora' (no qual está escrito que é para conferência e não substitui a fatura) é impossível de quantificar. Quanto peço a fatura, até ficam a olhar para mim como se fosse uma excêntrica: 'Ah quer...?'. Confesso que nos locais de maior afluência em que, mal me despacham, se viram para atender o seguinte, até para não atrapalhar a cadência, acabo por deixar passar. Mas é indecente, é escandaloso. Impunidade total. Isto já para não falar que em muitos destes sítios só aceitam pagamento em dinheiro, ou seja, nem fica rasto. A AT não deveria regularmente andar em cima destes estabelecimentos? Deveria, deveria. Muitos impostos deveriam ser colectados se houvesse auditorias ad hoc, ie, de surpresa.

É que por haver tanta, tanta, tanta gente a não pagar impostos ou a pagar muito menos do que devia, andam outros, os que gostam de fazer as coisas by the book, a pagar muito mais do que seria razoável.

Portanto, apoio completamente que o Governo crie medidas efectivas, fáceis de implementar e de controlar para combater a evasão fiscal. E apoio que se simplifiquem as regras fiscais e se baixem os impostos. No caso do IRS, defendo que se reduza, pelo menos para metade, o número de escalões e que se reduza significativamente as respectivas taxas. 

No caso da habitação, como forma de alavancar a oferta de casas para arrendamento, que se baixem capazmente os impostos na tributação autónoma e se criem incentivos aos inquilinos que tenham recibos emitidos pelas Finanças.

Tal como nos malfadados tempos da troika ataquei ferozmente a política de austeridade porque asfixiou a economia e empobreceu as pessoas e o País, agora continuo a defender que a economia precisa de liquidez para se movimentar e para crescer. Libertar mais rendimento (por redução da carga fiscal) só aparentemente empobrece os cofres do Estado pois, havendo mais liquidez circulante, há mais consumo, há mais investimento, há mais emprego, há mais poupança. E, em qualquer dessas vertentes, incidirão os impostos, fazendo com que a colecta se fortaleça (não por via das taxas mas da base sobre a qual se aplicam).

Sei bem que haverá quem diga que lá está a minha costela liberal a manifestar-se. É verdade. Tenho uma costela liberal, já o disse muitas vezes. Liberal (qb) na economia e liberal (qb) nos costumes sociais. Quando disse há tempos que se o Partido Socialista não souber reinventar-se e trazer de novo para os seus valores os da social-democracia que estão na sua origem, há lugar para um partido novo, progressista, democrático, humanista, moderno, venerando a cultura e o planeta, liberal.

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A imagem lá em cima, muito primariazinha, foi o que saiu via IA.
Se fosse mais cedo, tentava coisa mais apurada. Assim, peço que aceitem as minhas desculpas

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Desejo-vos uma boa semana a começar já por esta segunda-feira

domingo, junho 29, 2025

Jeff Bezos ou o primo da Madalena Abecassis -- ou quando o casamento deixa de ser um simples casamento

 

Tive vontade de completar o título com "... e passou a ser uma grande palhaçada" mas contive-me. Cada um sabe de si. Além disso, não se podem analisar as coisas independentemente do tempo em que ocorrem. As circunstâncias vão formatando as mentes.

Para mim um casamento é a formalização de uma união que, de alguma forma, já existe. Cada um já tem que saber que é com o outro que quer viver e formar família. Pode até acontecer que isso já esteja a acontecer sem que o 'papel passado' faça qualquer falta. 

Se fosse hoje, provavelmente não me tinha casado pois passava bem sem a cerimónia e sem a festa. Simplesmente, parece que, naquela altura, era normal as pessoas casarem-se. Casei-me sem sequer nos ocorrer que poderíamos, simplesmente, viver juntos. Mas também não sei se, na altura, a união de facto já tinha o enquadramento que hoje tem. E, de resto, também não sei se hoje estar-se casado é igual, em termos de direitos, a viver em união de facto. Se houver algum inconveniente, também não vejo que o casamento faça mal.

Mas, seja como for, para mim o casamento é uma formalização, um acto administrativo, e pode ser também um momento de reunir família e amigos dos dois lados para que se conheçam e convivam.

Já contei que o meu casamento foi decidido e tratado creio que num mês. Fomos ao notário e perguntámos qual a primeira data disponível. E foi nessa data que ficou. Era uma sexta-feira e nem pensámos que poderia ser um transtorno, o meu pai é que me censurou por isso (mas também foi uma censura relativa e, além disso, compreendi o que ele dizia, que era dia de trabalho, que as pessoas teriam que tirar um dia de férias). Depois fomos escolher um sítio para o copo de água. Vimos uns dois ou três e optámos por um lugar simpático, na cidade, com uma ementa que nos agradou. O fotógrafo foi um amigo da faculdade. Para a toilette, achei-me 'mascarada' de noiva se usasse um vestido todo produzido (que era o que havia) e por isso optei por uns jeans justinhos brancos, umas sandálias em cor nude, e uma túnica branca em organza bordada também a branco, um modelo Augustus. Depois é que percebi que era totalmente transparente. Naquela altura isso seria um bocado descabido. Por isso, usei por baixo, um top de algodão, ultrafino, de alcinhas ultrafinas. Tudo simples, sem qualquer complicação ou artifício. 

Os casamentos dos meus filhos não foram nada disto, foram grandes festas, creio que talvez umas duzentas pessoas em ambos os casos, locais preparados, com música, com reportagem fotográfica de qualidade, tudo num outro comprimento de onda. Mas, ainda assim, românticos, muito alegres, muito genuínos: a festa foi feita por eles e pelos convidados.

Agora, quando vejo os casamentos transformados em eventos, organizados como se fossem espectáculos de entretenimento e diversão, espaços e momentos de exibição, fico um pouco incomodada. Já nada têm a ver com a partilha de uma decisão íntima.

O casamento do Bezos com Lauren Sánchez é o cúmulo dos cúmulos do que, em minha opinião, é um anti-casamento. Tomados e ungidos pelo ultra poder da sua ultra galáctica fortuna conceberam o casamento como uma ultra ficção. Para disfarçar a ultra arrogância, doaram dinheiro e convidaram os convidados a fazerem doações. Os ultra ricos a darem esmola aos pobrezinhos, à cidade pobrezinha quase a afundar-se, ao planetazinho pobrezinho tão cheio de problemazinhos climáticos e o escambau. E os convidados incluem a rainha dos reality shows e da cinturinha de vespa e respectivas sisters e recauchutada mamã, a rainha das entrevistas, uma rainha supostamente a sério, o rei dos pc's, o rei do titanic e mais toda a espécie de exemplares do showbizz e arredores. Faltou o candidato a nobel da paz, o dos belos e grandes feitos, o da boquinha de rosa e mãozinhas de  bebé. Foi pena. A coisa teria ficado mais composta. Mas fez-se representar: veio a menina de seu papá, em róseo e abrilhantado vestido, mais o seu empreendedor marido, partner do sogro na visão de uma Gaza virada para a dolce vita, high luxury resort. Não sei quem celebrou o acto, se terá sido um cardeal escolhido a dedo ou se dispensaram a bênção divina. Tanto faz. E o que se viu foi que, depois de ter ajudado a eleger o tal que faltou, depois de se muscular e injectar para ser um eternamente jovem, o todo poderoso noivo resolveu dar o cinéfilo nó com a sua insuflada e reluzente noiva na terra da morte em veneza e isso, só por si, já seria uma heresia sem perdão.

Mas, neste mesmo dia, o instagram mostrou-me um outro casamento. Tudo filmado pela Madalena Abecassis. Talvez fosse o casamento de um primo. Um reality show a céu aberto. No meio do copo de água (e será que ainda se chama copo-de-água a uma cena destas?), apareceram uns polícias. 'Vem aí a bófia!', gritou alguém, creio que ela. E, de repente, os polícias não eram polícias, eram dançarinos disfarçados de polícias. Não sei se chegaram a fazer strip se ficaram assim mesmo. O que sei é que algemaram pessoas, apontaram armas à cabeça dos convidados. E toda a gente ria, tudo bem bebido, tudo descontrolado, tudo numa histeria colectiva, e ela sempre a filmar, tudo a festejar o facto de estar com uma pistola apontada à cabeça. E eu, vendo isto, interrogo-me: é isto um casamento? O que é que se celebra assim? 

Confesso: vi sem acreditar no que estava a ver. A perversão ou a distorção de valores parece não ter limites. Não são só os governantes que fazem coisas incompreensíveis. São os cidadãos, os que elegem governantes perigosos, são os cidadãos que, no seu dia a dia, revelam ter mentes viradas do avesso, uma perversão colectiva que parece avançar sobre a consciência das pessoas como uma imparável mancha de óleo.

Tudo isto é demasiado chocante para mim.

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Felizmente ainda há protestos. Mas são devorados, engolidos pelo buraco negro da perversão.

Jeff Bezos and Lauren Sanchez's wedding underway in Venice | BBC News

Reality stars, actors, royals and A-listers have travelled to Venice for the lavish wedding of Amazon founder Jeff Bezos and TV presenter Lauren Sanchez. 

Oprah Winfrey, Orlando Bloom, Kylie Jenner and Ivanka Trump were just some of the celebrities seen on the boats and streets of the Italian city on Thursday and Friday. 

But the event has attracted protests from a variety of groups in Venice, including locals fighting over-tourism to climate change activists. 

The festivities are expected to last three days, ending with a large party for the married couple and their hundreds of guests on Saturday.


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Desejo-vos um belo dia de domingo

sábado, junho 28, 2025

Uma terra muito rara

 

Celebro os acasos, celebro a boa sorte das inexplicáveis coincidências, celebro a felicidade do que acontece apenas porque sim. 

A terra, este pontinho azul que voga no infinito, nascido por milagre, que, por milagre, se mantém a flutuar em harmonia, sem se despenhar, sem explodir, sem se desintegrar, continua a ser o nosso chão, o nosso céu, o nosso sustento e amparo. Sem sabermos como nem porquê nem para quê temos o dia e a noite, temos as estações do ano, temos o quem e o frio, o seco e o molhado, o sólido, o líquido, o vaporoso e o tule e o insondável, o feio e o belo, o dizível e o indizível. E digo que não sabemos mas talvez alguém saiba, talvez os físicos, certamente os matemáticos, muito provavelmente os mais loucos poetas tenham as fórmulas, as demonstrações científicas e as outras, as feitas de palavras que cantam, que voam, que se escondem. 

De todas as poeiras invisíveis que se escondem por entre as ondas também invisíveis que transportam palavras e imagens agradeço às que habitam o meu corpo e as árvores e as flores que me rodeiam.

Tudo parece impossível de mais para ser verdade. E, no entanto, damos tudo por adquirido. Não agradecemos a perfeição, a harmonia, a beleza, a raridade.

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The Rare Earth Hypothesis: What Is It? | Aliens: The Big Think | BBC Earth Science


A hipótese das Terras Raras sugere que há algo de especial na Terra – mas o que é?


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De 'Aliens: The Big Think' (2016)

A caça aos alienígenas começou! Após uma distinta carreira em cosmologia, o Professor Martin Rees, astrónomo real, assumiu a procura de extraterrestres. Procurar alienígenas já não é ficção científica - é uma questão que está a envolver algumas das mentes mais brilhantes da ciência. À medida que o nosso conhecimento do universo aumenta, aproximamo-nos das respostas. Muitos cientistas acreditam agora que vivemos numa galáxia com mil milhões de planetas semelhantes à Terra, muitos dos quais podem estar repletos de vida. Mas que tipo de vida? Evoluiu alguma coisa para seres com os quais podemos comunicar? Este filme entra na mente dos cientistas que consideram uma das perguntas mais emocionantes e profundas que podemos fazer - estamos sozinhos no universo? O Professor Rees acredita que podemos ter a nossa ideia de como é um alienígena completamente errada. Se ele estiver certo, não são extraterrestres orgânicos que devemos procurar, são máquinas.

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Dias felizes

sexta-feira, junho 27, 2025

Nós somos a matéria dos sonhos mas somos também a matéria que sonha

 

As coisas vêm ter comigo. É aquilo de ir na rua e alguém, que não conheço, chegar ao pé de mim e começar a contar-me a sua vida. Ou estou com uma em mente, abro o youtube e, sem que antes tenha feito pesquisas (porque 'ele', o algoritmo google, poderia migrar informação do motor de busca genérico para o motor de busca do youtube), aparece-me um vídeo que tem tudo a ver com aquilo em que ando a pensar. Não sei porque é que isso acontece. Mas acontece. Coincidência ou coisa do caraças, eu não sei.

Sei que ando numa onda zen (o que V. poderão já ter testemunhado pelo que vou divagando por aqui e que os vídeos que tenho estado a publicar no instagram também demonstram) mas, quando abro o youtube, não vou à procura de nada. Limito-me a ver o que 'ele' tem para me mostrar. Gosto de ser surpreendida.

E abaixo já verão qual o vídeo que hoje estava em posição de destaque e que estive a ver até agora.

Chegámos a casa perto das dez da noite. Depois de nos instalarmos, pusemos a reportagem sobre o Sócrates. Falarei disso depois pois tenho que deixar assentar. A seguir abri, então, o Youtube.

Hoje tive mais um dia calmo, com arrumações domésticas, com caminhadas, com um passeio bom, e, pelo meio, com mais uma tentativa de prosseguir a leitura da biografia do Herberto Helder -- mas a achar aquele tijolo um repositório ora excessivamente detalhado ora desnecessariamente ficcionado --, a espreitar  'O outro lado dos livros', Memórias de um editor, Manuel Alberto Valente, e a achá-lo um bocado 'seco' (seco ou seca?), e, pelo meio, a olhar as árvores, a sentir o perfume das flores, a ouvir os passarinhos, a olhar o céu.

Fui buscar uma espreguiçadeira e levei-a para um sítio onde não costumo estar, debaixo de uma árvore onde antes nunca tinha estado a preguiçar. 

E foi uma maravilha, um encantamento, uma sensação de que eu poderia ser uma folha, um fruto a ganhar forma, um dos passarinhos que passarinha por aqui, uma pétala de rosa. Por acaso, sou esta que agora aqui escreve e que dá conta da perplexidade agradecida que sente por estar viva, por poder presenciar tanta beleza, tanta harmonia entre todos os elementos. 

E, com este estado de espírito, abro o youtube e dou com uma conversa entre o Bial e Marcelo Gleiser, um físico que me deixou fascinada a ouvi-lo.

Apetecia-me transcrever várias coisas que ele disse e que correspondem ipsis verbis ao que penso (ou que me deixam a pensar), coisas como estas duas aqui abaixo que podem não ser a última coca-cola do deserto mas que são grandes verdades (pelo menos a mim tocam-me bastante pois é destas evidências que parece que meio mundo anda esquecido):

  • Celebrar o privilégio de estar vivo neste mundo 

  •  Cara, acorda, você é feito de estrelas!

Somos feitos da mesma matéria que as estrelas, da mesma matéria que as árvores, há átomos de outras coisas e de outras pessoas dentro de nós. Somos magia, um acaso que, por milagre, se materializou em nós. 

O vídeo é um bocadinho longo mas acreditem que é interessante do princípio ao fim. Espero que gostem.

ESTRELAS, ÁTOMOS e mais com o físico Marcelo Gleiser | Conversa Com Bial | GNT

Um bate-papo que mistura ÁTOMOS, ESTRELAS, NATUREZA e o "mundo sobrenatural": o físico e astrônomo Marcelo Gleiser chega no #ConversaComBial para uma entrevista de expandir mentes.


Dias felizes

quinta-feira, junho 26, 2025

Isto é o que realmente interessa

 

Vi o vídeo que aqui partilho com particular agrado. Revejo-me em muito do que Annie Norgarb ali diz. Não na parte em que diz que passou grande parte da vida a fazer e a ser como os outros esperavam, esforçando-se por não desagradar, mas na parte em que diz que gosta cada vez mais de estar em contacto com a natureza, na parte em que diz que a vida é como remar até chegar ao outro lado, e isto em todos os sentidos, e na parte em que diz que gostaria de passar para o outro lado com calma, na boa. 

Não posso dizer que nunca fiz coisas contrariada. Fiz. Por exemplo, quando os meus sogros ou os meus cunhados combinavam almoços ou jantares em restaurantes que, segundo eles, eram muito conhecidos e muito bons, eu ia para não ser desmancha-prazeres, mas ia antevendo que era um dia que ia às malvas. Fazia um esforço para parecer bem disposta mas, por dentro, ia mais do que contrariada. Geralmente os restaurantes estavam a deitar por fora. Primeiro que fossemos atendidos era um castigo. Os meus filhos ficavam cheios de fome, impacientes. Chegávamos a um ponto em que as crianças já se portavam mal por todo o lado, os meus sobrinhos mais pequenos choravam, já todos embirravam uns com os outros.

Alguns, começavam a pedir bebidas antes de começarmos a ser atendidos e, portanto, parece que nem davam pelo incómodo das crianças. O tempo passava e a comida não vinha. Depois, quando vinha, como éramos muitos, era uma confusão. Uma confusão a pedir, uma confusão à mesa com meio mundo a querer provar o que os outros tinham pedido, a trocarem coisas uns com os outros. Depois uns eram especialmente vagarosos, e estavam ali numa de degustar. Era quatro e tal da tarde e ainda estávamos à mesa. Quando parecia que tínhamos acabado, havia quem passasse aos digestivos e aí iniciava-se uma nova e demorada fase. Depois, ao fim de muito tempo, finalmente lá vinha a conta, sempre uma verba astronómica mas que era impossível de conferir pois, pelo meio, toda a gente tinha pedido mais um pouco de cada coisa, no conjunto parcelas que não acabavam. Podia ser aquilo ou metade daquilo. Pagava-se e pronto. Mas eu gosto de coisas rigorosas. Por isso, ficava azul de largar uma nota preta sem fazer a mínima ideia se estava correcto. Saíamos de lá tardíssimo. E, não raras vezes, a cena dava-se em lugares que não eram propriamente à beira de casa. Lembro-me, por exemplo, de uma ida à Sopa da Pedra em Almeirim, aí incluindo também primos, uma confusão indescritível, ou a um cozido em broa em Sintra num restaurante numa aldeia em que só começámos a almoçar depois das quatro da tarde. Intimamente sentia-me desvairada e estafada pois perder um sábado ou um domingo daquela maneira não era o que eu mais desejasse, mas aguentava de boa cara, fazia um esforço sobre-humano para não espumar, para não invectivar ninguém, para parecer que aquela também era a minha praia. Tudo porque não era capaz de dizer que não contassem comigo. Mas, enfim, a vida também é feita de alguns fretes.

A nível profissional também fiz alguns. O pior eram reuniões, não conduzidas por mim mas por alguém que gostava de fazer render e que deixava que se arrastassem por infindáveis horas sem que nada se resolvesse. Horas e horas a mastigar, sem engolir. Eu a ver as horas a passar, a querer ir para casa, e aquilo sem acabar. Por vezes mostrava alguma impaciência mas era obrigada a acatar o ritmo de quem conduzia a reunião. Lembro-me, em especial da ansiedade em que ficava quando os meus filhos ainda eram pequenos ou adolescentes e eu queria ir buscá-los à escola, estar com eles, queria fazer o jantar a horas... e nada, aquilo não atava nem desatava. Se calhar, não podia mesmo levantar-me e dizer que me recusava a dar mais para aquele peditório. Acho que não podia mesmo fazer isso. Mas foi tempo de vida que queimei a aturar pessoas que não sabiam conduzir reuniões ou tomar decisões. Não foi para agradar, foi apenas porque seria impensável desacatar a hierarquia, seria algo que irremediavelmente teria consequências, e não seriam boas.

Mas, tirando coisas assim, não tenho ideia de ter contrariado a minha natureza para agradar aos outros.

Mas, tirando esse aspecto, coincido muito no que a Annie Norgarb diz, no gosto das coisas simples, no prazer no contacto da natureza, na compreensão de que não vale a pena complicar e na vontade de que, quando o fim se aproximar, ir na boa, sem me agarrar a uma vida que irremediavelmente um dia se extinguirá.

Do que mais me custou nos últimos tempos da vida da minha mãe foi na sua total negação, na sua recusa em aceitar que o fim estava para breve, na forma desesperada como se agarrava à vida. Não aceitou que estava doente, escondeu-o, não quis tratar-se, teve medo dos tratamentos, e, sobretudo, não quis aceitar que o fim da linha estava prestes a ser cruzado. Estava numa angústia terrível e nunca permitiu que o tema fosse abordado. Gostava de ter podido dizer-lhe que partisse em paz, que nós ficaríamos bem e que ela iria descansar. Gostava de ter podido serená-la. Mas não foi possível. Ela queria viver e, sobretudo, queria viver com a qualidade de vida que teve até tarde. Eu gostava de, quando chegar a minha vez, encarar esses momentos com maior racionalidade, com tranquilidade, com aceitação. A forma como Annie Norgarb fala disso, sorrindo, agrada-me.

Mas não é só disso que ela fala. Fala de despojamento, fala de simplicidade. E alimenta os passarinhos, os patos, o pavão, os seus três cães. Passeia, acarinha as flores, desfruta da paz de existir.

É um vídeo muito bonito. (Dá para pôr legendas em português).

It took me 80 Years - Life Lessons I Wish I Knew Earlier - HERE'S WHAT MATTERS

Time, when approached with gentleness, doesn’t have to be something we resist. It can become a steady companion, offering a quieter kind of beauty — one that isn’t about appearance or achievement, but about depth and authenticity. As we grow older, our priorities shift, our understanding deepens, and there’s often a greater sense of ease in simply being who we are.

The passing years don’t take away who we are, they often bring us closer to it. Rather than chasing youth or regretting its passing, there is value in settling into ourselves more fully. When we stop measuring life by what we should be or do, we begin to recognise the richness of where we already are.

Featuring Annie Norgarb.

Filmed in McGregor, South Africa. 


Desejo-vos dias felizes

quarta-feira, junho 25, 2025

Theodoro, Sincera.mente, Kiko is Hot

 

O Instagram mostra-me coisas e geralmente gosto do que me mostra. Os algoritmos são bem concebidos, lá isso tenho que conceder. Por exemplo, ouço com atenção dicas sobre saúde, sobre alimentação, sobre exercício físico e já partilhei um ou dois vídeos com a família. E gosto muito de ver cortes de cabelo e transformações que quase parecem de personalidade só porque a pessoa mudou completamente de penteado ou de cor de cabelo. Quanto a decoração, jardinagem ou culinária isso nem se fala: vejo de gosto e aprendo sempre. Depois há os DIY (Do It Yourself) que me deixam fascinada mas que são tantos e tão variados que não consigo fixar um décimo do que vejo: truques para melhor dobrar e acondicionar roupa, para pintar, para transformar pequenos espaços em espaços multi-usos, para enfiar linha no buraco da agulha, para regar flores na nossa ausência, etc. E relatos de artistas que mostram como pintam, como incorporam outros materiais nas suas obras ou, simplesmente, que mostram os seus trabalhos. 

Um mundo.

E dá ideia que meio mundo tem coisas a ensinar aos outros: três alimentos maravilhosos, três alimentos péssimos, três cremes fabulosos, três truques fantásticos para disfarçar a barriga, três regras de etiqueta para estar à mesa. 

Vou navegando por ali e, como tenho dito, sem propósito. Não tenho nada para ensinar. Pego no telemóvel e digo a primeira coisa que me vem à cabeça. Digamos que são apontamentos, breves e irrelevantes testemunhos mas testemunhos de pensamentos ou coisas banais. Não sei se faz sentido. Penso nos recursos informáticos necessários para acondicionar, catalogar, tornar disponíveis a todo o mundo que queira ver coisas tão despropositadas. É como isto que aqui escrevo. São registos que ficam armazenados em servidores, que circulam pelas redes. Em qualquer parte do mundo a qualquer hora do dia, qualquer pessoa pode ver o que faço. E, no entanto, o que faço é totalmente irrelevante. Mas, se calhar, a vida é mesmo assim, uma sucessão de eventos, uns dignos de ficarem para a história e outros assim, banais, irrelevantes. 

No meio do que me aparece tenho conhecido personagens cuja existência desconhecia em absoluto e que agora vejo na boa. Destaco três. 

Um, o Theodoro, é um influencier brasileiro com mais de cinco milhões de seguidores, que tem recebido prémios e tem sido capa de revista. Acho-lhe piada. É extrovertido, alegre, bem disposto. Mostra-se com o marido, com os pais, com as tias, pessoas humildes, mostra o cão. Claro que não acrescenta nada de extraordinariamente existencial ao mundo. Mas, sendo um jovem gay e que é tão bem aceite pela família e pela sociedade, julgo que isso é importante, sobretudo para que os mais preconceituosos percebam que a homossexualidade não é uma opção, é uma orientação, e não é uma limitação nem uma menorização. Ninguém tem direito a ser mais ou menos feliz por ser ou deixar de ser hetero ou homossexual.


Outro é o Sincera.mente. Acho-lhe um piadão. É genuíno, é divertido, é boa onda. É drag mas uma drag com muita pinta, com bom gosto, inteligente, rápido na construção de uma boa tirada, com uma intuição e uma imaginação toda ela eivada de bom humor. As suas conversas na rua são um monumento à boa disposição e ao humor a sério.


O terceiro é o Kiko is Hot. Não sei bem definir qual a sua actividade (mas é puro desconhecimento meu). Se calhar é artista de teatro. Ou faz podcasts. Ou será DJ? Não sei. Mas gosto dele. É simpático, é divertido, goza com ele próprio. Também é gay. Vi que diz que, por ele, tanto pode ser do sexo masculino como do feminino. E acho que isso tem que ser respeitado. Acho que deve ser uma boa onda, uma boa companhia, uma graça.


Nestes tempos em que parece que a homofobia está outra vez a caminho de ser legitimada, penso que é importante que figuras públicas que são gays não se escondam, mostrem que são estimadas, amadas pela família, respeitadas. E penso que quem está seguro da sua sexualidade e não tem receio de ser 'contagiado' ou receio de ser olhado de lado deve falar do assunto de forma aberta, simples, sem tabus. Só os cobardes podem achar que quem é homossexual é um ser inferior, que pode ser insultado, humilhado, ameaçado.

Mau é ser mesquinho, hipócrita, manipulador, narcisista, mentiroso, vigarista, burro ignorante e prepotente, agressivo. A homossexualidade não é um traço de caráter pelo que afastar ou repudiar ou pretender isolar socialmente alguém só por isso não faz sequer sentido.

Só por ter conhecido estes três bacanos já acho que o Instagram tem valido a pena. 

E só espero que o Chega, com o PSD a reboque, não apareça por aí um dia destes, qual Trump, a querer proibir espectáculos drag. Desta gente tudo se espera. 

terça-feira, junho 24, 2025

Sobre o conflito entre os Anjos e a Joana Marques

 

Ando tão numa outra que me parece pura perda de tempo pôr-me a falar de temas que não me interessam. Mas a verdade é que compreendo que quem aqui me visita também já deve estar pelos cabelos com os meus bucolismos e as minhas florzinhas. 

Só que falar dos ataques de uns malucos a uns fanáticos, das retaliações de uns estupores a uns fundamentalistas, de umas ameaças de uns filhos da mãe a uns sacanas de primeira é coisa que me maça. Pá, maça-me mesmo. Mesmo que queira alinhar três palavras falta-me a inspiração para inventar motivações válidas ou reações lógicas. Tudo me parece uma soap opera ensopada em sangue, fragmentada por estilhaços, mas com a agravante de os intervenientes serem uns palhaços, uns trogloditas. Por isso, lamento mas não consigo. 

Acho que ando em modo 'férias grandes'. Quando andava no liceu, aspirava a entrar nas férias grandes em que havia sempre praia com amigos, festas de anos com slowzinhos e bolos incluídos, passeatas e risotas com fartura. E esse espírito parece que desceu em mim e me impede de me deter em temas 'pesados' ou chatos ou absurdos.

Sobre o Governo também não quero dizer nada. Ainda agora começaram, há que esperar para ver. Além disso, quero que, a bem do País, as coisas lhes corram bem. E, no que se refere à oposição, o PS tem que dar ao pedal para se voltar a aguentar em cima da bicicleta, mas há também que lhe dar tempo. Tempo. Aguardar. Não falar só por falar. 

Por isso, querendo não defraudar a paciência de quem aqui vem na esperança de me ouvir a falar de coisas mais actuais e concretas, vou falar do conflito entre uns tais Anjos e uma tal Joana Marques. 

Para começar tenho que confessar que não sou seguidora ou apreciadora nem de uns nem de outros. Do pouco que lhes conheço, a qualquer dos três, não aprecio. Nada daquilo faz o meu género. 

Mas se acho que o que eles cantam não faz mal a ninguém, quem gosta gosta, quem não gosta segue em frente, já do que ela faz não se pode dizer o mesmo.

É humor, dizem. Mas eu, ao pouco que lhe tenho ouvido nunca achei ponta de corno de piada nenhuma. Parece-me apenas uma criatura maledicente, antipática. Haverá quem ache graça a ouvir umas pessoas a troçarem de outras. Eu não acho. Pelo contrário, incomoda-me.

Quando o Ricardo Araújo Pereira põe a ridículo maus desempenhos no exercício de cargos públicos por parte de pessoas pagas por todos nós e que se revelam uns burgessos que não sabem falar, nem estar, nem fazer, não me choca. É gente incapaz cuja profissão supostamente é trabalhar em benefício da população e que, nos vídeos que ele mostra, se revelam uns bimbos que jamais, em tempo algum, deveriam estar naquelas funções. Outras vezes mostra candidatos que pisam o risco, que tropeçam, que se desviam. Mas, lá está, estão a candidatar-se a cargos públicos. Seria bom que fossem exemplares, competentes, acima de qualquer suspeita. Por isso, não me choca que sejam chamados à atenção. E se o forem de forma como ele o faz em que pouco diz, apenas os expõe e, sempre, através de vídeos públicos, também nada a dizer. Não sei se aquilo é humor ou se é crítica social ou política. Mas aceito.

Mas gozar com pessoas que estão no exercício do seu trabalho e no decurso da sua vida, por exemplo por cantarem menos bem, por se vestirem menos bem, por trabalharem de uma forma algo questionável ou seja lá por que for, isso parece-me bullying, maldade, exercício gratuito de maledicência. Forçosamente irá afectar negativamente as vítimas, irá humilhar as pessoas, envergonhá-las, prejudicá-las. Nunca gostei de assistir à troça de uns sobre os outros. Nunca. Se não consigo impedi-lo, afasto-me. 

Tenho observado que meio mundo anda a defender a pespineta Joana Marques. Alega-se que é humor ou liberdade de expressão. Não concordo nem um pouco. O que ela faz é dizer às claras aquilo que os maledicentes fazem à boca pequena, é dizer de viva voz o que tanta gente anónima despeja nas redes sociais. Mas isso não é bom pois a humilhação que inflige aos visados é ainda mais cruel, mais amplificada. 

Dito isto, acho também um disparate a reacção dos Anjos com o recurso à via judicial, com aquele pedido de indemnização. Penso que mostrarem publicamente o seu desagrado e seguirem em frente teria sido mais razoável, mais digno. Assim, o que conseguiram foi o oposto do que pretendiam: são ainda mais ridicularizados. Mais valia terem ficado quietos.

Agora penso que seria interessante que se debatesse sobre o caminho do entretenimento em Portugal. Se ouço algumas rádios, fujo a sete pés: meio mundo diz graçolas parvas, riem-se muito das parvoíces que dizem. Se calha ouvir alguns podcasts, fujo a sete pés: perguntas parvas, respostas parvas, a futilidade como o novo 'normal'. E o endeusamento que fazem desta Joana Marques é outra aberração. Como pode ter tamanho palco uma pessoa que amesquinha os outros, que é gratuitamente desagradável, que causa constrangimento e angústia às suas vítimas? Em que mundo é que aquilo é humor? Gozar com os outros, apoucá-los, é engraçado? Não acho. Acho triste.

Já é tempo de se reconhecer o mérito a quem tem alguma profundidade, a quem consegue falar de assuntos interessantes, desenvolvimentos científicos, arte, experiências sociológicas, a quem consegue falar de assuntos em que haja mérito, a quem revele saber e cultura, a quem tenha graça e delicadeza e bondade -- em vez de dar palco a parvoíces de gente parva que se acha engraçada a expor a sua vacuidade e a troçar com as fragilidades alheias.

segunda-feira, junho 23, 2025

Varrer, regar, ver esquilos, fazer conteúdos digitais

 

Quem se dá ao trabalho de ver os meus inconcebíveis vídeos no Instagram, para além de constatar um indiscutível amadorismo e uma total ausência de propósito, já deve estar farto do chinfrim que faço ao andar, pisando caruma, folhas secas de azinheira ou de eucalipto, bolotas ressequidas e tudo o mais que por aqui se junta. 

É certo que eu poderia -- e, se calhar, deveria -- aprender a editar os vídeos, retirar-lhes o ruído ambiente, cortar e colar bocados disparatados, etc. Mas, sinceramente, não ando com paciência para gastar tempo com isso. E, ao escrever isto, receio que achem falta de respeito da minha parte apresentar produtos de tão insólita falta de qualidade alegando falta de paciência para aprender e para editar. Porém acreditem: não é falta de respeito, é mesmo uma quase incapacitante falta de paciência. Pode ser que me passe... Um dia que leve mais a sério isto de fazer 'conteúdos digitais' (como agora sói dizer-se) talvez me leve a mim mesma mais a sério (e agora devia aqui inserir um emoji a piscar o olho e a deitar a língua de fora para que percebam que estou a pensar que está bem, está). 

Em contrapartida, tenho passado os dias a varrer em volta da casa. Só que a casa, ainda assim, tem um perímetro que vai lá, vai, e os calores dos últimos tempos têm feito o chão encher-se de folhagem seca. Por isso, é um trabalho insano, uma never ending story, uma cena à moda do sísifo. Até não há muito, com as chuvas, era musgo por todo o lado e até nascia erva das pedras. Agora está tudo seco e é o que se vê.

Lá por baixo, na extensão grande do terreno, não há como varrer ou impedir que os meus passos façam barulho ao pisar isso, mas, em volta da casa, até por razões estéticas ou de segurança, obviamente tem que ser tudo limpo.

Em tempos, tínhamos contratado um senhor da aldeia para tratar das limpezas e das regas. Vinha duas tardes (completas) por semana. Queixava-se, dizia que não chegava, dizia que era trabalho a tempo inteiro. Mas também não queríamos que isto fosse o palácio de versalhes, não era nossa ideia ter um jardim imaculado em volta da casa. Sobretudo, o que queríamos era que, ao fim de semana, não tivéssemos que nos preocupar com isso. Mas o senhor, para nos demonstrar que duas tardes (inteiras) por semana não chegavam, pespegava-se cá ao sábado. Nós a querermos estar descansados e à vontade e ele a cirandar por aqui, a chamar-nos para nos mostrar isto, a chamar-nos para nos perguntar sobre aquilo, uma seca de que não havia memória. Mesmo quando lhe dizíamos que íamos cá ter pessoas, ele não despegava. Aliás, parece que fazia questão em estar, em ver e ser visto. Ficávamos passados. Com muita dificuldade e cuidado para não o melindrarmos, acabámos por dispensá-lo.

Mas isto não se dá conta. Precisa mesmo de manutenção. O ano passado o meu marido contratou outro senhor da aldeia. Veio recomendado pelo vizinho do início da rua. Avisou-nos que ele bebia um copito a mais mas que era trabalhador e sério.

Chegávamos cá e estava tudo na mesma, com excepção de beatas por todo o lado. E não era das puritanas que rezam, eram mesmo das que podem pegar fogo. Queixava-se que era um trabalho ingrato, que vinha limpar e varrer e apanhar ervas todos os dias e que chegava ao fim de semana e o que tinha sido cuidado na segunda-feira já estava outra vez a precisar de ser limpo. O vizinho confirmava que o via andar por cá a trabalhar, que não era tanga. No fim, pagávamos horas que nunca mais acabavam e não se via nada de jeito, só beatas. Dizia que tinha cuidado, que as apagava bem. Mas eu não podia ver beatas por todo o lado, é coisa que me me complicava com o sistema nervoso. No conceito dele, os cigarros são para se deitar para o chão e parecia não perceber que não o deveria fazer. Acabámos por agradecer e, uma vez tudo pago, nunca mais lhe dissemos para vir.

Resultado, somos nós que tratamos do assunto. O meu marido reclama, diz que é trabalho a mais.

A mim não me custa. Gosto imenso de varrer. Aposto que para a minha cabeça é como se estivesse a meditar: não penso em mais nada. Ando completamente focada a varrer e fazer montes. O pior é que, depois, encher os sacos ou os carrinhos custa um bocado. Uso uma pá grande mas, às tantas, o meu marido pega ele naquilo e anda ele a recolher os montes, a transportá-los para a terra. E queixa-se. Diz que, antes de eu acordar, já ele andou a cortar mato ou a fazer outras tarefas e que, depois, eu não sei parar e varro este mundo e o outro e que não está para isso. Mas esta nossa dinâmica, de reclamarmos um com o outro, já tem barbas, ou seja, já não ligamos muito aos protestos um do outro.

Outra coisa que fica para mim é a rega. Gosto imenso de regar. Quem me acompanha aqui há muito tempo, recordar-se-á que já contei que, de início, investimos fortunas (salvo seja) em sistemas de rega mas que, quando cá chegávamos ao fim de semana, estava tudo roído. Os coelhos (ou outra bicharada) roíam tudo. O meu marido substituía e eles comiam. Desistimos. O meu marido decretou que o que sobrevivesse sem rega seria bem vindo, o que carecesse de cuidados, podia desaparecer à vontade. E assim foi.

Mas o que está mesmo em volta da casa, do lado da frente, tem que ser regado. Agora do lado de trás e dos lados (se bem que a casa, pela sua arquitectura, na prática não tem frente, nem lados, nem trás) nunca é regado.

E, no entanto, está tudo gigante. Só as laranjeiras, e estão à frente, é que estão raquíticas e vão acabar por morrer. Não deveriam ter sido plantadas, não se dão aqui, é impossível. Quando comprámos o terreno já cá estavam, e já eram infelizes. Trinta anos depois ainda sobrevivem... mas coitadas.

E hoje já andei a apanhar orégãos, amanhã já vou montar o estaminé do costume: lençol em cima da mesa da casa de jantar e eles espalhados em cima, a secar. 

Adoro. São perfumados, frescos. Bouquets graciosos, delicados e com a graça adicional de serem comestíveis.

O campo, para mim é uma mistura de mil sensações boas: os sons, os cheiros, a luz, a paz, o vagar, o contacto directo com a terra, com o trabalho simples. Maravilha maior. Não há cá férias em resorts, em turismos de habitação cinco estrelas, o que for: aqui é que a minha alma rural se sente bem.

E, ao fim do dia, enquanto estava ao telefone com a minha filha, ia ela a caminho de casa depois de umas belas férias abroad, e eu por ali andava de um lado para o outro, uma surpresa daquelas que me deixam a sorrir, com vontade de agradecer, com vontade de trepar às árvores a ver se me aceitam como uma deles: um esquilo a andar por cima de um banco, a trepar a um muro e depois a subir pelo tronco da azinheira sob a qual eu estava. Que bênção, que alegria. Eu com receio que eles tivessem desaparecido e, afinal, ainda por aqui andam. Este é mais escurinho do que os que eu tinha visto antes. Este era mesmo castanhinho escuro. Lindo, fofo, um rabo enorme, ao alto.

Estava a falar ao telefone, não consegui fotografá-lo. Mas acreditem, ainda por aqui andam. Provavelmente, enquanto ando a varrer, estão eles lá em cima a tentar compreender que animal é este que, cá em baixo, se entretém a fazer montes de folhinhas e bolotas (e pinhas que eles deitam para o chão depois de as roer). Esse animal sou eu que, tal como eles, vim de outras paragens para usufruir do privilégio de respirar este ar tão puro, para viver nesta paz tão mágica.

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Desejo-vos uma boa semana

Be happy