segunda-feira, fevereiro 20, 2017

Tom e eu.
Sem Dindinha


Por muito que confie em quem me lê e por muito que goste de escrever, há coisas de que não poderei aqui falar. São assuntos privados, meus.

Para além disso, talvez porque sou, de formação, uma pessoa das ciências exactas com um forte pendor racional e uma irracional fixação nos preceitos da lógica, tendo a relativizar ou, mesmo, a ignorar os factos que não consigo compreender.

Portanto, desculpar-me-ão por passar por sobre a inexplicável noite de ontem e vos contar apenas parte do meu dia de hoje. Aliás, no post abaixo, já, em parte, dele vos dei conta.

Não me levantei muito cedo. Ao domingo gosto de preguiçar no calor da cama. Depois fiz uma caminhada junto ao mar. Fiz fotografias.


Depois, fui a uma livraria muito especial onde encontrei livros não mediáticos. Vim para casa ao fim da tarde, feliz com as minhas aquisições e com o dia tranquilo que estava a ter. Tratei da casa, da roupa, do jantar. Comi sopa acabada de fazer, pêra abacate com queijo fresco de cabra e mel, dióspiro com queijo curado de cabra.

Depois, vim para a sala com uma chávena de chá. Misturei erva-príncipe com lúcia-lima. Liguei o aquecedor a óleo aqui ao meu lado. Passei as fotografias para o computador. Li algumas páginas de alguns livros. Escrevi o post que poderão ver logo a seguir a este. E adormeci.

E estava a dormir quando ouvi o toque da campainha. O meu coração disparou de imediato. Alterada, de passagem vi-me ao espelho do corredor. Perguntei quem era. Ouvi 'O primo'. O meu coração quase saltou. Enervada. Tentei sorrir para parecer natural.

Presumi que vinham os dois. Quando abri a porta apenas vi Tomé. Antes que eu perguntasse alguma coisa, disse-me 'Vim sozinho. Fiquei a pensar que ontem fui indelicado. Posso...?'. Desviei-me da entrada, deixei-o passar.

'Indelicado?'.

'Sim, ontem vim visitá-la pela primeira vez e não lhe trouxe um presente'.

'Disparate', disse eu.

Estendeu-me um saco de plástico com um pequeno embrulho.

'Que ideia... para quê dar-se ao trabalho?', disse eu, admirada mas, amiga que sou de receber presentes, curiosa.

Fomos andando até à sala. Fiz-lhe um gesto para que se sentasse. Sentei-me num sofá e ele noutro, à minha frente. Abri. Era um pisa-papéis de vidro, muito bonito, com uma flor lá dentro. Devo ter aberto a boca, de espanto.

Vendo a minha reacção, perguntou 'O que foi...? Não me diga que já tem...'.

Respondi: 'Pode não acreditar mas há que tempos que ando a namorá-lo. Acho-o lindo. Mas, de cada vez que estava prestes a ceder à tentação, pensava que era dispensavel'.

Ele sorriu: 'E é. E fico contente que goste. Aliás, sabia que gostava'.

Olhei para ele, admirada: 'Adivinhou?'

E ele: 'Não. Já a vi algumas vezes lá, a olhar para ele'.

O meu coração disparou de novo. Assustada. 'O quê? Que conversa disparatada é essa?'.

Ele explicou: 'Há tempos, estava eu lá com a Fred, eu aos livros, ela a ver lápis e apara-lápis, vimo-la a si. A Fred escondeu-se, não queria que nos visse. Mas eu fiquei a vê-la. Depois disso já a vi lá algumas vezes. De todas as vezes, vi-a a namorar esta peça'.

Fiquei sem saber o que dizer. Depois de uns instantes disse: 'Desagrada-me isso. Parece que estive a ser espiada.'

Ele desvalorizou: 'Percebo. Mas se a Fred não queria que a prima soubesse, que ia eu fazer?'.

Depois levantou-se. 'Hoje não pergunta se quero tomar alguma coisa?'. Levantei-me também.

'Não. Tenho vontade de pô-lo porta fora'.

Ele fingiu-se de repreendido, 'Quanta violência, prima...! '.

Depois pegou na minha mão, levou-a quase até ao seu rosto, como que num delicado beija-mão. 'Acho que não fiz nada de mal mas, se acha que sim, Senhora, aceite as desculpas deste seu servo. E dê-me de beber, Senhora, que uma pinga de água não se nega a um pobre caminheiro'.

Respirei fundo, tentei sossegar o coração. 'E bebe o quê?'.

Ele sorriu 'Quanta secura, Senhora, e eu tão sequioso. Dê-me o que quiser que eu lhe agradecerei.'.

Fiquei a pensar por um instante. Depois, testando-o: 'Nikka?'.

Olhou-me admirado. 'Nikka, Senhora...? Surpreende-me. Mas muito bem. Nikka'.

Fui lá dentro e voltei com dois copos. Trouxe também um pacote de bolachas de chocolate preto e gengibre. Levantou o copo e eu levantei também. Não disse nada e eu também não. Depois bebeu um vagoroso gole, fechou os olhos, o prazer banhou-lhe o rosto. Eu fiz o mesmo.

A seguir, reparando nos livros que eu tinha comprado, levantou-se e veio sentar-se ao meu lado para os ver, um por um. Tentando que ele não ouvisse as batidas do meu coração, disse-lhe 'Para ver se consigo perdoar-lhe o ter-me andado a espiar enquanto eu pensava que estava a namorar o pisa-papéis sem qualquer testemunha, leia um desses poemas.'.

Ele disse: 'Pelo seu perdão, Senhora, cumpro qualquer ordem'. E leu.


No fim, disse-me: 'De olhos fechados, não lhe soube melhor?'. Bebi mais um gole do Nikka e, com a cabeça, disse que sim. 

Então perguntei-lhe o que, desde que ele entrara, não me saía da cabeça: 'A Frederica sabe que está aqui?'.

Ele chegou-se ligeiramente para trás, notoriamente o assunto não lhe era querido, e respondeu secamente: 'Não lhe disse. Não costumo dizer-lhe tudo o que faço. Algum problema com isso?'.

Limitei-me a encolher os ombros. A questão é que não sabia, nem sei, o que pensar de tudo isto.

Depois perguntou-me: 'Não se ouve música nesta casa?'.

Eu apontei-lhe as estantes dos CDs e disse: 'Mas agora ouço no computador. Também quer que eu escolha?'.

E ele 'Não, agora escolho eu'.

E escolheu. Disfarcei a vontade de rir. Atrevido, mesmo.


Depois disse-me, 'Feche os olhos'. Fechei. Fiquei a ouvir a música assim, de olhos fechados, sentindo o seu cheiro e o seu calor a latejarem bem perto de mim.

Pouco depois, senti-o a despir-me. Não ofereci resistência.


Apenas lhe perguntei: 'Aqui, professor?'.

Ele beijou-me um ombro, e os lábios estavam quentes, a barba a roçar-me a pele, depois beijou-me a nuca, eu arrepiada. Respondeu: 'Por mim pode ser aqui, sim. Mas como aluno'.

Depois de uma pausa durante a qual me beijou o colo, acrescentou em voz muito baixa, quase como se confidenciasse um segredo: 'Ouvi dizer que é uma boa professora, prima'. 

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Este é o 4º episódio do folhetim 'Dindinha'. 
O anterior pode ser lido aqui e o link para os anteriores pode ser encontado lá.

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3 comentários:

Anónimo disse...

É um folhetim, e pêras.

Um Jeito Manso disse...

Se soubesse a gargalhada que dei ao ler este comentário...!

Anónimo disse...

Está a confundir-me com esta história da Dindinha. :-)
Confesso que gosto mais de a ler na versão mais simples.
Mas pronto, vamos lá a ver no que é que isto vai dar (risos).
L.