No outro dia perguntaram-me o que é que eu estou a fazer. Disse que nada, que quero degustar o prazer de não ter compromissos, que é tão bom pensar que no dia seguinte não vou ter reuniões complicadas, que saber que não vou receber telefonemas problemáticos e um sem fim de temas que devoravam os meus dias é uma maravilhosa sensação de alívio.
E lembro-me sempre daquela ex-colega que encontrei uma vez no Colombo. Eu sentada num restaurante e ouço: 'Olha quem ela é...!'. Olho, admirada, e é ela, toda turista, toda radiante, vindo na minha direcção. Perguntei-lhe como era, ter todo o tempo do mundo. E ela: 'Tão bom...! Se vocês que ainda trabalham soubessem como é bom, ficavam todos infelizes, ainda bem que nem sonham, senão queriam todos deixar logo de trabalhar'
Mas ele insistiu e eu confessei que estava a escrever um livro e que isso é uma sensação muito boa. Pode até vir a ser uma frustração, não conseguir que alguma editora publique o que eu escrever. Mas estou em crer que não. Gosto do que dá luta, gosto de ter o que alcançar a duras custas. Ele disse que sim, que deve ser uma sensação boa, interessou-se.
Claro que dar estes meus novos primeiros passos em cima da covid não ajuda.
E já acabei o livro. Estou na fase da revisão. Mas, para mim, bom, bom mesmo, é criar, pôr cá fora o que antes não existia. Agora... rever, limar, retocar... para isso já é preciso paciência. Agora imagine-se o que é isto caída de sono. É de cair para o lado.
A minha filha também é de escrever. Escreve, escreve. E, quando está inspirada, diz que é de rajada. Um dia vai ganhar um prémio, um dia vai publicar.
O meu filho não. Pelo menos até ver. E sempre se incomodou com os meus métodos: escrever ou pintar ou o que for tudo de empreitada. Para ele um livro deveria ser escrito em longos e esforçados meses. Disse-me que o Saramago escrevia uma página por dia. E diz-me que os leitores apreciam uma obra bem acabada. Contei ao meu marido que me sugeriu que eu lhe diga que o Camilo escreveu o Amor de Perdição em quinze dias.
Cada um é como é. E tomara eu poder chegar aos calcanhares de qualquer deles mas claro que estou mais para a velocidade do Camilo do que da do Saramago.
Estou a rever o que escrevi e já desinteressada pois já só me apetece é saltar para o seguinte.
A minha neta disse-me: 'Gostava de ler o teu livro'. E eu disse que sim, poderia ler o início, e ia abrir para estar ao pé dela Mas ela disse que eu lho enviasse por mail. Ah isso não. Expliquei que tem partes para adultos. Deixava-a ler as primeiras páginas para perceber qual a opinião dela mas o livro todo só o meu marido é que pode. A minha filha perguntou se eu não queria que ela lesse. Não. Seria inevitável que viesse com sugestões e eu já não estaria nem aí. Uma coisa é detectar um erro, uma pontuação errada, uma sugestão na base da coisa pouca. Agora sugestões que me obriguem é meter-me outra vez na pele dos personagens, reverter partes do enredo, mudar o DNA de alguém, isso já não quero, já não dá.
Mas hoje que tinha pensado entregar-me a essa tarefa da revisão não consegui. Uma moleza e um sono... Uma amiga trocou mensagens comigo e disse-me que tenho que ter que paciência, que isto é natural, que ela, depois da covid, andou quase dois meses assim, cansada, cheia de sono, a arrastar-se.
Fomos ao fim da tarde fazer compras, nomeadamente adubo para citrinos e outras coisas, e depois passear na praia. Pois, ao chegarmos, enquanto o meu marido tomava banho, antes de jantar, voltei a adormecer profundamente. Mas isto depois de, a seguir ao almoço, pensando ler um livro que a minha filha cá deixou, ter também adormecido.
Portanto, assim vai. Tenho que voltar a ter a energia habitual para meter pernas a caminho. Assim, como estou, não consigo fazer planos ou ter ritmo. Adormeço pelo meio. Ou, mesmo que não adormeça, pouco mais faço que borregar, preguiçar.
E, a seguir, mal volte a ter pilhas, tenho que aprender a organizar-me nesta minha nova vida em que também me está a saber bem demais não ter obrigações a cumprir.
2 comentários:
Que bom, já temos obra acabada!
Esperamos puder lê-lo brevemente. Bom bom seria uma edição independente. Digo isto porque há editoras que depois "obrigam" a dois ou tres livros por ano, o que leva o autor por vezes a repetir escritas já em blogs.
Acredito que não seria o seu caso, pois criatividade não lhe falta.
Aguardamos notícias.
Continuação de boa recuperação. A mudança para a Primavera é linda mas tambem perturba.
Um beijinho
Olá UJM;
Mais um tempinho e ainda vai ter saudades dos tempos de rebuliço com agenda cheia de trabalho para terceiros.
Já passei (e ultrapassei) essa fase. Agora continuo com a agenda cheia, mas de trabalho para mim.
Abraço e bem vinda ao clube.
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