Um passo atrás, e regresso a sábado. Dia tranquilo, de passeios vagarosos por entre as árvores, pisando o musgo, a caruma molhada, a terra macia e perfumada.
A casa estava fria depois de ter estado fechada durante duas semanas. As casas entristecem quando se sentem sozinhas.
Quando entro, sinto logo aquele cheiro tão característico. Parece que ainda guarda, meses após, o registo olfactivo dos últimos aconchegantes calores da lareira. Ou talvez seja da lenha que ainda ali está, a lenha dos cedros que o meu marido desbasta. Ou das azinheiras. Madeira tão perfumada e boa. Abro portadas e janelas, quero que entre a luz. Sinto a felicidade do reencontro. Admiro-me: deixei a almofada fora do sítio? Deixei. Recordo-me que não tive tempo de deixar tudo em ordem. Depois não quero saber, mal posso esperar por sair e ir ver o que há de novo.
Ontem não contei que voltaram a aparecer aquelas grandes pegadas. Um bicho que escava a terra nos sítios em que a terra é mais fofa. Tenho ideia que é na altura em que os cogumelos rebentam da terra que aparecem as marcas daquele bicho misterioso. Javali, talvez. O J. diz que sim, que aquilo é obra de javali, e eu acredito. Não sei onde se esconde. Talvez na gruta maior, mas não averiguamos. Há mistérios que não devem ser desvendados.
Depois, volto a casa. A sala de baixo, desde que a minha filha a transformou, está agora um elegante e clean lugar de tranquilidade. Apetece estar. Foi dia de leitura. Reclinada no cadeirão, uma mantinha macia no colo, aquele calorzinho bom das tardes de outono. Nas mãos, Sapatos de Corda. Mónica Baldaque fala das suas memórias, fala dos seus pais. Gosto do que ela diz da mãe. As filhas podem ser intransigentes, pouco benevolentes para com as mães. Por vezes guardam memória de apontamentos insignificantes que as marcaram sem que as mães sequer tenham ideia de que falam. Idealizam uma mãe perfeita e as mães são como elas são enquanto mães, mulheres normais, esforçadas, dedicadas e cheias de amor, mas humanas, imperfeitas. Mas Mónica, quando fala de Agustina, não se coloca como uma filha que avalia ou julga a mãe, muito menos como uma filha que acerta contas com a mãe que habita o seu passado. Não. Há ali uma muito genuína e muito profunda admiração. Mais do que como mãe, ela vê Agustina como um Ser.
Minha Mãe, mais do que uma filha, uma mulher, uma mãe, era um Ser. Um Ser raro, indefinível, pairante, impossível de encaixar em qualquer modelo. Exercitou a paciência para com Deus e a Vida, e sempre procurou o sentido dela e das criaturas que a habitam.
E fala do pai também com admiração, como se fosse outro ser especial, um guardião da liberdade e da criatividade da mãe, alguém que também reconheceu na mulher aquele toque da excepcionalidade que se presencia de perto once in a lifetime e, por tê-lo reconhecido e venerado, lhe deu todo o espaço e tempo do mudo. Viveu até ao fim, serenissimamente devotado à mulher da sua vida.
Para entrar na vida de minha Mãe, arrumou o seu próprio passado, não sei se com um sentimento de culpa, e caminhou ao lado de sua mulher. Aceitou partilhar um destino, construiu-o, por amor a minha Mãe e à inspiração que ela transmitia, e sustentava os sonhos.
Lê-se o livro e reconhece-se que Agustina paira naquelas memórias. São as memórias de Mónica a propósito da mãe e a influência daquela mulher misteriosa e ímpar está marcadamente presente.
Fiz um vídeo. Não está capaz. Não sei filmar, já se sabe. Mas mostro-o, ainda assim. Talvez um dia volte a mostrar outro, já eu a fazer uma festa no enigmático animal que me espia. Senta-se a olhar para mim. Talvez ache estranho que, de vez em quando, ali apareça esta que passeia como se flutuasse, em estado de encantamento, olhando tudo como se fosse a primeira vez.
Uma gata in heaven
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Voltei às minhas fotografias: já consigo passá-las para o computador e é com gosto que as partilho.
Joana Gama interpreta Für Alina de Arvo Pärt
E era bom que alguém ouvisse o meu apelo do post aqui já abaixo
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Desejo-vos uma semana feliz -- a começar já por esta segunda-feira
Saúde. Força. Boa disposição.
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