terça-feira, dezembro 31, 2019

As cinquenta nuances de verde







No sábado, no bocado de tarde que estive in heaven, fiz fotografias que tinha vontade de partilhar convosco. Também tinha a ideia de vos contar como se estava lá tão bem e da pena que tive por não poder estar mais tempo. Mas depois, já nem me lembro porquê, não fui por aí.

Depois, no domingo, no bocado em que estive à beira mar, fiz várias fotografias e tinha ideia de aqui publicar uns quatro ou cinco postais. Só tive tempo para dois. 

Esta segunda-feira voltei ao trabalho. Tinha pensado que ia ser um dia calmo, que conseguiria sair cedo mas os dois dias de férias hoje pesaram-me. Não sou nem um bocado de manias de que sou insubstituível nem sou maníaca do trabalho. Acontece é que as circunstâncias, ou a minha maneira de ser, nem sei, fazem com que tenha, de facto, muito trabalho. Sou de delegar, delego bastante, mas o facto de trabalhar em mais do que uma empresa e em qualquer delas com funções executivas, acarreta responsabilidades e as responsabilidades traduzem-se, para mal dos meus pecados, em trabalho.


E o trânsito. Uma pessoa, mesmo sem querer, torna-se insensível ao que se passa com o carro dos outros. Julgando que ia fazer um percurso num quarto de hora, foi furiosa que passei por um carro empanado no meio da estrada. Uma carripana velha, provavelmente um sufoco para o dono do carro, provavelmente custos que vão ser difíceis de suportar e eu, sem querer saber disso para nada, simplesmente a querer passar para ver se chegava a horas ao meu destino. Ou quando estou mais de uma hora num pára-arranca desesperante, enervada por chegar atrasada, e passo por carros espatifados, carros de bombeiros, ambulância, polícia, e eu nem penso no que ali se passou, apenas me sinto aliviada por, a partir dali, já poder andar normalmente.

Anos de vida nisto. 

Bem. Adiante.

Quando cheguei a casa ainda fui ao supermercado comprar o que faltava para o almoço de Ano Novo cá em casa. E depois ainda fui fazer uma máquina de roupa.


E, a seguir, depois de me pôr confortável, fui-me àquilo para que me deu neste fim de ano: arrumações. 

No sábado, o meu filho disse-me que estavam a pensar ir fazer uma caminhada num trilho de montanha perto de nós, in heaven, para nós irmos com eles, depois almoçávamos e voltávamos lá. Em situação normal, eu diria logo que sim. Os miúdos adoram estar lá, in heaven, até o bebé está sempre a falar nisso e eu jamais diria que não. Mas, pela primeira vez, disse que não dava jeito, que tencionava estar na cidade em arrumações. À noite foi a minha filha a dizer que o irmão a tinha desafiado para irem para a praia de manhã cedo mas que ela de manhã não mas que, se calhar, à tarde sim, e nós que nos juntássemos. O prazer de estar com eles é sempre o que fala mais forte. Mas, uma vez mais, disse que não. É que dizer que sim tem sido a história da minha vida. Sempre eles antes de tudo, em primeiro lugar haja o que houver, e eu sempre disponível para estar com eles. Com o meu marido a mesma coisa: quando estamos juntos, os programas que arranjamos durante o dia são programas conjuntos. Por isso, arrumações profundas vão passando para a próxima vez -- mas para a próxima vez nunca há tempo. Mas desta vez qualquer coisa desceu em mim. Um ponto de honra. Tinha mesmo que ser. E eu quando me dá para arrumações destas é mesmo a sério. 


Por isso, hoje, de novo, foi até há pouco tempo. E ainda não acabei. Para fazer as coisas como eu queria, precisaria de mais uns dois ou três dias. Mas já não vai dar. Tenho que acabar amanhã e, ainda assim, amanhã vou ter um dia atarefado, pouco tempo me vai sobrar. Portanto, agora à noite dei no duro. No último dia do ano vou levantar-me cedo e tentar cobrir os mínimos que tenho em mente. Já fui duas vezes à loja dos chineses comprar caixas e cabides verticais. Amanhã vou ter que lá voltar para comprar uma com gavetinhas para guardar pulseiras. Os brincos e os anéis já estão organizados por cores. E as pulseiras também o serão. 

Muitos anos a trabalhar, muitos anos a querer estar bem arranjada todos os dias, muitos anos a juntar roupa e bijuteria que não se estraga, muita gente a oferecer echarpes... dá nisto: coisas a mais.


Acho que pela primeira vez na vida tenho um roupeiro para o qual dá gosto olhar. As gavetas têm os tops ou as echarpes todas dobradinhas ao alto, por cores. Nos cabides, num compartimento estão as blusas ou camisas de manga comprida, noutro as de manga curta. Noutro, as malhas, os casaquinhos leves. E tudo por cores. Os pretos, os azuis -- do mais escuro para o mais claro. Depois os verdes -- os profundos, os esmeralda, os vivos, os água, os secos, os floridos, os que tendem para os amarelos. Depois os amarelos. Depois os corais, os laranjas, os encarnados. Etc.

Um gosto de ver. Tudo à larguinha, tudo fácil de encontrar, tudo a respirar bem (concordo, Susana, é mesmo verdade: as coisas respiram melhor, parece que o ar da casa até fica mais fresco).


E, agora que já posso dar dois passos atrás e olhar, pasmo com aquilo de que, não sei como, nunca me tinha apercebido: a cor predominante é o verde. Muitos tons de verde, com predominância para o verde musgo dourado. Ainda este Natal, para além de uma preciosa caixa com diferentes flavours de chá, a minha filha me ofereceu um lindo casaco, num tecido macio como uma camurça aveludada, num lindo tom de verde. Disse-me: 'Achei que ficava bem com os teus olhos'. E fica.

Não sei se pela cor dos meus olhos ou se por eles gostarem de ver a cor verde, a verdade é que, olhando para o roupeiro, a mancha verde é a que se impõe.

Não há muito, ao ler o último livro da Ivone Mendes da Silva, A mulher do meio, li uma coisa que me deixou um bocado espantada. Não tenho aqui o livro comigo, está in heaven, pelo que não posso transcrever. Digo de cor, certamente não sendo fiel à letra escrita. Se bem me lembro, descrevia ela que a Agustina dizia que só as mulheres muito bonitas podiam usar verde, razão pela qual ela nunca tido coragem para vestir uma peça verde. E eu, embora não sabendo, na altura, que o verde era a minha cor dominante mas já certa de que reincidia frequentemente, fiquei a pensar que eu, que uso tanto o verde, na volta, estou a ser impudica, descarada, estulta, inconsciente.


Mas é uma cor linda, vibrande, cheia de vida, cheia de nuances e de profundidades, cheia de luz, cheia de mistérios.

E, para o ilustrar, acabei, afinal, por ir mesmo buscar algumas das fotografias que fiz no sábado. A luz dourada sobre os verdes é de tal forma sedutora, não é? Mas todos os verdes o são, mesmo o da tenra erva, mesmo o dos rebentos na ponta das hastes, mesmo o da indistinta mancha do arvoredo vista de longe. Há deuses verdes à solta nos campos, há deuses verdes que dançam em minha volta. Tão bom.


Espero ainda conseguir voltar antes do final do ano para formular os meus votos mas, para o caso de o não conseguir, vou já adiantando que desejo para os meus amigos que aí desse lado me acompanham o mesmo que desejo para mim e para os meus: tudo de bom. Saúde, sorte, alegria, afecto, desafogo, motivação, boas surpresas, beleza, harmonia, desafios dos bons, partilha, aprendizagem, sorrisos. Coisas boas.


Um dia feliz a todos.

12 comentários:

Gina disse...

Feliz dia, UJM, já que neste momento é manhãzinha. Tanto este dia como os do ano que vem,2020,que lhe seja leve. Beijinhos.

Francisco de Sousa Rodrigues disse...

Minha rica e brava UJM, que 2020 seja um ano maravilhoso para si e para toda a sua família.

Um abraço com a brisa do Oeste.

AV disse...

Coisas muito boas para si também, UJM, nesta década que começa.

Isabel disse...

Sofro do mesmo mal: não sei dizer não.
Mas vou aprender...

Adorei todas as fotos, mas a última está simplesmente fantástica!

Desejo-lhe um excelente 2020, com tudo de bom para a UJM e sua família.
Beijinhos:))

Anónimo disse...

"I'm not here to lecture you - I'm here to help keep the tension on.
Se descansas, farei o elogio da tua apatia; quando te inquietas direi «não te preocupes!»"


À estimada Autora/Editora deste blog, e a todos os leitores, votos de que possam reunir o ânimo necessário para fazer face a cada dia do ano vindouro com um sorriso.

Cordialmente.


"O ser humano é uma casa de hóspedes
Cada manhã há recém-chegados:
Alegria, tristeza, maldade
Cada um deles é um visitante inesperado.

Acolhe-os e atende todos
Ainda que sejam só desgostos
E arrasem violentamente
Os móveis de tua casa
Ainda assim, trata-os a todos com respeito
Pode ser que te estejam limpando o horizonte
Para um novo deleite.

Aos pensamentos escabrosos, à vergonha, à malícia
Recebe-os a todos com um sorriso à porta
E convida-os a passar.

Dá graças a quem quer que chegue
Porque todos foram enviados
De longe, como guias.
"

Rumi, O Círculo do Amor (excerto)
(versão de Manuel Silva-Terra, Editora Licorne, 2016)

Um Jeito Manso disse...

Gina, olá neste Ano Novo,

E cá estamos, na maior leveza. E assim permaneceremos, bem dispostas e felizes da vida.

Bora lá.

Abração!

Um Jeito Manso disse...

Olá Francisco,

Já cá estamos. Mais uma voltinha, mais uma viagem. Nem lhe cheguei a perguntar pelas celebrações natalícias, se 'as cantorias' correram bem, etc. Mas deve ter corrido. E desejo-lhe a continuação do gosto da partilha e da comunhão. Muitas felicidades para si e para os seus, Francisco.

Um Jeito Manso disse...

Olá AV,

Ora viva. Isso é, a desejar coisas boas não para um ano mas para uma década! Não faz por menos. Gostei. Para si, também, uma gloriosa década.

Dias felizes, um a seguir ao outro... durante a próxima década. E durante a que vem depois e a seguinte e assim sucessivamente.

Um abraço, AV!

Um Jeito Manso disse...

Olá Isabel,

E já estamos em 2020. Já publiquei as fotografias do fogo de artifício deste Ano Novo, já formulei os meus votos (se é que se pode chamar votos às minhas conversas) e já chegámos à fantástica década de 20 (de um século que não é aquele em que nascemos).

Tudo de bom para si e para os seus, Chabeli.

Beijinhos.

Um Jeito Manso disse...

Olá Sem-Nome,

Gostei que cá tivesse vindo hoje. Gostei do que escreveu. Gostei que tivesse pensado que eu gostaria de ter notícias suas. E, claro, gostei dos seus presentes.

Muito obrigada.

Desejo-lhe um bom 2020. Desejo que seja um ano muito bom para si. Desejo que não desapareça mesmo que a minha ironia lhe soe a outra coisa qualquer.

Saúde, sorte, felicidades. E tudo o que faça sentido na sua vida.

Francisco de Sousa Rodrigues disse...

Ah as cantorias, uma maravilha, de tal forma que o nosso Pároco até nos pediu para animar a Missa Vespertina da Solenidade de Santa Maria Mãe de Deus.

Aquele abraço.

Um Jeito Manso disse...

Olá Francisco,

Só o saber o nome das celebrações me faz ficar agradada. Nunca tinha ouvido e acho um nome magnífico para essa missa: Missa Vespertina da Solenidade de Santa Maria Mãe de Deus.

Um dia ainda me faz lá ir de propósito para ouvir as vossas cantorias.

Aquele abraço também para si, Francisco.