terça-feira, abril 26, 2016

Grande reportagem de Andreia Jorge Luís na TVI sobre as Clandestinas e interessante entrevista da Judite Sousa com duas dessas mulheres e com Fernando Medina, filho de dois resistentes que viviam na clandestinidade



Como sempre, apanhei o programa sem querer e a meio mas, do que vi, tenho que dizer que gostei muito, que me emocionei, que pensei que tanto do que hoje vivemos se deve a quem generosa e abnegadamente abdicou da sua vida familiar, se afastou dos filhos, sofreu torturas, viveu em situações indignas -- e sempre com coragem, com força, com esperança num mundo melhor.

A minha família sempre foi de gente defensora da democracia mas não a ponto de sacrificar a vida. Apenas um tio, irmão da minha avó materna, foi deportado, viveu anos creio que em S. Tomé, e, ao regressar, passou à clandestinidade. Aparecia sem aviso, de noite, e, não sei como, a coisa corria e a família arranjava sempre maneira de que ele conseguisse rever os seus.

Era alto, moreno, bonito. Tenho ideia de que se curvava ligeiramente como por vezes fazem os homens muito altos. Mas talvez se curvasse para me prestar atenção, a mim que, então, era muito pequena. E fiquei com a ideia de que era um homem silencioso, que falava como se murmurasse mas, se calhar, isso era também porque teria medo que o ouvissem.

Morreu pouco antes do 25 de Abril, não me lembro como -- até porque ainda seria relativamente novo -- e, quando foi a revolução, toda a gente lamentava que ele não tivesse vivido o suficiente para ver que tinha acontecido aquilo por que ele tanto tinha lutado.

Também antes do 25 de Abril vivia perto da casa dessa minha avó um rapaz que tinha uma vida misteriosa. Ninguém sabia bem que vida era a dele. Mas também ninguém perguntava nada. Provavelmente desconfiavam. Ou então não falavam ao pé de mim. Volta e meia o Palma Inácio ia lá, não sei que relação havia entre ele e esse rapaz. Eu era miúda pequena e ouvia falar estas coisas sem perceber bem. O meu tio, que era todo de esquerda (embora não dado a lutas), conhecia-o e acho que conversava com eles e, em casa, falava deles e da LUAR e a minha avó e a minha mãe mandavam que se calasse ou que, pelo menos, falasse baixo.

Com o tempo todas estas memórias se hão-de perder porque vão morrendo as pessoas que o viveram. Neste caso em concreto, já morreu a minha avó, já morreu a avó desse rapaz, já morreu esse meu tio, já morreu o Palma Inácio e não faço ideia de quem é o rapaz de que falo.
Penso que, em vez de enxamearem as televisões e os rádios com tanto comentador, uma coisa aflitiva
(ia eu no carro perto da hora de almoço e na TSF lá estavam eles a fazer a autópsia aos discursos, em especial ao (muito bom!) discurso de Marcelo, e tudo é revirado do avesso até quase deixar de fazer sentido), 
mais valia que recuperassem testemunhos, experiências de vida de todos quantos sofreram às mãos da PIDE ou de como era cinzento, retrógrado e asfixiante o ambiente durante o negro e longo período antes de Abril de 74.

A todos os palermas que gozam com quem festeja o 25 de Abril como se não houvesse motivos para alegrias, eu acho que faria bem saber como era a vida nesses tempos.

Por isso, eu que tantas vezes sou crítica com a falta de qualidade dos programas de televisão, desta vez tiro o chapéu à TVI. Bela reportagem. Foi bom ver que corajosas foram aquelas mulheres, valentes, verdadeiros exemplos de convicção, força, determinação. E foi boa a ideia de levar duas dessas mulheres e Fernando Medina a falar em directo. Gostei muito.

Agora, ao procurar fotografias para ilustrar este texto, ao fazer uma pesquisa genérica, fui parar à notícia de que Helena Pato criou uma página no Facebook, Antifascistas da Resistência que já conta com 400 biografias. 


Tenho que ver se consigo lá chegar sem ter que me 'filiar' no facebook. Parece-me uma excelente ideia.

___

___

Como referi, as fotografias não têm directamente a ver com o que escrevi. Foram obtidas na net ao procurar 'Mulheres presas pela PIDE'

Lembrei-me de aqui colocar a música lá de cima porque imagino a dor imensa das mulheres que tinham que se separar dos seus filhos para poderem prosseguir a sua luta e para pouparem as crianças. Quantas vezes desejariam ter o seu filho nos braços para o embalar e, em vez disso, estavam nos calabouços ou a viver na penumbra, cheias de medo de serem descobertas. A música é uma canção de embalar e é de Arvo Part, Estonian Lullaby, numa interpretação a cargo da Estonian Philharmonic Chamber Choir, Tallin Chamber Orchestra.

...

Desejo-vos, meus Caros Leitores, uma bela terça-feira.


1 comentário:

Claudia Sousa Dias disse...

Gostei muito deste post. Voltarei cá para explorar os vídeos.