quarta-feira, junho 15, 2011

As pessoas da terra diziam 'antes havia uma mulher da aldeia'; agora a mulher da aldeia sou eu

As pessoas da terra diziam que ‘antes havia uma mulher da aldeia que sabia de chás e mezinhas, que aqui vinha apanhar estas ervas. Sabia distingui-las, sabia para que serviam. Vinha a pé lá de baixo e andava por aqui, curvada, a espreitar as ervas, a ver quando estavam boas para apanhar. Depois secava-as e, quando alguém estava doente, chamava-a ou ia ter com ela’.

Mas isso foi há muitos anos.


Neste pequeno bocado de terra cheio de pedras, há um caminho debruado com estevas, perpétuas amarelas, salvas, orégãos, rosmaninho, funcho, tomilho, era doce, muito tojo. Parece mato selvagem e é e, por isso, há quem queira cortá-lo, :), mas, para mim, é o meu jardim. Defendo-o de uma forma que pouca gente entende.


Os cheiros e as cores vão variando ao longo do ano. Em alguns sítios, pelo meio, crescem, desordenadas, vigorosas, agressivas, as silvas. Os seus longos braços aparecem onde menos se espera mas agora também não quero que se corte, depois do verão se tratará disso. Antes estavam cobertos por delicadas pequenas flores que agora se estão a transformar em pequenos frutos, amoras, tão boas que vão ficar.


Aqui e ali a madressilva desenvolveu-se de tal maneira que agora são grandes tufos que vão enleando a vegetação à volta, trepando pelas árvores. Na primavera fica toda florida, são pequenas flores de uma graciosidade que parece inventada.



E o perfume é suave, tal como as cores o são. Agora, com o calor, as flores, que quase parecem minúsculas fadinhas, praticamente desapareceram.


Há quatro eucaliptos mas eu prefiro o grande, enorme, cuja folhagem suspensa ondula e perfuma o vento e cujo tronco se descasca deixando à vista as velhas escamas acobreadas. No chão, à sua volta, ficam uns chapelinhos impregnados de um aroma fresco que se acredita que purifica os pulmões.

Numa curva do caminho há um pequeno arbusto e que pena ser só um, que agora está coberto de pequenas flores quase etéreas, tão perfumadas. Dali vão nascer pequenas e saborosas bagas. É a murta. É a flor de Afrodite e de Vénus, e, na Grécia, era com murta que se enfeitavam as noivas; e a sua madeira é a mirra sagrada.

Está perto de um medronheiro que irá dar uns suculentos pequenos frutos encarnados, que se desfarão na boca, de tão maduros e doces, aqueles que conseguirmos disputar aos pássaros.


E há os pinheiros que têm um cheiro doce e morno e que deixam o chão atapetado de caruma e os loendros cobertos de flores, duros e cheirosos como Natália os descreveu.


E há as figueiras, agora vergadas pelo peso das folhas e dos figos, uma sombra fresca e escura, um cheiro algarvio, a lembrar as figueiras dos caminhos junto ao mar na Boca do Rio. Não tarda os figos estarão doces, chamam-se pingo de mel porque deles sairá uma gota de suco espesso e doce, e ficarão com a pele a estalar, um sulcos brancos na pele verde, suculentos. Dá gosto comê-los da árvore, de manhã ou ao fim da tarde.

E há alguns pequenos recantos em que a sombra se fecha com as azinheiras ou com os cedros e em que o chão fica atapetado de folhas, cascas e aí o odor torna-se orgânico, húmido, íntimo.

Apareceu e desapareceu, foi apenas o tempo de o fotografar

Por vezes, à passagem, sente-se algum bicho a correr sem que vejamos nada. Às vezes ainda se vê um gatinho, ou coelhos,  mas quem sabe são cobras (de que vemos, por vezes, a pele) ou lagartixas que há lá tantas - é uma vida quase invisível, a maior parte das vezes apenas se ouve. Outras vezes, de dentro das árvores ouvem-se sons, asas a bater com força, às vezes um pássaro grande que se solta e se eleva pelos céus.

E agora que o calor de verão se aproxima, há muitas abelhas, o alfazema está lotado, arrisco-me muito para o apanhar, mas há-as por todo o lado, abelhas e também borboletas. Muitas borboletas, a maioria, amarelas, resplandecentes de luz. Mas também brancas e, de vez em quando, as maravilhosas mariposas multicores.


Por aqui, por estes caminhos, muitas vezes vou eu, feliz por poder continuar a fazer este caminho ('se hace camino al andar').


Nota 1: Se quiser saber mais sobre o meu bocado de céu siga para aqui ('um dia chegámos lá, era uma casa no meio do mato')

Nota 2: Já agora sugiro que vejam também o post abaixo, sobre as reticências ao casamento por parte de Darwin antes de conhecer a bela Emma Wedgwood

2 comentários:

ofazedordeauroras disse...

Comecei a visitar hoje a sua página. É uma bela descoberta. Os textos têm tanta qualidade, tão bem cuidados, dizem tanto, e há essa delicadeza de fundo, um refinamento no modo de pensar, sentir e expressar. Vou voltar muitas vezes, porque vale a pena!

Um abraço.

Jorge

Um Jeito Manso disse...

Muito obrigada, Jorge, pela gentileza das suas palavras. Volte sempre, sim.

Vou também visitar sempre O Fazedor de Auroras, que me encantou e surpreendeu.

Um abraço,

JM