Ora cá está. Verdade seja dita, o Boris também não acerta muito. Mas é tão maluco e, volta e meia, tão tresloucado, que, apesar das parvoeiras que tem defendido e de o diapasão dele não afinar pelo meu, lhe acho uma certa graça.
[Ainda há bocado, no post abaixo, a propósito do Assis que é tão querido dos jornalistas sem que se perceba porquê, coloquei esta dúvida: se não é por acertar nas suas previsões ou análises políticas, se não é por ser um giraço que dá canal junto do sector feminino, se não é por ter sentido de humor ou ser um bacano, então é porquê?]
Estes manos, os Johnson's, para além de louros e sorridentes, definitivamente não são moscas mortas.
O Boris é o que se sabe. Destrambelhado, ruidoso, espaçoso, aparatoso. Por onde passa, diz ou faz disparate.
No outro dia, foi o mano Jo que também saíu para a ribalta ao bater a porta à desengonçada mental May.
Aqui, numa fase não política, Rachel, aplica o método Kondo para arrumar a roupa que lhe jorrava pelas gavetas
Agora chegou a vez da mana Rachel dar que falar. Não vale a pena pôr-me com rebéubéus pardais ao ninho: basta mostrar as imagens. Em pleno programa de televisão, e querendo chamar a atenção para a bambochata do Brexit, Rachel fez um strip que por pouco não ia deixando os comparsas de olhos esbugalhados.
É isto que os ingleses têm de bom: bem comportadinhos, bem comportadinhos mas, quando lhes dá para a brincadeira, é mesmo para brincar a sério. Onde é que na televisão portuguesa uma apresentadora ou jornalista-editora se sai com uma destas? Onde é que alguma vez a Judite, a Boca Guedes, a Ana Lourenço ou a Clara de Sousa, em pleno programa, são capazes de defender uma causa com unhas e dentes, despindo a roupinha e continuar sorridentes, olhos na câmara...? Está bem, está. Mesmo as mais empenhadas. Por exemplo, onde é que aquela Varela com cara de Dominatrix, Raquel também de seu nome, é capaz de ser consentânea com a sua superioridade mental e moral e arrancar as vestes na cara do Moita de Deus e dos manos Vieira? Ou a Clara Ferreira Alves? Sempre tão nas altas esferas, sempre tão acima da carne seca, toda ela sempre tão farta de aturar o povo, onde é que algumas vez a vimos a pôr as mamiminhas em cima da mesa para ver se põe os inferiores paineleiros de olhos em bico? É o que digo: está bem, está. Muita conversa e pouca acção. Na volta, ainda há-de ser Manuela Ferreira Leite a mostrar como é que é. Olhos postos nela que ela é que vai ser: um dos próximos programas, quando a mostarda lhe chegar ao nariz, farta, farta, fartésima das macacadas do PSD, é vê-la a ficar apenas com o colar de duas fiadas a ilustrar-lhe o colo nu.
É que nunca lhe ouvi uma ideia nova, uma ideia interessante, uma ideia inteligente. Prevê muito e nunca acerta uma. Antevê desaires, apocalipses, desgraças de toda a espécie: felizmente, tudo ao lado.
Portanto, porque é que continuam a entrevistá-lo?
É que podia não atinar mas ter graça no que diz, demonstrar sabedoria ou sentido de humor. Mas não, nem isso. Graça: zero, bola.
Podia, ao menos, ser fisicamente atraente, um pão, e as meninas jornalistas inventarem pretexto para estar perto, para beber as palavras que lhe gotejam da boca. Mas qual quê? Um pão...? Nem pó.
Portanto, o que é que se pode concluir desta fixação na criatura? Eu, por mim, só posso concluir que o jornalismo em Portugal está pelas ruas da amargura, a bater no fundo.
Nunca me aconteceu sentir dúvidas existenciais -- e não sei se isso abona ou desabona a meu favor.
Gostava de ser psiquiatra e não fui para não ter que estudar medicina e não quis estudar medicina para não ter que lidar com mortos ou estropiados porque só de pensar nisso já me apavorava. Depois pensei que podia ser psicóloga mas, na altura, havia dúvidas sobre o reconhecimento oficial dos cursos. Não havia internet e o conhecimento não circulava como hoje. Nem me lembro já de como era. Ia-se aos sítios, perguntava-se, tentava-se cruzar a informação. Hoje sei que gostaria de ter exercido qualquer das duas profissões. Mas também arquitectura. Gostava muito de ter sido arquitecta. Na altura nem me ocorreu. Pensei trabalhar numa empresa, Não sei porque não escolhi uns cursos. Tanto me diziam que devia tirar o curso que tirei, que acabei mesmo por ir por aí. Disseram-me que, com aquele curso, podia fazer tudo. Sem saber bem quais as hipóteses e com os meus amigos todos com vocações muito definidas, deixei-me ir. Ia morrendo com o pesadelo que eram aquelas cadeiras e, pior ainda, com o pesadelo que eram os alunos daquele curso. Para mim, entrar para a universidade era alcançar um atamar de liberdade pelo qual tanto ansiava. Queria ir ao cinema, ao teatro, passear, namorar, descobrir tudo o que houvesse para ser descoberto. E, afinal, só me apareciam pessoas que queriam estudar, exclusivamente estudar. Um horror.
Razões de sobra para ter dúvidas existenciais não me faltaram.
Tinha querido sair de casa para viver em absoluta liberdade, travei uma longa e intensa luta com os meus pais para, com dezassete anos acabados de fazer, me deixarem viver por minha conta, e, afinal, tendo acabado por vencer tão dura batalha, não encontrava parceiros para a minha caminhada.
Não sou solitária e, naquela altura, sentia-me tristemente sozinha. Nada naquele tempo me agradava: nem o curso, nem os colegas, nem o sítio onde estava (mais vigiado do que eu admitia), nem o estar longe do meu namorado que naturalmente continuou a viver em casa dos pais e andava a estudar na outra ponta da cidade.
Poderia ter pensado que mais valia mudar de curso, mudar de sítio, mudar tudo. Não me ocorreu.
No entanto, poucos meses depois, o mundo à minha volta mudou. Tudo mudou. A vida é assim, feita de imprevistos que condicionam as nossas circunstâncias.
A minha vida desenhou-se nestes tempos: acabaria por escolher uma variante do meu curso que viria a ser-me muito útil, arranjei outro namorado, arranjei outros amigos, vi teatro e cinema e passeei como se não houvesse amanhã.
Nunca fiz um daqueles testes vocacionais. Acho que um dia ainda vou fazer. Gostava de saber o que poderia ter sido a minha vida se tivesse sabido de outras hipóteses. Não sei se ainda vou a tempo de recomeçar. Não agora mas um dia que tenha o tempo por minha conta. Se pensar em abstracto, ocorrem-me várias possibilidades mas, sendo objectiva, tenho que admitir que já não dá. Só coisas pequenas, só minhas. E nem vale a pena pensar nisso porque a vida vai andando sempre cheia de solicitações, constrangimentos e nós vamos sendo puxados para aqui, empurrados para acolá.
Este meu fim de semana foi bom mas, como sempre, muito preenchido. A minha mãe diz-me sempre que tenho que descansar, ir de férias, ir para longe. Mas não consigo. Estive lá. Gosto de estar com eles todas as semanas. O meu pai tão débil, a minha mãe tão incapaz de se afastar dele e eu, também, tão incapaz de me afastar deles.
E depois o campo. Tão bom. Mas tanto trabalho. O meu marido queixa-se: tanta luta minha para plantar árvores, para fazer com que vingassem, tanta luta, tanta luta contra as pedras, contra os calores e os ventos, e agora tanta luta para as desbastar, tanta luta para domar o crescimento desabalado da natureza. Podamos e serramos e arrancamos e depois transportamos para o local da queima. É um pedaço de terra que tem tanto de nós. Muito de nós vive ali.
E depois à noite, de novo, a casa cheia. Liguei à minha mãe e, às tantas, disse 'estão a chegar, já estou a ouvi-los' e a minha mãe disse: 'mas como é possível, ao domingo à noite, e agora ainda isso? tu descansa, tira férias' Mas eu descanso junto deles, a casa virada do avesso com as brincadeiras das crianças, com a alegria ruidosa de todos eles. A mesa era tão grande, parecia gigante quando éramos só quatro, e agora já mal chega. O meu marido anda a querer resolver isto, quer que se pense numa extensão para a mesa mas, sinceramente, não estou bem a ver. Doze. Seis estão, de dia para dia, mais crescidos, mais volumosos. Quando vêm mais pessoas já eu fico atrapalhada. Agora estamos para combinar um dia no campo para mais nove ou dez ou doze, nem sei bem. Já ando a pensar na logística. No verão, ainda se montam mesas cá fora mas, com tempo frio, não se pode. Vinte e tal pessoas das quais mais metade crianças é coisa que não pode ser de improviso, como geralmente são as coisas comigo.
Bem. Isto para se ver. É que, francamente, só visto. Não sou de dúvidas existenciais. Só questões práticas deste tipo. Começo o post a apontar para a metafísica e acabo preocupada com a logística comensal. Básica todos os dias, é assim que sou (e, na volta, ainda bem). Não me dou problemas.
E de tal forma estou, capaz é de ir dormir, que agora que aqui cheguei, já depois de ter escrito este big lençol é que me lembrei que, quando comecei, vinha com ideia de falar noutra coisa. Mas é como começar uma nova profissão depois de me reformar: a certa altura do campeonato mais vale tirar daí o sentido. Ou seja, se ainda não falei do que aqui me trouxe, também não é agora que vou começar. Paciência.
Digo só que tinha a ver com a noção de 'casa', de ter vontade de estar em casa, com sentir-me bem em casa, de a minha casa ser uma segunda pele para mim, de haver muito dos outros em mim e muito de mim na minha casa, de haver anjos a vigiarem por mim na minha casa, nesta onde estou agora, na outra onde estive até há pouco. E tinha fotografias de casa para vos mostrar mas também não é agora que vou buscar a máquina para as escolher. Fica para outro dia, não é? E agora chove enquanto escrevo e isso é tão bom.
.............................................
Uma vez uma pessoa disse-me que o poema If de Rudyard Kipling era um poema de esperança. Fiquei na dúvida. Apeteceu-me ouvi-lo agora e, ouvindo-o, apeteceu-me partilhá-lo convosco.
Tu és assim, uma espera contínua pela tua ausência, um minuto que vem sem ti. Todas as coisas que me faltam, todas aquelas que não tenho.
< >
Por vezes penso que tenho tudo mas logo vem aquele minuto de vazio em que todas as coisas se vão, em que me lembro que não te tenho. Podem vir de longe as palavras que me faltam mas será sempre a ausência que preencherá o meu tempo sem ti. És assim um corpo longínquo, um olhar distante, um abraço apertado que não sinto. Talvez seja assim que se constrói a teoria dos corpos amorosos, talvez seja assim que, palavra a palavra, se constrói a memória boa dos amores imortais, talvez seja este o laço que liga os sonhadores cujos sonhos um dia se cruzaram, talvez seja assim que se alimenta a infinita espera contínua, talvez seja assim que se mantém viva a extraordinária esperança de que são feitas as almas que se esperam.
< >
E podia continuar. Palavras conjugadas com sentido, o estilo consistente, referências a propósito.
Por acaso, seria eu a fazê-lo mas vocês aí desse lado, meus Caros Leitores, como poderão saber se quem escreve sou mesmo eu, uma mulher de verdade, ou outro que não eu, ou um eu especial, um algoritmo inteligente que sabe captar motivações, apetências, o código genético de alguém (mesmo que inexistente)?
Como sabem? Estão por acaso a ver-me? Sabem se são as minhas mãos dançando sobre o teclado ou se me limitei a dar o comendo de execução a um programa que, lendo umas linhas de partida, constrói uma narrativa totalmente inventada, imaterial, parecendo até apaixonada mas, na verdade, desumanizada?
Passo a explicar.
Pensei: vou exemplificar o que o GPT2 faz.
Pensei: vou escolher uma passagem de um livro para, a partir daí e do que conheço do autor, desatar a escrever.
Mas depois pensei: vou é nada, estou aqui tão bem sentada, vou mas é aí a um blog e escolho uma passagem.
Depois pensei: vou ver mais um pouco para ter mais com que compor a prosa. E parei na A liga dos amores imortais.
E pensei que já chegava para o que queria.
E desatei a escrever aquilo lá em cima, aquele parágrafo entre os dois < >
E é assim que o algoritmo de AI, que dá pelo nome de GPT2, funciona. Escreve textos a partir de uma semente: escreve-se um bocado de qualquer coisa para ele se 'inspirar' e ele, a besta inteligente, nem hesita. Pode ser Orwell, pode ser qualquer outro autor, pode ser um trecho de um artigo de jornal. O texto que nasce terá o estilo do autor que se pretende emular, trará referências, até citações, será credível, não haverá ponta solta por onde alguém pegar para duvidar. Fake news, fake fiction. A inteligência artificial ao serviço da escrita. A máquina substituindo a criatividade, a ética, o lado humano do acto da escrita.
Tão bom o resultado que os autores se assustaram. Ou fingiram que se assustaram -- sabe-se lá. Ao contrário do costume, não divulgaram tudo. Medo do que pode acontecer, disseram. Com um comando [carregando na rodinha da OpenAI, que equivale a um go] faz-se um jornal inteiro, dispensam-se os jornalistas todos. Com um comando escreve-se uma colecção de romances, uma colecção de poesia, uma colecção de policiais, uma colecção de ficção científica. Sem dedo de gente, sem hesitações, sem dores de crescimento. Um gerador de falsidades consistentes. Os humanos sem saberem já em que acreditar. O chat bot da AI da Microsoft, o Tay, não desatou a tuitar sobre o Hitler? E se mil contas desatarem a tuitar sobre o Hitler, forjando uma onda de apoio ao nazismo? Não conquistarão adeptos humanos? Não manipularão a débil mente humana?
Não é à toa que Elon Musk vem avisando: cuidado com a desgraça que aí está para vir, cuidado com a Inteligência Arificial. Afinal ele é um dos principais financiadores da OpenAI, a non-profit AI research company, discovering and enacting the path to safe artificial general intelligence.
Bem podem agora dizer que se vai resguardar o código do gerador de escrita inteligente. Impossível. Não tarda está aí nas mãos de quem o agarrar. O grande perigo de tudo isto é a desregulação absoluta. E a facilidade com que tudo circula, com que tudo se faz, a facilidade, a facilidade incrível de tudo.
No artigo do The Guardian há, a meio, um ponto [Quick Guide] em que, abrindo, se lê o que a aplicação escreveu sobre si própria. Alguém escreveu os dois primeiros parágrafos e o algoritmo foi por aí fora. Refere números, refere afirmações proferidas por pessoas. Tudo mentira mas tudo credível.
Este é o admirável mundo novo que se está a aproximar a passos largos perante a nossa indiferença. A AI, nas suas boas e más aplicações, já aí está. E não sabes.
Os Emissários que batem à tua porta,
tu mesmo os chamaste e não sabes.
E não sabes. Estás a chamá-los, eles estão aí, ah estão, estão. E tu não sabes. E tu não queres saber.
Nem vale a pena contar sobre as horas a que cheguei a casa. Sem lamúria que quem corre por gosto não se cansa. Nem vale a pena contar que logo adormeci e que arrefeci. Acordei agora, bem depois da meia-noite, e tive que me embrulhar numa mantinha. Agora já estou a ficar quentinha. Mas continuo com a cabeça adormecida.
Tinha coisas para falar: a ilicitude da greve dos enfermeiros, por exemplo. Coisa que estava na cara. Atentar contra a vida humana não é lícita em nenhuma parte do mundo civilizado. Resta saber o que vai acontecer a quem publicamente praticou ilicitudes. Mas, estando já dentro do sábado, acho que mereço descanso, especialmente descanso mental.
Ademais já tenho a cartilha lida: dado que o fim de semana promete ser de arrebimba, o meu marido já avisou que não me abalance a dormir até a manhã ir avançada. Até tremo. Já estou mesmo a ver que, estando eu ainda no primeiro sono, vou começar a ouvir as movimentações que precedem o conhecido: vá, acorda, já é tarde. Ninguém merece.
Quase não tenho pegado no tapete. Tenho tanta coisa para fazer e tão pouco tempo e tão pouca disposição. Volta e meia ocorre-me alguma coisa que deveria ter feito e não fiz. Agora, por exemplo, estou a lembrar-me que deveria ter enviado um mail pois deveria ter uma resposta antes de segunda-feira. Mas não vou enviar um mail profissional a esta hora. Gaita. Com toda esta sobre-ocupação nem tenho lido. De manhã estava numa reunião, vi um mail a dizer que era o último dia para enviar umas tretas. Pensei que deveria era mandar bugiar quem assim me estava a maçar. Pensei que, de tarde, se estivesse para aí virada, logo veria se me apetecia fazer aquilo. Mas de tarde tive mais que fazer. Agora estou aqui a pensar que vou ter que fazê-lo na segunda-feira e, com o que me espera, não sei como vou conseguir. Não há pachorra. Já me falta a paciência para frioleiras que podem ser muito importantes para alguns mas que, na minha opinião, são meras inutilidades. Ainda há muita improdutividade nas empresas portuguesas. Não que não se trabalhe. Trabalha-se, trabalha-se até demais. Mas faz-se é muita treta inútil.
E sinto-me uma chata, a escrever sobre coisas chatas. Até a mim me chateio. tenho que me libertar disto. Chegar a estas horas (passa bem da uma da manhã) e pôr-me a falar de canseiras e maçadas é coisa que não se deseja a ninguém. Vou parar com isto.
Vinha com ideia de falar numa coisa. Para mim a atracção física está associada ao agrado físico, a olhar e agradar-me. Acho que não poderia sentir-me atraída por alguém feio, mal jeitoso, fisicamente desagradável. Mas vi à hora de almoço um casal tão feio, tão disparatadamente mal jeitosos os dois, tão bizarros no despropósito do aspecto físico e, ao mesmo tempo, tão enamorados, tão declaradamente in love, que me senti intrigada e enternecida. O que viam eles um no outro que os deixava assim? A minha maneira de ser e a minha racionalidade não me deixaram perceber de onde vinha aquele notório amor: olhavam-se e sorriam, de mãos dados, como se nunca tivessem visto nada tão lindo, tão amoroso. Senti-me limitada na minha capacidade de compreensão, como se faltasse alguma faculdade que, faltando, me impedia de ver a raiz das coisas.
E também tinha vontade de falar de outra coisa. Durante um pouco fiquei sozinha no gabinete. Entrou-me, então, uma menina que trabalha lá há pouco tempo. Há umas semanas eu tinha interferido por ela de forma até bastante veemente pois parecia-me injusto que não reparassem no seu valor. Agora o seu valor foi reconhecido e ela veio agradecer-me. E, ao fazê-lo, sorria timidamente mas olhava-me nos olhos. Estava um pouco comovida mas sorria, olhando-me de frente. Foi tão inesperado que me senti, por dentro, bastante comovida. Pensei que há momentos na vida da gente que valem mais do que mil sucessos da treta. Tive vontade de me levantar e dar-lhe um abraço. E tive vontade de dizer-lhe que, dentro de algum tempo, talvez esteja ela a lutar pela justiça em relação a alguém que mereça atenção e reconhecimento. Mas não disse, não quis armar-me em moralista. Ou receei que a voz se me fragilizasse.
E pronto. Daqui a nada são duas. Vou encerrar o expediente. As árvores que aqui coloquei são candidatas à Árvore Europeia do Ano. A segunda é nossa, é um carvalho em Mértola. Gostava que ganhasse. Mas qualquer árvore que ganhe vai merecê-lo. Numa outra encarnação fui uma árvore e espero que, numa futura, volte a sê-lo.
Mas, antes de me ir, deixem que partilhe convosco mais um voo de Sergei, aqui ao som de Like a Prayer. Um prazer vê-lo. Oremos.
Vou falar do Carlos Costa para quê? Assunto tão velho e relho quanto a incompetência dele. Macaco de rabo pelado, pode ser que saiba governar a sua vidinha mas bancos não é coisa que lhe assista. Não vê, não fala, não ouve. Pelos vistos também não cheira. Pode haver esturro por todo o lado que não lhe cheira. Não sei quem é que alguma vez acreditou que o Banco de Portugal, com ele à frente, estava bem entregue. Eu não. Desde que lhe pus os olhos em cima que vi logo que é daqueles cornos mansos: é o último a saber e, mesmo quando sabe, prefere fazer de conta que não sabe para não ter que se chatear.
Por isso, não vou falar do dito faz-de-conta. Um daqueles faz-de-conta que não desgruda. Vai ter que ser corrido a pontapé porque pelo pé dele já se viu que não sai. Podia ser apenas um macaco de rabo pelado, cego, surdo e mudo mas nem isso, é mesmo daqueles emplastros. Há-de estar em decomposição e ainda a arrastar-se para o Banco. Não tenho paciência.
Volto a dizer: se fizerem a troca do macaco banqueiro pelo artístico homónimo, o Banco fica melhor servido. Há quanto tempo o ando a dizer? Ninguém me dá ouvidos. É uma pena.
Também vou falar do Mário Nogueira para quê? Ouvi esse outro macaco de rabo pelado a gabar-se de ter ajudado a deitar abaixo o Governo de Sócrates. Lembrava ele que é melhor não aborrecerem os professores porque quem se mete com eles dá-se mal. Esqueceu-se de dizer, esse outro emplastro da velha guarda do sindicalismo jurássico, que ajudou a trazer Passos Coelho, Paulo Portas, Relvas, a Marilú e tantas outras sinistras figuras para a ribalta. Esqueceu-se de dizer que, durante o governo do Láparo, o tal que se gabava de ir para além da troika, andou caladinho, bem comportadinho. Não me esqueço disso, ó Mário das Laranjas azedas!
Há classes profissionais que se afastam da estima dos seus concidadãos graças às criaturas que se enfiaram nos sindicatos e de lá não saem. É o caso deste Mário Nogueira, da Cavaca (a chefe dos sindicatos dos enfermeiros) e doutras avestruzes que melhor fariam se fossem aí para o campo enfiar a cabeça na areia.
Mas, juro, para mim, quer o Nogueira quer o Carlos Costa são tão já figuras do passado que já não me apetece falar deles.
Salto, então, para mais uma valente derrota da despassarada da Theresa May que nem sequer estava lá para ouvir a contagem dos votos e assumir mais um abada. O dia do Brexit aproxima-se e aquela gente continua à nora, sem conseguir chegar a um acordo entre eles e/ou com a União Europeia. No meio da mais absoluta desagregação, é, como sempre, Bercow que segura as pontas, que distribui o seu grito de Order! Order!, que manda calar um e falar outro. O vídeo abaixo é mais um momento memorável. Ele, a sua voz e as suas gravatas são de antologia.
Theresa May has once again been humiliated over Brexit after Tory MPs pulled their support for her plans.
The PM’s strategy was left in tatters on Valentine's Day after Brexiteers abstained on her motion, leaving it to be defeated by 303 votes to 258.
E, em mais uma noite de estafa, tendo chegado a casa, outra vez, às quinhentas (e, de novo, incapaz de responder aos comentários nem mesmo para agradecer ao P. Rufino que, romântico como só ele, lembrou belíssimas palavras de Pessoa ou para dizer à JV que aquilo ontem, no fim, assim ao descair, do 'desculpem lá qualquer coisinha' foi mesmo para me armar em passarinha patetinha depois de ter escrito um post nulozinho, coitadinho.)
Esta minha semana tem sido do caneco, não propriamente má mas demasiado preenchida, a passar a correr e eu a correr atrás do tempo, e esta sexta-feira vai ser a mesma coisa. Não posso deitar-me tarde demais porque tenho que me levantar cedo demais.
Por isso, com vossa licença, ficar-me-ei por aqui mas não sem antes me rir com ternura a ver o meu amigo Charlot.
A importância que reconheço ao Dia de S. Valentim é zero. Se o festejo? Claro que não. Nem me lembro. Hoje vi andarem a distribuir rosas a mulheres e nem percebi o que se estava a passar até reparar que os jovens distribuidores tinham um coração nas costas. Aí caíu a ficha. Fiquei até sem saber se a noiva negra que tinha visto, com uma gabardine pelas costas sobre o vestido branco, era noiva a sério ou se era coisa do dito Valentim.
Não tenho ideia de quando chegou esta moda a Portugal. Quando eu namorava ou nos primeiros tempos de casamento presumo que não houvesse e, quando veio, deve ter-me passado ao lado. Não faz falta.
Mas não interessa. Não preciso de mostrar-me assim tão desalinhada, não ganho nada com isso. Mais vale dizer que sim, que é lindo, peace and love, beijinhos na boca, effe-erre-á. E, portanto, sendo a Santa UJM uma verdadeira padroeira do sex and love, aqui fica a homenagem. Mas uma homenagem no feminino. Não é Valentim, é Valentina, a minha mana santinha, a namoradeira-mor.
Num inquérito a que me foi pedido para responder sobre uma outra pessoa (volta e meia é isto, passamos a vida a avaliar-nos uns aos outros ou a nós próprios, não há pachorra), a primeira pergunta indispôs-me logo: como é que a pessoa em apreço comparava com outras com quem eu tenha já trabalhado. E vá de classificá-lo. Desisti logo ali e participei que não ia responder. Aqui d'el rei. Tem que ser senão vai dar que falar, especular-se-á porque não o faz, pode até prejudicar a pessoa em causa. Informei que não gosto destes inquéritos, prefiro dizer o que tenho a dizer cara a cara. Mas pensa assim tão mal?, perguntou-me a pessoa em causa. Disse que já trabalhei com pessoas extraordinárias. Ele percebeu que não o acho extraordinário. Acrescentei que também com gente imprestável. Talvez tenha ficado mais aliviado.
Amanhã vou esforçar-me. Também não quero criar um caso nem quero prejudicá-lo. No outro dia, pessoa que muito prezo, uma das pessoas mais francas, intelectualmente honestas e sãs que conheço disse-me dele: é um tipo decente. Concordo. É decente. Se calhar eu é que sou muito exigente. Ou se calhar tive foi o privilégio de conhecer e trabalhar de perto com pessoas ímpares.
Pelo caminho, vim a recordar-me das três pessoas com quem mais aprendi, que considero como dos melhores profissionais, dos mais inteligentes que conheci, verdadeiras mentes brilhantes. Todos eles eram carismáticos, imperfeitos, longe de serem consensuais. Há já algum tempo que não me cruzo profissionalmente com pessoas de tal craveira. Gosto de pasmar perante provas de inteligência alheia, rasgos de coragem, jogadas de risco e, infelizmente, não me acontece faz tempo. É que não eram apenas pessoas com que dava gosto trabalhar: eram também pessoas com quem dava gosto conversar.
Vinha no carro a pensar neles, nesses três homens, tão diferentes entre si mas tão marcantes. Como apanhei muito trânsito pude recordar muitas situações. Tudo tem um lado bom: levar mais de uma hora a fazer um percurso que se faz nas calmas em metade do tempo dá para puxar pela memória, o que pode ser uma coisa boa.
Comecei o dia a ir para um sítio, a meio da manhã fui para outro, antes da hora de almoço para outro, depois de almoço para outro, a meio da tarde para outro e à noite regressei a casa. Nesta brincadeira devo ter feito para cima de uns cento e cinquenta quilómetros. E tanto que tive que fazer pelo meio. Agora estou com vontade de dormir. Praticamente não consegui usar ainda o computador. Estava a descarregar e depois a instalar actualizações, não mexia. Agora, depois de ter passado por todos os passos, quando reiniciou, apareceu-me a dizer que tinha mais actualizações. Perdido por cem, perdido por mil. Disse que sim. Está de novo a pisar ovos, a descarregar cenas. É que, com isto, não consigo fazer nada. Ia tentar responder aos comentários mas, de cada vez que carregava num, punha-se branco, a andar à roda. Desisti. Agora vou folheando os dois livros que tenho aqui ao meu lado, lutando para não adormecer, e ele nisto, a descarregar, a instalar, a meditar.
À hora de almoço, no meio do louco rodopio que foi o meu dia, cheia de pressa, deu-me para uma desopilinha, que é como quem diz uma desopilada rapidinha. Entrei na livraria e jurei que era mesmo só para ver livros e ganhar fôlego para o que vinha a seguir, de tarde. Entrei, pois, com aquela superioridade moral tão típica dos não-pecadores. Estava sozinha pelo que não fazia sentido fazer aquele sorrisinho arrogante com que os seres superiores manifestam o seu desdém perante as tentações que vergam os seres inferiores. Não sorri mas avancei de nariz erguido. Só para ver. Vi um com interesse, folheei, pensei: querias..., e segui em frente; mais à frente, um outro -- mas não é qualquer um que verga as minhas boas intenções. Segui. Ia pensando: noutros tempos, ia buscar uma cestinha e era como se fosse aos figos. Mas agora não. Mais um pouco e iria com um rosário nas mãos e punha-me a rezar o terço. E a seguir outro livro. Tão bom. Mas... vade retro. Por pouco não me benzi para puxar a mim os bons espíritos e esconjurar o apelo da tentação.
Até que vi um livro amarelinho, uma tamanhinho jeitosinho, uma capa bonitinha. Chamou por mim, o malandro. Fui ver: 'Escritor fracassado e outros contos'. Gostei. Autor: Roberto Arlt. Nunca tinha ouvido falar em tal pessoa. Tradutor identificado na capa (coisa digna de reparo): Miguel Filipe Mochila. Colecção Pedante. Espreitei e li que a Colecção Pedante nasce de muitas horas de conversas, troca de livros e ideias entre a Livraria Snob e a editora Pé de Mosca. Pareceu-me interessante. A seguir abri do outro lado e li que Roberto Arlt, 'O grande indigno da literatura argentina', nasceu em 1900 em Buenos Aires e morreu em 1942. Li também que o estilo de Arlt é furioso, mesclado, um motor aquecido com os detritos de uma sociedade urbana à beira da ruptura e que [obviamente] foi mal recebido pela crítica. Achei ainda melhor. Peguei nele e achei que até seria falta de educação deixá-lo lá. Condescendi: só este.
De seguida, segui com a mesma indiferença, superior. Vi mais uns quantos com vontade de ceder mas resistindo. A Santa UJM é santa, sempre santa, mesmo rodeada das maiores tentações.
Até que apareceram os 'Gatos Comunicantes'. Pimbas. Capa bonita, um belo tom azul. Correspondência entre Vieira da Silva e Mário Cesariny. Folheei. Gravuras, bilhetinhos, fotografias. E as cartas. Pensei: se calhar já tenho. Mas noutra edição. Será? Não sei. Pensei outra vez: apesar de tudo, há que manter o decoro, um mínimo de boa educação. E trouxe-o. Tal como o amarelinho também este, azulinho, está aqui comigo.
E com isto o tempo vai passando, daqui a nada são duas da matina. Não faz sentido. Vou desligar, vou dormir. Não vou agradecer os comentários -- não vou dizer a todos que me poderia dar para pior; não vou dizer à Luísa B. que fico mesmo contente por sabê-la junto dos seus meninos; nem à Isabel que não se zangue, que isto não tem nada a ver, é tudo na boa; nem vou dizer à Gina que Desavergonhada e Cara-Alegre são os meus nomes do meio pelo que nada a fazer, é mesmo um caso perdido; não vou dizer à Lucília que vinha no carro quando li o comentário e que dei uma boa gargalhada; não vou dizer à Luísa que aquelas florzinhas desenhadas e pintadas são mesmo bonitas e que se habilite ela a fazer parecido que certamente ficarão também mimosas; não vou dizer à Bea que está bem, pronto, se a peça é só utilitária e, de resto, sem graça que mereça prosa, pois, está bem, não falamos mais nisso; nem vou dizer à Janita que espero que o penteado estivesse a preceito quando se viu ao espelho; nem sequer vou dizer ao Francisco que é um valente por ter a coragem de se abeirar de um tal jardim pejado de flores de perdição. Nem vou dizer à JV, essa gloriosa evangelizadora, que, com esse tão grande amor, um dia ainda corro o risco de a ver a fazer parte da direcção ao lado do Vieira...
E como não vou dizer nada disso porque senão não durmo e a noite já não é uma criança e, ainda por cima, vai ser curta porque o dia vai ser longo, fico-me por aqui. E desculpem lá qualquer coisinha.
[O pintor é Carlos Jacanamijoy e o cantor James Taylor e eu desejo-vos um dia feliz]
Há coisas de que uma pessoa bem comportada supostamente não deve falar em sociedade. Nem sequer as donas dessas coisas. Faz de conta que têm em casa um bicho mal comportado, um bicho que lá foi parar nem se sabe como. Não se fala nele não vá os outros acharem mal.
Coisas. Digo eu. Coisas. Não sei como melhor dizer. Bicho, bicho não será. Flor acho que também não é. Apesar de haver flores que se lhe aparentam, pelo menos algumas flores inventadas por pintores. Mas flor não e bicho, se calhar, também não. Coisa, pois. Coisinha, para uns. Coisona para outros; ou às vezes. Não, coisona não, não me soa bem. As coisas têm que soar bem. Em especial, coisas assim, que foram feitas para o carinho.
Costumo dizer que quem vê caras, vê pilas. Isto nos homens, bem entendido. Não há duas iguais, digo eu. Basta ver a cara dos donos, digo eu. Melhor: intuo. Sou amiga do rigor científico: para fazer uma afirmação com rigor devo tê-la previamente submetido a experimentação para me certificar da sua veracidade. Ora não costumo mandar despir os cavalheiros com que me cruzo para me certificar da boa qualidade da minha teoria.
Mas isto sobre pilas.
Porque das coisas que aqui falo não tenho teoria, não tenho intuição. Nunca tinha, sequer, pensado no tema.
Afinal fico agora a saber que é a mesma coisa: não haverá duas iguais. E, na volta, olha-se para a pinta da dona e adivinha-se a pinta da bicha.
Li o artigo no Guardian. Fiquei espantada com a variedade. Maior do que com as rosas. Rosa chá, rosa púrpura, rosa dobrada, rosa singela, rosa brava, rosa branca, rosa perfumada, rosa carnuda.
Laura Dodsworth fotografou e entrevistou 100 vulvas e respectivas donas. Isto depois de se ter desforrado com 100 pénis e seus dôninhos. Pénis de novinhos, pénis de velhinhos, de robustos, de franzinos, de saudáveis, de doentes, pénis magrinhos, pénis reboludinhos, branquelas, pretões. De tudo. A normalidade é a diversidade. Nada de mais. Novidade mesmo é ser assim também com as vulvinhas. De novinhas, de velhinhas, de branquinhas, de pretinhas, de pétalas perfeitas, desfolhadas, fechadinhas, desenhadinhas, descaradas. De tudo.
Mostrando que ninguém deve esconder com vergonha de ser feio, a autora explica que normal é tudo. Não há feio nem bonito. Há diferente. Diferente uns dos outros, umas das outras. Uma das fotografias é a da autora mas não faz diferença. É de uma mulher que é mulher como todas as mulheres.
Tem razão a Isabel: não se deve generalizar. As mulheres não são todas iguais e ser diferente não é ser bom ou ser mau: é, apenas, ser o que é. Ponto.
As vulvas também não. E contam histórias. Embora geralmente sejam silenciosas, misteriosas, não gostam que se saiba dos seus segredos.
É que parece que um qualquer veio chamar a atenção para que não se deve dizer vulva mas, sim, vagina. Ora toda a gente lhe caíu em cima e bem: vagina é a interioridade, o canal que vai do exterior ao interior, ao passo que vulva é o rosto da dita boca do corpo, incluindo lábios, botão de rosa e as aberturas propriamente ditas.
Portanto, é de vulvas que a autora do livro de Laura trata. Tal como é de vulvas que Hilde Atalanta também se ocupa, pintando-as sem parar. Ou seja, não faz pinturas em cima de vulvas de verdade. Quero eu dizer que faz desenhos delas, pintando-as como se de florzinhas se tratassem. Uma graça.
E, apesar de pouco ter dito, por hoje pouco mais tenho a dizer a não ser que quero acabar este post com o vídeo de uma exibição de uma ginasta excepcional a todos os níveis: não é levezinha, não é magrinha, não tem o típico corpo das atletas. Mas, apesar disso, é única. Já aqui falei dela: foi das melhores, foi-se abaixo, e, quando menos se podia esperar, ressurgiu.
Por estes dias voltou a arrancar um 10. Voa, salta, dança, ri. Um corpo elástico e jubiloso.
Dedico estas imagens de graça, energia e superação a algumas das minhas Leitoras ou autoras de blogs que sigo: à JV, à Gina, à Isabel, à Bea, à Leonor, à Célia, à Isabel, à Ms Tree Lover, à Ana Vasconcelos, à Luísa B, à ~CC~, à Lucília, à Alice, à Teresa, à Olinda, à Penélope, à Yvette, à Helena, à Anabela, à Luísa, à Elvira, à Ana, à Graça, à Maria, à Eugénia, à Maria Sofia, à Mãe Preocupada, à Miss Smile, à Matéria dos Livros, à Flor, à Estela, à Ana de Amsterdão que espero que esteja bem, e a todas as outras de que, por sono, imperdoavelmente agora me esqueci.
Dedico também a todos os Leitores homens que gostam de mulheres. Os que gostam de homens ficam para outro dia que isto aqui hoje é mesmo na base do gineceu e dos que gostam de dele se acercar.
Katelyn Ohashi (UCLA) 2019 Floor vs Washington 10.0
Gosto de comédias inglesas. Gosto do sentido de humor inglês. Gosto quando o humor é servido com aquele british accent que transporta a saudade do verbo e da verve de Shakespeare, gosto de humor imprevisto, improvável, com aquele toque de absurdo, elegância e despropósito que nos predispõe para a diversão.
Tive um colega inglês que era um verdadeiro biltre mas que, não obstante, era um verdadeiro comediante. Aquela ironia desconcertante, aquela irreverência subjacente ao cavalheirismo britânico, tudo nele puxava ao humor. Claro que em público, e quando em modo 'oficial,' era irrepreensível. E essa dualidade ainda era mais divertida.
Nisto do Brexit -- um dos grandes passos em falso da história -- há que reconhecer que há intervenientes dignos de uma boa soap opera. Dois deles estão aqui abaixo: a fabulosa Nigel e Boris.
Um dia que se faça a história deste conturbado período, o filme que daí resulte pode ser visto sob diversas perspectivas e todas elas curiosas. Muito do que é complexo na natureza humana existe em doses elevadas nestas pequenas histórias que habitam este período da história.
Para além dos dois artistas acima, outros dois marcam o ar do tempo nestes dias pré Brexit, um Brexit que talvez nunca venha a existir: a desasada Theresa May que, há que reconhecer, tem a resiliência de uma verdadeira anta, e o indómito e preponderante John Bercow. Este recentíssimo vídeo, de há poucas horas, mostra bem a fibra de que ambos são feitos:
----------------------------
Mas eu, neste vídeo, para além do meu (sobejamente conhecido) apreço por Bercow, sou forçada a reparar e invejar o colar de Theresa May. Que espectáculo. O que eu gostava de ter um colar assim. Mal empregado colar ali nela. Alguém saberá dizer-me onde se pode arranjar? Capaz de ser um belo presente para o meu próximo aniversário.
Vivendo eu num meio maioritariamente masculino e até em casa, agora, com uma família predominantemente masculina (e focando-me apenas no núcleo mais restrito: por exemplo, dos cinco pimentinhas, quatro são rapazes), a verdade é que, desde que me lembro, sempre me dei melhor com rapazes do que com raparigas.
Michael Kors, 1 390 euros
Os meus melhores amigos sempre foram do sexo masculino e se há momentos que me são desconfortáveis é quando há encontros de casais (por exemplo, em contexto profissional mas, na realidade, não só) e sentindo-me, espontaneamente, com mais vontade de me juntar ao grupo dos homens, não tenho outro remédio senão engrupar-me com as mulheres. Acontece que todas as que conheço -- e são muitas -- não fazem ideia do que eu faço (de onde depreendo que também não fazem bem ideia do que os maridos fazem) nem mostram qualquer interesse por isso. E ainda bem. Mas, mal se encontram, entabulam, de súbito, aquele tipo de conversa fluida, onde, en passant, se fala de tudo com aquela ligeireza em que, quando uma pessoa pensa que a coisa vai aprofundar, já se saltou para outra: de empregadas, das suas peripécias na escola (muitas são professoras), de saldos, de lojas fantásticas, de outras.
Não posso dizer que não gosto disso mas, durante muito tempo, cansa-me. Se for uma tarde inteira ou se for pela noite dentro, esgoto-me.
Gucci, 3 500 euros
Estou agora a lembrar-me de um dia, não há muito tempo, passado em casa de um colega, uma casa muito bonita, com um largo alpendre-- onde almoçámos vagarosamente um belo peixe grelhado que foi a única coisa normal numa refeição onde fomos surpreendidos com uma série de imprevistos acepipes -- e com um grande relvado com árvores frondosas. A seguir ao almoço, já a tarde ia a meio, cada homem pegou num copo e numa cadeira e foram sentar-se em círculo, na relva, e ali ficaram conversando até a noite cair. Nessa altura, acharam estava uma noite boa demais para ser interrrompida. Dois foram comprar carne e carvão e mais bebidas e trataram de organizar um cheiroso barbecue. Saímos de lá às quinhentas e eu vinha exausta. Até que nos voltássemos a sentar todos à mesma mesa, eu estive no grupo das mulheres. Dá-se a coincidência de duas falarem ininterruptamente, divertidas, interessantes, mas umas verdadeiras gralhas, de uma outra ser meio aluada e ser capaz de estar uma tarde inteira a dizer coisas ao lado, de uma outra ser a atirar para o coquette e ser capaz de estar uma tarde inteira a encontrar oportunidades para se armar ao pingarelho e apenas uma outra ser mais ou menos como eu, mais contida. Nem sei quantas vezes tive vontade de pegar na cadeira e ir sentar-me no grupo dos homens.
Christian Dior, 2 500 euros
No entanto, não se pense que sou do tipo maria-rapaz. Não. Nunca fui, nunca serei. Tenho, de resto, algumas coisas tipicamente femininas, daquelas coisas mesmo de gajas. Por exemplo: carteiras. Gosto imenso de carteiras (ou malas, como queiram). Tenho algumas que são tão lindas que as tenho apenas por serem lindas, não porque tencione dar-lhes uso. Tenho até uma que está ali na estante, como se fosse um bibelot. Tenho outra em forma de borboleta, toda coberta de pedrinhas. Um dia que organize o meu closet a la Kondo, hei-de ter uma secção só para as minhas malinhas, saquinhos, envelopes, clutches. Tenho amarelinha, azulinha, rosa choque, rosa velho, beige e azul, preto, branco, cortiça, pele mesmo, restinhos de tecido, patchwork em veludo, veludo bordado. Lindonas a dar com cada coisa. Mas depois ando temporadas com a mesma porque ficam tão cheias de tanta coisa miúda e avulsa que o melhor é não mexer, não mudar, deixar estar.
Uma vez, o telemóvel estava a tocar dentro da minha carteira que estava afastada de mim. Entretanto, eu estava com uma chamada no fixo. Um colega perguntou se queria que eu o tirasse da carteira para mo dar mas outro, malandreco, desaconselhou-o, que ele não se arriscasse, que nunca se sabe o que poderia lá estar, que meter a mão dentro da mala de uma senhora era um risco. O prestimoso assustou-se e desistiu de querer ser simpático.
Chanel, preço sob consulta
Em tempos que já lá vão, as malinhas eram um balúrdio: eram de pele genuína, feitas à mão, peças de arte.
Agora a beleza proletarizou-se e há carteiras e sacolinhas elegantes, bonitíssimas, a bom preço. De perder a cabeça. Preciosidades e belezuras a preços demasiado tentadores.
Aqui meio a dormir, que estes meus dias não me dão grande folga, pus-me a ver as modas na Vogue. E fui dar com umas bem bonitinhas, outras meio amalucadas. Mas, caraças, que preços mais despudorados. Escolhi aqui umas quatro para verem a maluqueira de valores.
Mas aquela que me tirou do sério, não pela cor nem pelo modelo mas pela excepcional ideia -- uma sacola dupla que me resolveria os quotidianos problemas de falta de espaço e arrumação -- foi a Chanel. Um jeitaço.
E isto que nem de propósito. Eu a falar do meu lado feminino e ele aí. Vinha para falar no bunda velha que é o Santana Lopes, todo prosa, conversa mole e da treta, populismo oco, verbo fácil e inflado para disfarçar a vacuidade. E queria dizer que foi uma graça ver o Miguel Sousa Tavares na TVI a desmascarar a vazieza do bunda velha, a fazer-lhe perguntas concretas e a gozar o pratinho do outro a patinar em seco, o PSL a disfarçar o populismo oco com um tom comicieiro. Mas, aqui chegada, toda eu bem intencionada, desafinei, desviei-me, deixei que o espírito santanete descesse em mim. Deu-me para isto, para falar de valisettes.
E, acreditem, já estou é completamente a dormir, agarrada ao computador e aparentemente acordada mas, believe me, a dormir. Tenho que deixar que os olhos descansem.
----------------------------------
E como ando numa de Charlot, é com ele que me despeço. Não tem nada a ver com nada do que aqui antes se passou, nem com malinhas e maletas nem com santanas e santanetes. Mas quem disse que os posts têm que ser coerentes? (Eu não fui)