quinta-feira, junho 09, 2022

Paula
-- ser, recordar, brincar, desenhar, encenar, pintar

 



Não foi desde sempre que gostei da Paula Rêgo. Lembro-me de um dia me cruzar com uma prima, dada às artes, que ia a entrar para o CCB e eu a sair. Eu tinha vindo de um daqueles eventos em que se comia muito bem e, ao sair, ia apressada para não sei onde. Ela disse-me que ia ver a exposição da Paula Rêgo. Eu disse que não achava muito piada e ela ficou muito admirada, acharia que eu gostaria bastante. Mas eu que não, nem por isso. Tudo meio estranho, devo ter dito.

Fiquei a pensar naquilo. 

Quando a gente não está predisposta a encarar a diferença ou está sem disponibilidade para ver com olhos de ver o que não é vulgar, acontece isto. Achamos que as coisas não nos dizem nada e seguimos adiante. Mas não são as coisas que não dizem nada, a gente é que não pára para as ouvir.

Algum tempo depois, tive ocasião de ir ao lançamento de um livrinho maravilhoso com ilustrações dela sobre texto de Tabucchi. Foi no Palácio Fronteira e tudo ali era maravilhoso: a luz, o ambiente, os sorrisos, a afabilidade que circulava entre todos. O sorriso da Paula Rêgo e a forma como olhou para mim quando lhe disse o meu nome. Não me esqueço. A simpatia doce, inocente, a surpresa. Fez-me sentir ainda mais que o meu nome era inseparável de mim.

Por essa altura já eu tinha despertado para a beleza insólita dos seus desenhos, para a forma impactante como as suas figuras chegavam até nós, para os pormenores desconcertantes, para os franzidos das saias e para as sombras nas rugas dos tecidos, para a pele imperfeita das mulheres, para a rudeza e para a má sorte, para a carnalidade, para a perversidade de alguns personagens.

Aos poucos fui ficando incondicional. Cada pequeno detalhe, uns olhos muito abertos, um corpo abandonado, um movimento atrevido, a ruralidade assombrada, o abandono dos corpos à sua sorte, a força, a destreza, a ousadia das mulheres. O sangue, o olhar, as pernas grossas, o cabelo apanhado das mulheres e a sua manha, a malícia das crianças, a fragilidade de alguns homens.

Nessa altura já me era difícil compreender os que diziam não gostar da sua obra. Esquecida da minha anterior cegueira, não percebia a cegueira dos outros.

Agora continuo a não perceber. Mas já aceito. Há vários tipos de cegueira. A da ignorância, a do desdém, a da indisponibilidade para ver, a da superficialidade. Mas é a vida: uma mescla de tudo. E tudo é relativo e tudo é passageiro.

E, para além da obra, há a autora. As suas entrevistas, o documentário que o filho fez sobre ela, a  aproximação de Agustina* -- tudo foi construindo, em mim, a imagem de uma mulher admirável, meio louca, meio menina, meio diaba, meio de outro mundo, meio desbocada, meio dramática, meio divertida, meio sofrida, meio desabrida, muito vivida.


Mesmos os deuses não são eternos. Chegaria o dia em que Paula Rego partiria. Mas parte o invólucro que, como em todos nós, era perecível. Fica a sua vasta obra -- e isso é uma dádiva sua para connosco que nunca poderemos agradecer como deveríamos pois é uma dádiva demasiado grande -- e ficam as suas palavras nas entrevistas que podem ser lidas e vistas em vídeo. 

A sua obra, intemporal, imoral, amoral, moral, imensa, tem ainda uma característica especial: é intrinsecamente portuguesa. 


E, por isso, por sentir essa proximidade com estas mulheres que saíram da imaginação, da memória e das mãos de Paula Rêgo, a admiração que me desperta é ainda maior.


Maravilhosa e eterna Paula Rêgo. 





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Mas As Meninas não são crianças. Estão sempre alerta, sabem coisas proibidas, em volta delas as mulheres conspiram, inspeccionando a sua roupa de baixo. As Meninas são profundamente perigosas. Não devem andar pela cozinha nem pelos lugares desertos da casa. Sabe Deus que coisas podem fazer…

[Palavras de Agustina em as Meninas

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Desejo-vos um dia bom

Saudade. Agradecimento. Saúde. Paz.

quarta-feira, junho 08, 2022

Algumas receitas para uma feliz sobrevivência

 

Espero que, muito rapidamente, a indústria avance com processos de electrólise invertida ou de dessalinização ou de formação artificial de nuvens ou o escambau ou o diabo a quatro. Tecnologia e técnicos que saibam da poda há-os por cá. Têm é que ser lançados programas de investimento virados para isto. E tem que ser rápido. Entre o business case, a mobilização do capital, o desenho e projecto da solução, o procurement, a construção, os testes e tudo o que é preciso até que uma fábrica comece a produzir vão anos (ainda mais com a escassez de materiais que há). E há que ter operadores e técnicos de manutenção - e não os há. Ou rapidamente o país aposta intensivamente em escolas técnicas ou arranja maneira de 'importar' gente com esse tipo de formação. Tudo isto leva tempo.

A subida da temperatura média, a seca, o facto de vários dos nossos rios virem de Espanha (e, como seria de esperar, Escassez de água leva Espanha a reduzir caudais dos rios que entram em Portugal) fazem perspectivar que o que, em tempos, parecia um cenário apocalítico longínquo já comece a bater-nos à porta. Temos que interiorizar que sem água não há vida e que, se não há água, temos que fazê-la. Tal como temos que produzir energia a partir dos recursos naturais e renováveis, temos também que produzir água a partir do que há à mão de semear e que, tão cedo, não se esgota.

Espero que consigamos viver em paz, salvar o planeta, salvarmo-nos a nós da insanidade de alguns e vivermos, de forma sustentável (ou sustentada?), com recursos sabiamente geridos. Se é com carne produzida em fábrica de carne a fazer de conta, se é com insectos ou legumes que hoje desconhecemos, se é com algas e outros produtos do fundo do mar, eu não sei. Mas o engenho e a arte têm que se virar rapidamente para a nossa subsistência e para a do terroir que nos coube em sorte.

No meio disto teremos que nos blindar para podermos cuidar dessas premências e não corrermos o risco de, nos entretantos, ser invadidos e destruídos por assassinos tresloucados. O que até há uns três meses nem nos passava da cabeça, afigura-se agora ser de extrema relevância. Um doido varrido pode deitar a perder anos de desenvolvimento e anos de esperança de vida (das pessoas e do planeta).

Casa Do Penedo, 1972, Celorico de Basto

E, last but not least, teremos que continuar a ser felizes e a tentar inebriar-nos com a arte, com a elegância, com a beleza, com a doçura dos bons momentos, com a melodia das palavras, com o voo dos corpos e dos pássaros, com a memória do passado e o sonho no futuro, com a ternura do afecto, com as mil e uma pequenas coisas da natureza.

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No estúdio com Claire Tabouret


Um vestido feito de vidro -- Iris van Herpen


Georgijs Osokins interpreta  Fragile e conciliante do Lamentate de Arvo Pärt 



Um quarto dos poemas é imitação literária / Herberto Helder dito por Fernando Alves



"Petite Mort", Pas de Deux numa coreografia de Jiri Kylian


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As fotografias pertencem a World Beauties And Wonders

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Desejo-vos um dia tão bom quanto possível
Saúde. Imaginação. Vontade. Paz.

terça-feira, junho 07, 2022

Querer a paz. Lutar pela liberdade.

 

Juro que não consigo perceber a reacção de pessoas que se dizem pacifistas sabendo que, enquanto a Rússia continuar em solo ucraniano a destruir o país e a chacinar os ucranianos, essa paz significa a rendição ucraniana e a aceitação de que, doravante, vale tudo. 

São os ucranianos que estão a lutar até ao último pingo de sangue por se manterem ucranianos. Não é o resto do mundo que está a atirá-los para a guerra. Não. São eles que estão a sacrificar as suas casas, os seus empregos, o seu conforto e segurança, a sua própria vida

Que muitos países estejam a apoiar o sacrifício dos ucranianos é mais do que compreensível. No dia em que a Rússia (ou qualquer outro país) entre pelas fronteiras adentro de um outro país com o intuito de o derrubar e de o anexar e a comunidade internacional ficar impávida e serena, mostrando que o terreno está livre para que qualquer um o tome como seu e faça dele o que quiser, então adeus minhas encomendas. Voltaremos ao tempo da pirataria mais tosca e primária. Voltaremos ao tempo da barbárie.

Dizer que se quer a paz -- sabendo que com isso se estará a sancionar os crimes selvagens da Rússia e, também, não apenas a enterrar a Ucrânia mas também o direito internacional e a liberdade -- é hipócrita, é cobarde.

É bonito de dizer que se deve privilegiar a negociação. Claro. Quem o não quer? 

Mas que negociação? Obrigar os ucranianos a abdicar dos seus direitos soberanos? Oferecer à Rússia uma parte do território da Ucrânia? Impedir a Ucrânia de se defender e de poder ser defendida? 

Acharão mesmo, os que dizem defender a paz, que isso é correcto? Que é honesto? Que é justo? Que é civilizado? Que é humano?

Se um bando de ladrões lhes atacar a casa, acham essas pessoas que se deve ceder aos ladrões parte da sua casa, justamente a parte melhor e a parte onde estão as portas? Deverão passar a ser servos dos ladrões? Acharão que devem abdicar de instalar um sistema de alarme e de segurança para que os ladrões façam o que quiserem? Acharão que os vizinhos devem fechar a olhos enquanto esses crimes estiverem a ser praticados? 

Claro que tentar ajudar a Ucrânia não dando argumentos a que a Rússia se sinta no direito de destruir o planeta é difícil. Sanções, munições, armamento de defesa, apoio financeiro e humanitário, tudo com conta, peso e medida. Tudo gestos que custam caro a quem os faz e que, ainda por cima, são de efeito retardado. Enquanto isso, são os ucranianos que estão a pagar com a sua vida, com a sua coragem e com a sua abnegação o preço que escolheram pagar pela sua liberdade.

Para mim isto é cristalino.

Pode Zelenskyy antes não ter sido um grande estadista ou um cidadão exemplar (não sei se foi, se não foi), pode ter havido corrupção na Ucrânia (onde a não há?), pode não ter sido a sociedade imaculada que se desejaria (alguma o é?) que nada disso está agora em questão. O que está em questão é ajudarmos os ucranianos a manterem-se fortes, livres, a resistirem aos crimes diários cometidos pelos russos em solo ucraniano.

A comunidade internacional tem-se unido em torno dos ucranianos e uma delas é através do desenho e/ou do humor. Escolhi alguns desses memes pois ilustram muitas das discussões que se têm estabelecido sobre este tema. Mas há muitos mais aqui: Ukrainian Memes Forces.


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Sou a favor da paz. Da paz em liberdade e no respeito pela dignidade.

segunda-feira, junho 06, 2022

Cenas de um dia, com uma fera a pingar como um pinto, com os célebres casos notáveis da multiplicação e com uma Rainha como nunca ninguém a viu.

E, a despropósito, uma espécie de spa subterrâneo construído à mão em 100 dias.

 

Anima-me a perspectiva de que esta semana vai ser mais curta. Semanas de quatro dias é que devia ser sempre. Com organização, era na boa.

Anima-me ainda já não estar na escola, sujeita a testes. 

Volta e meia, embora já há algum tempo que não, ainda sonhava que descobria que ia ter teste e não tinha estudado nada, não sabia nada. E ainda me lembro do nervoso miudinho quando os professores distribuíam os 'pontos' ou, nos exames, o formalismo todo do enunciado do exame e das folhas que não me lembro se eram de 25 linhas. Ia sempre um bocado nervosa. Na intimidade do meu pensamento, pedia que me corresse bem. Mesmo que me sentisse conhecedora da matéria, ia nervosa com receio que saísse alguma coisa cujo alcance eu não atingisse ou que eu desconhecesse. Isso ficou um pouco em mim. Ficou também em mim uma outra coisa. Nunca gostei de estudar de mais. Nunca consegui decorar nada pois nunca consegui ter paciência para ficar a perder tempo a decorar. Mesmo em exames finais, não conseguia estudar tanto quanto devia. Ainda agora quando tenho reuniões que são decisivas, não consigo 'ensaiar' na íntegra ou saber a priori tudo o que vou dizer. E isso deixa-me, depois, no momento antes, com algum receio. Vejo colegas que imprimem as apresentações e que, antes de chegar a vez delas, estão a ver e rever cada slide. Nunca fiz isso. Mal vejo os slides, nunca os imprimo e vou para as reuniões a contar na minha capacidade de improviso e com o que me há-de ocorrer. Mas, no momento antes, vendo que toda a gente se preparou, bate o nervoso miudinho. Mas não o evito. Uma espécie de atracção pelo abismo.

A minha fera felpuda também mostrou tê-lo. Estávamos perto de uma piscina. Eu não que eu estava de roda dos casos notáveis relembrando outros tempos. Dois meninos a preparem-se para testes de matemática, um em cada poiso e eu a ajudar um deles. Às tantas um grande chinfrim e o alerta de que o urso cabeludo tinha caído à piscina. A minha filha, vestida, que estava a comer um gelado, atirou-se logo. Um dos meninos não sei se se atirou ou se lá estava. Eu e o meu marido claro que também corremos. Ainda vi o anfíbio peludo a nadar e depois a ser içado. Saiu a escorrer, com metade do volume, a correr, alvoroçado. A minha filha também saiu molhada, com o gelado na boca, também são e salvo.

Mas, dizia eu, que há coisas que me animam. 

E o saber que estou a entrar numa semana curta que antecede uma ainda mais curta anima-me ainda mais. E estamos a entrar no verão e isso também é bom.

E estar em vias de pôr em prática, na empresa, uma little revolution que acho necessária também me anima. Tenho dificuldade em acomodar-me a situações que acho um atraso de vida. Portanto, ou vai ou racha. Uns vão adorar, outros vão odiar. Mas isso não me preocupa. Gosto de cortar a direito.

Bem. Sobre o dia também tenho a dizer que não vi nada do jubileu. Deve ter sido um misto de Santos Populares, Carnaval e Live Aid. Ou seja, uma festa pop, boa para todos. Mas não vi, andei por outras bandas.

Quanto ao resto, segundo vi nos onlines agora à noite: por cá, acho que nada mexe, tudo na maior tranquilidade. No resto do mundo, o bicho ronda. Mas ainda espero um milagre. 

Por milagres. A minha mãe hoje dizia que gostava de ir a Fátima, que há muitos anos que não ia. Que eu me lembre, deve ter ido quando eu teria uns dezasseis anos e fomos conhecer as grutas. Se foi depois, desconheço. Às tantas quer ir fazer pedidos. Ou agradecer. 

O meu pai que sempre conheci agnóstico (isto para não dizer ateu), quando já estava acamado e, volta e meia, um pouco perdido das ideias, quando a minha mãe foi operada a um cancro, mostrava-se inquieto e dizia que rezava a Nossa Senhora de Fátima para ela se pôr boa. Nunca lhe dissemos o que ela tinha, nem pouco mais ou menos. Nem ele percebeu que ela esteve fora tanto tempo. Mas dizia isso. Quando contei à minha mãe, ela ficou admiradíssima: 'Essa é boa... Mas ele nunca acreditou em nada disso....'. Não ia a missas e acho que tinha embirração por padres e afins. Vá lá a gente perceber alguma coisa. Mas se calhar é isso que ela quer ir agradecer, ela ter atendido o pedido do meu pai. Mas não sei, não faço ideia, não me apeteceu perguntar-lhe.

Adiante. À falta de novidades, abri o youtube e vi um vídeo que achei o máximo. Já uma vez tinha visto um assim e depois quis revê-lo e não consegui. Agora, ao ver este foi como se tivesse reencontrado amigo de longa data. Acho o máximo. Acho de uma habilidade incrível, imaginação, força, determinação. Gostava de ser capaz de fazer coisas assim com as minhas próprias mãos. Até me fez lembrar aquela história que ilustra a motivação, aquela do homem que quando lhe perguntaram o que estava a fazer, disse que estava a construir uma catedral quando os outros, que faziam o mesmo, disseram que estavam a partir e a carregar pedra.

 100 Days Building A Modern Underground Hut With A Grass Roof And A Swimming Pool


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Para não se dizer que não ligo patavina ao jubileu resolvi enfeitar o texto com fotografias que mostram a Rainha segundo a lente digital e criativa de Hey Reilly

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Desejo-vos uma boa semana a começar já nesta segunda-feira
Saúde. Alegria. Paz.

domingo, junho 05, 2022

Fadiga...?

 



Ouço falar em fadiga, fadiga da guerra. Fala-se menos porque estamos cansados de ouvir falar da guerra -- é o que ouço. Não é o meu caso. Não falo porque não sei o que dizer de diferente em relação ao que digo desde o primeiro dia. Não posso fazer um post igual todos os dias e, por isso, vou falando de outras coisas. Mas a barbárie a que se assiste está no meu pensamento em permanência.

Tudo o que se passa, dia após dia, reforça o que penso: não há atenuantes para justificar os crimes de Putin, tal como não pode haver perdão e tal como nada do que se passa pode ser esquecido. 

Os crimes filmados, testemunhados, comprovados e vividos em directo por correspondentes de canais de televisão de todo o mundo não podem ser negados, desculpados ou aceites. São crimes brutais, absurdos, injustificados.

A guerra avassaladora exclusivamente causada pela Rússia em território alheio não é apenas um inacreditável atentado ao direito internacional: é ainda a causa e o acelerador de uma crise económica mundial de que ainda não percebemos bem as consequências. O mundo inteiro vai ser vítima do desvario imperialista de Putin e dos seus seguidores.

E não vale a pena algumas pessoas virem dar a entender que tão responsável por esta guerra é a Rússia como a Ucrânia ou quem tem tentado ajudar a Ucrânia. Não vale a pena pois isso é comprovadamente falso. Falso e vil. A Ucrânia é vítima, a Ucrânia é um país que foi invadido e que está a ser destruído pela Rússia. Não há perdão possível para isso. E ainda bem que há estados soberanos que estão a ajudar um país que está ser invadido e destruído. Ainda bem. 

Por facilidade, vou usar, uma vez mais, uma analogia que já aqui usei. Pode ser básica mas penso que é uma ilustração minimamente credível do que se passa no cenário de guerra,

Se o meu vizinho, mais rico e poderoso que eu, resolver que a minha casa há-de ser dele, e se eu, legitimamente, não for na conversa, há alguém de bom senso que ache normal que ele resolva arrombar as portas e entre pela casa adentro, de pistola em riste, montado numa máquina que arrasa tudo à sua passagem?

E eu -- escondida, temendo ser assassinada, vendo-o a destruir tudo, paredes, mobílias, a matar familiares meus -- deverei ceder? Deverei aceitar que ele ocupe a minha casa e me escorrace dela ou me obrigue a trabalhar como sua criada?

Ou, pelo contrário, é legítimo que me defenda?

E não é normal que os meus vizinhos -- conhecendo a sanha assassina do meu vizinho e sabendo que a seguir à minha casa, há-de querer anexar as casas deles -- me ajudem, me deixem pedras e outras munições para eu me defender? 

Pode haver quem diga que, perante a ambição desmedida e a fúria do meu vizinho, a culpada das agressões sou eu que não me deitei no chão aceitando pacificamente que ele passe por cima, para ser roubada, violada, assassinada. Pode haver quem me acuse por me defender ou acuse os meus vizinhos por me ajudarem a defender-me. 

Mas eu, se as circunstâncias fossem essas, enquanto me restasse um pingo de sangue, faria o que achasse correcto: defender-me a mim, à minha família, à minha casa, à minha liberdade, aos meus direitos.

E porque é assim que penso, percebo os ucranianos e desejo que se aguentem, que consigam resistir, que encontrem a coragem e a força necessárias, desejo que consigamos ajudá-los a manterem-se livres, que consigamos ajudá-los a escorraçar as tropas putinistas da Ucrânia. Desejo que todos, todos os que amamos a democracia e a liberdade, lutemos até ao limite das nossas forças para defendermos o que achamos correcto. 

Lamento, choro as mortes, a destruição, o sofrimento ucraniano. Desejo fortemente que a Rússia saia do país que invadiu e que a paz regresse a solo ucraniano. Sou inabalavelmente a favor da paz pelo que desejo fortemente que a Rússia pare a agressão e a destruição que está a levar a cabo na Ucrânia.

E, ao mesmo tempo, desejo que a Rússia consiga resolver o problema interno que tem em mãos e consiga ver-se livre do regime putinista, um regime ditatorial, um regime corrupto, oligarca, déspota, brutal, infernal. 

Como se tem visto, o mundo não será um lugar seguro enquanto um país tão imenso, com o maior número de ogivas nucleares, estiver nas mãos de um psicopata assassino.

Há riscos de que a guerra que Putin semeou na Ucrânia se espalhe e que os riscos escalem e fiquem descontrolados. É certo. Mas se o culpado é um único, o regime putinista, é este culpado que tem que ser travado. E julgado e condenado. E expulso de todos os lugares de onde possa desencadear mais agressão, mais destruição, mais morte.

Só poderá haver paz, uma paz verdadeira e digna, se a Rússia tirar as patas de cima do país que invadiu e permitir que os ucranianos voltem a viver uma vida normal, livres, independentes, alegres e confiantes no futuro.

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As fotografias são da Reuters
A canção é Ой у лузі червона калина (Oh, o viburno vermelho no prado)

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Desejo-vos um bom domingo
Saúde. Afecto. Boa sorte. Paz.

sábado, junho 04, 2022

Antes um sentido e canino dó de peito do que as atoardas da Raquel Varela

[Sobre o que escreve e diz o Cavaco, não tenho nada a acrescentar. Acho que a opinião das múmias só interessa à comunicação social]



 

Contei há pouco tempo como o meu urso felpudo virou lobo uivante num dia em que o alarme disparou. Cabeça ao alto, longos e intensos uivos. Nunca o tinha visto ou ouvido assim.

Afinal, descobri hoje, há quem o ultrapasse e ainda consiga a proeza de lhe juntar um inspirado acompanhamento musical. 

Mas já lá vou. Antes, uns little apartes.

Há pouco, numa de zapping, à espera que chegasse o MasterChef Australia, o meu marido passou pelos omnipresentes gémeos que arranjam, compram e vendem casas. Apanhámos o episódio no fim pelo que não percebemos o que se passava com a protagonista, creio que a compradora ou a dona da casa que os manos arranjaram. Falava com voz de desenho animado. Ao princípio, não estando a olhar para lá, nem percebi se era uma criança, se alguém a fazer-se passar, na brincadeira, por criança. Percebemos depois que era filha do senhor que também lá estava. Olhei para tentar perceber melhor que voz era aquela. Às tantas o meu marido disse-me: 'Tem a orelha virada'. Respondi: 'Ah, sim? Então é isso... '. O meu marido reforçou: 'Ajeita-a'. Deixei de perceber. Apontou para o lobo cabeludo que estava sentado aos meus pés. Tinha uma das orelhas virada. Esclareci: 'Pensava que a rapariga é que tivesse um problema na orelha, talvez de audição, que fosse surda. Sei lá'. Encolheu os ombros, como se a minha ideia não colhesse. Quem também estava intrigado era o lobo felpudo, se calhar por isso é que virou a orelha do avesso. Geralmente não liga patavina à televisão mas naquela altura estava espantado a olhar, certamente também sem perceber de onde vinha tão curiosa voz. 

Enfim.

Agora que o MasterChef acabou e passei pelo O último apaga a luz, uma vez mais constatei que a Raquel Varela não é apenas populista, antipática, arrogante e putinista: é também mal informada e pouco inteligente. Apanhei-a no momento em que, de olho arregalado e esgar labial sobranceiro, interpelava o paciente Joaquim Vieira sobre a razão de ter que haver gente que trabalhe ao fim de semana. 'Para que é que é preciso?', perguntava ela com o sorriso de superioridade que os néscios costumam exibir. O pobre Joaquim Vieira tentava recordá-la de algumas funções críticas. A destituída Raquerela não se demoveu e continuou sorrindo e insistindo: 'Mas porquê?! Porque é que há pessoas que têm que trabalhar ao fim de semana? Porquê?!'. Joaquim Vieira continuou a tentar esclarecer o óbvio: 'Algumas fábricas que são de laboração contínua...'. Mas nada demoveu a dita intelectual: 'Mas porquê? Porque é que há fábricas a trabalhar ao fim de semana?'. E ele, com aquele sorriso de quem nasceu para sofrer aturando burros armados em inteligentes: 'Porque é muito caro retomar a laboração' (e se não usou estas exactas palavras, foi este o sentido do que disse).

E eu, ao ouvi-la, só pensei que felizmente nunca tive -- e espero nunca vir a ter -- tal ave pela frente senão não conseguiria conter-me: 'Mas fazes ideia, ó estólida Raquerela, de quanto é que custa arrancar com algumas fábricas? Fazes ideia que um arranque pode custar centenas de milhares de euros? Fazes ideia que algumas fábricas, para conseguirem ser rentáveis, têm que conseguir manter uma laboração estável, com um mínimo de paragens?'. E isto não tem a ver com explorar trabalhadores mas com conseguir fornecer continuamente produtos essenciais a valores aceitáveis. E isto no que se refere a fábricas. Mas se a limitada Raquerela não atinge temas industriais, será que também não atinge coisas simples como, por exemplo, os hospitais? Devem fechar ao fim de semana? E os serviços que asseguram o abastecimento de água, luz, gás, comunicações? E os hotéis? E os polícias? E os aeroportos e os aviões? E os transportes públicos?Etc, etc. Nada a trabalhar ao fim de semana? Minha nossa.

Muito néscia, esta intragável Raquel Varela. Uma verdadeira anedota.

Mas o problema não é só dela. O problema é que ainda mais burro que ela é quem a contrata para opinar publicamente ou quem permite que uma pessoa com tantas limitações seja professora.

Mas pronto, já o sabemos, o mundo é tudo menos perfeito.

Seja como for, há que convir: nem o meu lobo a uivar nem a inepta raquerela a bolsar pasquinadelas e babosagens estão à altura do artista aqui abaixo. E essa é que é essa.

 

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PS: 

Quanto ao artigo da múmia nada tenho a dizer. Não li. Não me assiste, como dizia o outro. Temos pena.

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As fotografias provêm de Overheard on the Underground

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Desejo-vos um bom sábado

Saúde. Alegria. Paz.

sexta-feira, junho 03, 2022

O que acontece quando as casas ficam órfãs?

 

Hoje, antes da reunião propriamente dita começar, ele perguntou-me se continuo feliz e contente na casa nova. Disse-lhe que sim, que poder abrir a porta da cozinha e estar na rua e poder atender um telefonema e poder pôr-me a andar às voltas no jardim enquanto falo é daquelas coisas boas que aconteceram na minha vida.

Ele referiu que o movimento dele foi o contrário: mudou-se de uma bela moradia numa das melhores localizações (se calhar do país) para ir morar num apartamento no centro da cidade. Perguntei porquê. Lembro-me de quando andava feliz da vida a mudar-se para a grande casa nova, com um belo jardim. Disse-me que o fez, com muita pena, por questões de racionalidade. Todos na família trabalham no centro e, depois,  tinham pensado que, quando os filhos saírem de casa, iam ficar os dois sozinhos numa casa tão grande.

Disse-lhe que é um erro dar ouvidos aos filhos pois, não tarda, vão mesmo sair de casa e portanto deixam de protestar por terem que apanhar trânsito para o centro e, depois, um dia destes estão a encher a casa de filhos e vai ser preciso mais espaço, e depois querem lá deixar os filhos e vão precisar de quartos. 

Vi que ele ficou a pensar e disse-lhe: 'Mas deixe, são ciclos. A gente vai mudando, as circunstâncias vão mudando'. Ele disse: 'Se for preciso, depois volto a mudar'. 

Pensei: 'Espero nunca mais me mudar'. Não me esqueço do trabalho esgotante, interminável da mudança 

Mas, como qualquer opção, não há soluções perfeitas. No meio de uma cidade, desce-se à rua e está-se ao pé de tudo, pode tratar-se de tudo sem ter que andar de carro. Aqui não posso tratar de nada se não me meter no carro. Não sei se vamos conduzir até aos cem. Tenho um tio quase com noventa que conduziu até ao ano passado. Nem sei se, de vez em quando, ainda vai dar uma volta.

Um outro, quando o ano passado lhe contei, ficou muito admirado e depois disse uma coisa curiosa, muito dele: 'eu, nestas coisas, penso sempre numa coisa: se um morre, fica o outro sozinho numa casa grande...?'. Desatei-me a rir, só ele mesmo para um pensamento tão negativo e assustador. Respondi-lhe: 'Nunca me ocorreu isso. Mas mesmo que seja para ser bom durante um ou dois anos, já terá valido a pena'.

Ao meu marido o que o preocupa nisto é outra coisa. Volta e meia, em especial quando me vê com decorações ou arrumações, diz: 'um dia que os putos tenham que dar a volta a isto, há-de ser bonito...

Às vezes diz: 'sempre quero ver quando os putos tiverem que dar destino a tanta tralha'. Apetece-me sempre responder: 'querias... porque, na verdade, quando isso acontecer já não estarás cá para ver'. Mas não digo nada porque penso que, de facto, deve ser um pesadelo para eles.

A única vez que me calhou participar num número destes foi numa casa de uma tia do meu marido, casa em que ela vivia com uma irmã e com o cunhado e onde antes tinham vivido os pais. Era um apartamento muito grande, antigo, no centro da cidade. Nenhuma das irmãs tinha tido filhos pelo que os herdeiros foram três sobrinhos. Já falei desta experiência várias vezes. Foi das experiências mais traumatizantes por que passei. Os três sobrinhos e respectivas mulheres tinham interesses diferentes e moviam-se a velocidades distintas. Um queria ver cada papel, lia em voz alta, ia mostrar aos outros. Ao fim de um dia, tinha visto uma gaveta. O outro divertia-se com tudo, chegava à conclusão que as santas tias afinal devem ter tido o seu lado boémio, ria, contava histórias. A mulher deste, que andava de candeias às avessas com ele, desconversava, lançava farpas, falava nas namoradas dele. A mulher do primeiro queria era deitar tudo para o lixo. Abria sacos pretos daqueles de tipo contentor e, a eito, despejava gavetas inteiras lá para dentro ou, então, fazia montes a eito, para dividirmos entre nós, separando jogos de lençóis, serviços de chá. Eu queria que víssemos o que interessava a cada um e, se todos concordassem e as coisas fossem de valor equivalente, repartíamos as coisas com alguma lógica mas ninguém estava nem aí. O meu marido, como sempre, não tinha paciência para nada e começou por dizer que não queria nada, que resolvessem entre eles. Os outros, claro está, não foram na conversa: as tias tinham dito que era para ser dividido pelos sobrinhos e todos tinham que ter o trabalho de esvaziar o apartamento, ele que não pensasse que podia escapar-se. Então aquilo durou fins de semana infinitos, uma saturação insuportável. E uma intromissão na privacidade de todos os que ali tinham morado. Roupa interior, gavetas com objectos pessoais, cartas, carteiras ainda com fotografias e bilhetinhos. Tudo. E ou deitávamos fora a eito, desprezando o que eles tinham adquirido e guardado com tanto carinho, ou devassávamos os registos e os testemunho da sua vida, nos mais ínfimos detalhes.

Para além de nos termos aborrecido uns com os outros -- porque aquilo era uma coisa mesmo enervante e never-ending -- e para além do trabalho, depois, em arranjar sítio para guardar o que aproveitámos (com o meu marido a querer que eu deitasse tudo fora, que não queria ficar com coisas usadas pelos tios ou pelos avós), ficou a sensação de que não vou ser capaz de voltar a viver experiência equivalente.

E, no entanto, se calhar um dia vai ter que acontecer. 

Na altura da casa dos tios do meu marido, calhou termos obras de ampliação in heaven e, portanto, algumas coisas acabaram por der jeito e outras, que não faziam falta nenhuma, tiveram sítio onde ser arrumadas e ainda estão guardadas como de lá vieram, sem qualquer utilidade. Mas, se isso não tem acontecido, ou seja, se não tivesse onde guardar o que trouxémos, se calhar teríamos de nos desfazer de tudo.

Quando os meus avós morreram, quem teve o trabalho de esvaziar as casas foram os meus pais e os meus tios. Desfizeram-se de quase tudo. Os meus primos, desapegados, não quiseram nada. Os meus pais e os meus tis não tinham onde guardar ou não quiseram. Eu aproveitei algumas coisas e hoje guardo-as com muito carinho. Mas, na verdade, são memórias e memórias que vou acumulando. O meu marido não lhe chama memórias, chama-lhes tralhas.

E, no que se refere a esta casa, um dia em que deixemos de habitar esta vida, penso sempre que, com sorte, entre os herdeiros, algum vem morar para cá e se muda, deixando ficar tudo mais ou menos como está, para não ter que ter trabalho a ver-se livre de nada.

Quando vejo casas grandes, cheias que nem um ovo, cheias, cheias, penso sempre nisso: como é que alguém, outrem, vai conseguir dar a volta àquilo tudo? 

Por exemplo, veja-se a casa aqui abaixo. Algum dia  Hamish Bowles vai deixar de habitar o seu belo e bem recheado apartamento e alguém vai ter que revistar armários, gavetas, prateleiras, caixas, vai ter que dar destino a todas aquelas peças de que fala com tanta estima. Mas não se percebe como... Tanta coisa...

Inside a Magazine Editor's New York Apartment Filled With Wonderful Objects | Vogue

The home of the legendary Vogue editor and newly-appointed editor in chief of The World of Interiors, Hamish Bowles, honors his enduring love for travel. See Hamish's wonderful, whimsical New York City apartment in this edition of "Objects of Affection.


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Fotografias feitas in heaven na companhia de Julie London - "Time After Time" 

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Desejo-vos uma boa sexta-feira 

quinta-feira, junho 02, 2022

Libertar as mamas, tapar os mamilos


Nada contra uma coisa ou outra. Mamilos tapados ou mamilos destapados, maminhas beatamente cobertas ou mamocas descaradamente ao léu. Tudo está bem quando acaba bem. #Freethenipples. #Coverthenipples. 

Posso já não ser praticante mas sou admiradora. Como em tudo, há que usar o que se usa com elegância e dignidade. Mais do que usar uma moda, há que ter atitude. So they say.

Pela parte que me toca, o que posso dizer é que gosto de decotes grandes e que agora pouco uso soutien. Só o uso em dia de festa ou afim tal como, por exemplo, reunião presencial. Livre sempre fui mas agora ainda mais me sinto.

Para o trabalho, tempos houve em que usei roupa que, em meu entender, dispensava o soutien Tinha um vestido de que gostava muito. Já não me cabe mas não o deitei fora. Tenho esperança que alguma outra mulher da família ainda tenha prazer em usá-lo. Era de uma malhinha de algodão preta, um vestido bem justo, liso, com um decote nas costas em V profundo, com umas tiras horizontais para unir as duas partes do decote dorsal. Usava-o com um cinto largo de pele macia em bordeaux. Claro que era incompatível com soutien dado que as costas estavam muito a descoberto. Na altura,  mil vezes não usar soutien do que ir com ele à vista. Agora isso também já não choca. Nessa altura, lembro-me bem, já tinha os meus filhos, eram pequenos, e nem trinta anos eu devia ter. Vestia-me assim, na maior descontração. Claro que, olhando para mim, se percebia que a única coisa que tinha vestido para além do vestidinho eram as cuecas que, de resto, eram escolhidas a dedo para não se notarem. Gostava de o usar. 

Também tinha um vestido branco sem mangas nem alças, um cai-cai com um franzido na zona do peito e depois solto para baixo. Gostava de o vestir no verão, quando estava um pouco bronzeada. Claro que o soutien também não tinha ali qualquer cabimento.

Se agora tivesse vinte ou trinta ou quarenta anos seria uma alegria para as liberdades vestimentais de agora. Há uns anos, eu vestir-me como por vezes me vestia era coisa que envolvia alguma ousadia pois não havia muita gente que se aventurasse.

Já o contei e conto outra vez pois na altura achei graça e nunca mais me esqueci. Aos trinta fui nomeada directora de uma grande empresa. Era uma directora multiplamente atípica. A direcção tinha umas vinte e tal pessoas e na altura tínhamos também sempre estágios curriculares, geralmente jovens finalistas e, por coincidência, porque me mandavam os melhores alunos e os melhores alunos eram raparigas, tínhamos geralmente um par delas. E trabalhávamos com empresas de consultadoria, a maior parte deles não portugueses. Havia, pois, para além de mim mais umas meia dúzia, pelo menos, de mulheres muito jovens, algumas estrangeiras, gente desempoeirada e muito bem disposta. Havia uma, estagiária, que usava saias e vestidos tão curtos e tão justos que tinha que andar sempre a puxá-los para baixo. Havia uma outra que morava ao pé da praia e andava sempre bem morena, com um cabelo muito louro, muito comprido, que usava sempre vestuário que destapava mais do que tapava. Eu tinha um gabinete mas o resto do pessoal estava numa ala grande, em open space. E foi por essa altura que um colega, um já com alguma idade, uma vez me disse com sorriso malicioso: gosto sempre de vir para estes lados, é como se estivesse a ir para o Meco. Para quem não saiba, a Praia do Meco é uma praia conhecida por se praticar nudismo. Achei um piadão.

Mais recentemente, eu já vestida com a discrição que a idade aconselha  (a idade e 'a posição social'  -- como dizia a mãe do meu amigo) pasmava com as roupas reduzidas de algumas raparigas que trabalhavam no escritório. E pasmava por o fazerem para tentarem partido disso. Isso deixava-me chocada. Uma, quando lhe chamaram a atenção para a saia reduzida num dia em que ia ter uma reunião importante, disse: 'Então... tenho que fazer pela vida...'. Fiquei deveras incomodada. Acho isso uma subversão e um atentado. A antítese do que deveria ser sempre o gosto de vestir.

Eu sempre me vesti para me sentir bem, porque gostava de me ver assim. Claro que sentia que despertava alguma atenção e isso não me desagradava. Mas não era isso, tal como não é hoje, o que me motiva. O que me motiva é o prazer de me sentir bem. Nunca me passou pela cabeça tirar qualquer partido da situação. Sentir-me-ia indigna se sentisse que estava a exibir-me para que alguém me promovesse pela minha aparência.

Provavelmente se hoje fosse uma jovem mãe e não uma idosa avozinha não iria trabalhar em tronco nu, apenas com uns tapa-mamilos. Mas para a praia iria, talvez até ousasse um modelito assim numa saída nocturna. Não sei...

O que sei é que acho uma graça, uma libertação, uma alegria. Felizes os tempos e as sociedades livres que o permitem. 

Contudo, quando se lê o título Breast in show! How nipple pasties went from underwear to outerwear. The self-adhesive covers are normally used in lieu of a bra, but celebrities from Cara Delevingne to Doja Cat are proudly flaunting them on the red carpet, sobre o facto dos tapa-mamilos deixarem de ser um adereço de underwear para passarem a moda à vista, pode pensar-se que é coisa recente, de agora. Mas não. Veja-se, por exemplo,

Miley Cyrus leaves Jimmy Kimmel flustered by wearing heart-shaped nipple pasties for chat show


Tenho ainda a dizer que fiquei agora a saber que há tapa-mamilos que são usados para fazer um lift instantâneo e não invasivo. Funcionam na base da fita cola e parece coisa bem prática. Aqui fica a dica a quem quiser aparecer espevitada das ideias e do frontispício. Não ponho o vídeo porque o youtube, que é algoritmo todo metido a besta, pudico que só ele, quer atestado de idade para o incluir no blog. Não estou para isso. Fica só a fotografia.


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E viva a vida
Saúde. Alegria. Paz.

quarta-feira, junho 01, 2022

La Madre Panza e outras alegres maluqueiras

 

A reunião da tarde transbordou e ia sobrepor-se à que se seguia. Por isso, foi interrompida para saltarmos para a seguinte e recomeçará quando agora o sol nascer. Não é prudente ter reuniões comigo antes de ter descido em mim o manto diáfano da paciência, coisa que jamais pode acontecer à hora destinada às galinhas, não às pessoas. Mas parece que não havia alternativa pelo que me submeti; e agora quem optou por se pôr a jeito que se previna que eu, em situações adversas como esta, não respondo por mim.

Também aconteceu aquilo que às vezes acontece: uma pessoa que não deve muito à inteligência tentou, uma vez mais, infiltrar-se em momentos da reunião que não lhe são destinados. 

Há aspectos que ninguém valoriza, que continuam ausentes da formação académica dos comuns mortais: 

1. O primeiro é que continua a não ser obrigatório que do primeiro ao último ano da escolaridade obrigatórias e facultativa, mormente até que a pessoa acabe a licenciatura e o mestrado, a língua portuguesa seja obrigatória. 

Não sei como é convosco mas em mim provoca uma reacção somática violenta. Ao ser testemunha disso, penso que não vou aguentar-me sã de corpo e espírito com pessoas a darem assertivos e violentos pontapés na gramática. Fico doida. Faria-se, quaisqueres, há-des. E, por escrito ainda mais umas pérolas: à dois meses, pensa-mos. Atentados que me deixam ferida por dentro e por fora. E quem os comete continua ladino que nem um videirinho, sem qualquer empatia para com as suas vítimas.

Não sei como se age. Eu faço de conta que não se passou nada. É como se, em plena reunião, alguém desse um sonoro e mal cheiroso pum e toda a gente, eu incluída, fingíssemos que não tínhamos dado por nada e o autor continuasse na maior, impune, fresco e fofo.

2. O segundo é que continua a não ser obrigatório haver disciplinas em que a malta aprenda a lidar com malucos e com parvos. Uma pessoa vê-se e deseja-se para lidar numa boa, com uma tentativa elevação, com um maluco. Ou com uma parva. Maluquice e parvoíce não são a mesma coisa. É como a estupidez. Também não é a mesma coisa. Conheço um que é aplicado, trabalhador até dizer chega, sempre disponível. Mas burro que nem uma porta. Só que, para além de burro, é estúpido. Prejudica aquilo em que mexe e prejudica-se a ele próprio. E burro como é, acha-se incompreendido. E eu presencio isto e fico sem saber como lidar com uma ave assim.

Como se lida, com civismo, com a burrice, a maluquice, a parvoíce, a estupidez?

Não sei. 

A minha vontade é levantar-me e dizer: Acabou. Não dou mais para este peditório. Já chega. Mas não o faço. Continuo. Finjo cordialidade. Descubro em mim poços sem fundo de paciência. Mas não serve de nada. Gente parva, burra, estúpida e maluca não agradece.

Quando me reformar e puder falar à vontade hei-de escrever um livro com um título assim: 

Pergunta: porque é que Portugal não é mais competitivo? 

Resposta: porque os gestores são bonzinhos demais com os burros, com os estúpidos, com os parvos e com os estúpidos.

Ou, então, um outro: 

Manual de sobrevivência num mundo de analfabrutos que nem falar sabem

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Bem. Vou calar-me que isto hoje está de mais. E não é TPM, não senhor, é mesmo a reacção dolorida de uma pobre massacrada. 

A propósito: não sei se é por Espanha ou se também já é por cá, pela mão da fofinha do PAN, que as mulheres vão poder baldar-se ao trabalho quando estão com o período. E não falo assim, de forma depreciativa, por já estar livre disso. Não me parece que faça sentido (exceto nos casos de doença). Dói um bocado a barriga mas nada que não passe com um comprimidozeco. O que me parece que é complicado é uma pessoa trabalhar quando está na antecâmara da coisa, com TPM. Aí é que é dos outros se protegerem da fera. Falo por mim. Quando a coisa estava para aparecer, só não matava cachorro a grito por milagre. Ai de quem se cruzasse no meu caminho. E se, por decoro e educação, no trabalho tentava conter a fúria que grassava descontroladamente dentro de mim, quando chegava a casa e o meu marido tinha a pouca sorte de abrir a boca, a raiva saía de mim em potentes golfadas. Por isso, a bem da paz na sociedade e admitindo que eu não era caso raro, o que acho é que deveria ser mandatória a retenção em casa de todas as mulheres na véspera de menstruarem.

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E pronto, vou calar-me. 

As fantásticas fotografias -- um concurso de barrigas em Manágua, Nicarágua; um café para cães (apenas para cães) no Dubai, o Happy Bark Day; um robot em forma de animal de carga no Japão; um homem a votar em Sydney, Austrália; e um cavalão a cavalo no Kosovo -- podem ser vistas no Guardian (aqui e aqui).

O pas de deux, ou melhor, o pas de trois está a cargo de Wilson Keppel & Betty - Sand dance + extra stair dance
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Desejo-vos um dia bom
Saúde. Serenidade. Paz.