sexta-feira, janeiro 15, 2021

Porque era ele, porque era eu. Porque é ele, porque sou eu.
[Já lá dizia o Montaigne ao tentar explicar o amor]

 


Eu também acho. Também não sei outra fórmula que seja mais exacta. Porque ele é ele e eu sou eu. 

Se quiser dizer mais do que isso, terei as maiores dificuldades. Só sei que tem que ser inequívoco, não pode haver dúvidas nem reservas. Não se pode gostar de tudo excepto daquilo. Não se pode dizer que é pena aquilo porque, se não fosse, seria excepcional. Nem se pode dizer que é verdade, é um bocado isso mas, tirando isso é uma maravilha. Não, não pode haver uma parte de que se não gosta senão, invariavelmente, isso vai alastrar e, com o passar do tempo, vai tornar-se insuportável. Isto não quer dizer que tenha que se gostar sempre de tudo. Mas tem que ser uma coisa variável, ocasional. Não pode haver, em permanência, uma coisa de que se não gosta. Se se consegue dizer que há ali uma coisinha que é uma pena senão era todo bom, então, que não se duvide: essa coisinha vai virar o aleijão que vai contaminar tudo o resto. E, se não se corta o mal pela raiz, o que vai acontecer é que, aos poucos, mesmo sem querer, o que vai a sobrevir é a repulsa, a aversão total.

No meu caso, o que posso dizer é que, sempre que me apaixonei, mas apaixonei a sério, apaixonei totalmente, sem reservas. Mais: sem ser capaz de explicar. Ou melhor: podendo elencar mil razões e, se calhar, esquecendo-me de outras mil e nenhuma explicando a paixão de per se já que ela é apenas explicável pela conjugação, na dose certa, de cada componente.  

Da única vez que namorei uma pessoa sabendo que havia ali uma ou outra coisita que, no meu íntimo, não me agradava por aí além, apesar de durante algum tempo ter banido do meu consciente essas insignificâncias e conseguido simular tão perfeitamente que gostava dele que a mim própria cheguei a enganar-me.... a coisa não acabou bem. Foi uma questão de tempo. Havia amizade, havia esse afecto que é a amizade misturada por um inconsciente, vago e nunca confessado sentimento de culpa, e foi difícil cortar. Tentava auto convencer-me que me seria doloroso cortar. Tentava auto convencer-me que ele era uma opção. Tentava auto convencer-me que me custava infligir-lhe sofrimento. E custava. Mas, no meu íntimo, tomara eu ver-me livre dele. Mas não o assumia. Não queria, nem apenas para mim, assumir que estava a namorar uma pessoa sem estar loucamente apaixonada por ela. Mas, quando cortei, foi para nunca mais. Creio que não queria admitir a possibilidade de poder vir a ser confrontada com a evidência do que, ab initio, era um acto falhado. A vida da gente tem coisas assim.

Mas, por isso, sei bem que, para um amor ser amor e ser bom, para ser imenso, para resistir ao tempo e a tudo, para ser compensador, tem que ser total: tem que haver igual investimento de parte a parte, o que um dá, o outro tem que dar em igual medida, tem que haver sintonia, empatia, dádiva, acompanhamento, química (que talvez seja a mesma coisa que atracção -- a coisa física é fundamental -- mas que talvez seja uma outra coisa, não sei; nisto não sei explicar nada), e vontade de atravessar junto o deserto mais árido e o vulcão mais incandescente, ter a certeza de que se vai gostar hoje, amanhã e para o resto da vida. Mesmo que, por vezes, a gente vire onça e tenha vontade de dar surra e atirar da vida para fora, a gente sabe que amor assim a gente tem que conservar porque amor assim acontece uma vez na vida.

Para explicar o amor


E, já que estou com o Chico, bora continuar com ele falando de mulher?

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Pinturas de Klimt, Nicolas Poussin e Rubens ao som de 'O meu amor' e Teresinha com Chico Buarque 

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E um dia feliz. Saúde.

4 comentários:

APS disse...

Em relação ao que é difícil explicarmos, o que é fácil é esparramarmo-nos, a todo o comprimento...
Montaigne foi actualizado, e muito bem, por Thomas Mann n'"A Montanha Mágica" com esta essencial e singular declaração de amor: "Tu és o tu da minha vida."
Tenha um bom fim-de-semana.

Francisco de Sousa Rodrigues disse...

É isso! Acho que a UJM e o Chico explicam muito bem o amor.

Um belo fim de semana.

Um Jeito Manso disse...

Olá APS,

Adorei A Montanha Mágica. Já o li faz tempo. O que sentiria se o relesse? Será que o encantamento seria o mesmo...?

E ele disse isso, foi? É simples mas é uma declaração inteira. Talvez seja, na verdade, isso mesmo. O tu que completa o nosso eu. Ou o tu que dá sentido ao nosso eu. Talvez, sim.

Um bom fim-de-semana também para si, APS

Um Jeito Manso disse...

Olá Francisco,

Se é que o amor se explica... Eu acho que não. Existe sem explicação. Acho eu.

Um bom sábado, Francisco, com sol e um calorzinho bom.