sábado, junho 09, 2012

A venturosa vida de Tamara de Lempicka, la belle polonaise, a mulher das mãos de ouro, a Baronesa de Kuffner também conhecida por Baronesa dos Pincéis



Em 1898 em Varsóvia, Polónia, no seio de uma família importante e próspera, nascia Maria Górska.

O pai era advogado, a mãe uma mulher de sociedade. Maria Górska tinha dois irmãos e a vida que fazia, em jovem, era a dos jovens abastados. Estudava na Suíça, passava férias em Itália e na Riviera Francesa. Quando os pais se divorciaram foi viver com uma tia rica na Rússia e quando a mãe voltou a casar-se, Maria decidiu ser independente.  Quando tinha 15 anos deitou o olho ao que viria a ser o seu marido, Tadeusz Lempicki. Três anos mais tarde, estavam casados. Tadeusz era o chamado estroina e um mulherengo. Para além do mais, estava encantado com o dote da noiva.

Em 1917, durante a revolução russa, Tadeusz foi preso pelos bolchevistas. Maria procurou-o durante semanas e, com ajudas diplomáticas, conseguiu a sua libertação. Dali saíram para a Dinamarca, depois para Inglaterra e finalmente chegaram a Paris.


S'il vous plaît


Can Can



Adopta, então, o nome Tamara de Lempicka.

Aí venderam jóias da família já que Tadeusz não quis ou não conseguiu arranjar trabalho. A irmã dela, arquitecta, desenhou o apartamento em que o casal viria a viver, decorado ao estico Art Deco.

Entretanto nasceu Kizette, a filha do casal.

Foi por essa altura que Tamara começou a pintar e a impor o seu estilo elegante e sensual. Pintava rapidamente e também muito rapidamente adquiriu enorme fama entre a aristocracia, a alta burguesia e a gente de sociedade. Dado que pertencia ao meio, tinha acesso fácil aos salões de pintura e as suas exposições eram sucesso, vendendo as obras por valores bastante elevados.

Foi por essa altura que foi apresentada a um homem das letras com fama de bom amante, Gabriele d’Annunzio.



Gabriele d'Annunzio


O relacionamento entre os dois foi, dizem, quase burlesco e sobre ele, Tamara confidenciou: 'Eu era uma bela rapariga que tinha pela frente aquele velho anão metido num uniforme'. Ele queria mais uma amante e acabou apaixonado por ela. Ela queria um retrato do velho mulherengo, sabia que isso lhe traria fama mas acabou também admirada pelo seu talento. Entre ambos travou-se uma guerra, cada um queria dobrar o outro (a ver se um dia aqui conto a história deste 'velho bode'). O que parece é que nunca chegaram a consumar os actos (nem o sexual, nem o retrato).

Mas não era o primeiro amante 'público'. O marido 'sabia que ela só pintava retratos dos amantes, como o do marquês de Sommi Picenardi com quem viajara para Turim'.

'No primeiro dia fomos à ópera. No dia seguinte fomos para a cama. Da primeira vez ficámos três dias sem sair da cama', contou ela com sinceridade desarmante.

 Tinha 27 anos quando pintou o conhecidíssimo auto-retrato, Tamara no Bugatti Verde.



Autorretrato (Tamara no Bugatti verde), 1929


Assim se via Tamara: bela, fria, livre. De facto não possuía nenhum Bugatti verde, mas sim um Renault amarelo mas, coquette, sedutora, dizia que a toilette que vestia tinha que condizer com o carro que usava e vice-versa.

Aos 29 anos ganhou pela primeira vez um prémio.



Kizette na varanda, 1927


Com o retrato Kizette na Varanda, Tamara ganhou o 1º prémio na Exposition Internationale de Beaux Arts.

Durante esses loucos anos 20, Tamara passou a integrar a vida boémia de Paris. Conheceu André Gide, Jean Cocteau e, claro, Pablo Picasso. Tamara era sensual e provocante, era la belle polonaise, a 'beldade de olhos de aço'. Os seus romances davam brado e tinha-os quer com homens, quer com mulheres. As suas pinturas eram como ela: eram ambíguas, sugestivas, provocavam, excitavam e ela fazia-o de propósito. 



Primavera, 1930


Algumas críticas rodeavam a sua obra, que era excessivamente influenciada por Ingres. Mas, se influência havia, outras influências como o cubismo, estavam patentes. E algumas mulheres eram tão reais que se dizia recearem que abrissem a boca... Diziam que a sua pintura era uma mistura inteligente de pós-cubismo, neoclassicismo, uma pitada de Ingres e devaneios eróticos em doses qb - o que veio a revelar-se uma receita de sucesso. Alimentava o estilo pecaminoso o que despertava grande interesse numa burguesia abastada com um certo gostinho pelas perversidades.



A camisa de noite cor-de-rosa, 1927


A partir do corte com d' Annunzio começou uma verdadeira caça às mulheres, caçava-as na rua, pedia-lhes para posarem para ela. Nuas. A atracção que desenvolveu por elas ficou conhecida. Começou também a conviver de perto com mulheres bissexuais e lésbicas, tais como Violet Trefusi e Vita Sackville-West (elas próprias amantes entre si) e com Colette. 



Retrato de Suzy Solidor, 1933


Tamara teve inúmeros casos, incluindo um affaire com uma cantora nocturna, Susy Solidor (que obviamente também pintou e que deu origem a um quadro de grande beleza e inocência maliciosa).

Tadeusz, farto da vida boémia da mulher, separou-se, tinha ela, então, 29 anos. Divorciaram-se dois anos mais tarde.



Retrato de um homem (incompleto), (Retrato de Tdaeusz Lempicki), 1928


De propósito deixou por acabar uma das mãos do retrato (a que supostamente teria a aliança) que tinha andado a fazer dele e, de propósito, deu ao quadro o nome de Retrato de um homem (incompleto). Por essas alturas, tratava-o por ruína, beberrão, imbecil.

Totalmente absorvida pela vida de boémia e de criação artística, Tamara também pouquíssima atenção dedicava à filha. No entanto, imortalizou-a em numerosas pinturas.

Tamara era ambiciosa, uma predadora, só se relacionava com gente rica, poderosa. 



Tamara de Lempicka, 1929


Ganhava muito dinheiro, gastava-o em jóias e vestidos luxuosos, queria tudo do bom e do melhor Saía de noite e regressava tardíssimo (e muitas vezes, vindo excitada, eufórica, ficava a pintar até de madrugada depois de acordar a filha para lhe contar o que tinha andado a fazer). Mas era, reconheça-se, uma trabalhadora incansável: pintava, pintava, pintava e as suas pinturas, realizadas com aparente facilidade, revelavam uma perfeição espantosa. Era uma pintura 'limpa'.

Aos 30 anos o Barão Raoul Kuffner encomendou-lhe o retrato da amante. Tamara pintou-o da forma mais desfavorecida que se possa imaginar e, de seguida, passou a perna à amante e ocupou o seu lugar junto do Barão.

Em 1929, os anos da grande Depressão, Tamara esteve nos EUA para pintar um retrato e para organizar uma exposição.

Os museus começavam a adquirir os seus trabalhos.

Quatro anos mais tarde conheceu Georgia O’Keeffe, Williem de Kooning, introduzindo-se, pois, no meio artístico dos pintores americanos de quem se falava na altura.

Tinha 36 anos quando se casou com o amante, o Barão (que tinha enviuvado um ano antes), começando, então, uma vida menos boémia. Passou então a ser Baronesa, título que a envaidecia e consolidava a sua ambição aristocrata.

Quando deflagrou a Segunda Guerra, seguindo a sua intuição e embora contando com algum receio e resistência por parte do Barão, venderam propriedades, puseram o dinheiro a salvo e mudaram-se paras Estados Unidos. Em boa hora o fizeram.


Play, if you please
Rita Hayworth



Passado pouco tempo, Tamara já se tinha tornado a pintora preferida das estrelas de Hollywood. Por essa altura ocultava parte do seu passado, havendo algum mistério à sua volta. A pose que adoptava contribuía para que associassem a sua imagem à de Greta Garbo.



Rapariga a tocar viola, 1963


Anos mais tarde, resolveu mudar um pouco de estilo, pintou motivos religiosos, gente pobre, aligeirou o traço. Contudo isso não foi bem aceite. Tamara habituada a reinar incondicional não aceitou a crítica e resolveu não voltar a expor.

De facto, o glamour permanente da sua vida tinha talvez secado o glamour sempre presente na sua pintura. Tamara tinha perdido a malícia, tinha deixado de ser capaz de provocar. Era vista como uma baronesa algo excêntrica que sabia pintar, uma estrela vagamente decadente. Isso foi muito duro para ela. Ficou amarga, difícil de aturar.

Em 1961, tinha então Tamara 63 anos, o Barão morreu. Tamara vendeu quase tudo o que tinha e fez 3 viagens à volta do mundo, em navio.

No fim, mudou-se para o Texas para estar com Kizette que viria a tornar-se a secretária, agente e gestora da mãe.  Kizette sofria com o feitio prepotente e arrogante da mãe.

Em 1978 Tamara mudou-se para o México. Quando algum tempo depois ficou viúva, Kizette mudou-se para junto da mãe.

Tamara morreu em 1980 enquanto dormia. A seu pedido a filha transportou as suas cinzas num helicóptero de aluguer e espalhou-as sobre a cratera do vulcão mexicano Popocatépetl.


***

Os apontamentos que acima escrevi, necessariamente breves face ao espaço natural de escrita num blogue, deixam de fora numerosos aspectos interessantes da vida de Tamara de Lempicki. Para os escrever socorri-me essencialmente da Wikipedia e do livro 'De Lempicka' de Gilles Néret.

***

E tenham, meus Caros, um belo sábado. 
Cherchez la beauté. Enjoyez!

13 comentários:

Maria disse...

Amiga:
Tem um recado no andar de baixo.
Lempicka, A Baronesa dos Pincéis.
Não sou perita em pintura, nem pouco mais ou menos. Ou gosto, ou não.
Influenciada por Ingres?. Se ficarmos por cá, que tal um pouco Almada Negreiros, que ela se calhar nunca conheceu, mas é da mesma época, com uns laivos de pós cubismo?
Quanto à história dela, conhecia-a vagamente. Custa-me um pouco a crer que d'Annunzio, não tivesse tido nada com ela. Parece que não perdoava nem às santinhas. Mas a Baronesa era muito inteligente.
Gosto da pintura dela. Parecem mesmo vivos. Ela no carro verde, harmonioso, o todo. Realistas os pormenores.
Abraço e bom fim de Semana.
Maria

A Matéria dos Livros disse...

Depois do seu texto, fiquei com muita vontade de conhecer melhor esta mulher e pintora, à qual nunca prestara muita atenção.
Os "loucos" anos vinte sempre me fascinaram, parecem inesgotáveis, vibrantes, criativos; é como se nenhuma outra época se lhe igualasse em criatividade, energia e glamour, em pessoas extraordinárias.
Muito obrigada pela partilha das informações e da admiração pela artista.

Um abraço

Bom fim-de-semana

Anónimo disse...

Excelente, adorei ler. E aprendi algo sobre esta mulher (e artista)de fibra! Vou repescar mais umas coisas sobre o assunto.
P.Rufino

patricio branco disse...

coisas e pessoas interessantes que ficamos a conhecer

Isabel disse...

Gostei imenso do post. Sabia um pouco da história dela, e conhecia alguma pintura. Não conhecia a "Rapariga a tocar viola". Não a identificava fora do primeiro grupo de pinturas.

Tenho aprendido muito aqui no seu blogue.

Só fui espreitar uma vez o seu outro blogue, porque não quero ter mais um na minha lista diária de blogues a visitar. Já estou um pouco viciada em alguns e já não passo sem eles. Gasto aqui muito tempo. Tem sido roubado à leitura.
Mas também tem valido a pena.

Um beijinho

Um Jeito Manso disse...

Amiga Mary,

Tem razão com um certo parentesco com Almada Negreiros, com aqueles laivos de pós cubismo, aqueles corpos longos e bem preenchidos.

O D'Annunzio tinha fama de nem deixar esfriar a cama, é um facto. Mas do que li foi o que me pareceu. O relato do 'caso' pareceu-me um tremendo jogo do gato e do rato, ele a perceber que ela queria era fazer-lhe o retrato, ela a perceber que ele queria era metê-la na cama. Pareceu-me que ao longo do tempo que durou aquilo não passou de ratoeiras, vinganças, subterfúgios, zangas e que, no fim de tudo, zero a zero. Mas posso ter percebido mal.

Mas que ela era uma mulher inteligente, trabalhadora e ao mesmo tempo uma boémia, libertina, lá isso era. Alcançou dinheiro e fama muito cedo fruto do seu mérito quer como pintora, quer como marketeer.

Um beijinhho, Mary!

Um Jeito Manso disse...

Olá leitora de A Matéria dos Livros,

Gosto muito de conhecer a vida de artistas, e, muito em particular, a vida de pintores. São geralmente seres livres e isso para mim vale mais que tudo.

Quando isso acontece com uma mulher (e já aqui falei muitas vezes de Paula Rego, de Georgia O'Keeffee) a coisa fica ainda mais fascinante pois uma pessoa que pinta livremente +e uma pessoa desformatada, uma pessoa que age segundo o seu instinto e isso atrai-me muito.

E tem razão: os anos 20 foram anos de partilha, de troca activa de afectos, de experiências, de conhecimentos. Devem ter sido tempos loucos e fascinantes. Picasso (figura que me atrai insgotavelmente) era uma presença recorrente nesses convívios e tantos outros do meio artístico, literário. Tamara de Lempicka andou por aqui, à descoberta, à caça. E deixou-nos uma obra fantástica.

E não tem nada que me agradecer pois eu é que agradeço a visita e as palavras.

Um abraço e um bom domingo!

Um Jeito Manso disse...

Olá P. Rufino,

Fico contente por saber que gostou de ler.

Tamara de Lempicka, a belle polonaise, era, de facto, uma mulher de raça. Elegante, coquette, sedutora, destemperada, livre, ambiciosa, inteligente, intuitiva e, curiosamente, apesar da vida agitada, muito trabalhadora. E uma boa pintora, claro.

Um bom domingo, P. Rufino!

Um Jeito Manso disse...

Caro Patrício Branco,

Vindas de si, que tanto sabe, as suas palavras deixam-me ainda mais contente.

Quando me ocorre escrever sobre coisas como estas, sobre a vida ou sobre a obra de alguém, às vezes penso que não faz muito sentido pois, se calhar, é coisa conhecida, ou é coisa que pode não despertar atenção, ou ser maçador de ler (porque os blogues costumam ter textos curtos; dá ideia que quem procura a internet não é para ler coisas longas).

Mas gosto imenso de partilhar o que sei ou o que penso ou aquilo de que gosto e, por isso, arrisco.

E fico contente se percebo que há quem aprecie.

Muito obrigada!

Um Jeito Manso disse...

Olá Isabel,

A sua franqueza é o máximo.

Frequentemente, leio o que diz com um sorriso. Desta vez achei graça a dizer que perde aqui muito tempo.

É o que eu refiro na resposta acima, ao Leitor Patrício Branco: escrevo muito, tenho consciência disso. Muitas vezes, quando começo a escrever, tento ser mais comedida mas depois, sem querer, embalo e aí vou eu...

Gosto muito de escrever e gosto de partilhar.

Isto a mim também me retira tempo de leitura mas, enfim, eu enquanto escrevo também faço frequentemente pesquisas que me fazem aprender e, ao ler outros blogues, também aprendo pois há coisas muito bem escritas.

No entanto, tento sempre arranjar tempo para ler. Hoje, por exemplo, li durante grande parte da tarde.

Mas fico contente por dizer que tem valido a pena estar por aqui. Espero ir conseguindo manter o interesse para quem aqui vem visitar-me.

Um beijinho, Isabel, e um bom domingo!

Isabel disse...

É isso mesmo que penso: ler os post leva-me depois a procurar outras coisas.E tenho comprado muitos livros que são sugestões de diferentes blogues.
Obrigada pelo que diz, é simpática.

Um beijinho

Um Jeito Manso disse...

Isabel,

Eu aprendo imenso por aqui, com outros blogues, com dicas dos leitores, com o que eu descubro quando estou a escrever sobre o assunto. É uma imensa janela sobre o mundo (e, em alguns casos, sobre a vida de algumas pessoas pois há blogues intimistas que são interessantes, como se fossem diários ou correspondências).

Claro que também há muito lixo mas, como o tempo é pouco, habituamo-nos a ser selectivos e só ler o que nos interessa mesmo.

Um beijinho, Isabel.

Um Jeito Manso disse...

Isabel,

Eu aprendo imenso por aqui, com outros blogues, com dicas dos leitores, com o que eu descubro quando estou a escrever sobre o assunto. É uma imensa janela sobre o mundo (e, em alguns casos, sobre a vida de algumas pessoas pois há blogues intimistas que são interessantes, como se fossem diários ou correspondências).

Claro que também há muito lixo mas, como o tempo é pouco, habituamo-nos a ser selectivos e só ler o que nos interessa mesmo.

Um beijinho, Isabel.