quarta-feira, outubro 01, 2025

Ai Lisboa, Lisboa...

 

Não sei, de fonte segura, há quanto tempo não passeava no Chiado. Lembrei-me de verificar aqui no blog. A última vez em que aqui registei um passeio por lá foi em 2022. Depois dessa data já registei passeios na Avenida da Liberdade, várias vezes em Belém, Parque das Nações, Gulbenkian, Parque Eduardo VII, Avenida da República, etc. E, claro, não registo os lugares que frequento regularmente como é o que caso da Avenida de Roma e adjacências que a isso, muito sinceramente, já não consigo ver motivos para fotografar pois felizmente é um lugar que tem sabido manter-se igual a si próprio. Mas a questão é que não vou falar de Lisboa em geral mas especificamente da zona do Mercado da Ribeira, Cais Sodré, Rua do Alecrim, Chiado, Rua do Carmo, Rossio, Ruas da Baixa. 

Desde tempos imemoriais esta zona sempre foi das que mas gostei em Lisboa e das que mais frequentei. Houve uma altura em que passava por lá diariamente e, mesmo quando a percorria por motivos utilitários, o lado de turista acidental nunca deixou de estar presente. Alfarrabistas, livrarias, moda, pessoas que passam e que tornam o local ideal para fazer fotografia de rua, tudo ali sempre foi muito apelativo para mim.

E se dantes ia bastante assiduamente a verdade é que, nem sei bem porquê, passaram três anos sem me lembrar de lá ir (isto admitindo que a última vez corresponde a quando aqui o documentei).

Ontem acordei a pensar que estava com saudades. Fomos.

E não sei como descrever o que encontrei. Até me fez lembrar aquele sonho que volta e meia tenho em que volto ao meu local de trabalho e mal o reconheço: o espaço diferente, as pessoas todas novas.

Uma quantidade inexplicável de tuk-tuk, uma coisa como não poderia esperar. Grande parte deles estão engrinaldados de flores coloridas, outros parecem carros antigos. Claro que em 2022, na Baixa, já os havia. Mas não era a avalancha que é agora e eram mais simplórios, quase artesanais. Agora é uma estridência colorida, uma coisa que diria mais enquadrada nas Caraíbas ou no México. Mas, sobretudo, a quantidade. 

Claro que se há procura, a oferta adequa-se e, portanto, isso significa que há muito turismo que os procura. Por isso, há que ver a racionalidade económica da coisa. Ando por estas ruas e sinto-me estranha no meio de tantos, tantos, tantos turistas, muitos com aquele stick (agora com um peluche ou outra coisa na ponta) que segura o telemóvel, e de tantos tuk-tuks. Mas é o que é, o dinheiro do turismo é assim que entra.

Mas não é só isso. Praticamente já não há comércio tradicional. Grande parte das lojinhas foi à vida. E não posso dizer mal disso pois se não se aguentavam, se não havia procura que as tornassem viáveis, o que poderiam fazer os donos? Há agora sobretudo as marcas internacionais que estão nos centros comerciais e em todo o lado, Oysho, Ale Hop, Mango, H&M, etc. A Rua do Carmo, então, é uma desolação, a caminho do abandono. Os prédios reconstruídos anularam as lojinhas. Os passeios da Rua do Carmo estão com pouco movimento, a rua parece meio desolada.

E depois os restaurantes da Baixa são todos iguais uns aos outros, iguais aos que se encontram em volta da Marina de Vila Moura e em todos os lados em que o turismo massificado impõe ementas iguais, plastificadas, normalizadas, com as mesmas fotografias dos mesmos pratos. Tínhamos pensado ir àqueles restaurantezinhos beirões das ruas intermédias em que ainda se comia genuína comida portuguesa. Não descobrimos um único. Esplanadas nas ruas, turistas e mais turistas, tudo a comer a mesma coisa, os empregados a dirigirem-se a nós em estrangeiro.

Pensámos depois ir à Pizzaria Lisboa, do Avillez, que apreciávamos. Descobrimos que mudou de sítio, já não é ali ao S. Carlos. Agora está junto com a Taberna e com o Páteo, na Rua Nova do Trindade. Chegámos lá, estava fechada, salvo erro só abre à noite. 

Por essa altura já só nos queríamos pirar de todo este despropósito. 

Voltámos a pé até ao carro que tinha ficado cá em baixo, ao pé da Ribeira, ié Time Out, e rumámos até Belém, um restaurante que é excelente na qualidade da comida, no espaço, na vista, na frequência. Até ficámos ao lado da última ministra da Cultura, um espécime raro e que vem dos tempos em que a civilização era uma coisa concreta. Depois já houve outro, mas era homem. Agora nem homem nem mulher, já não há ministério exclusivo para a Cultura, agora é uma moçoila que tem a cultura tal como tem várias outras coisas e de quem nunca se ouviu que tivesse alguma ideia para o que quer que fosse, provavelmente nem ela sabe bem porque a puseram a tomar conta de coisas que não têm nada a ver umas com as outras. O Montenegro é assim, tem tanta apetência para a Cultura como eu tenho para jogar às cartas.

Claro que, a caminho do restaurante, passámos pela rua dos pastéis de Belém, outra confusão. Tudo o que cheira a típico, está invadido. Bom para o comércio mas, da maneira que é, diria que, a prazo, são tiros nos pés.

Mas, enfim, onde estivemos, estivemos bem, um oásis.

E vim a pensar: como se degradou tanto a qualidade e o ambiente numa das zonas mais nobres de Lisboa? Como foi possível que a Baixa e o Chiado se descaracterizassem desta maneira?

Claro que ainda bem que se têm vindo a reabilitar os prédios devolutos ou a cair de podres. Em tempos, a Baixa, à noite, sem ninguém, chegou a estar aos caídos. E isso também era mau.

Mas estou em crer que, em todo este processo, está a faltar um plano, uma estratégia, uma visão. Provavelmente a Câmara deveria exigir que parte dos edifícios a reabilitar se destinasse a habitação para jovens e para a classe média. Com isso viria mais uma porção de coisas: escolas, pequeno comércio, minimercados, pequenos jardins, pequenos parques infantis. É a habitação para jovens, pequenos apartamentos a renda acessível, e a habitação para classe média, que traz vida aos lugares. É essencial, essencial. Depois também, ok, concordo, licenças para hotéis ou apartamentos de luxo. Mas tudo estaria integrado, haveria lugar para todos, e garantir-se-ia que se mantinha a genuinidade da cidade. Urbanismo, humanismo, qualidade de vida, preparação do futuro -- tudo coisas que parece que desapareceram desta zona de Lisboa.

Não sou saudosista, não sou conservadora, não sou reaccionária. Sou o oposto de tudo isso. Mas hoje vim triste, desgostada com esta parte de Lisboa de que eu tanto gostava e que já mal reconheci. Isto vai pagar-se caro.

Costumava fazer sempre dezenas e dezenas de fotografias. Desta vez nem me apeteceu. Partilho aqui apenas duas. Sempre gostei de fotografar pessoas e montras. Partilho apenas duas montras.

E depois outra coisa: a Avenida 24 de Julho está degradadíssima, muitos prédios num estado desgraçado, a escadaria que vem do Museu de Arte Antiga meio ao abandono, o pequeno jardinzito por baixo a mesma coisa, edifícios devolutos, entaipados. Uma tristeza. Caraças. 

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Desejo-vos um dia feliz