terça-feira, julho 06, 2021

Compasso de espera

 

De vez em quando esqueço-me da máscara e, ao lembrar-me, tenho vontade de dizer 'que se lixe' mas, felizmente, acordo para a realidade. Os meus filhos ainda não foram vacinados e os meus netos obviamente também não. 

A minha filha esteve cá com os meninos. Eles estão de férias e férias num apartamento não é coisa fácil, em especial quando a mãe está a trabalhar. Aqui estão à larga, podem brincar à vontade. Crescidos, divertidos, sempre com a resposta pronta.

Se estão a jogar à bola, estão sem máscara e, se eu estou ao telefone com alguém, também sem máscara, como gosto de cirandar na rua enquanto telefono, acontece-me quase me cruzar com eles. Ou, então, de vez em quando, calha pegar no computador e ir para a mesa em que a minha filha está... e estarmos ambas sem máscara. Felizmente, o meu marido -- que tem baixíssima confiança em mim e faz por me vigiar de perto -- aparece a perguntar: 'E a máscara? Já sabia...'. É certo que é ao ar livre mas nunca fiando. Ao que parece, a delta é do mais tinhoso que existe.

A máscara seca-me a boca e o nariz, às vezes quase parece que me falta o fôlego. Quando fazemos as nossas caminhadas, andamos por lugares onde praticamente não nos cruzamos com ninguém. Por isso, posso andar sem máscara. Caminhar de máscara é muito mau. Acho que me desmotivaria, se tivesse que fazer caminhadas com a boca seca, quase a arfar.

Li que Israel está a reconhecer a menor eficácia da Pfizer perante esta bicha indiana. Atenua a gravidade da doença mas não é lá muito famosa a prevenir a transmissão. Que dizer, então, da porcaria da vacina (como a minha mãe se lhe refere) que me espetaram no braço e que agora, afinal, parece que... está bem, está.

O mundo mudou completamente: há uns tempos, tempos até não muito longínquos, haveríamos de ter informação disponível para podermos optar. Agora isso é que era doce. Quando a seringa estava a milímetros da minha pele, soube, porque perguntei, qual era. A minha vontade foi dizer ao rapaz que fosse mas é dar banho ao cão. Mas naquela altura acho que nem se falava na delta nem se sabia tanto quanto hoje se sabe. E todos os dias se vai sabendo um pouco mais. Ou melhor, constatando que se sabe menos do que se pensava. 

Se eu tivesse a certeza que o que tive foi consequência da vacina, informaria o Infarmed e informar-vos-ia. Ou se tivesse a certeza que não foi, também diria: o que me espetaram no braço foi a vacina X mas está provado que o que me aconteceu não teve nada a ver.

Como não sei, não digo.

Ligou-me hoje um conhecido de longa data. Já teve, ao longo da sua vida,  uma bela dose de sustos de saúde. Disse-me que até não há muito tempo se achava saudável, invencível. Quando começou a perceber que os outros o olhavam como uma pessoa doente, percebeu que, se calhar, não era tão indestrutível quanto pensava. 

Dizia-me ele, no fim, a modos que para me consolar: Tirando o que lhe aconteceu que, ao que parece, poderia ter sido muito grave e que deve ter sido um susto dos valentes, nada do que me diz me parece especialmente grave. Se calhar é coisa... como dizer... coisa da idade...

Desatei-me a rir. Na volta...

Também me parecia que a idade passava ligeirinha sobre mim, sem me pesar. Quando era nova, achava graça quando ouvia as outras pessoas, mais velhas, gozarem com a PDI. A PDI era uma sigla que apenas se aplicava a quem estava bem longe de mim. E agora já cá estou, onde os outros estavam.

Enfim. Não tenho feito outra coisa senão andar para aqui nas lamúrias. Imagino a seca que é lerem este desfiar de coisas nenhumas. Mas a verdade é que, por muito que não queira, é um tema agora tão presente na minha vida que me é difícil ignorá-lo.

Mil vezes preferia falar de flores, das ameixas que vão caindo ainda verdes e que, quando estiverem maduras, devem estar comidas pelos pássaros.

Ontem vi um pêssego meio roído no chão: parecia que tinha sido roído por um ser humano. Mas capaz de ter sido um coelho... ou a raposa.

Ainda não foi hoje que vimos a Netflix. O meu marido tem andado cheio de dores no corpo. Não sabe o que é. Acorda de madrugada sem posição. Hoje lembrou-se: será que é da vacina? Tomou a segunda dose a semana passada.

Como dorme mal e pouco, mal se deita aqui no sofá, adormece. Depois lá vai, meio derreado, para a cama.

Olhamos um para o outro a rir e dizemos: estamos acabados. E, agora que estou a escrever isto, também estou a rir-me: estávamos bem e, de repente, virámos dois jarretas, com maleitas inexplicáveis, derreados... acabados... 

E pronto, não digo mais nada. E devia era prometer que aqui não voltava enquanto não tivesse alguma coisa de jeito a dizer. Mas, como não sou boa de promessas, mais vale ficar calada.

E, meanwhile, enquanto este enervante compasso de espera -- em que um merdinhas de nada fez o mundo baquear e andar aos pinotes, em marcha atrás -- não passar, vou-me entretendo por aqui. Por exemplo, vou pondo uma musiquinha à maneira e imaginar que um dia poderei organizar aqui no jardim uma cena assim, tudo a cantar e a dançar, sem máscaras, sem doenças, sem dores, sem preocupações. 

O que eu tenho vontade disso, caraças.

Hauser - Waka Waka

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As pinturas são, respectivamente: Cymon and Iphigenia - Frederic Leighton, Ida Rubenstein -Valentin Serov, Portrait of Jeanne Hébuterne - Amedeo Modigliani, No. 22 - Special - Georgia O'Keeffe, Unknown title - Amadeo de Souza Cardosoc. 

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Desejo-vos um dia feliz
E, se não puder ser tão feliz assim, respirem fundo, olhem pela janela, fechem os olhos, imaginem os dias melhores que estão por vir.

10 comentários:

Francisco de Sousa Rodrigues disse...

Quem escreve assim não é jarreta!

E que saudades que tenho de uma festarola... Já faltou mais 😁

Um rico dia.

Francisco de Sousa Rodrigues disse...

Aqui vai mais uma festeira:

https://www.youtube.com/watch?v=kKqsV3t94PY

Unknown disse...

Bom dia!
Hoje acordei e lembrei do seu jeito manso, de aspectos importantes que tínhamos em comum, a casa, filhos, netos, um amor incondicional por todos os elementos da nossa família! Lembrei me de quanto eu gostava de a ler ...

Há muito de tempo que não passava por aqui!
Em Agosto passado a minha mãe que tinha 104 anos e vivia connosco, faleceu. Tem sido bem difícil fazer este luto!
Nunca estamos preparados.

Um dia talvez seja capaz de lhe falar da dor da perda...

Agora o que eu quero deixar lhe é o meu sincero desejo de boas melhoras, que continue com essa garra e esse amor pela vida!

Sabe, eu vou a caminho dos 80...temos de aprender a viver tirando partido de todos os momentos.
Envelhecer é um privilégio, foi a grande lição que aprendi com a minha mãe que se manteve lúcida até lá ao fim!

Um grande abraço e boas melhoras.
Maria Helena

Anónimo disse...

Desde quando se escolhe as marcas das vacinas? Tempos não muito longínquos...? Qual a vacina contra o tétano que me deram? Qual a da hepatite B? Isto, de facto, as pessoas andam loucas com os seus privilégios, até os imaginam.

Anónimo disse...

Desejo-lhe as melhoras, pois claro, que não seja nada de complicado nem que possa limitar aquilo que quer para a sua vida. Mas não deixa de ser desagradável para quem lê o modo como se tem referido ao assunto, levanta o véu um bocado, depois volta a tapar, depois esconde de novo. Não tem, obviamente, obrigação de contar mas seria preferível que nem se tivesse referido ao assunto. Este toca-e-foge não é interessante para quem lê.

Um Jeito Manso disse...

Olá Francisco,

Sempre simpático e amigo. Agradeço-lhe. E venha lá mais essa e outras músicas para a gente bailar e festejar!

Gracias a la vida, temos vontade de bailar e curtir o tempo que vai passando por nós.

Abraço, Francisco

Um Jeito Manso disse...

Olá Maria Helena,

Lamento muito a perda da sua mãe. Também eu, no ano passado, perdi o meu pai. Já não estava lúcido e sofreu bastante, mais psicológica do que fisicamente, pois assistiu, dia após dia, ao lento declínio do seu corpo e de todas as suas faculdades. A sua mãe esteve lúcida e deve ter aproveitado a bênção de estar viva até ao último dia.

Espero que reaprenda a alegria de viver apesar do sentimento de perda que sente. A vida continua. A vida é uma passagem e temos que ter isso sempre presente. Vão-se uns mas a vida vai renascendo um pouco por todo o lado e é nosso dever festejar esse milagre. Como muito bem diz, é um privilégio podermos testemunhar o tempo que vai passando.

Gostei muito de sabê-la por aqui e fiquei contente que aqui tenha vindo deixar as suas palavras sentidas e amigas.

Um abraço.

E viva a vida, Maria Helena!

Um Jeito Manso disse...

Olá Anónimo das Marcas Brancas,

Até desatei a rir com o que escreveu! Tem razão. Não faço ideia das marcas das vacinas. A questão é que aqui estamos a acompanhar em directo as diferentes fases da aprovação das vacinas e vamos sabendo das percentagens de eficácia de umas ou outras. Se isto fosse o mundo perfeito, poderíamos fazer um quadro comparativo e, no dia vacina, dizíamos: quero tomar a vacina A.

Mas claro que não pode ser assim. Em tempo de guerra não se limpam armas. Mas pode acreditar que quando soube qual a eficácia da Janssen pensei: 'caraças, logo havia de me calhar a fava'. Mas, ok, fique lá com o brinde: dou-lhe razão.

E dias felizes, com saúde!

Um Jeito Manso disse...

Olá Anónimo que não gosta de thrillers,

Espero que já tenha a sua curiosidade satisfeita. Como disse, receava assustar as pessoas que tomaram a Janssen ou que não tomaram nenhuma -- e assustar sem motivo. Efectivamente, não há uma explicação óbvia para o que me aconteceu e nenhum médico diz que foi da vacina tal como não podem dizer que não foi. Mas pode ter sido por muitos outros motivos. Tinha andado a tomar um anti-inflamatório potente nos cinco dias anteriores. Poderia ter sido isso. Ou o stress acumulado. Ou uma particularidade que se descobriu no meu coração e que pode, em determinadas (ou indeterminadas) situações estrangular o afluxo de sangue ao coração.

Não queria, pois, levar a que quem tem receio de levar a vacina visse aqui um argumento para não se vacinar.

Mas creio que no post que hoje escrevi deixei claro que, apesar de tudo, voltaria a levarar a vacina. Ou melhor: voltarei a levar, se essa for a recomendação.

Entre a probabilidade de risco de me ver em maus lençóis se apanhar a covid e estiver desprotegida ou o risco de algum efeito secundário, opto pelo menor. Neste caso, pelo muito menor. Amo a vida.

E dias felizes e com saúde!

(De preferÊncia sem incertezas ou suspenses que já vi que não é cá disso. Para si, se bem percebo, é pão-pão, queijo-queijo. Certo?

Um Jeito Manso disse...

Anónimo das Marcas Brancas,

Errata: quando escrevi que não faço ideia quais as marcas das vacinas referia-me às outras vacinas (varíola, tétano, etc)

:)