Chego a sexta-feira a desejar que seja friday e que só me apeteça dizer que thanks god it's friday. Mas os astros não se alinharam. Foi do piorio. Aliás. Corrijo: não foi todo o dia que foi do piorio. Até ao meio-dia eu estava in the mood for the soi disant fds. Mas a partir daí a coisa começou a descambar.
Há fulanos que só estão bem a chatear os outros. E outros que se agarram às suas vacas sagradas como se não houvesse outras, profanas e boas. E outros que gostam de andar a pisar ovos, cautelosos, caguinchas, fazendo de um tudo para não partirem um prato. E a minha paciência vai enfraquecendo e eu a pensar que, afinal, era para ser uma santa antecâmara para um abençoado fds e está é a ser um longo e penoso calvário. Ninguém merece, penso eu quando tenho que aturar burro e estúpido.
Caneco.
E, à tarde, eu farta, farta, farta, fartinha, aparece-me um estupor, um velhaco, um estafermo, e eu, capaz de o mandar bugiar e a ter que me conter mas sem conseguir, acabei, já com a voz alterada, em crescendo: 'Faça o que quiser. E ficamos por aqui. Bom fim de semana' e pimbas, deslarguei-me da videoconferência.
E, acto contínuo, suspirei e disse, alto e bom som: 'Porra!' e vesti um casaco, peguei na máquina e no telemóvel e fui para a rua, andar, espairecer.
E, acto contínuo, suspirei e disse, alto e bom som: 'Porra!' e vesti um casaco, peguei na máquina e no telemóvel e fui para a rua, andar, espairecer.
Depois, já mais descontraída, vim pôr meio franguinho no forno, temperado com fio de azeite, alho, alecrim. E. com os miúdos do frango, fiz um arroz com ervilhas, bacon, cenourinha.
E, até que o franguinho tostasse, voltei à rua.
Ainda não tinha soltado todas as feras que se tinham acoitado dentro de mim. Quando estou esbaforida, asfixiada, doida da vida de ter tido que aturar bandido disfarçado de executivo, preciso de bater perna. E ver o dourado do sol através das folhas, das flores. E sentir o frio e o cheiro limpo do eucalipto. E andar à pressa, subir, descer, andar -- até ficar cansada e pensar que tomara chegar a casa para descansar.
A minha mãe diz que já sente falta de ir ao mercado, ao supermercado, à farmácia, dar umas voltas. Pois. Convenço-a a subir e a descer escadas, a regar o jardim -- mas ela diz que com o que tem chovido não faz sentido regar e eu digo que pois não mas que apanhe sol quando houver, faça respirações. E ela diz que sim.
Entretanto, de tarde, enquanto estava a aturar gente insuportável, tinha visto, em fotografias, os dois meninos a jogar squash na parede da cozinha ou a jogarem à bola no quintal da outra avó, ali perto deles. Para eles, a quarentena deve ficar na memória como um tempo bom, cheio de coisas inabituais. Meus meninos queridos, crescidos. A minha filha conversou sobre o seu trabalho, sobre eles, sobre como lhe apetece ir à praia ou passear junto ao rio e eu conversei sobre o que calhou.
Dantes conversava enquanto conduzia. Gostava. Agora converso enquanto caminho e ouço os passarinhos.
Ainda não contei que os passarinhos andam a saltitar do lado de fora e eu, do lado de dentro, a vê-los, pois não? Mas é. Se calhar, se abrisse a porta, ainda eram capazes de entrar. Pequeninos, peitinho amarelo, muito bonitos e mimosinhos, aos saltinhos, a cantarem, tão lindos. E eu, em videocoisa, a vê-los. A invejá-los.
Depois regressei, horas de jantar. O frango estava dourado e cheiroso de bom, o arroz bom, a saladinha a acompanhar, fresquinha, o pãozinho de sementes mesmo a calhar.
Enquanto jantávamos, o telefone. O bebé, já tão crescido, agora com o cabelo curtinho, sem os caracóis de bebé. Mostrou-me a janela para dizer que estava escuro. Perguntou se aqui também estava escuro. Fui lá fora mostrar que sim. Depois de termos conversado, apareceu o mano do meio, sempre alegre e brincalhão. Falei-lhe da fotografia que a mãe me tinha enviado, ele na escola, todo compenetrado. Depois a menininha mais linda, que já tem um quarto só para si, falou sobre as aulas e sobre o seu quartinho, tão bonito, ela já tão independente. E o mano do meio passou para a cama de cima e o bebé para a a cama do mano e, portanto, já não dorme na cama dos pequenos. Todos contentes.
No outro dia, pensando neles, disse: 'Quando estiver com eles vou agarrar-me completamente, dar-lhes mil abracinhos, mil beijinhos, não os vou largar, vou andar colada a eles, a dar-lhes beijinhos'. O meu marido, que não é disso, limitou-se a tentar esfriar-me os ânimos: 'Acho que não vais poder fazer nada disso'. Fiquei espantada: 'Ora essa, porque não?'. Mas ele, secamente, explicou que o distanciamento social vai continuar. Quero lá saber. Aqui no campo não há covid que me apanhe. Portanto, posso abraçar à vontade que não contagio ninguém. (O pior é se eles têm medo e não querem).
Bardabolas para o merdinhas.
[Aliás, para rematar aquela conversa, o que me apeteceu dizer foi: que se fornique o covid. Mas não disse. De resto, se dissesse, não era tão erudita no dizer para além de que prefiro verbos da segunda conjugação].
Bardabolas para o merdinhas.
[Aliás, para rematar aquela conversa, o que me apeteceu dizer foi: que se fornique o covid. Mas não disse. De resto, se dissesse, não era tão erudita no dizer para além de que prefiro verbos da segunda conjugação].
E, aqui chegada, a meia-noite dobrada, fico a pensar: em vez de estar para aqui a descrever dias sem história, na realidade a chover no molhado, não deveria eu antes escrever sobre ginástica em tempos de quarentena? Sobre truques para parecer mais gira e mais nova? Sobre sumos detox de uva temperados com framboesa? Sobre técnicas de relaxamento mental? Sobre como confeccionar máscaras fashion a partir de baby dolls vintage?
Mas não, tudo isso é too much areia para a minha pequena caminheta. Portanto, pus-me a fazer o do costume: a pastar por entre os campos de vídeo do YouTube.
E, para atestar o quão fraca é a esta little cabeça, tudo o que chamou a minha fútil atenção foi coisa de bicho. Vá lá saber-se porquê.
E, para atestar o quão fraca é a esta little cabeça, tudo o que chamou a minha fútil atenção foi coisa de bicho. Vá lá saber-se porquê.
Aqui é uma mãe elefante a agradecer a quem salvou o seu bebé
Aqui é a mamã vaca a pedir ajuda para salvarem o seu bebé recém-nascido
E vi mais uma data deles. Tudo nesta onda. Tenho é a decência que não vos maçar mais.
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As fotografias que usei provêm do site 2019 Comedy Wildlife Photography Awards Winners e claro que nada disto tem a ver com a malta da Estudantina a cantar à uma em quarentena style. Portanto, façam o favor de dar o devido desconto.
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Fiquem bem, está bem?
Enjoy.
E saúde, malta.
4 comentários:
Viva "la passionaria"!
Adorei essa dos verbos da segunda conjugação, eu também os aprecio.
Essa dos beijinhos e abraços restringidos, também me vai fazer confusão com a soltura paulatina, mas chegará o dia em que os retomaremos também.
Substimamos tanto as capacidades dos animais de outras espécies e temos muito mais por descobrir e nos surpreender.
Um rico fim de semana.
Que bem me fez lêr este longo, mas tão belo exercício, quer de escrita, quer a bem da sanidade mental.
E mostra, à exaustão, que o confinamento pode ser ocupado de mil maneiras, assim haja querer e coragem, sendo que esta última é a mais difícil de conseguir, de preservar.
Se conseguirmos vêr nos pequenos nadas a importância de cada um temos meio caminho alcançado.
Continuação de bom fim-de-semana.
Abraço.
Uma atenção, dadas as suas oportunas apreciações:
https://www.larazon.es/internacional/20200416/urbkzcvj55f4dh72fx3skdkd3e.html
Caríssimos Todos,
De vez em quando, tenho uma quebra e, à noite, ao escrever os posts, fecho o computador e não consigo escrever mais nada. parece que fico esvaída.
Contudo, vou deitar-me a sentir-me ingrata e mal educada.
E assim aqui estou hoje com a corda ao pescoço a pedir desculpa por ontem não ter respondido ou agradecido.
Obviamente leio todos os comentários e vou ver todos os links que me enviam (n
ao é o máximo o Pedro Simas, ó Caro António?)
Obrigada a todos. Saúde!
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