segunda-feira, abril 13, 2020

Um domingo de Páscoa com um acontecimento misterioso e muitas descobertas





Estes dias têm momentos bons e momentos maus.

Adoro andar pelo campo, adoro fotografar, adoro aspirar o ar perfumado. Também gosto de fazer limpezas ou cozinhar. E gosto de ler e este domingo consegui ler, em tranquilidade, quase todo o último Cogneti. E ao longo de todo o dia fui recebendo fotografias e falando com a família. Também recebi mails e mensagens de colegas e amigos a desejarem boa páscoa. 

Mas depois há momentos de um certo vazio. Não estou de férias mas as minhas rotinas estão viradas do avesso. Saber que se avizinha uma semana cheia de responsabilidades e que esperam que dê orientações ou tome decisões agora em ambiente tão incerto e em que vejo tanta gente que me parece que ainda não percebeu a dimensão da mudança incomoda-me tanto mais quanto vou estar em casa, intercalando tudo isso com a preparação do almoço ou a arrumação doméstica. Acho que o teletrabalho é a solução que se antevê para muitos dos problemas de qualidade de vida pessoal, urbanísticos ou de organização territorial, mas este teletrabalho que vem em doses cavalares, absorvendo os meus dias de sol a sol e, ainda por cima, atado ao confinamento e à obrigatoriedade de engolir as muitas saudades que sinto, é-me deveras incómoda. Direi mesmo: traumatizante.

Claro que se estivesse presa num andar me sentiria ainda pior mas isto é sempre tudo relativo já que nunca ninguém está contente com o que tem. 


O futuro deve passar por teletrabalho para toda a gente que o possa fazer sem prejuízo da produtividade, disso não tenho dúvidas, mas deverá ser num horário não superior a seis horas diárias,  que, vendo bem as coisas, para que haja trabalho para todos, chega e sobra, e sempre permitindo a saudável separação entre período de trabalho e período de lazer e de descanso. Provavelmente deve estar assegurado que talvez um vez por mês haverá uma reunião presencial entre equipas para que se mantenha o vínculo afectivo.

Bem, mas isto não é agora para aqui chamado.

O fim de semana foi bom, descansado, mas tanto me tinha ficado por fazer durante a semana que, inevitavelmente, tive que ver apresentações, mandar mails, marcar reuniões. E essa invasão do meu espaço doméstico e do meu tempo de descanso anda a ser-me saturante. Tenho que tentar encontrar um ponto de equilíbrio.


Hoje de tarde, estava eu, absorta, a ler a subida de Paolo às montanhas, quando comecei a ouvir um barulho curioso. O meu marido levantou-se, foi ver. O barulho intensificou-se. Dir-se-ia que estávamos a ser atingidos por uma chuva de projécteis. O meu marido chamou-me, que eu fosse ver. E fui. Como uma chuva de pipocas, saltando ao atingirem o chão, fazendo ricochete nas pedras. Num instante tudo se cobriu de bolinhas brancas, pareciam pétalas. Mas eram bolinhas de gelo. E o céu a ribombar. Uma trovoada vindo do nada. Um epifenómeno. Mais um. Uma chuva torrencial, granizo, trovoada. Fui a correr fotografar para ficar com a prova de tão inusitado mistério. O paraíso é um lugar misterioso.

Algum tempo depois estava sol. Se não fosse a água ainda escorrendo das árvores ou a terra tão molhada, dir-se-ia que aquilo não tinha acontecido. Assim é a vida. Acontecem coisas, intensas, incompreensíveis, e depois, passado algum tempo, custa a acreditar que tenham acontecido.

Quando saí para passear ao fim do dia, os pássaros estavam mais efusivos que nunca, cantavam que era uma alegria, parece que estavam a soltar a franga que existe dentro deles depois do valente susto que devem ter apanhado. Uma cantoria que me pôs a sorrir. Também eu estava com vontade de festejar a alegria de tal mistério.

Do gatinho nem sinal. Tive pena pois gostava de perceber como tinha reagido ao que aconteceu. Se calhar abrigou-se numa das grutas e achou prudente não se arriscar a outro banho de pérolas geladas.


E agora que aqui estou, depois de ter visto em que param as modas no Japão no que ao corona diz respeito, um programa que passou na RTP 3, pus-me para aqui a descobrir o vasto mundo do YouTube. E pasmo. Pasmo com o que para aqui vai. Uma coisa infinita, impossível de adivinhar tudo o que para aqui se aloja. Não é a dark web, porque está tudo à vista, mas é um salsifré, a casa da mãe joana, o albergue espanhol, a sopa da pedra, o pot pourri, um bric a brac de milhões de peças multicores e multiformes.

Hoje descobri que há mulheres que têm canais próprios para explicarem como se maquilham os olhos, como se disfarçam as rugas, como se encobrem olheiras, como se tapam papos estejam eles onde estiverem, como se aplica a base, como se valorizam as sobrancelhas, como se enrolam as pestanas, como se alivia o semblante. Vi vídeos em que elas aparecem como se levantam, enrugadas, macilentas, e, ao fim de pouco tempo, estão frescas, iluminadas e desejáveis como se viessem de hollywood. Outra aparece velha e acaba o vídeo a parecer filha de si própria. Dei por mim a ver um atrás do outro. A aprender cenas. E dei também por mim a perceber que tenho andado a passar ao lado de uma outra eu.

Vejo que todas têm vários pincéis e que os conhecem pelo número. E há-os para todos os fins, para aplicar, para esbater, para iluminar, para realçar. e há toda uma paleta de cores e de produtos para que qualquer mulher banal pareça uma mulher não apenas apresentável como, direi mesmo, bela e intemporal.

E isto já para não falar das técnicas mais invasivas, em clínica, para preencher rugas, para encher lábios, para elevar as maçãs do rosto. Um mundo de oportunidades para contrariar o efeito do tempo ou a má qualidade estética de origem.


Nunca fiz nenhuma intervenção estética mas, mesmo a nível de tratamento de pele e de maquilhagem, que descuidada tenho sido. Mentalmente revejo a minha pobreza franciscana quanto a produtos. Aqui, in heaven, então, zero pincéis, zero blush, zero iluminadores, zero rímel, zero praticamente tudo. E depois o tempo que é preciso. Geralmente se gasto mais de uns quatro ou cinco minutos com a cara, de manhã, é muito. Ora, para toda a montagem de cenário que aqui tenho estado a ver, precisaria de uns dez a quinze minutos. No mínimo. Onde é que, em tempos normais, sabendo que tenho trânsito pela frente e um dia preenchido para não perder minuto, como arranjá-los? Ainda por cima, a deitar-me sempre às quinhentas, como levantar-me um quarto de hora mais cedo para me embonecar...? Mas que fiquei a pensar no assunto lá isso fiquei. Fiquei, fiquei.

Outra coisa que vi num vídeo é a altura a que se deve pôr o computador e a iluminação quando se está em vídeoconferência. Há técnicas para tudo quando o que está em causa é aparecer glamorosa do outro lado. E eu, no maior amadorismo, a andar com o computador de um lado para o outro e sem saber de todos os truques que afinal estão em tutoriais à disposição de quem o queira.

O meu amigo algoritmo, talvez por me achar uma intelectual extravagante dada aos números, às artes e às coreografias maradas, sugere-me sempre vídeos nessa base. Nunca me propôs estes vídeos espectaculares que tive que descobrir por mim mesma. E são viciantes.  É que há vídeos para tudo: penteados para cabelos que não se deixam pentear, franjas para todos os tipos de caras, maquilhagem para jantares em casa, batons para lábios finos e para lábios grossos, protectores solares para quem não quer usar base, sei lá. De tudo. Se me deixasse estar aqui mais um bocado nisto e se tivesse um arsenal a preceito a ver se esta semana não surpreendia os meus colegas. Nem saberiam com quem estavam a falar. 


No meio disto, imagine-se, apareceu-me um filósofo checo a falar do corona; mas a rede dele lá em casa devia ser pior que a minha pelo que não percebi nada do que ele disse. Desisti ao fim de um minuto. Para além de que é belfo e tem um sotaque cerrado que, em inglês, mal se percebe o que diz. E a meio dos tutoriais para peles e olhos claros e como parecer eternamente adolescente apareceu-me ainda o Chomsky, também a falar do corona. Testezinho do algoritmo, a ver se a quarentena me deu volta ao miolo, só pode. Abri o vídeo do Noam mas mais de trinta minutos e a perceber-se um bocado mal era coisa que cansaria a minha beleza, coisa certamente não recomendada para a iluminação da minha cútis. Fechei. Ficará para um outro dia em que me sinta mais capacitada para profundidades. 

Mais umas semanas de quarentena e ponho-me eu a fazer tutoriais. Modelos, cenários, green fields, inteligência artificial ou o escambau nem vê-los. Só tutoriais sobre beleza feminina.

Tirando isso, mais nada. Só se for que o cozido à portuguesa ficou bom e que o que sobrou ainda dará para esta segunda feira, pelo menos para o almoço. 


As fotografias estão aqui porque gosto delas e estão à venda no site Pictures For Elmhurst (A Print Sale Fundraiser for Elmhurst Hospital in NYC), uma iniciativa interessante e que talvez pudesse ser seguida por cá, divulgando fotógrafos nossos e beneficiando os nossos hospitais.

Se não me enganei na ordem, os autores são, respectivamente, Jody Rogac, Benedict Brink, Yelena Yemchuk, Samantha Casolari, Hart Lëshkina,  Zora Sicher e Sharif Hamza. Vieram ao som de HAEVN interpretando We Are 


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Uma boa semana para todos. Saúde.

13 comentários:

Lúcio Ferro disse...

Graças aos céus sou homem, não há cá essas time consuming frescuras, ele é barba, escovar dentes, duche, pentear, vestir e está feito. Um bom dia.

Tiago Gonçalves disse...

Foto nº 2: literalmente ter fogo no rabo :)

Corvo Negro disse...

Olá UJM.
Espero que a vida lhe continue a sorrir, mesmo acantonada.
Li, como sempre, o seu extraordinário texto (textos que raras vezes comento mas com os quais me enriqueço sempre um bocadinho).
Hoje espero que me perdoe o comentário, um pouco abusivo, ou mesmo intrusivo, comentário com o qual espero não estar a ensinar o Padre Nosso ao Vigário, no caso à Sacerdotisa.
O comentário tem apenas a ver com a primeira parte onde se "lamenta" de, mesmo em teletrabalho, ter que trabalhar para além do que seria razoável (aceitável); E a este propósito permita-me, com a devida vénia à Mestra que lhe reconheço, que lhe diga o seguinte:
- Aprendi, com a experiência que adquiri em andanças semelhantes às suas, que a "marcação do passo ao pelotão" compete ao comandante do dito. Quero com isto dizer que se não formos nós os líderes a transmitir às equipas que não devem ir para além do razoável e exigível, damos connosco (e com eles) a trabalhar (mesmo em teletrabalho - experienciei isso com a Gripe A H1N1 de 2012) 10 e 12 horas e até nos fins de semana e feriados. Teletrabalho sim, mas a começar às X horas e acabar às Y horas, para todos, sem exceção.
Lutei anos a fio na empresa onde trabalhava (com mais cerca de 5.000 colegas) para implementar uma cultura de "cumprimento do horário de trabalho" para todos. Nunca consegui tal desiderato. Porém, já depois de reformado, fiquei muito sensibilizado por saber (e ver) afixados nos locais apropriados, cartazes subscritos pela Direção de Recursos Humanos, incentivando exactamente ao cumprimento do horário e à não marcação de reuniões para depois das 18h. Uma pequena vitória do bom senso e do respeito pelo capital mais valioso de qualquer Unidade Económica.
Peço desculpa pela ousadia e espero continuara a poder ler os seus textos, e que o confinamento melhore, porque acabar, tão depressa não acabará.

Um abraço a pertir da Sobreda - AV -

PS.- Gostei da sugestão para o futuro: Teletrabalho para quem seja possível, mas com uma ida ao local de trabalho uma vez por semana. Acho que será esse o futuro.

Anónimo disse...

O gatinho manda dizer que lá por estar confinado, uma latinha de comida deixada num lugar estratégico sempre marchava e era bem melhor do que conversa fiada..

Anónimo disse...

Tem sorte quem tem a possibilidade de se poder pisgar para fora da cidade nestes tempos de pandemia, como você e outros/as que tiveram esse privilégio - como alguns amigos meus. No meu caso, tive a sorte de em devido tempo ter decidido sair definitivamente de Lisboa para aqui (já que não precisava de ter uma segunda casa como você, visto termos as casas de família no Douro e Beira-Alta).
É caso para constatar que, havendo recursos financeiros para podermos ter uma segunda casa, fora da Cidade (no caso Lisboa, mas podia ser até outra), sucedendo o que sucedeu, corre-se para fora da tal cidade! Na busca de uma qualidade de vida, tranquilidade de espírito, equilíbrio mental e a tal qualidade de vida, sobretudo neste tipo de circunstâncias, que a cidade nunca, mas nunca, nos poderá proporcionar!
No meu (nosso, meu e de minha mulher)caso, confesso que pouco noto o confinamento. A par de algum trabalho, damos uns belos passeios até ao mar (Guincho), ou pela serra de Sintra, logo ali atrás de nós, como já antes fazíamos, vamos de quando em quando ao supermercado e pouco se nota o confinamento (embora cumprindo as tais regras).
Resumindo, qualidade de vida é, sem dúvida, fora de uma grande urbe, de uma cidade. O resto é treta. Se assim não fosse, você e tantos outros teriam ficado, ou optado por ficar, na cidade. Entre estar confiado num apartamento ou numa casa de campo longe da cidade, julgo que muitos poucos hesitarão em escolher o campo. Como você fez. E outros. Dá-me um certo gozo ver a cidade a ficar para trás nestas circunstancias. Naturalmente, para quem pode. Como você (e eu e alguns outros).
P.Rufino

Um Jeito Manso disse...

Olá Lúcio,

Agora na quarentena podia deixar crescer a barba, ficava com um look a la quarentena. E um homem com uma bela barba tem lots of style. Também poderia deixar crescer o cabelo e apanhá-lo. Ou, em alternativa, rapá-lo. Ou seja, mesmo sendo homem, tem muitas possibilidades de fazer um upgrade no seu look.

:)

Boa quarentena!

Um Jeito Manso disse...

Olá Tiago,

E não é que é mesmo? Será que o fogo no rabo lhe dá asas?

:)

Uma terça-feira sorridente.

Um Jeito Manso disse...

Olá Corvo,

Essa da Sacerdotisa é que não. Ainda se fosse Santa, Agora sacerdotiza...? Ná, não tem graça.

E concordo a 100% consigo. Trabalhar demais é trabalhar mal. Acontece que, fruto das circunstãncias, não tenho só uma capela onde pregar. Portanto, tenho que me esticar para chegar para tudo. Mas acredite. Mails que me enviem ao fim de semana e que poderiam ter esperado por segunda-feira ficam a aguardar. E passo a vida a dizer que já chega. Mas a malta anda motivada, fica com a pica toda, trabalha sem parar.

E depois é o momento que atravessamos: é preciso muita ponderação e muita ginástica para ver como se aguenta o embate sem penalizar ninguém a quem isso faça mossa.

E escreva sempre, ensine sempre, chame-me a atenção sempre que assim lhe apeteça. Gosto sempre. Tudo o que venha por bem é bem recebido.

Abraço, Corvo. E divirta-se!

Um Jeito Manso disse...

Olá Cat Lover II,

Latinha de comer? Para um gatinho do campo...? Nem pó. Se há coisa que me faz muita impressão é ver aquela senhora que anda no Ginjal a alimentar os gatos vadios com comida de conserva e massa. Os gatos já andam obesos.

Ná, gatos vadios são gatos vadios. Se este quiser vir ter comigo, virá. Nem pensar subornar um gato vadio com um enlatado. É que se ele se deixasse subornar por tão pouco nunca mais queria pôr-lhe a vista em cima...

Não sou de andar atrás: sou mais de 'guardado está o bocado para quem o há-de comer'.

Um Jeito Manso disse...

Olá P. Rufino,

E, no entanto, gosto da cidade. Mas gosto da cidade para a viver. Para passear por ela. Curtir a cidade é um dos prazeres que tenho na vida. Turistar, flanar.

Ficar fechada num apartamento a ver, lá em baixo, a cidade triste e deserta, isso, sim, seria uma dor de alma.

Portanto, mal antevimos que isto ia acontecer, fizemos a trouxa e viemos para o campo. E pensámos que daí por uns quinze dias talvez a coisa estivesse a caminho de estar controlado e que logo voltaríamos. Afinal, ainda não.

Mas, sim, para viver uma situação destas, é preferível haver alguma largueza.

A sua Sintra, Cascais, serra e mar, então, é a maravilha das maravilhas. Uma sorte.

Dias felizes, apesar de tudo, P. Rufino.

Tiago Gonçalves disse...

Olá UJM!
Aparentemente aquele fogo é tão intenso que ela parece já bater as asas...e voar como um balão de ar quente :)
Sendo o vestido negro o balão e o pintado fogo vermelho do rabo... o combustível.
Uma terça-feira sorridente igualmente para si UJM, no longo "confinamento". Não se podendo voar para fora de casa, voemos com a mente.

Um Jeito Manso disse...

Tiago,

E a voar nas asas de uma menina com fogo no rabo não há confinamento que resista.

Haja alegria!

Abraço, Tiago.

Tiago Gonçalves disse...

Ujm,
Felizes aqueles que têm o privilégio de voar desse modo e poderem contar a história:)
Abraço Ujm!