quarta-feira, janeiro 29, 2020

Rui Pinto, a PLMJ, a VdA, a Sonangol, a Isabel dos Santos, as Luanda Leaks, os hackers, os heróis, etc.





Às vezes não há duas sem três. E hoje é dia. Já me deleitei com a graça e com a criatividade da Billie e do Jacob e já falei do Chicão fofinho a ser praxado pelo Miguel Sousa Tavares. E agora vou para a terceira.

No fundo, se me deitasse no divã, quase aposto que o psi descobria que escrever os dois primeiros foi só para empatar a ver se já não chegava aqui. 

E é. A empatar. Porque não sei como dizer. O senso comum aconselha-me a estar sossegada. Até porque, quanto mais não seja, eu é mais bolos. E, quando não é bolos, é rêverie, conversa deitada fora. E, do que não quero falar, nada sei; e não gosto de falar do que nada sei. Intuo. Mas a intuição é daquelas: quer, porque quer, dizer das suas. Há quem diga que é um shortcut que a inteligência usa para chegar lá antes mas há também quem diga que é coisa topológica, bola aberta, coisa intangível, deitação de búzios. 

Mas, enfim, vamos lá. De resto, nada de novo. De umas coisas um recap, de outras meras conjecturas.


Começando pelas conjecturas.
E se isto de ter sido o Rui Pinto a desencadear o Luanda Leaks fosse mera estratégia da defesa para safá-lo, para o apresentar não como um mero hacker mas como um whistleblower? Qual seria o risco disso? 
Vejamos. Um hacker não deixa pistas ou, se as deixa, é para gozar, sabendo que vai chatear o hackeado e que, se tiver juízo, jamais o apanharão. Ou para sacar um resgate. Ou seja, pode ser desporto ou pode ser negócio. Em qualquer dos casos, é actividade de risco. Um hacker não se denuncia. Quando se denuncia, denuncia a sua persona de hacker, não a de cidadão. 

Por isso, não há como provar se foi ele ou se não foi. Se não foi, qual o risco de que se descubra a mentira? Nenhuma. A menos que o verdadeiro hacker (ou hackers) apareça a auto-recriminar-se. Mas isso não acontecerá. O trabalho feito foi obra de pros. E hackers pros fazem da sua actividade um negócio e esse é um negócio que assenta no absoluto anonimato, no sigilo à prova de bala.
  • Portanto, primeira hipótese: não foi o Rui Pinto a hackear (pelo menos sozinho) tudo o que está na base do Luanda leaks. Foram outros, contratados.
  • Segunda hipótese: um rapaz que se dedica a piratear redes informáticas do futebol e que anda atrás de 'podres' para se divertir, para tentar sacar umas massas e para chatear malta com que embirra, não é o tipo de rapaz que sabe exactamente em que redes entrar para denunciar a corrupção em Angola. Portanto, se foi ele, deve ter sido encaminhado. Ou seja, contratado. 
Questão de fundo: quem contratou? 


E agora o recap: quem pirateia uma rede informática de uma empresa não se dedica a uma escolha selectiva, não é pesca à linha -- faz, isso sim,  pesca de arrasto. É mais rápido, mais eficaz. Tudo o que vem à rede é peixe. Se não interessa hoje, interessa amanhã. E pode simplesmente copiar tudo o que está nos computadores das empresas ou pode tentar a sorte e encriptar o que encontra e pedir resgate. Para ganhar uns trocos. E, claro, meanwhile, para um just in case, copia tudo. 
Portanto, se dizem a um hacker: ela trabalhava com os VdA, com a PLMJ, e apanha também tudo o que ela fez na Sonangol e aqui, ali e acolá, é aí que o ou os hackers vão entrar. E não será por acaso que se diz que a Sonangol foi pirateada, que a VdA foi pirateada, que a PLMJ foi pirateada. E, com certeza, mais terão sido. Digo eu. 
E, se as empresas souberam que foram pirateadas, é porque o pirata se manifestou. Ora a forma habitual de um hacker se manifestar é pedir resgate. Se foi Rui Pinto, pediu resgate? E, se o fez, continua a poder ser visto como um whistleblower ou será, antes, um pirata que vende o fruto do seu roubo e, de caminho, ainda pede dinheiro aos assaltados?
E tudo o que estava nos servidores foi, certamente, apanhado. Dos escritórios de advogados certamente os processos de tutti quanti foram apanhados. Do que tinha a ver com Luanda e com meio mundo. Meio mundo.
Admito que terão participado à CNPD e certamente terão informado todos os seus clientes, fornecedores, empregados, etc. RGPD oblige.  E foi, certo? 
Mas não sei se toda a gente terá percebido o significado disto. Será que perceberam que todas as optimizações fiscais, algumas certamente bastante criativas, estão disponíveis e nas mãos de quem pode fazer mau uso delas? Será que já perceberam que todas as movimentações societárias, pagamentos, parqueamentos, encontros de contas e etc, estão onde não seria suposto que estivessem? E isto já para não falar de casos de outras naturezas.
Mas reparem: saber, não sei de nada, tudo isto são meras dúvidas.


E finalmente, volto ao que já abordei acima: pode um hacker ser visto como um herói como a Ana Gomes e outros parecem pretender? A questão não é linear e não é este o local ou esta a hora para dissertações inteligentes, mas a minha opinião é que nem pensar

Um hacker é alguém que viola um espaço, que rouba o que encontra. É a mesma coisa que alguém entrar em sua casa, Caro Leitor, roubar o que lhe apetecer e depois vender ou ficar com o que lhe der jeito. E isto já para não falar nos que ainda pedem dinheiro para que os donos possam voltar a usar a  sua própria casa. Claro que, no meio do que encontrar, pode encontrar extractos bancários que levantem suspeitas e que se forem afixados no átrio do prédio ou na parede da sua casa irão certamente dar muito que falar. Mas e daí? Pode admitir-se que alguém arrombe portas, roube coisas, viole a privacidade dos donos?

No dia em que formos permissivos e estúpidos a esse ponto, acaba-se o Estado de Direito.

Quanto ao Luanda Leaks volto à minha: independentemente do mérito da investigação judicial que possa vir a ser feita e das culpas no cartório que venha a provar-se que os envolvidos possam ter, aquilo de que se tem vindo a falar é apenas um cagagésimo da história, de uma história que tem muitas faces e muitos reversos e onde muita gente se esconde atrás de espelhos.

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As mulheres ao espelho foram pintadas, respectivamente, por Korobkin Anatoly, Mose Bianchi, Ferdinand von Lütgendorff-Leinburg, Jean-Étienne Liotard e Gerard ter Borch e vêm ao som de Walking in the air interpretada pela Aurora.

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E queiram continuar a descer para visitar o Chicão e, a seguir, a Billie e o Jacob -- ou, então, não.

E uma bela quarta-feira para si que está aí desse lado.

8 comentários:

Anónimo disse...

Nos EUA, pegavam neste tipo, o Rui Pinto, e ofereciam-lhe uma proposta, ou duas: trabalhar para a CIA, ou o FBI...a troco de ser inocentado. Por muito que custe ao tal Estado de Direito, esta malta pode ser útil...à Justiça de investigação. As simple as that! Quanto ao recorrente caso do Luanda Leaks, o problema respeita, sobretudo, à Justiça de Angola. É suposto ter sido lá que se terão praticado uns tantos e graves crimes...de uso indevido de dinheiro do Estado angolano, via Sonangol e, etc, que possibilitou a IdS chegar onde chegou, sendo filha de quem é. Convém não esquecer isto, que alguns comentadores vesgos tendem a esquecer! Por cá, aceitou-se o dinheiro de Isabel dos Santos, sabendo, muito bem, de onde ele era proveniente e de que forma lhe foi parar às mãos. Bancos e inúmeras empresas, de todo e diverso tipo, acolheram, alegremente, aquele dinheiro sujo, porque subtraído do património angolano. E ainda há uns tantos cabotinos e imbecis que acham que se deve olhar para ao lado no que respeita à proveniência do dinheiro. Foi assim, em tempos idos, com dinheiro do tráfico de armas e até de drogas, quer em depósitos em Bancos nos EUA e por cá, nesta Europa decadente, rendida ao dinheiro fácil. Até que algumas consciências morais, havia e parece que vai havendo alguma, acharam que o melhor seria os Estados e a Comissão Europeia começarem por fazer um rastreio desse dinheiro. No caso de IdS,que é inteligente (e bonita), ela até conseguiu quase fazer o milagre das rosas. Comprava, ou entrava, em empresas e bancos, recorrendo a subterfúgios e operações financeiras, que, os seus advogados por cá, “respeitáveis” Escritórios com ligações aos diversos poderes políticos, PS/PSD, como alguém aqui neste seu blogue relevou anteriormente, sobretudo (nisto de negócios, manda o “bom senso” que não haja estados de alma e “clubismos” políticos, era o que faltava em negociatas de alto calibre. Lá se ia o negócio!) lá se encarregavam de lhe aparar o jogo e conceber ou pôr em prática o investimento desejado. Foram inúmeras as empresas “infectadas” pelo dinheiro sujo de Isabel dos Santos. Desde Constructoras, Bancos, EFACEC, NOS, GALP, etc, etc e tal, uma lista sem fim. Um capital que deu jeito. E que untou, de caminho, muitas mãos. Nestas coisas, em grandes negociatas, o dinheiro resvala sempre por mais do que uma mão. Há muito intermediário. Não creio que alguém por cá venha a ser chamuscado. A Princesa nunca actuou de forma ilegal, neste Rectângulo à beira-mar plantado. Não havia necessidade. Para quê? Como, Miguel Júdice, na sua “cândura” de ontem lá explicava. Não é isso que está em causa. Mas, como dizia atrás, talvez com alguma “ingenuidade e altruísmo”, conviria que tivesse havido a preocupação no que respeitava à origem do dinheiro e forma como tinha sido obtido. Mas, lá está, isto era na suposição de que o Capitalismo tem preocupações cristãs, so to say. Não tem, infelizmente. Os Fariseus também não tinham. E de nada adiantou Jesus de Nazaré chicoteá-los à porta de Templo de Jerusalém. Acabou ele crucificado e os Fariseus continuaram com as suas negociatas e esbulhos. Por cá, ex-ministros, ex-políticos e outros tratantes da Finança (Banca) e empresários sem escrúpulos, a par de alguns “cromos” que por aí andam na Política activa de hoje, lá vão sorrindo perante este panorama, ou melhor, Novela (Luanda Leacks), sem remorsos (é sentimento de quem ainda tem algum resquício de princípios), à espera que as águas acalmem e tudo volte à normalidade. Como deverá acontecer. Assim foi com os Panamá Papers, porque não com este filme? Voltando ao Rui Pinto, embora tenha praticado crimes, previstos e punidos no C.P (e até na Constituição), se calhar era capaz de ser útil o seu trabalho na investigação criminal. A exemplo do que sucede nos EUA. Mas, se calhar estarei a exagerar. Apesar de tudo, aquilo que denunciou é pior do que aquilo que praticou. Pelo menos nos termos da nossa Legislação Penal. Isto sem estar a fazer a apologia dos crimes – supostamente, até sentença transitada em julgado – por ele, Rui Pinto, cometidos.
P.Rufino

Francisco de Sousa Rodrigues disse...

"Um hacker é alguém que viola um espaço, que rouba o que encontra."

Nem mais.

Um abraço.

Célia disse...



"Apesar de tudo, aquilo que denunciou é pior do que aquilo que praticou. Pelo menos nos termos da nossa Legislação Penal."

Subscrevo integralmente. Que se julgue o mensageiro e, entretanto, não se ignore a mensagem.
Estranha-se certos silêncios. Já com aquela história de Tancos, descabelam-se sobre quem sabe o quê, enquanto o ladrão sai calmamente da prisão pela porta da frente.
Ora!

Paulo B disse...

Mais uma (boa) acha para a fogueira:
https://www.publico.pt/2020/01/26/sociedade/opiniao/podem-luanda-leaks-usados-justica-1901759

Um Jeito Manso disse...

Olá P. Rufino,

Quando um hacker (ou melhor, alguns hackers) copiam toda a documentação de vários escritórios de advogados, da PGR, de grandes empresas e etc, fica com muitos terabytes de informação. Carradas, resmas, paletes de processos, de certidões, de correspondência, de acordos, de facturas, de extractos, de contactos. Com tudo isso na mão, o passo seguinte é passar a informação ou a quem encomendou o serviço ou a quem oferecer melhores condições. A partir daí é começar a explorar a informação que lá está. Por isso, a seguir pode vir a Sonae Leaks, a RTP ou a TVI Leaks, os Bombeiros Leaks, a Católica Leaks, os CTT Leaks, a EDP Leaks, a Gulbenkian Leaks, o Lobo Xavier Leaks. Etc. O que se queira. Deve haver ficheiros que alimentem tudo isso.

Ora é fácil depois à comunicação social construir narrativas a partir de meia dúzia de documentos.

Se abrirmos a porta à devassa, nada escapa. Casos que se resolveram, serão mostrados aos bochechos e nas suas fases intermédias, tudo sem contraditório.

Tudo isto me parece terreno tão perigoso e tão ao arrepio das liberdades individuais que tenho quase repugnância em assistir a assassinatos de carácter na praça pública.

A Justiça que, em Portugal e se calhar noutros países, parece estar maioritariamente na mão de gente facciosa e ineficiente, deve recuperar o seu capital de credibilidade. E é a Justiça que tem que agir. Não estas novas milícias que arregimentam mercenários.

Quanto ao mérito do Rui Pinto enquanto profissional da pirataria acredito que seja competente e que seria uma boa ideia convertê-lo ao ethical hacking e, por exemplo, contratá-lo para, à rédea curta, agir a bem e ao serviço da Justiça.

PS: Hoje gostei de ler o que escreveu.

Um dia feliz para si, P. Rufino

Um Jeito Manso disse...

Olá Francisco,

Há hackers maus e hackers bons.

Todas as empresas deveriam recorrer a hackers bons para perceber que vulnerabilidades têm nas redes e nos sistemas informáticos das suas empresas.

Os hackers maus são uma praga. Piratear virou um negócio onde pululam os parasitas que ganham dinheiro à custa dos roubos e das porcarias que fazem.

Uma coisa é um denunciante. Se eu presenciar ou tiver conhecimento de um crime tenho a obrigação ou o dever de denunciá-lo. Outra, muito diferente, é assaltar casas e empresas e pessoas, depois vender o fruto do roubo e ainda ficar com os louros do que os receptadores do roubo resolverem fazer.

Os tempos que se aproximam são tempos que vão desafiar os nossos princípios e a nossa ética.

Abraço, Francisco.

Um Jeito Manso disse...

Olá Célia,

Nada disto é claro. A opacidade e a duplicidade serão the name of the game. Há muita coisa em jogo, muito medo pelo que aí possa vir. Haverá silêncios, ameaças a circular nos bastidores, etc. Não duvide. Nesta matéria, o que se vê é mesmo a pontinha do iceberg.

Aliás, segundo se diz (e sabe-se lá se é verdade), do 1º disco que foi desencriptado saíram elementos para o Benfica Leaks, para o Luanda Leaks e para mais uma série de barracadas. Mas, diz-se, há mais oito como este.

Portanto, temos que dar muito desconto a tudo o que formos ouvindo.

Obrigada pelo seu comentário, Célia

Um Jeito Manso disse...

Olá Paulo,

Obrigada pelo link. Artigo interessante e fundamentado.

A Justiça agora pode ir tentar montar uma investigação, por si. O P. Rufino, que sabe disto, esclarece. Mas presumo que mais notícias apareçam um dia destes e, com tanta pista, tanto documento, tantas provas já inutilizadas, não sei bem no que tudo isto vai dar para além do que já está a acontecer: risco de falências, as empresas a atravessarem maus bocados.

Agradeço a informação que envia, sempre oportuna e relevante.

Abraço.