Agora ia contar a pergunta que o ginecologista me fez quando lá fui pela primeira vez para me aconselhar sobre o método contraceptivo e eu, inocente, lhe respondi deixando-o de boca aberta, especado a olhar para mim. Mas não conto pois lá viria a vizinha do costume rosnar baixinho, pela calada, 'acha-se a melhor, a mais esperta e agora também a mais...'. Não. Não vou dar esse gostinho nem a ela nem a ninguém. Mas isso também foi há muito tempo e ele, o ginecologista simpático, quando me viu com um Lobo Antunes na mão contou-me que também ele tinha andado na guerra, também médico na guerra, também ele tinha passado por muito daquilo. E ficou sendo o meu ginecologista e foi a ele que pedi que ajudasse nos partos e que evitasse por tudo fazer-me cesarianas ou anestesiar-me. Foi ele que arrancou as duas crianças a ferros, a sangue frio. Médico dos bons.
Mas, quanto a isso, o que sei é que cada um é como cada qual e que a vida e as circunstâncias também influem. Mas coisa sempre houve -- e é bom que a gente não se esqueça das guerras, das invasões, das bubónicas, e etc. -- e não foi por isso. De resto, também é bom que a espécie não se extinga. É certo que para que a gente continue a existir não tem que ser na base do tradicional que o mais que não falta é método para todo o gosto. Também admito que isto de achar que é bom juntar o útil ao agradável é coisa já muito datada pois sei que pode ser útil sem ser mau e pode ser bom e não ter que ser útil.
Portanto, sabendo que os estudos mostram que a malta está a gostar cada vez menos de truca-truca e que, a manter-se a tendência, a coisa desanda rapidamente para o zero, fico sem ser capaz de dizer se é bom, se é mau. Talvez a malta adopte de vez a cena da produção independente num registo profissional, uma seringada de tizóidinhos lá para dentro e já está, e reserve o prazer para o robozinho, para a ciberconversinha, para o videozinho e, com o tempo, para nada. Talvez com o tempo a malta vire platónica. Talvez finalmente a malta alcance na boa o caminho para o céu, tudo casto, tudo virgem. Na volta, um dia destes, pecado já era.
E eu não digo que não. Sou pré-histórica, prima de bonobo, sobrinha de etrusca -- já não sei nada, já não risco nada.
E estou a falar de um estudo científico, coisa boa, afiambrada, com a chancela de Cambridge (e o Translate dará uma ajuda a quem não saiba francês):
David Spiegelhalter est statisticien et professeur à l'université de Cambridge. Il s’est appuyé sur l’enquête nationale britannique Natsal qui étudie les comportements sexuels des anglais. Une enquête réalisée tous les dix ans, dont la première a eu lieu en 1990 – 1991 et la dernière en 2010 – 2012.
David Spiegelhalter a donc superposé les résultats des trois enquêtes en sa possession et ainsi pu noter que la fréquence mensuelle des rapports sexuels perdait un point par décennie : en 1990, on faisait l’amour en moyenne 5 fois par mois, en 2000, 4 fois par mois et en 2010, 3 fois par mois. Pas besoin d’avoir fait l’X pour en arriver à la conclusion désolante que vous reniflez d’ici : en 2030, ça fera zéro.
Parece que o desinteresse vem do Netflix à noite e da hiperconectividade a toda a hora, teleleco sempre a despejar posts, likes, news e fake news, instas e o escambau.
O artigo acaba lembrando que 2030 está quase aí e que se a gente quer salvar o planeta deveria pensar bem nisto. Mas eu não sei se salvar o planeta é só inverter a tendência e passar a três ou quatro vezes por mês ou por semana ou por dia ou se para salvar o planeta é preciso mais do que isso. Mais. Muito mais. Fazer tudo diferente, tudo ao contrário. A menos que a gente queira um mundo virado para dentro, habitado por pessoas de patas para o ar e viradas para o próprio umbigo.
Mas isto sou eu a falar e, na volta, estou é influenciada pelas posições do Kama-Sutra que ando a estudar a ver se já as pratiquei todas.
O artigo acaba lembrando que 2030 está quase aí e que se a gente quer salvar o planeta deveria pensar bem nisto. Mas eu não sei se salvar o planeta é só inverter a tendência e passar a três ou quatro vezes por mês ou por semana ou por dia ou se para salvar o planeta é preciso mais do que isso. Mais. Muito mais. Fazer tudo diferente, tudo ao contrário. A menos que a gente queira um mundo virado para dentro, habitado por pessoas de patas para o ar e viradas para o próprio umbigo.
Mas isto sou eu a falar e, na volta, estou é influenciada pelas posições do Kama-Sutra que ando a estudar a ver se já as pratiquei todas.
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13 comentários:
Quando resolve fazer troça de coisas que não compreende, sobre as quais nem tem consciência da sua incompreensão, inho para aqui, inha para acolá, inhos e inhas caminhando com o tempo, no rumo da santa castidade, para o nada, parece que lhe falta um chip que a impeça de ferir aquela parte nuclear e vulnerável da alma daqueles a quem dirige a sua graça.
Deixo-lhe, porém e sempre, um abraço, UJM.
JV
Olá JV,
Fiquei estupefacta com o seu comentário e fui reler o que escrevi. Como referi e coloquei o link, baseei o que escrevi no artigo: "Parece que em 2030 já não faremos amor... Mas porquÊ?"
Se ler, o artigo assenta num estudo científco, da autoria de David Spiegelhalter da Universidade de Cambridge, que após estudar dados de várias décadas e de registar o decréscimo que referi, conclui que a manter-se a tendência, em 2030 o número de vezes que as pessoas fazem amor por semana passa a zero.
O estudo refere ainda que o exercício da sexualidade está a rarear, especialmente nos mais novos onde a prática começa cada vez mais tarde, etc (Transcrevo:Le constat serait sans appel : la sexualité (en pratique) déserte notre quotidien, phénomène qui s’observe notamment chez les jeunes, qui font l’amour pour la première fois de plus en plus tardivement (et moins souvent). Autant dire que notre rythme ralentit et que la relève n’est pas des plus actives. Un jour, nous parlerons d’un temps que les moins de vingt ans ne peuvent pas connaître.)
Quanto às causas, o cientista aponta o que eu referi: justamente o Netflix à noite e a hiperconectividade permanente (Transcrevo de novo: Mais pourquoi ? Pourquoi faisons-nous de moins en moins l’amour ? David Spiegelhalter pointe du doigt l’hyperconnexion. Autrement dit, Netflix occupe nos soirées et les téléphones portables nous absorbent à plein temps. A croire qu’entre les écrans et la sexualité, il faut choisir. Un peu trop tranché ? Pas tant que ça. Quand on sait que certaines personnes vérifient leurs notifications pendant l’amour, on réalise combien la place que nous accordons au sexe se fait de plus en plus étroite. )
E refere ainda o consumo de pornografia e o desejo de se agradar apenas a si próprio ou não ceder a pressóes alheias e etc como possíveis causas para a 'recessão sexual'. E termina apelando a que se larguem os ecrãs e que se dedique mais atenção ao corpo, à intimidade e aos outros (Volto a transcrever:En attendant d’en savoir plus, autant dire que 2030, c’est demain. Alors osons lâcher les écrans et relâcher la pression, et choisissons de nous reconnecter à notre corps, nos envies, notre partenaire, notre intimité et l’essentiel. Il n’existe aucun bon rythme sexuel à tenir, l’important étant de s’écouter et de ne pas subir. Et puis il n’existe que de bonnes façons de sauver le monde, après tout.)
E foi disto que falei, tendo o cuidado de dizer que não tenho claro para mim que haja mal em ser-se como se é (seja como for) desde que se esteja bem como se está e que também não tenho claro que para 'salvar o mundo' seja preciso fazer amor pois, como referi, não é forçoso que se junte o útil ao agradável uma vez que se pode recorrer à inseminação artificial.
No meio disto, acrescentei -- por brincadeira -- que além disso as crianças nascerão sem ser do pecado já que os pais poderão manter a castidade.
Ou seja, nem por um momento trocei seja do que for ou seja de quem for; muito menos me parece que o que escrevi (e que, repito, se baseia quase integralmente num artigo científico) possa ferir quem quer que seja pois, ainda por cima, tive o cuidado de não subscrever a assertividade que o artigo revela.
Ou seja, acho que tresleu o post e que foi injusta na sua avaliação.
Mas também pode acontecer que tenha sido eu que não consegui exprimir-me da melhor forma e nesse caso o que posso dizer é que passarei a ter mais atenção para que o que escrevo não fique susceptível de leituras indevidas.
Tirando isso: um abraço, JV, e um bom Dia do Trabalhador.
Olá UJM,
Não confie muito em reportagens / comentários de revistas generalistas (diria até sensacionalistas) quando fazem referências a supostos estudos científicos. Então quando reclamam resultados tão surpreendentes (não só a redução da atividade sexual, como a "previsão" para 2030!)... ui ui.
Fiz umas rápidas pesquisas (uma técnica simples e rápida nestes casos: pesquisar o nome do investigador no https://scholar.google.pt) e toda a "historinha" contada na Elle francesa (que, sinceramente, é uma fonte muito duvidosa) cheira a grande esturro. O investigador em causa é, acima de tudo, um estatístico. Aparentemente, o autor não fez nenhum estudo científico sobre as práticas sexuais. Escreveu um livro - "Sex by numbers: what statistics can tell us about sexual behaviour". Ora, acresce que o livro é, aparentemente (não o consegui "apanhar" ainda), focado no papel da estatística na produção de conhecimento (e dos seus limites para tal) mais do que no estudo dos comportamentos sexuais (na verdade, o autor usa um conjunto de dados do Reino Unido que versam esse tema, quer por ser um conjunto de dados para os quais existe um certo consenso sobre a qualidade dos mesmos, quer porque existem vários trabalhos científicos que versam nesses mesmos dados, etc, quer porque é um tema picante e, dessa forma, leva o leitor a interessar-se... talvez aprendendo uma noções de estatística pelo caminho. Pelo menos é esta a ênfase que este sumário nos mostra: https://rss.onlinelibrary.wiley.com/doi/full/10.1111/j.1740-9713.2015.00840.x
(onde não há nada sobre essa redução da atividade sexual).
Note ainda um pormenor que nos deve fazer desconfiar: a notícia que partilha refere que o tal investigador atribui à "hiperconexão" contemporânea a principal causa dessa redução da atividade sexual. Isto cheirou-me logo a esturro... a "soundbyte"... o consenso sobre um suposto papel de transformação radical atribuído às tecnologias de informação e comunicação (em sentido restrito, da tecnologia per si) é de desconfiar... então em comportamentos altamente complexos e multidimensionais como são aqueles que se relacionam com a sexualidade.... não faz sentido!
Fico-me por aqui com as objecções (mas há mais) e remato com dois links. O primeiro, utilizando os tais dados do RU, um artigo científico que me parece contrariar exatamente essa coisa de que o "truca - truca" (perdoe-me a expressão, mas acho-lhe piada hahahaha) está em declínio acentuado.
(continua...)
Parte 2:
O segundo, para fazer uma reviravolta em todo este meu rosário, acabando até por me posicionar, pessoalmente, com uma certa simpatia nessa hipótese do "declínio" da atividade sexual (mas com um padrão que não se coaduna com essa coisa do declínio rápido e em absoluto da vontade e prazer de "truca-truca", mas defendendo uma mistura de razões (complexas) para colocar essa hipótese como credível e até já com evidências produzidas. Neste caso.... aproveito para chamar a atenção para um país que vai uns anos à frente nesta temática (nomeadamente, naquilo a que se refere os impactos do sistema socioeconómico contemporâneo e da sua umbilical relação com as TIC). Um país que tem sido olhado com fetiche e alguma incompreensão no que respeita aos seus padrões/práticas sexuais pelos ocidentais: https://bmcpublichealth.biomedcentral.com/articles/10.1186/s12889-019-6677-5
Acabo com uma citação deste último link, crendo que as pistas sobre o que interessa realmente neste assunto é mesmo o papel de um sistema socioeconómico devorador (explorador) do trabalhador. Que tem progredido por via da invasão até aos últimos redutos da carne que nos compõe - o corpo, a sexualidade - com a sua comodificação crescente nas suas mais variadas expressões (do tinder à legalização da prostituição / aceitação do lenocínio): "Unemployment, temporary/part-time employment and low income were associated with heterosexual inexperience among men." (até porque hoje é dia do trabalhador).
Deixo-lhe uma sugestão adicional, reforçando a lógica que referi num post anterior sobre os perigos da inteligência artificial e sobre a minha "crença" de que esses perigos virão sobretudo da biotecnologia, que se relaciona ainda com esta temática ( quando for reposta, dê uma espreitadela a esta tetralogia teatral do Gonçalo Waddighton - "O nosso desporto favorito"). Como se refere algures durante uma dessas peças:
“Tempos houve em que se matava por dá cá aquela palha
Agora ninguém agita, ninguém protesta, ninguém ralha
Agora ninguém rouba, ninguém caga, ninguém malha
Agora ninguém cega, ninguém insulta, ninguém batalha
Agora ninguém chupa, ninguém fode, ninguém esgalha.”
Paulo,
Ora aqui está outro comentário surpreendente. No meu texto eu referi que se tratava de um estudo estatístico. O Paulo escreve como se eu tivesse dito que ele era outra coisa que não isso. Ora, se reler, encontrará explicitamente isso (David Spiegelhalter est statisticien et professeur à l'université de Cambridge). O autor é pessoa credenciada e a consulta da sua vida profissional, nomeadamente académica, assim o atestará.
Lendo o seu comentário, parece desvalorizar o valor da 'estatistica'. Ora a estatística é um dos ramos da matemática, ciência que, creio eu, está acima de qualquer suspeita.
E é verdade: é um estudo estatístico: não é sociológico, não é médico, não é jurídico, não é físico -- é estatístico.
E vou dar-lhe um testemunho pessoal. Pouco depois de começar a trabalhar, foi-me atraibuída a responsabilidade de construir um modelo de previsão de vendas relativamente aos produtos que a empresa vendia. Assim o fiz, construindo um modelo assente nas séries cronológicas de vendas de muitos anos para atrás até à data em que estávamos e que permitisse previsões a curto, médio e longo prazo.
Havia um produto que era a estrela da companhia, de tal maneira que o nome do produto quase se confundia com o tipo de produto, Pois bem, pelo meu modelo, o produto estava em declínio tão lento que nem se dava bem por ele mas eu previa que no espaço de uma ou duas décadas iria desaparecer. Claro que uma previsão assenta sempre na manutenção do contexto. assim, eu dizia que, a manterem-se as circunstâncias e a nada se fazer para o contrariar (marketing, por ex), o produto ia desaparecer. Foi uma festa. Um escândalo. Ninguém acreditava. Eram números, o estudo era académico, eu não percebia nada de nada, um absurdo -- assim se encarou a previsão. E ninguém levou muito a sério o que ali estava. Escusado será dizer que efectivamente aconteceu o que o modelo apontava. Já há muito tempo que ninguém se lembra sequer de tal produto e ainda assisti ao fecho das fábricas que o produziam.
Um estudo estatístico é um estudo que se faz com números. Não pretende ser outra coisa. É isso mesmo. Os sociólogos, os psicólogos sociais, os sexólogos, politólogos ou outros que estudem as causas profundas que levam a que as preferências das pessoas sejam umas ou outras ou que proponham medidas para os inflectir ou não.
Outros aspecto destes estudos estatísticos: estudam correlações, testam-se, validam-se. Não se tratam de palpites. Não: são funções matemáticas, são cálculos concretos e rigorosos. Tal como quando se fazem análises estatísticas de preferências ou tendências e se correlacionam com idade, educação, sexo, etc, também num estudo como o referido no post é mais do que natural que tenham sido testadas correlações com hábitos: consumo de pornografia, tempos de convivência, nº de horas de 'conectividade', etc.
Ou seja, o estudo deve ser visto como aquilo que é: um estudo estatístico.
Se quem o lê se revê nele, se se sente retratado, incomodado, se não está nem aí, se não é tema que lhe interesse, se acha que o autor cometeu erros matemáticos, etc -- isso já é outra coisa.
Agora uma coisa é certa: o facto de o estudo versar sobre sexo é que o torna potencialmente polémico. Porque se fosse sobre o número de vezes que as pessoas comem saladas ou ouve música clássica por mês, se calhar ninguém questionava nada.
E um bom resto de Dia do Trabalhador!
UJM,
Não quis de forma alguma desvalorizar o assunto nem desvalorizar o trabalho do autor. Pelo contrário!
Apenas procurei alertar para a potencial leitura errónea que a revista faz: o que questiono é o trabalho jornalístico, não o estudo em si. Aliás, precisamente por ser um investigador especialista em estatística achei estranho afirmações tão "fortes" como a tal previsão e, sobretudo, supostas afirmações relacionadas com as causas de tal fenómeno (nomeadamente aquela suposta afirmação sobre a "hiperconectividade").
O que procurei com os meus posts referir foi contrariar exatamente esses dois pontos que a revista enfatizou procurando alertar para erros grosseiros no tal trabalho jornalístico. Para mim, esses erros potenciais (da revista) são essencialmente :
- O investigador referenciado parece que escreveu um livro educativo sobre estatística usando a temática da sexualidade como exemplo (e não um livro sobre sexualidade assente numa análise estatística); isto não desvaloriza o seu trabalho - pelo contrário - mas implica que as afirmações devem ser lidas à luz desse propósito do livro (note-se que o resumo que o próprio autor faz do livro - e que partilhei - fica claro que o autor se preocupa em sublinhar os diferentes níveis de "confiança" que devemos ter nos diferentes padrões estatísticos observados na análise estatística de um conjunto de dados; aliás, este resumo não refere o tal padrão de decréscimo da frequência de actividade sexual, escolhido pela revista como a mensagem principal do livro.
- Um investigador com uma sólida carreira em estatística dificilmente faria afirmações tão fortes sobre as "causas" de tal padrão estatístico (estabelecer relações causais são muito complicadas), pelo menos numa base científica (daí que ache que a revista possa ter empolado essa leitura sobre a "hiperconectividade" como explicação para tal).
- A revista sugere uma narrativa que é muito simplista e talvez até errónea, na medida em que explicações mais convencionais (como as relações laborais, a comodificação das relações sociais, etc) mas menos "atrativas" na agenda mediática são ignoradas - até porque para falar de causas para além de padrões estatísticos, temos de recorrer a outras disciplinas científicas.
Posto isto, acabei por concordar que, não tendo certezas estatísticas ou científicas sobre a generalidade desse padrão estatístico de decréscimo da frequência da actividade sexual, juntando referências a vários estudos e o que observo à minha volta, estou inclinado (a título pessoal e não "científico") a considerar tal hipótese interessante de debater. Sobretudo as suas potenciais causas. Juntado o facto de ser o dia do trabalhador... procurei contribuir para as questões que levanta questionando se não será esta pressão cada vez mais crescente para sermos "produtivos", para sermos profissionais de "sucesso", empreendedores de empresas unicórnio, flexibilidade laboral máxima etc que está a matar a atividade sexual? Não será essa transformação cada vez maior da sexualidade em mercadoria que nos está a deixar enfastiados com tanto "consumo"? Não sei. Mas a minha reação maior foi a isto. Às causas. Isso importa discutir e na minha leitura do post pareceu-me que a UJM nos estava a convidar a esse debate.
As minhas desculpas se foi deselegante o meu comentário.
Um abraço!
UJM,
Permita-me só partilhar as fontes que consegui sobre este tema, apenas para reforçar a ideia que a minha crítica não era ao trabalho do investigador nem sequer ao tema / padrão estatístico referenciado (bem pelo contrário). Só procurei colocar em causa o trabalho jornalístico da Elle. Parece-me até que o trabalho original do tal David Spiegelhalter procura exatamente alertar para os riscos destas leituras jornalísticas.
Interessantes ambos os vídeos:
- https://www.youtube.com/watch?v=ksx9UETAJ4g
- https://www.youtube.com/watch?v=MqNZBSkL2p8
Um abraço e perdoe-me a polémica.
Olá Paulo
Curioso que acabei de publicar um post sobre isto e um dos vídeos que lá coloquei é um dos que aqui refere.
E o Paulo repare que a Elle não é uma revista científica mas um lugar de generalidades. Mas é uma revista que, dentro do género, aborda (de forma ligeira) temas interessantes.
Obviamente que, nessa perspectiva, é natural que pegue nos aspectos mais 'lúdicos' e mais 'apelativos'. Mas, ao referir as fontes, permitirá que, quem queira aprofundar, vá beber à origem.
O meu blog, e sem querer comparar-me a nada, é também um caderno onde, em total liberdade, à noite, antes de ir dormir, escrevo o que me apetece, sobre o que me apetece. Não é lugar de profundezas. Não tenho tempo para isso. Só pego no blog à noite e enquanto não caio para o lado, a dormir.
E volto a chamar a atenção para o que é um trabalho de estatística: analisam-se matematicamente dados, procuram-se as funções e as leis que melhor se aplicam, testam-se hipóteses, analisam-se correlações. Além do mais, podem analisar-se tendências absolutas e relativas e é útil conhecer quais os factores que podem influenciar as tendências. Se a análise estatística evidencia que a prática de relações sexuais está em decréscimo e que as horas de conectividade estão em crescimento e que a correlação é matematicamente verificável (e repare que estou a dizer 'se' -- porque não li o estudo), que mal é que isso tem ou porque é que isso é 'forte'? Não percebo. É o que é e nada mais.
Um estatísco ao falar de um estudo, fala do que encontrou no estudo, sem juízos de valor. Se as pessoas que ouvem ficam arreliadas é coisa lá delas, não do estatístico. Até me faz lembrar aquilo de matar o mensageiro porque não se gosta da mensagem.
E sim, acho óptimo que se debata o tema do decréscimo da actividade sexual, tal como o do decréscimo da natalidade. Mais: acho que é um debate urgente.
Quanto às causas da tendência que o estudo revela já me falta sabedoria para atirar palpites. Acho que isto da pressão laboral, dos unicórnios, da comoditização e de mais não sei o quê, quantos postas em perspectiva histórica, são coisinhas de nada, que não deveriam contribuir para isso pois, como referi no meu post, problemas sempre os houve e bem mais graves -- pragas, epidemias, guerras, depressões -- e parece não ter havido, nessas épocas, o desinteresse sexual que há hoje.
E Paulo, não tem que me pedir que o perdoe de nada: já sabe que me pelo por uma boa polémica. Por isso, tenho é que lhe agradecer!
Abraço!
UJM,
Não quis fazer nenhuma crítica ao seu blog nem à forma profunda ou ligeira como aborda qualquer assunto. E não foi minha pretensão dar uma de "superioridade" científica ou reclamar profundidada.
Nesta onda descontraída procurei trazer mais "achas" para a cavaqueira descontraída que felizmente aqui, no seu estaminé, tantas vezes se proporciona. Só isso.
Abraço e bom resto de semana.
Paulo,
Tranquilo. Páre de pensar que me aborreceu. Nem um pouco. Deite achas à vontade que já deve ter percebido que águas paradas não é propriamente o que mais me agrada. Gosto de mar revolto. Por isso, não deixe que a forma mais 'vibrante' como me exprimo se confunda com arrelia. Zero arrelia.
E até estou aqui a magicar, em vez de falar do meu 1º de Maio, vir eu atirar mais uma acha, das valentes. Pior é que daqui a nada é uma e tenho que me levantar cedo.
Já viu...? Se eu tivesse mais tempo, imagine o estrago que era capaz de aqui fazer...
UJM, apenas para dizer que não achei nada de particularmente surpreendente ou polémico no artigo citado. Talvez apenas a previsão para 2030, que me parece tonta. Quanto ao mais, limita-se a referir (alguns) fatores que têm sido identificados em muitos outros estudos, artigos, estatísticas e testemunhos.
De resto, como compreendo que, ao reler o que escreveu, nada tenha detectado que pudesse suscitar a minha reação, deixo-lhe apenas outro abraço e votos de um bom final de semana.
JV
UJM,
Eu dificilmente resisto a uma boa polémica. Tenho consciência que aqui estou a ser um bocadinho chato... afinal este é um lugar descontraído e venho para aqui discutir pormenores que nem são assim tão relevantes para o propósito do post.
Confesso que aquilo que me atraiu neste assunto foi extamaente a questão estatística. É que a minha leitura e elogio ao trabalho do David Spiegelhalter é exatamente a crítica que ele faz ao "exagero" (erros de interpretação) que temos tendência a cometer quando analisamos dados estatísticos.
No video em que o David apresenta números do inquérito do Reino Unido parece-me claro que ele sublinha que o facto estatístico é o tal declínio do número de vezes que as pessoas declaram ter tido relações sexuais nas últimas 4 semanas. Logo a seguir ele mostra, num slide, a notícia a que tal facto estatístico deu origem (que utiliza uma imagem de uma rapariga deitada na cama com um computador apple), acrescentando ainda, em tom que me parece brincalhão, que ele até acha que não é só o ipad mas também a set-top-box lá de casa e remata com uma declaração: a verdade é que enquanto estatístico não se foca nas causas, apenas na descrição, objetiva, estatística, dos dados, pois as causas que explicam tais números podem ser variadas.
Inclusive, note-se que o David enquadra os factos estatísticos num esquema / rating de confiabilidade dos mesmos, que basicamente se refere à qualidade do processo de recolha e processamento dos dados originais (fazer inquéritos bem feitos é um processo extremamente complexo... note-se que o David classifica o NatSal com um 3, na sua escala de 1 a 5. Aliás, o David começa exatamente por nos alertar para o facto de mesmo um estudo / inquérito de grande qualidade tem problemas inevitáveis relacionados com o viés presente em muitas respostas (como a maior abertura da sociedade para exprimir certas práticas, por exemplo, ou aquele viés referente à tendência dos homens para exagerar o número de parceiras e tal...).
Ali em cima esqueci-me de um link para um trabalho científico que ajuda a perceber o que procuro argumentar (e que não contraria o David, bem pelo contrário... reforça a sua mensagem!): é que mesmo uma análise focada exclusivamente numa descrição dos factos estatísticos do tal inquérito, não permite concluir que há uma prática sexual decrescente / um desinteresse sexual. Isto porque uma hipótese destas não se mede com a resposta a uma única pergunta (como exemplo a tal sobre o número de relações sexuais praticadas nas últimas 4 semanas). Ora, os factos estatísticos, obtidos noutras questões do inquérito, enfraquecem essa leitura do desinteresse sexual: a malta tem vindo não só a mencionar um crescente número de parceiros sexuais, como a realização de uma maior diversidade de práticas sexuais (em conjunto).
O link: https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0140673613620358
Discordo ainda da sua posição sobre a correlação. Ela é importante, claro, mas não deve ser exagerado o seu "valor" explicativo. Quando muito, serve-nos essencialmente para um exercício exploratório que permite aprimorar as hipóteses em estudo e procurar sustentar tais hipóteses com desenvolvimentos teóricos e empíricos que procurem inferir os mecanismos causais que lhe estão associados (este é um velho debate na estatística). Veja-se os riscos de uma confiança exagerada na correlação: https://tylervigen.com/spurious-correlations
Tirando esta discussão estatística (que foi a minha motivação inicial), concordo que a hipótese geral até é plausível (o tal enfraquecimento da atividade sexual) e acho interessante partir de tal hipótese e explorar as possíveis causas - e esse exercício opinativo pode ser feito de forma livre e descontraída. Nesse propósito procurei deitar "achas" na fogueira opinando que considero os factores socioeconómicos mais importantes que os tecnológicos - embora estes últimos, pela "novidade", sejam mais apelativos; com certeza que a tecnologia tem o seu papel, mas creio, até pela história, que são mesmo os elementos socioeconómicos - e o David apresenta alguns factos estatísticos que podem ser utilizados para construir este meu argumento. Por exemplo, a baixa da natalidade no período dos conflitos mundiais seguido imediatamente por um explosão nos anos subsequentes de paz; aliás, o mesmo ocorreu na recente crise económica em Portugal. E gosto também daquela explicação para a explosão demográfica associada quer à revolução agrícola quer industrial, que sugere que um maior número de filhos contribuía para maximizar o rendimento dos agregados familiares por via do aumento da mão de obra "barata" à disposição da "empresa" familiar. No entanto, essa estratégia, actualmente, nos países desenvolvidos já não funciona (o aumento do rendimento depende mais do capital de conhecimento acumulado do que o da força física do trabalhador) bem como o sistema económico já não assenta tanto na economia / unidade produtiva familiar, mas sim na grande corporação. O Japão é um bom caso de estudo para analisarmos esta hipótese - até porque as idiossincráticas e diversas práticas sexuais do japoneses, a sua tradição específica e disseminada na pornografia (hentai) bem como a disseminação / massificação de práticas sexuais assentes na tecnologia (robots sexuais, realidade virtual, etc... que só agora começam a chegar ao mundo ocidental...), associado à sua estrutura social e económica, dão-nos pistas interessantes para perceber a tal redução da actividade sexual e até a sua relação com a redução da taxa de natalidade.
Abraço,
Paulo
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