terça-feira, janeiro 15, 2019

Uma explicação





Ontem era para continuar a minha reportagem fotográfica por Lisboa: tenho paredes poéticas e vernáculas para mostrar, tenho um alfarrabista muito especial, tenho montras fantásticas. Mas tenho que confessar que estava um bocado sem vontade. 

Já tinha falado no recebimento de Montenegro pelo nosso Excelentíssimo e Ubíquo Presidente (diz-se recebimento ou recepção? ou recebidela? ou recebidinha? -- não sei, não sei qual a duração do encontro) e quando, nesta minha auto-disciplina que me faz ser uma trabalhadora incansável, ia escolher as fotografias das ruas de Lisboa, fui-me um bocado abaixo.

Há coisas para as quais a gente não está preparada.

No outro dia, quando estávamos a passear em Óbidos telefonou-me, falou-me dos filhos, de si próprio, perguntei pela família, estava tudo bem e que me viria fazer uma visita um destes dias.

Ontem, à tarde, o telefonema impensável.
Não quero falar nisso, não agora. Nunca sei quem está a ler-me, não quero falar de uma situação muito difícil e triste. 
Em voz baixa, contou-me. Ouvi com um aperto no coração.
Éramos tão novos. Rimos tanto. Ainda no sábado, depois dele me ter ligado, chorei a rir a recordar uma das situações mais divertidas da minha vida. O que ele me vez rir nesse dia. E o que ele me reencaminhava dela, ela ainda pior que ele. Uma foliona, uma descaradona. Já várias vezes aqui falei dela. O que me ri com ela. 
Não estamos preparados.


Os nossos filhos cresceram, são agora mais velhos do que eu e ele éramos nessa altura em que nos conhecemos. Ela ia buscá-lo. Apitava. Ele ia à janela, fazia-lhe sinal, descia.

Os anos foram andando e nós também. Os nossos pais, os problemas da idade, as casas, as coisas da vida. Sempre a sabermos do que se ia passando.

Inseparáveis, ele e ela. Até ao fim, inseparáveis.

Não estamos preparados.

E a fatídica coincidência. E a voz dele a dizer-me o que me disse. Fui capaz de falar, de dizer o que, na situação, se pode dizer. Mas com que custo.

E, mal acabei, uma reunião, como se nada se passasse. Depois no carro, a minha filha também admirada. Não sabemos bem, eu, pelo menos, não sei.

Hoje à hora de almoço, outro telefonema, outro impensável telefonema. 

Não quero falar nisso. Talvez daqui por uns tempos fale. Nunca consigo falar em cima do calor (ou do gelo) da situação. Falo depois, como uma memória a propósito de outra coisa qualquer.  

Mas, porque estou um bocado abalada, ontem passou-me a vontade e a capacidade para aqui escrever o que quer que seja; tentei mas não deu mais que isto. Depois, a noite foi praticamente em claro. Melhor: afogada em breu. E hoje ainda pior. 

Lamento.


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Para isto não ficar tão árido, coloquei aqui três fotografias feitas com drones

Trouxe a Mariza com a sua Chuva porque sim.

1 comentário:

bea disse...

Fez bem em trazer Marisa com um tema tão bonito. Não preciso saber o que é, é suficiente saber que está triste. Mas só a morte é irremediável e, ainda assim, é-o sobretudo para o próprio.
Boa Noite:)