quinta-feira, setembro 22, 2016

Mariana Mortágua (a nova pró-Láparo), o putativo sobre-imposto, a putativa violação do sigilo bancário -- e o que eu penso.
E os verdadeiros problemas do País, esses pobres coitados de que os neo-justiceiros nem se lembram.





Ora muito bem. Já cá estou. Venham lá comigo.
Ok?

Quando ontem escrevi o que escrevi sabia de antemão que ia suscitar espanto, incómodo ou estranheza -- ou pior. Queria mesmo isso. Queria demonstrar o que dá falar por alto do que não deve ser falado na praça pública de forma leviana. Para além disso, queria dizer aquilo que disse: está a olhar-se para o problema pelo lado errado. Não sabia, na altura, que o inteligente láparo já tinha defendido isto mas ainda bem que me informaram pois mais me ajudam. A receita de gerir um país pelo lado dos impostos é errada, não dá em nada. E isto de dicotomizar a sociedade, pondo uns de um lado e outros do outro é não apenas errada: é contraproducente. Portanto, nem mais seria preciso: então a menina Mortágua anda agora a defender as panaceias do Láparo...? Ok. Estamos conversados. Podia até ficar já por aqui que só isso já diz tudo da inteligência do que se está para aí a discutir.

Mas não, que eu, depois de um dia como o meu de hoje, ou me ponho a dormir ou me ponho à pancada com alguém. Portanto, pode ser a segunda. Com vocês, com os que vieram cá afrontar-me. Pode ser...? Aguentam...?

Bora lá então. Mas vamos por partes, devagarinho. que eu, talvez pelo adiantado da hora ou pela veemência dos vossos argumentos, parece até que já tenho a visão toldada a metade.



1. Se bem repararam no que ontem escrevi, não me pronunciei em concreto sobre o dito imposto porque nada sei dele. Só falo do que sei.

2. E só o facto de, não se sabendo nada em concreto, já andarem pessoas responsáveis a falar sobre ele (porque, até ver, ainda admito que a deputada Mariana Mortágua é responsável), já a mim me parece criticável, já a mim me parece uma irresponsabilidade enorme. Em matéria destas, em que a emenda pode ser pior que o soneto -- pois, face à indefinição e à predesposição para mexer levianamente nos impostos, os investidores podem dizer que Portugal se vá mas é catar, que mais casas não vão eles recuperar ou construir cá -- só se deve falar quando se tem a certeza do que se vai fazer e só depois de gente experiente na matéria ter estudado os prós e os contras ao pormenor. Até lá, está-se de bico calado.

3. Pior. Ao mesmo tempo que a dita responsável do BE veio lançar a confusão com o tema de um novo imposto (em cima dos existentes) anda em discussão a vontade de violar o sigilo bancário, inspeccionando as contas bancárias acima de 50.000 euros, dizendo a dita cachopa arretada que não faz mal porque quem não deve não teme.

E aqui já entrámos no domínio em que não interessa a constituição, a protecção de dados, o direito à privacidade. Agora são 50.000 e os que não têm tanto e que pensam com os neurónios que têm em volta do umbigo aplaudem. Mas esta lógica pode levar a que a garota, um dia destes, defenda que se passe também a inspeccionar os débitos do multibanco de toda a gente mesmo os que chegam ao fim do mês sem um tusto na conta, porque se são tão pobrezinhos que devam estar isentos de pagar IRS ou pagar uma taxa são baixinha, como é que têm dinheiro para fazer as nails, tatuagens ou comprar cigarros? -- e sempre quero ver se continuarão a dizer 'que mal tem?, quem não deve não teme'.

É que a mim, chame-se Maria Luís Albuquerque, Vítor Gaspar, Passos Coelho, João Galamba ou Mariana Mortágua tanto se me dá. Se defendem atitudes destas e promovem discussões destas na praça pública eu estou contra. Caminhámos até aqui para aplaudirmos uma sociedade em que um qualquer big brother a todos vigia, uma sociedade em que todos são culpados até prova em contrário....?


Quando se chega ao ponto em que se esquecem todos os séculos e séculos de civilização para que já seja cada um que, em praça pública, faz a sua própria lei, eu estou contra. Há dias li por aí uma que, no rescaldo de um incêndio, dizia que, se encontrasse o incendiário, pegava numa arma e lhe dava um tiro no meio dos olhos. Nem mais. Esquecida de que o país em que vive há muito aboliu a pena de morte e esquecida até de que, quando a havia, não se dispensava o direito à defesa e ao prévio ajuizamento sobre o acto, a dita criatura fazia, na hora, justiça pelas suas próprias mãos.

E esta é a lógica de pôr cada um a decidir e a opinar o que fazer, a quente, sem pensar, sem estudar os assuntos: 
Se tem património de alto valor, então a gente nem quer saber se o obteve por vias normais (pagando impostos e taxas não apenas sobre os rendimentos mas também sobre o património, nem queremos saber se, com esse património está a usufruir de rendimento que também paga imposto, nem quer saber se um investidor que tem um milhão, em vez de o vir aplicar cá, gerando emprego (na construção ou na recuperação) o vai usar noutro lado qualquer ou o espatifar noutra coisa qualquer. A gente não quer saber de nada, a gente só quer é que os ricos paguem mais qualquer coisa. Mesmo que o que se perde pelas consequências seja superior ao que se ganha. Isso não interessa para nada. 
Note-se (volto a dizer) que não estou a pronunciar-me contra o imposto pois não o conheço -- estou a pronunciar-me contra a forma leviana, anacrónica, desinformada e pacóvia como este assunto foi lançado para a praça pública. Estou a pronunciar-me contra toda a algaraviada que se formou à volta de coisa nenhuma, cansando à toa a minha beleza.



4.  Recapitulando. Se o dito sobre-imposto vier a ver a luz do dia, pronunciar-me-ei. Se a violação arbitrária e injustificada do devido sigilo sobre as contas bancárias vier a ver a luz do dia, bater-me-ei contra (porque defendo o respeito pelos direitos mais elementares dos cidadãos, nomeadamente dos que estão protegidos pela Constituição).

Agora estou a pronunciar-me sobre outra coisa: sobre a forma estúpida como a Mariana Mortágua e seus seguidores estão a defender a mesma coisa que o Passos Coelho, a forma estúpida como estão a dar argumentos de mão beijada à direita e a forma estúpida como estão a descredibilizar o sentido de responsabilidade do Governo e dos partidos que o apoiam.


E estou também a criticar a inesperada falta de visão de uma pessoa que eu pensava que era esclarecida. Tinha Mariana Mortágua por pessoa esclarecida. Pelos vistos, enganei-me.

Portugal tem um problema grave: está descapitalizado, não há investimento interno nem há atracção de investimento externo que ponha os motores da economia a trabalhar, a gerar emprego, a alavancar o crescimento. Se há tanta pobreza é por isto! Resolver este imbróglio -- tem espantar as avantesmas de Bruxelas -- é a prioridade das prioridades. Tem que haver a criatividade, a arte e o engenho para ultrapassar este problema. É para discutir isto, para trazer ideias para cima da mesa, que os políticos têm que se empenhar.


Em vez de andar meio mundo a discutir o que não sabe mas que assenta na vil e mesquinha tendência que alguns portugueses têm para invejar quem tem mais, o que se deveria andar a discutir era como -- como?, como? -- pôr a economia a crescer, como conseguir exportar produtos de valor acrescentado, como atrair investimento que empregue mão de obra qualificada, como aumentar os níveis de poupança, como aumentar o nível global de conhecimento da população para que melhor enfrente os desafios da globalização, como atrair os que emigraram (entre outras razões. para que paguem cá os impostos), como criar a confiança no futuro para que mais crianças nasçam no país. Essa era a discussão virtuosa que se impunha. 

Tudo o que não ande à volta disto é poeira, é entreter a populaça com foguetório, é palha, é zero, são tiros nos pés, é pôr uns contra outras, é tudo o que não é preciso.



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Não sei se deixei clara a minha ideia ou se subsistem sombras a ofuscar a limpidez do meu raciocínio.

Mas vocês já sabem. Estão à vontade para protestar e para pedir mais esclarecimentos. Cá estarei.

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Os fotógrafos das senhoras que aqui estão a fazer-me companhia são, por ordem:
George Mayer, Wendy Hope, Heather Mason e Charles Nevols

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E agora, já que nunca mais vejo jeito de ficar com o corpinho bem-feito da minha amiga lá de cima, vou mas é comer um livro que esta conversa toda me abriu o apetite
Perdida por cem, perdida por mil.


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(Caso queiram rebobinar os acontecimentos, queiram, por favor, ir descendo por aí abaixo).

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6 comentários:

antonio Lourenço disse...

Desculpe mas continuo a não estar de acordo consigo, faz-me lembrar os comentarios desse grande economista Jose Gomes Ferreira..... Porque será

Anónimo disse...

«Numa famosa entrevista na televisão no final do ano passado, o ex-diretor-geral da Autoridade Tributária José Azevedo Pereira revelou que as 900 famílias mais ricas de Portugal, com património superior a 25 milhões de euros ou rendimento médio anual acima de 5 milhões, representavam uma percentagem irrisória da receita de IRS, da ordem dos 0,5 por cento, quando seria de esperar, de acordo com a lei, que pagassem 50 vezes mais. (...) Esta sensação de que existem na sociedade portuguesa dois grupos de pessoas, umas que tudo podem mas que nada devem e outras que pouco podem mas que devem tudo, a sensação de viver numa sociedade não só injusta mas profundamente corrompida, a sensação de impotência perante este estado de coisas, desacredita a democracia, destrói a participação cívica e corrói a sociedade. (...) Os ricos que paguem a crise? Não. Os ricos que paguem o que devem. Apenas isso.» JOSE VITOR MALHEIROS
Ora ai esta

P. disse...

Julgo que Mariana Mortágua explicou e bem a diferença entre este imposto e aquele proposto por Passos Coelho. As diferenças são óbvias. E percebe-se a mentira fiscal que Passos tinha defendia. A sua Leitora JV já tinha e muito bem explicado isso mesmo, antes de Mortágua vir a terreiro, ontem, explicar o dito imposto, com a exemplificação do número de casas.
Quanto a Portugal estar descapitalizado, uma das razões, que já vem aliás de trás, de alguns anos a esta parte, é por falta de financiamento. A Banca, falida, que andou a utilizar as poupanças dos depositantes em actividades especulativas, deixou de poder financiar as empresas.
Quanto à nossa economia para crescer só saindo do euro. Custará ao princípio, mas resultará a médio prazo. Sem possibilidade de praticar uma política monetária e cambial independente, que permitisse estimular a economia e livrar-nos do torniquete do euro e do Tratado Orçamental (T.O), nunca iremos crescer. Nunca. Estagnaremos sempre, com melhor ou pior oscilação. Aqui concordo com o economista João Ferreira do Amaral.
E depois, se não estivéssemos na zona euro – e houvesse coragem política – um qualquer governo poderia, através da CGD (se estivesse saudável, se não se tivesse também metido em confusões financeiras e a ajudar quem não devia, outros bancos, etc), poderia, por exemplo, praticar juros muito mais baixos, para apoio às empresas, o que obrigaria a restante Banca a fazer o mesmo, mas isso, como digo era “se a minha avó tivesse rodas”, que é como quem diz, se nunca tivéssemos aderido ao Euro. Agora, tais políticas são impensáveis, por causa do BCE, do Euro, de Berlim, do Eurogrupo, do T.O, etc. E porque se permitiu, com a inação de vários governos, mas sobretudo dos diversos Reguladores (BdP), que a Banca portuguesa chegasse ao estado a que chegou, falida, endividada, frágil, sem crédito para conceder, metida em confusões financeiras pouco recomendáveis, etc.
E, neste sentido, também não será possível conceder melhores condições de trabalho, pelo menos para uma boa parte das empresas, embora algumas o possam fazer, mas preferem praticar baixos salários (conheço vários exemplos escabrosos), seguindo o conselho do governo dos tratantes Passos/Portas.
É um círculo vicioso, UJM. Aqui há um par de anos, mais coisa menos coisa, num Seminário a que assisti, um economista suíço defendia que a política de baixos salários que aqui se seguia nunca seria solução para o crescimento da nossa economia, pois matava o consumo. Mas, como digo, tudo isto está interligado: os baixos salários, a fuga migratória de quadros, o desinvestimento, a falta de crédito, o euro, as políticas governamentais, etc.
Quanto à polémica da Mariana Mortágua, mantenho que nada de especial sucedeu. Não passou de fogo-fátuo.
P.Rufino

Abraham Chevrolet disse...

O José Vítor Malheiros tirou-me as palavras da boca... Metam a mão na consciência (se a tiverem) e pensem um minuto.

bea disse...

No meu dia de cão o assunto Mariana Mortágua é diversão. E nem comento.

Anónimo disse...

para quem pensou que ganhou ou perdeu a discussão - https://www.youtube.com/watch?v=JTN9Nx8VYtk



Bob Marley