sexta-feira, abril 29, 2016

Foi também numa sexta-feira.
E não há segredos. De facto, isto é simples, não é nenhuma ciência oculta.




Era sexta-feira e fazia sol. Não me lembro das horas, talvez meio-dia. Lá em casa apenas a família mais próxima. O meu pai quando tinha sabido, tinha ficado aborrecido, que eu não pensava em nada, que a um dia de semana para as pessoas terem que meter um dia de férias não tinha jeito, se não podia ser num sábado ou num domingo. De facto, nem me tinha ocorrido. Tinha sido o primeiro dia livre da agenda do notário, foi a uma sexta como podia ter sido em qualquer outro dia.

A túnica branca com rendinhas era transparente e decotada, muito bonita. Quando a tinha escolhido no Augustus nem me apercebi disso. Hoje isso não seria problema. Na altura era, já não era costume casar de calças justinhas, brancas, quanto mais com uma túnica transparente. A minha mãe lá arranjou um top para vestir por baixo mas não deu para usar soutien, não ficaria bem, notar-se-ia.

Não hesitei na escolha dos padrinhos: o irmão mais novo da minha mãe, o meu tio tão querido, e a mulher dele, uma tia querida desde que a conheci. Agora já não tenho padrinhos, foram-se os dois, com pouco tempo  de diferença. Nesse dia estavam felizes, muito bem dispostos.

O meu namorado chegou, cabelo pela nuca, barba negra cerrada, lindo, com um fiozinho de missangas minúsculas pretas que eu tinha feito e usava rente ao pescoço e que tirei para ele usar nesse dia. Trouxe-me uma rosa. Usei-a em vez de bouquet porque queria ter uma rosa oferecida e escolhida por ele. Não sou dada a artifícios. Queria tudo simples, nós como éramos, sem disfarces ou máscaras ou fantasias.

Já antes tínhamos comprado as alianças, os meus tios pagaram-nas e resolvemos começar logo a usá-las: muito fininhas, um fiozinho que mal se via.

Quando o notário nos deu por casados e disse que podíamos colocar as alianças, dissémos que já as tínhamos postas. E então pudemos passar logo para o beijo.

Não coloquei o nome dele. Achei que o facto de nos unirmos não mudava a minha identidade. Jamais usaria o nome de outra pessoa, como se fosse o ferro da casa.

Em todas as fotografias, estou a sorrir ou a rir. A minha mãe estava muito comovida, chorou. As minhas avós ainda mal se tinham refeito da neta se casar tão novinha, e ainda estudante. O meu avô, contudo, desfez a perplexidade delas: 'Com a tua idade já a tua avó estava casada há dois'. A minha outra avó deve ter engolido em seco já que com dezassete já ela tinha tido a minha mãe -- e na altura acreditávamos nisso. Quando morreu, a minha mãe descobriu que, afinal, a minha avó era mais nova e que a tinha tido não com dezassete anos mas, sim, com dezasseis. Toda a vida festejámos o seu aniversário numa data inventada por ela. A minha mãe, ao ver a data da certidão de nascimento dela, ficou parva: 'Olha a magana...!'

Depois, nessa sexta-feira em que nos casámos, fomos para um lugar muito bonito onde se nos juntaram os convidados e lá tirámos fotografias. Não quis um fotógrafo profissional. Não me via a espreitar atrás de uma árvore ou sentada na relva ou a fazer qualquer dessas poses que me pareciam ridículas. E se eu não via, muito menos o meu jovem marido via, sempre avesso a fosquices. Por isso, o fotógrafo foi um colega meu da faculdade, um que gostava de me fotografar e que também já nos tinha fotografado aos dois no jardim Botânico, umas fotografias mesmo bonitas, muito naturais, com uma luz que nos fazia parecer ainda mais enamorados.

As fotografias ficaram muito bonitas, incomuns. Dois miúdos muito apaixonados, banhados pelo sol. Eu tinha vinte anos e o meu marido, que é uns meses mais velho que eu, tinha acabado de fazer vinte e um. 

Depois foi o copo de água. Uma festa, uma alegria. Depois fomo-nos embora, de lua de mel. Os meus pais vieram despedir-se de nós ao carro e estavam muito comovidos, em especial a minha mãe, lavada em lágrimas. Acho que estava muita gente de volta de nós mas do que me lembro bem é da comoção dos meus pais.

Depois, quando regressámos, fomos viver para a nossa casa e voltámos às aulas na faculdade e, de tarde, às escolas onde dávamos aulas. Éramos muito felizes, eternos namorados, sempre juntos. Muito diferentes, quase opostos, e, no entanto, tão compatíveis.

Desde o primeiro dia que é sem compromisso: dá enquanto der. Quando deixar de dar, adeusinho, por aqui me desbaldo. Nenhum é dono do outro, nenhum quer domesticar o outro, nenhum quer condicionar o outro.

Os miúdos vieram logo a seguir. Com vinte e poucos já cá os tinha aos dois. Eles também se despacharam cedo. Multiplicaram-se e agora, quando chegam, enchem a casa.

O tempo vai passando, nós vamos mudando. Nunca me arrependi. Apesar de volta e meia se levantarem tempestades, os furacões e tornados são tão explosivos que, mal o fenómeno se esvai, e esvai rapidamente, logo vem a bonança e tudo fica como se nada se tivesse passado.

Não somos de esmiuçar os assuntos até ao vómito. Não há muito a dizer quando a pessoa está aborrecida. O que há a dizer, sai na hora, sai como uma tromba de água e depois acabou, ponto final, nada de ficar a remexer, a interpretar, a moer. Nada. Para trás das costas e bola para a frente.

Segredos para uma relação durar tanto? Acho que não há. Talvez, para começar, não ter essa mania de que há segredos ou poções mágicas. Não há. Essas balelas dos homens são assim e as mulheres são assado e ficar a dissertar sobre parvoíces também não é connosco. Mariquices como isso 'o que vês da tua janela?' muito menos. 

Gostamos um do outro pelo que somos, quer na maneira de ser, quer no corpo, e não nos cansamos de o demonstrar. 

E não sei o que hei-de dizer mais a não ser que, com a longevidade que hoje já é uma realidade, acredito que outros tantos anos virão e que, com um bocado de sorte, nos aguentaremos lúcidos, felizes, independentes e a gostar de estarmos um com o outro.

E se um dia me passar pela cabeça renovar os votos, coisa que acho que jamais acontecerá (até porque tal nem deve existir nos casamentos civis), acho que ele só aceitaria prestar-se a isso se eu me apresentasse vestida a preceito, qualquer coisa como abaixo se mostra. E eu fartar-me-ia de rir só de imaginar tal número - é que se o meu corpinho fosse igual ao da menina ainda vá que não vá, agora assim, com uns quilitos em cima, haveria mesmo de ter muita graça.

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Claro que as fotografias não têm nada a ver com o meu casamento.

Yiruma interpreta Love me. Andei à procura de outra coisa mas estou com pressa que daqui a nada estou a pé e não posso estar nisto. Se isto estiver cheio de erros, por favor, relevem.
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Caso vos apeteça uma musiquinha na piscina na companhia do casal láparo & paulinha lelé, queiram descer, por favor, até ao post que se segue.

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6 comentários:

Anónimo disse...

O notário? O notário? Quem casa as pessoas é o conservador do registo civil.

Rosa Pinto disse...

Tão bonito...dimples e belo. E outros tantos anos virão. .. tenho a certeza.

P. disse...

Este seu Post tem uma ternura singela, que muito apreciei. A forma como descreveu aquela data é encantadora. O desprendimento quanto a certos pormenores, próprios de quem é jovem e quer é ser feliz e seguir em frente com essa felicidade é único. Como digo, você tem uma sensibilidade para a escrita, capaz de transpor sentimentos, entre outras qualidades que já nos revelou noutros casos, que deveriam um dia ser usados, por exemplo, num livro qualquer que se decida a escrever. Escreve de uma forma diferente do muito que por aí se publica.
Quando nos casámos minha mulher também não ficou com o meu apelido, pelas mesmíssimas razões que aqui referiu. E eu sempre estive totalmente de acordo. E também casámos pelo civil (através da tal conservadora). E olhamos para esta união da mesma maneira que mencionou. Nada de planos para o futuro. Corre bem? Ainda bem! Corre mal, então adeus! E nunca o ciúme interveio. Teria sido o princípio do fim da relação. Uma relação deste tipo não pode ter espartilhos. Vive-se. Não se planeia. Vai-se vivendo. Com liberdade, respeito e ternura q.b. E é assim que tem de ser.
Bom fim de semana!
P.Rufino
PS: imagino que faz anos de casada? Se assim for, parabéns e divirta-se!

Pôr do Sol disse...


Se algum dia me perguntasse como teria sido o dia do seu casamento, creio que o pensaria assim. Condiz consigo. Simples, bonito, prático com um encanto especial.

O ultimo casamento a que assisti tambem foi a uma sexta feira, às 17 horas, acho que está na moda. Foi contudo elaborado até ao minimo pormenor, pensado durante seis meses. Foi uma festa bonita que nos obrigou a aguardar pelo bolo madrugada fora.

Um beijinho de parabens e votos de boa continuidade.

Tété disse...

Pois aqui ficam os meus Parabéns aos dois, sim porque a cerimónia mais ou menos tradicional só pôde ser feita com os dois, muito sui generis e como lhes aprouve.
Que continuem por muitos anos nessa "dualidade unificada" que lhes dá felicidade e lhes assenta mesmo bem.
Grande abraço
Teresa

Rosa Pinto disse...

*simples