Como não sei se mais logo ainda consigo cá voltar, aproveito um pequeno intervalo para aqui vir estar um pouco convosco. Gostava de ser capaz de fazer balanços mas não sou ou, pelo menos, não sou capaz de os fazer bem feitos. Já basta ter que os fazer a nível profissional, que os faço à força, tendo que puxar pela cabeça, pensando no que aconteceu de mais relevante. Um sacrifício, isso. Para mim o mais importante é ter chegado aqui, hoje, e ter vontade de viver os dias que se seguem. E, sobretudo, saber que os que mais amo estão bem, felizes.
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O meu pai tinha uma vida saudável, era um homem enérgico, com uma vida activa, o mais independente possível e agora está dependente, à mercê do efeito dos medicamentos que ora o deixam prostrado, sonolento, ora nervoso, inquieto, e, de vez em quando, tranquilo, normal. A minha mãe, que, desde então, tem sido o pilar daquela casa, com uma resistência, energia e alegria incríveis, afinal tinha, sem que o suspeitasse, um conjunto de células a desenvolverem-se desordenadamente, temendo nós que viesse por aí o pior, para ela, para o meu pai. E, quase milagrosamente, ultrapassou tudo sem grande dificuldade e está bem.Portanto, se a vida é frágil, é também inacreditavelmente forte. Nem sempre isso acontece mas, tantas vezes, me tenho admirado com a forma como o corpo humano parece dar a volta por cima. E a nível emocional a mesma coisa: frágil pode ser, por vezes, a mente mas, logo a seguir, como ela é capaz de se reorganizar, reerguer e seguir em frente... E isto, para mim, este mistério da vida, foi este ano muito marcante para mim e acho que sempre o será enquanto eu viver.
Por esta altura recebo visitas, telefonemas. Contam-me o que aconteceu com este, com aquele. Vão desaparecendo uns, vão nascendo outros. Um tem um filho problemático, problemas graves, outro vai ser avô, outro o filho arranjou emprego, outro o sobrinho foi para a ásia. Por vezes sinto que parece que estou, sossegada, no centro de uma roda que gira em minha volta.
No outro dia recebi um mail que começava assim Minha muito Estimada Amiga. Era um velho amigo, um Senhor, uma das pessoas extraordinárias que tenho conhecido ao longo da minha vida, agora já com uns belos setenta anos, reformado, alto e formoso na sua bela barba branca. Contava-me que tinha arrumado as pantufas, que o remanso não é para ele, e dizia que ia contar-me um segredo (descobrir o véu, dizia ele); um projecto que muito o andava a entusiasmar. Tinha tido uma ideia, a ideia foi ganhando asas, foi propor um projecto baseado nessa ideia ao Instituto Politécnico mais próximo do casarão de família onde agora passa grande parte do tempo, o Instituto gostou da ideia, vai basear nela uma cadeira-projecto no próximo ano lectivo, daí talvez partir para uma instalação piloto. Todo ele fervilhava na escrita. Já trocámos mais mails depois disto pois fiquei surpreendida com a inovação e oportunidade da ideia e com a criatividade e energia daquele homem. E eu fico comovida com a estima que pessoas que tanto admiro sentem por mim. Quando penso em momentos marcantes num ano que finda, ocorrem-me coisas assim.
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E ocorre-me, de forma muito presente, o drama das guerras que o ocidente fomentou (e fomenta) e que têm feito germinar o pesadelo do terrorismo e provocado o êxodo brutal das populações atingidas. A infelicidade e a coragem dos que fogem da morte toca-me: ver aquela gente a atravessar o mar, em pequenas embarcações, com crianças, a chegarem com frio, fome, sede ou dando à costa como inúteis despojos, ou os que andam de noite pelas estradas, saltando vedações ou vivendo em campos de refugiados, é uma dor para a qual não conheço antídoto.
Outra coisa que me preocupa é o estado de apatia e indigência anímica ou cultural ou nem sei o quê a que se chegou nos mais importantes organismos de condução da Europa. Pode acontecer de tudo que aqueles enfatuados burocratas, aquela babilónia de interesses contraditórios que nenhuma liderança conduz, não se mexe. Reuniões, cimeiras, encenações de apertos de mão, de gestão de agendas, de fotografias da praxe, tudo isso existe com fartura - visão estratégica, firmeza, humanismo, isso está quieto, isso perde-se no meio daqueles corredores e salões onde tudo se passa e nada acontece.
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Espero também que, como consequência, os países como Portugal possam voltar a ser a casa dos que cá nasceram e que, fruto do desprezo com que foram rejeitados, se viram na contingência de ter que sair. Viver noutro país e experimentar novas culturas é bom e profícuo mas que isso seja uma escolha e não uma fatalidade.
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Escrevi muito aqui, as palavras escorrem-me de entre os dedos, os textos ficam sempre longos demais. Mas escrevo com prazer e gosto de saber que aí desse lado estão vocês, os que gostam de ler o que escrevo. Mesmo quando me dirigem palavras mais ásperas, gosto na mesma, dá-me vontade de responder, de provocar, divirto-me com isso. Sou talvez excessiva na forma como me expresso, no entusiasmo com que digo. Concordo que há aqui abundância. Se, ao vivo, não sou barulhenta ou espalhafatosa, aqui talvez passe essa ideia tal a profusão de palavras, de textos, de imagens, de tudo. Mas não tenho tempo para me domar enquanto escrevo nem, depois de escrever, para burilar a escrita, fica tal e qual sai. Provavelmente isto seja eu em estado bruto. Apesar disso, tomara que continuem a gostar da minha companhia.
Se em 2016 eu continuar a ter razão para pensar assim já acharei que continuo a ser abençoada.
Se alguém que aqui me lê pensar o mesmo, já me darei por feliz.
E se houver um pouco mais de paz, se houver um pouco mais de tolerância e generosidade, se houver um pouco mais de humanismo, um pouco mais de sinceridade e de dádiva, acharei que estamos no bom caminho.
E se vocês, meus Caros Leitores, tiverem saúde, sorte, alegria, afecto, motivação para ir em frente e para sair por aí procurando a beleza e o que há de novo, e sentirem que são úteis e que fazem parte da vida de alguém que vos ama, então terão certamente um excelente 2016.
Ao despedir-me de 2015, é isso que, do fundo do coração, vos desejo.
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Acabei de receber por mail, juntamente com os votos de um bom ano novo, uma música assim apresentada:Sugestão musical para abrir o ano em beleza. Uma música que chegou no Outono de 2015. O kora de Ballaké Sissoko e o violino de Vincent Segal.
Com todo o gosto, a partilho convosco
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As fotografias são de Alexander Yakovlev. Lá em cima Bob Marley canta Somewhere over the Rainbow. Aqui acima Ballake Sissoko & Vincent Segal interpretam Niandou.
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Feliz 2016
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