O mar descansa-me. Uma manhã de inverno ameno, andando junto à água, é um privilégio de que, sempre que posso, usufruo. Com mau tempo também gosto mas o passeio não poderia ser tão longo como este que vos vou contar.
Quase ninguém. Uma paz imensa, uma largueza de horizontes, uma frescura branca, a música das ondas e do vento ao de leve, roçando a areia.
As gaivotas adultas deviam andar ao largo. Por aqui, apenas gaivotinhos brincando tranquilamente na água, uns afoitando-se junto à rebentação, outros, talvez outras, vendo-se ao espelho no pano de água que se estende pelo areal. Quando me aproximo, esta jovem levanta ao de leve a cabeça, confere que não vou perturbar e depois continua.
Quase ninguém. Uma paz imensa, uma largueza de horizontes, uma frescura branca, a música das ondas e do vento ao de leve, roçando a areia.
As gaivotas adultas deviam andar ao largo. Por aqui, apenas gaivotinhos brincando tranquilamente na água, uns afoitando-se junto à rebentação, outros, talvez outras, vendo-se ao espelho no pano de água que se estende pelo areal. Quando me aproximo, esta jovem levanta ao de leve a cabeça, confere que não vou perturbar e depois continua.
Ao longo da praia vou vendo as casinhas coloridas, quase casinhas de brincar. Alguém as imaginou, escolheu os materiais, as cores. Algumas simulam moradias de veraneio, sóbrias, janelas dando para um varandim onde deve ser bom ver o sol fazer de conta que mergulha num mar em chamas. Ou ver a neblina branca por onde se escondem os barcos, os pássaros, as ausências, os dolentes silêncios.
Deve ser bom estar lá dentro destas casinhas ouvindo o mar. Deve ser ainda melhor em noites de vendaval como o que agora se levantou, que bem o ouço, de rugidos do mar, de gritos de gaivotas. Deve ser bom ler um livro dentro de uma casa destas, ouvindo música, a música dos homens, e, ao fundo, a música do mar, do vento inquietando o mar, das sereias inquietando os pescadores. Deve ser bom.
Como será uma casa destas por dentro? Gostava de ver. Terá confortos? Ou será quase nada, um colchão, uma mesa e cadeiras, um armário? Tanto faz. Quem faz o ambiente são as pessoas, o que faz a magia é o espaço que nos envolve.
Sempre desejei ter uma casa junto do mar. Uma vez andámos à procura de uma casa rente ao mar. Mas as casas que víamos eram casas impreparadas, e um alertava para as humidades, outros para os salitres, outros para a pesada manutenção. E os miúdos não queriam, estavam habituados a estar no centro, à mão de semear para qualquer amigo. A custo desisti. Conformei-me com a cidade mas o apelo do mar é sempre muito forte.
Nos dias de marés vivas deve ser assustador, terror de que uma onda vadia arraste a casa para o mar alto, a despedace sem clemência, destrua memórias, apague os gemidos de amor que se inscrevem nas suas paredes.
Mas elas sobrevivem. Pintadas, arranjadas, as cores alegres de quem está habituado a conviver com os prazeres primários: o prazer do sol sobre a pele, o prazer da água sobre o corpo, o prazer do amor no meio de nada. O prazer de viver.
Deve ser bom estar lá dentro destas casinhas ouvindo o mar. Deve ser ainda melhor em noites de vendaval como o que agora se levantou, que bem o ouço, de rugidos do mar, de gritos de gaivotas. Deve ser bom ler um livro dentro de uma casa destas, ouvindo música, a música dos homens, e, ao fundo, a música do mar, do vento inquietando o mar, das sereias inquietando os pescadores. Deve ser bom.
Como será uma casa destas por dentro? Gostava de ver. Terá confortos? Ou será quase nada, um colchão, uma mesa e cadeiras, um armário? Tanto faz. Quem faz o ambiente são as pessoas, o que faz a magia é o espaço que nos envolve.
Sempre desejei ter uma casa junto do mar. Uma vez andámos à procura de uma casa rente ao mar. Mas as casas que víamos eram casas impreparadas, e um alertava para as humidades, outros para os salitres, outros para a pesada manutenção. E os miúdos não queriam, estavam habituados a estar no centro, à mão de semear para qualquer amigo. A custo desisti. Conformei-me com a cidade mas o apelo do mar é sempre muito forte.
Nos dias de marés vivas deve ser assustador, terror de que uma onda vadia arraste a casa para o mar alto, a despedace sem clemência, destrua memórias, apague os gemidos de amor que se inscrevem nas suas paredes.
Mas elas sobrevivem. Pintadas, arranjadas, as cores alegres de quem está habituado a conviver com os prazeres primários: o prazer do sol sobre a pele, o prazer da água sobre o corpo, o prazer do amor no meio de nada. O prazer de viver.
Vou caminhando. Não tenho pressa, tenho uma vasta extensão de areal à minha frente, tenho um mar muito belo ao meu lado. De vez em quando tenho que correr: uma onda mais forte traz a água até mais longe, quase me molho.
Quando se recolhe, observo os pequenos despojos. E o que vejo são composições graciosas, a aleatoriedade feita arte, o outono longínquo trazido pelas águas até aqui, até junto aos caminhos que os meus passos desenham.
Quando se recolhe, observo os pequenos despojos. E o que vejo são composições graciosas, a aleatoriedade feita arte, o outono longínquo trazido pelas águas até aqui, até junto aos caminhos que os meus passos desenham.
Tal como há tempos, penso em Miró. Sinais, signos, estrelinhas, pontos de luz, conchinhas, pedrinhas, restos de vida que o mar afeiçoou. Não mexo em nada. Limito-me a ver a harmonia das composições: uma pena quase azul, uma pena maior -- e eu penso que, talvez, com ela eu conseguisse escrever, inventar um abecedário invisível, escrever palavras cá minhas que o vento levaria, que o mar guardaria, que as ondas levariam até alguém que as soubesse decifrar -- e uma outra mais escura, e uma folha trazida de longe, bolinhas brancas, um pauzinho. E eu em volta, maravilhada, fotografando, soletrando sóis, árvores, amores intemporais, alegrias, saudades, poemas cheios de luz.
Mais à frente, outra imagem que me deixa fascinada. Fascino-me com coisas assim. Há muita beleza não declarada, invisível. Há muita beleza que se constrói por quem pousa, ao de leve, o olhar. Há beleza que é só nossa, secreta, misteriosa. O tempo acrescenta nuances -- uma sombra que prolonga o movimento, um desenho que se adivinha como se tivesse saído da nossa imaginação, talvez a dolorosa e bela tatuagem no coração de um amante inexistente --, o mar lava o supérfluo, deixa os ramos nus, a pele macia, e tudo é quase branco, quase novo, um ramo que é quase imaterial, talvez o bouquet que alguém, lá longe, quis atirar ao mar para que eu, aqui, o olhasse embevecida. Mas pode ter sido apenas o vento, ou talvez a mão de alguém sem corpo, sem nome, talvez alguém de um outro tempo, de um outro mundo, alguém que sonha os meus sonhos e adivinha as minhas palavras.
E eu deixo para trás o belo ramo que se espraia na areia, e sigo. Sei que, um outro dia, o terei de novo; talvez um dia pegue nele e o guarde comigo, num lugar especial. Talvez nesse dia ele esteja ainda mais requintado na sua essência branca, mais depurado, mais pronto para ser meu.
Mais à frente, uma menina dança, salta, contorce-se: parece uma flor oscilando ao vento. Junto a ela um cão que, certamente habituado à graciosidade da dona, já nem a olha. Brinca à sua volta, inocente e livre como ela. E a menina bailarina brilha como um raio de luz pousando no areal, e as suas pernas curvam-se no ar e toda ela é graça, ausência de gravidade, suave leveza. A vida inteira pela frente e ela ainda sem saber que são loucos os caminhos que se lhe hão-de desenhar ao longo dos tempos (assim ela os saiba perceber), que são imprevisíveis os jardins, os labirintos, os atraentes abismos, as perigosas escarpas de onde se alcança a melhor vista, que é bela a vida, tantas as sombras, tantos os esconderijos, tantos os miradouros, as grutas, os píncaros, o infinito fundo do mar, os bosques acolhedores, o amor dos homens, a ternura dos abraços. E que raras são as palavras capazes de dizer o que vai no mais fundo de nós, e que férteis são os ventos que transportam as gotas do mar e o perfume das flores de carne e paixão, e que amáveis são as mãos que escrevem, que afagam, que amam, e que doces são os olhares que se escondem lá longe, lá longe.
E eu continuo. Na volta, mais calor, o mar mais tranquilo. Nada e ninguém perturba a paz que o ondular suave do mar nos traz.
E, então, mais à frente, um outro corpo oscila. Olho-o. Durante muito tempo assim está este homem, parece um caule elegante balouçando ao vento. E um outro cão. Este descansa, talvez medite, talvez pense na graça das coloridas casinhas ou se admire com a força dos braços do seu jovem dono. Amor fiel e incondicional o de um cão pelo seu dono: o dono demora-se e ele, paciente, aguarda.
Talvez o jovem aspire o perfume que sobe da areia molhada, talvez goste de tocar o céu com a pele nua dos pés, talvez imagine que caminha sobre o azul intangível do imenso espaço.
Caminho para regressar, sem tempo, com vagar.
Um corpo reluzente em negro sai do mar transportando uma esguia concha branca. Do outro lado, as serras desenham sombras azuis sobre o céu azul, elevando-se sobre as águas também azuis. Olhando bem, vê-se que, naquilo que talvez sejam cidades, os pontinhos brancos são casinhas, talvez casinhas de brincar habitadas por pessoazinhas de brincar, iguais a mim e a si, Leitor, pequenos seres, irrelevantes na nossa pequenez face à imensidão da beleza azul desta natureza generosa, tolerante, abençoada. Podia esta paisagem ter sido imaginada, um sonho, um deslizar do pensamento sobre o vago ondular da espuma do mar. Mas é verdadeira. Aqui, só eu sou inventada.
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Muitos dos que me lêem são de longe. Todos os dias, muito mais de cem pessoas chegam do Brasil e quase outras tantas dos Estados Unidos e outras de vários outros países. Todos os dias, desde há muito tempo. Talvez sejam leitores regulares, talvez já sintam que me conhecem, talvez gostem de estar perto das minhas palavras. Penso que, a esses em especial, tenho o dever se mostrar os lugares que me trazem esta felicidade simples e boa. E, mesmo de entre os que são de Portugal, talvez haja quem não tenha a sorte de sentir o bem-estar feito de passeios dados na areia molhada, num tranquilo dia de maresia branca evolando-se de águas azuis. É dezembro, já foi o natal, e em vez de andar sobre a neve, os meus pés procuram a água do mar, esta água bravia, cheia de vida. É dezembro, o ano está a acabar, e eu sinto-me cheia de sorte por saber que, aí desse lado, está alguém que gosta de estar aqui comigo.
Sorrio enquanto escrevo e só tenho pena de não saber depositar o meu sorriso nas vossas mãos, no vosso olhar. E de não poder levar-vos o perfume molhado das águas do mar.
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Balada del mar no visto
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As fotografias foram feitas neste domingo de manhã no vasto areal da Caparica, um lugar de sumptuosa e tranquila beleza.
A música, The heart asks pleasure first, da autoria de Michael Nyman, pertence ao filme O piano
Para os que nunca viram este mar -- o poema Balada del mar no visto é de León de Greiff cuja voz se ouve no vídeo.
Mis ojos vagabundos,
mis ojos infecundos...:
no han visto el mar mis ojos,
no he visto el mar!
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E, embora depois de ter escrito isto e de ter escolhido estas fotografias para vos mostrar, não me apeteça, digo-o na mesa: a seguir encontrarão um texto escrito num outro comprimento de onda. Aí falo sobre a entrevista concedida a Judite Sousa pelo incontornável Jorge Jesus e, ainda pior... falo também sobre o golden boy Marques Mendes, um que também já podia ir pregar para o deserto (é que já não se aguenta tanta conversa maltrapilha, com casacos tão apressadamente virados do avesso e sempre com aquele sorrisinho lampeiro de vizinha linguaruda que já cansa).
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5 comentários:
Belo passeio Tazinha! Do modo como o contou, até eu senti os pés na areia.
Nessa areia da Caparica que percorri desde criança, casada, com o meu filho e que há já alguns anos, por ter a minha casa em Sintra, não tem dado jeito ir com frequência.
Admirei-me das fotos das casinhas de madeira, porque me lembro de há muitos anos existirem umas boas dezenas delas (até tive um amigo, já falecido, que tinha lá uma muito engraçada)e que foram obrigatoriamente demolidas por ordem da capitania; não me lembro do argumento para tal, mas foi triste vê-las desaparecer ao longo do areal ao qual davam um aspecto gracioso e colorido.
Boa semana em contagem decrescente para o início de 2016 que espero se mostre mais risonho e onde possamos ser mais felizes.
Beijos e abraços
As casinhas de madeira são a prova de que a Costa de Caparica foi fundada por pescadores de Ovar, e da Ria de Aveiro em geral, o que está historicamente documentado. Muitas povoações da costa continental portuguesa o foram, desde Espinho até ao Algarve, passando pela Carrasqueira, que por acaso não fica junto ao mar, mas sim ao fundo do estuário do Sado, entre a Comporta (a tal do Ricardo Salgado) e Alcácer do Sal. Não é por acaso que a palavra "varina", que originalmente significava "mulher natural de Ovar", tenha acabado por ser sinónima de peixeira.
As casas de madeira que os pescadores de Ovar erguiam nas praias eram construídas sobre estacas, para permitir que a areia empurrada pelo vento passasse por baixo delas e não se acumulasse de encontro às suas paredes. Também, se o mar subisse muito e chegasse até às casas, passaria por baixo delas também. Estas casas têm o nome de "palheiros". Muitos palheiros foram "modernizados" e até viram as suas paredes de madeira substituídas por paredes de tijolo. Os exemplares mais belos que conheço de palheiros (quase todos já muito "modernizados", porém) estão na povoação da Costa Nova, no concelho de Ílhavo, entre a Ria de Aveiro e o mar.
Nestes dias temos ido até ao Guincho e depois, do Guincho até á Boca do Inferno, ou com os cães, ou o neto, ou os filhos. É um dos mais belos sítios do país, sobretudo antes da época balnear, pois pode-se dar belos passeios por ali, sem o incómodo de encontrar muita gente. O ideal é parar a viatura por ali, algures, e depois andar a pé, pelo terreno junto às rochas, ou pelas praias. Num desses dias, quando estávamos com o neto, apanhámos o mar furioso, com ondas violentas e de grande dimensão. Num determinado local, as ondas, que teriam talvez uns 4 m de altura, desfaziam-se junto à margem rochosa, com um vigor inusitado e grande ruído. Ali, entravam por umas pequenas grutas e buracos naturais, com saída para o exterior e a água do mar elevava-se a mais de 10, ou 12m, num efeito fantasmagórico. Algumas pessoas que ali se encontravam tiravam fotografias, ou filmavam aquele espectáculo da natureza. O nosso neto estava fascinado! Segurava-nos pela mão, não fosse o mar levá-lo! Uma vez chegados a casa, foi contar ao pai, numa exuberância gestual típica da criançada da idade dele (4 anos recentemente feitos. Um sagitário, como o tio). E ainda hoje fala daquilo. Mas, de facto, aquela zona ali, sobretudo de Cascais até ao Guincho, é de uma beleza natural extraordinária. E felizmente bem preservada e cuidada (e mesmo iluminada à noite). Conheço aquele casario que o Leitor Fernando Ribeiro menciona. É bem bonito! Quanto á Costa da Caparica, já não vou lá há décadas! Quando era mais novo costumava lá ir, depois de nos termos mudado do Porto para Lisboa, mas só de pensar no tempo que se perde no raio da travessia através da Ponte, fico sem vontade. E depois, vivendo perto do Guincho, acabo, compreensivelmente, por ficar e andar por ali.
Se um dia tiver tempo, vá até lá. No Inverno tem um encanto especial. Sobretudo de manhã, ou ao fim da tarde.
Bom Ano de 2016!
P.Rufino
Bela reportagem, quer de fotos quer de texto.
Parabéns!
Ao caro leitor P. Rufino, quero incentivá-lo a voltar à Costa, venha apreciar de novo as belezas que um dia já conheceu. Ficará encantado com as alterações que muito mudaram a Costa nos últimos anos, assim como contemplará a inalterada e maravilhosa Arriba Fóssil.
Visite e aprecie de novo as vastas matas que "contemplam" a Costa e dê um saltinho até ao alto dos Capuchos e encha bem o peito de ar puro vindo desse maravilhoso mar.
E não tema o "inferno" da ponte! Vou dar-lhe três segredos:
Primeiro - não venha ao fim-de-semana.
Segundo - venha logo pela manhazinha ou então só para almoçar.
Terceiro - não regresse logo à tardinha. Jante por ali e vá depois, nas calmas, para a sua também bonita região.
Se ou quando puder, não deixe de visitar também as praias do Rei e da Fonte da Telha, enfim tudo o que faz parte da grande Costa da Caparica.
Caro anónimo,
Talvez um dia venha a seguir o seu simpático conselho. Grato pelas sugestões para lá voltar sem o trauma das filas.
Bom ano para si!
P.Rufino
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