domingo, novembro 02, 2014

10 horas a andar e a ouvir piropos, que coisa horrível. "Olá", " Olá beleza", "Bom dia", "Como estás?" etc, a torto e a direito. Quem é que aguenta afrontas destas? - 'O caso de uma mulher em Nova Iorque' e as réplicas: 'O caso de um homem em Nova Iorque', 'O caso de um homem em Berlim' e 'O caso de uma Drag Queen em LA'.


Foi notícia e tem estado a dar que falar um vídeo no qual uma mulher foi filmada enquanto andava na rua em Nova Iorque vestida de forma discreta e, mesmo, inexpressiva, e, escândalo dos escândalos!, apesar disso ouviu nada mais nada menos do que cem piropos. 100!


Assédio, coisa inaceitável, uma perseguição insuportável - disseram as televisões, as bloggers, as feministas. E eu, confesso, fiquei estupefacta: durante um dia uma mulher foi 100 vezes assediada sexualmente? Fogo! Como seria tal possível? Há assim tantos assediadores à solta?!

Como não é tema que me interesse muito já que acho que há muito exagero e tive mais com que me ocupar, não liguei e acabei por me esquecer.

Agora, depois de mais um daqueles dias gostosamente recheados - de oberas (como diz o pimentinha mais novo), idas a casa dos bisas e, agora à noite, leitura do Expresso - e, depois de ver o Eixo do Mal, liguei o computador, espreitei os mails (mas desculpem-me, ainda não vai ser hoje que vou responder, já é tão tarde) e, depois, ao ir à procura de uma música, apareceram-me as sugestões do YouTube e, logo à cabeça, o dito vídeo.

Obedientemente fui ver. E, surpresa!, a maior parte do tempo são cumprimentos, palavras simpáticas, uma ou outra graça, alguns convites de brincadeirinha e apenas um ou outro caso que pode ser considerado mais maçador. 

Fiquei admirada. Porquê tanto alarido perante coisas tão inofensivas? Não percebo. Será que é suposto um mundo de zombies em que ninguém olhe ou sorria ou diga uma graça, mortos vivos deslocando-se em silêncio pelas ruas?

Ora. 

No outro dia, li no DN a Fernanda Câncio, com quem costumo concordar, a lembrar-se, na crónica Boas todos os dias, que, quando era miúda, um sujeito lhe disse que a lambia toda. Claro que isso é desagradável. Uma pessoa ser toda lambida por um linguarudo que sabe-se lá se é não é um porco peçonhento, deve ser chato, capaz de uma pessoa acabar toda babada, uma coisa mesmo muito pouco higiénica. 


Mas uma baboseira daquelas é uma coisa e outra, muito diferente, é ouvir um bom dia, ou um uau, um olá ou um assobio apreciador.

Ontem li a Estrela Serrano a dizer, no seu post intitulado Piropos e Piropos,  que também achava que a Fernanda Câncio estava a exagerar, que há piropos engraçados que até sabem bem.


Já falei nisto aqui muitas vezes mas, se me permitem, volto ao tema.

Acho que é nojento que uma mulher ouça ordinarices ou se sinta ameaçada. Sei do que falo.

Quando era miúda, catorze ou quinze anos, havia um homem que me seguia num carro. Geralmente era à tarde, por onde eu andasse, lá ia ele atrás de mim. Chegava a pôr-se parado à porta da minha casa e depois ia atrás de mim. Era um homem jovem, bonito, ar interessante. Mas aquela insistência incomodava-me e assustava-me um bocado. Quando disse à minha mãe, ela ficou cheia de medo.

Uma vez, fui com ela ao Banco de Portugal, onde ela recebia o ordenado, e vi-o lá. Trabalhava lá. Quando saí e disse à minha mãe, ela queria lá voltar e ir dar-lhe uma desanda mas eu disse que podia eu estar enganada. Acho que não quis que ela se fosse enervar. Não sei se chegou a falar se não, mas acho que ele não voltou a perseguir-me.

Mas, tirando isso, nunca senti ameaças. Piadas ordinárias, isso muitas - mas ignorei. Fazer o quê? Virar-me e fazer um escândalo junto de pessoas de moral duvidosa? Ir à esquadra e voltar ao local a ver se o ordinário ainda lá estava? Pouco provável, não é?

Também aconteceu algumas vezes, quando andava em autocarros apertados, e o 15 era um horror, haver labregos que aproveitavam os apertos para se encostarem de forma incomodativa. Lembro-me de mais do que uma vez me ter virado para os parvalhões e lhes ter dito 'Importa-se de se chegar para lá? Está a incomodar-me.' E lembro-me de, mais do que uma vez ter havido reacções estúpidas em que os anormais se faziam de ofendidos e ainda tentavam ofender-me a mim. Limitava-me a responder-lhes 'Não tenho mais nada a dizer, apenas que não volte a encostar-se'.

No entanto, a maioria, larga maioria, foram gracinhas, piadas, piadolas, palavras não ofensivas. Quando, adolescente, andava com a minha mãe na rua, era frequente ouvir dizer 'Tal mãe, tal filha' ou 'Oferece-me a mão da sua filha?' ou 'Que sogra tão bonita que eu podia ter'. Seguíamos como se não tivéssemos ouvido mas mal víamos que o piropeador já não nos estava a ver, desatávamos a rir.

Uma vez, estava eu grávida em fim de gravidez, passei na Rua Castilho e estavam uns homens sentados no chão, penso que estavam no descanso de umas obras. Um assobiou, outro disse 'Mesmo assim, é boa como o milho' e o outro disse 'Pôs-se a brincar com o Zezinho e deu no que deu'. Fiz um esforço para não me rir. E ainda hoje me dá vontade de rir, eles os três sentados no chão a olharem para mim e eu com um barrigão monumental, cheia de vontade de rir e a fazer de conta que não os tinha ouvido.

Um colega meu diz-me frequentemente piadas. Já o conheço há imenso tempo, somos amigos, as famílias amigas. 
Uma vez a minha filha foi lá ter comigo, levando o mais crescido que na altura era bebé de colo. Quando chegou ao meu gabinete vinha com algumas pessoas que a foram 'escoltar' e que, no fundo, queriam estar com ela, comigo, com o bebé. 
Uma delas disse-me 'Já ali estive com o avô da criança'. Fiquei admirada: 'Com o avô...?!' 
Pensei, francamente intrigada 'Mas o que é que o meu marido anda por aí a fazer...?' 
Responde-me ela a rir, maliciosa, "Com o Dr.T. Quando a sua filha ia a passar lá em baixo, ele cruzou-se connosco, cumprimentou-a, fez umas festas ao bebé e depois disse: 'Não é a minha cara...?  Não sai mesmo ao avô...?'"
Quando nessa tarde o vi, disse-lhe 'Mas olha lá, estás parvo ou quê? Então foste dizer que és o avô da criança?'. Desatou-se a rir, 'Mas não disse de quem é que sou o pai...'. Aí fui eu a desatar-me a rir, pensando que havia de ter graça ele ser o pai do meu genro... ou seja, a sogra da minha filha ter tido um filho fora do casamento e logo com ele. 

Claro que poderia não ter achado graça, ter ficado piursa, ter achado que aquilo era assédio, ofensa, sei lá. Mas não, simplesmente achei piada. E ainda acho.

E lembro-me de mim em adolescente com a minha mãe tal como me lembro de mim com minha filha adolescente. Toda giraça, vistosa, bem vejo os olhares que lhe deitam ou as piadas que lhe dirigem. Inofensivo tudo, simpatias, simples agrados que o único efeito que produzem é levantar a auto-estima das mulheres.

E a minha mãe ainda se lembra de um piropo a que achou especial graça há muitos anos atrás, ela louríssima e um homem a olhar para ela e a dizer para o outro,  'Está ruça mas ainda está boa'. 

Qual o mal disso? Nenhum, não é?

Por isso, atalhando razões: acho que tanta polémica em torno deste tema é estéril. Se é piropo é inócuo. Se é ofensa ou ameaça é crime. São coisas distintas e por isso devem ter tratamentos distintos. E ponto.



Ora bem.

Cá está o vídeo 10 Hours of Walking in NYC as a Woman


(E digam-me lá se isto é o dramalhão que para aí pintam?)





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Claro está que as réplicas não se fizeram esperar. Um piadão.


10 Hours of Walking in NYC as a Man - parody






10 Hours of Walking in Berlin as a Man - parody





10 Hours of Walking in LA as a Drag Queen - parody






E palpita-me que a coisa não deve ficar por aqui.

E eu até sugeria que cá em Portugal se fizesse uma coisa destas. Por exemplo:

10 horas de um homem mascarado de Passos Coelho a passear em Lisboa.

10 horas de um homem mascarado de Paulo Portas a passear no Porto

10 horas de um homem mascarado de Cavaco Silva a passear pela Marinha Grande

e por aí fora.

Aposto que, aqui sim, teríamos piropos de se lhes tirar o chapéu.

.....


E, por agora, fico-me por aqui. Desejo-vos, meus Caros Leitores, um belo domingo.

...

3 comentários:

Anónimo disse...

pois, eu queria ver era se topassem uma destas - http://www.youtube.com/watch?v=_S92oZVf8w4


culpa sua, apresentou-me este gajos


bob marley

Um Jeito Manso disse...

Olá, Bob Marley, boa tarde,

Desta vez, lamento mas chegou tarde...

http://umjeitomanso.blogspot.pt/2014/10/e-afinal-como-e-que-ficou-isso-ai-dos.html

Um belo domingo aí para si nesse Porto glorioso!

Anónimo disse...

pois é-)) o do macedo (post acima) já tinha visto.

noutro dia coloquei aqui o vídeo de uma música que encontrei ao ver um vídeo de ski á noite - https://www.youtube.com/watch?v=DKL4X0PZz7M

gostei mesmo desta música, e fiquei a pensar, deve ter muitos efeitos de som, como os vídeos oficiais têm (não como este claro) - https://www.youtube.com/watch?v=mc_Pj9hfDG8


até que vi este, mesma música, cantada numa rádio australiana, o curioso é que ainda não a ouvi numa rádio por cá - https://www.youtube.com/watch?v=ucv3jVwRuX8


bob marley