segunda-feira, outubro 17, 2011

A sociedade actual, a mediocridade que tomou conta de tudo, a nossa passividade, o movimento dos indignados e um caminho que temos que ir fazendo, caminhando


Eu tive a sorte de ainda ter conhecido gente competente nos lugares certos. Por isso tenho um padrão. Tenho também a sorte de conhecer ainda alguns (raros) casos desses.

Haver gente competente, preparada, capacitada, nos lugares que ocupa não é ficção nem é utopia.

A coisa começou, por cá, a descambar quando a política e a governação (governação em sentido geral: nas autarquias, nas empresas, etc) começaram a ser ocupadas por gente impreparada mas empossada ('empowered') como se estivesse preparada para tal.


Tal como no cinema se passou da arte, para o entretenimento e depois para a alienação, para a banalidade pintada de efeitos especiais, perseguições, gente atirada pela janela, música lamecha a impelir ao xarope emocional; tal como na literatura se passou da arte, da inteligência, do laborioso entretecer de palavras para palavras alinhadas em sound bites, para as historietas de vampiros, de anjinhos, de romances de meia tigela, embrulhados em tule com pintinhas brilhantes, para a profusão de vulgaridades básicas de auto-ajuda; tal como na música se passou da arte pura, elevada e trabalhada com esmero e inspiração para a banalidade monocórdica ou para a balada infantilizada ou para a foleirada mais bacoca, mais pimba; também na política a coisa desandou, também nas empresas a coisa desandou, por todo o lado a coisa desandou.

Como uma maionese que talha, tudo na nossa sociedade parece ter talhado. Mas a gente finge que não dá por nada. Deslassou? Juntam-se natas ou farinha que a coisa disfarça. E assim andamos, a ser governados por uma gente que é uma espécie de qualquer coisa, um remedeio, um molho deslassado, ou de pacote, a fingir que é a sério.

Na política, os grandes políticos ou morreram ou, os que ainda vivem, estão cansados, afastados. Ou então estão-se nas tintas para aturar esta maralha. Quem é que, com dois dedos de testa, se presta a ter que participar em debates com gente da 3ª divisão (a falta que agora me fazem os conhecimentos de futebol... aqueles clubes de subúrbio, a liga dos piores, como se chama a essa divisão)?

Eu às vezes penso: 'estou para aqui a invectivar... porque não me chego à frente, porque não me meto para aí num partido qualquer e vou à luta...?'.

Mas recuo logo. Alguma vez...? Ter que andar em reuniões de partido, à noite, a ter conversas parvas com gente desqualificada? Imagino os disparates que lá se dizem. Gente oportunista, ignorante, estúpida, só a ver como se safa. Ter que ir a comícios, ter que andar a participar em arruadas, em parvoíces...? Mas nem arrastada.



(Não estou a falar de cor. Conheço um ou outro caso que os meus amigos ficariam de cabelos em pé se soubessem, ao pormenor, a gentalha que por aí anda na política)

Mas vamos supor que, por magia, conseguia fazer um bypass a essas maçadas e me via directamente como deputada ou coisa do género. Imagino-me eu a ter que discutir com um Relvas desta vida? Mas nem pensar. Seria um atentado a mim própria. Só de olhar para a cara dele... aquele ar de comadre sabida, aquele sorrisinho matreiro de quem sabe os segredinhos todos (pudera, maçon, amigo de espiões). Não. Mas é que nem pensar.

Acredito que alguns dos que me estão a ler pensem, 'olhem-me para esta, pedante, elitista, a achar-se melhor que os outros'. Seja. Se calhar sou. Mas cada um junta-se ao grupo onde se sente melhor e eu, meus Caros, não me sentiria nada bem no meio desta troupe que por aí agora anda.

(Há excepções, claro que há. Há pessoas dignas, capazes. Claro que sim. Mas geralmente a essas não as vemos em lugares de destaque, vemo-las a um canto, ou em lugares decorativos, pouco aproveitadas para o valor que têm, torpedeadas pela tropa fandanga, tendencialmente marginalizadas pelo grupo em que se inserem. Mas sei que há excepções. Quando falo, falo em termos gerais, sabendo que é injusto para as dignas excepções)

A questão é esta: falando em termos gerais, estamos no ground zero da política.

E nas empresas, na economia real, como estamos? Na mesma.

Se quem forma equipa não é grande espingarda, só vai querer rodear-se de fisgas. As fisgas, por seu lado, só querem ver-se rodeadas de pedras e das pedras aos pedregulhos com olhos é um instante.


Reparemos que, ao contrário do que se possa pensar, poucos capitalistas de verdade existem no País.

Depois do 25 de Abril houve vários que quiseram recuperar as suas empresas (que tinham sido nacionalizadas) ou resolveram investir de raiz, ou formar novas empresas - mas ninguém, ou quase ninguém, tinha dinheiro, pelo que entraram em cena os outros grandes protagonistas nesta nossa história - os bancos.

Quem anda nestas vidas sabe bem o que se ensina nas faculdades - alavancagem, alavancagem, alavancagem. Qualquer Insead, qualquer Católica, qualquer Lisbon MBA, ensina que para se criar valor para o accionista o que se deve fazer é alavancar financeiramente através de crédito bancário e não arriscar capitais próprios. A própria política fiscal o incentiva.

Ou seja, com o crédito barato e os bancos com uma política comercial agressiva, as empresas endividaram-se até ao tutano. Reforçar o papel accionista? Financiamento bancário. Investir? Financiamento bancário. Garantias? As acções, por exemplo.

E agora? agora as acções valem népias e os bancos, sem dinheiro, aflitos, querem o dinheiro de volta. Claro que as empresas não o têm. Com o mercado como está, quem é que tem dinheiro? Accionam-se as garantias? Como? Não valem nada!

Ou seja, os bancos estão, agora eles também, aflitos. Como estão aflitos, também não têm para emprestar.

Mas nas empresas também ninguém viu que a trajectória era suicida?

Não. Nas empresas a gestão é, quantas vezes?, entregue a consultores, assessores, miudagem que sai das universidades, imberbe e inexperiente, para ir ditar regras nas empresas. A gestão transformada em power points.


Ou, se não é isso, está entregue a gabarolas, gente convencida que tem o rei na barriga, que recebe prémios milionários, que se entretém a mudar de logótipos, de estacionário, que vive do culto da imagem e pouco mais.

E a gente que pague estas fantasias

Claro que no meio empresarial, tal como na política, tal como em todo o lado, há excepções, claro que sim, honrosas execpções, gente de valor, que investe, que se preocupa com os colaboradores, que trabalha, que vai à luta. Mas são isso mesmo, honrosas excepções.

Na política, na economia, nas finanças, na cultura (Cultura? É que nem um Ministério da Cultura há... A dupla Relvas & Moedas deve ter achado que não se justifica), a indigência intelectual, moral, cívica campeia.

Teremos que sair disto mas não vejo bem como.


Os movimentos de indignação são, por ora, demasiado informes para que, deles, possa sair uma alternativa. Mas, talvez, neste grande movimento global de indignação se comece um dia destes a esboçar qualquer coisa.

Por agora, mantenhamo-nos atentos, exigentes, lutadores. Cientes de que pactuámos durante demasiado tempo com a medicridade, com a alarvidade, a boçalidade. Cientes de que já vimos a que é que isto conduz. Cientes de que só com gente inteligente, preparada, experiente, motivada, culta, se pode governar o que quer que seja.

Um fraco rei faz fraca a forte gente, é coisa sabida há séculos.

<>

Ou seja, pessoalmente ainda não sei como saímos desta mas, para já, uma coisa eu sei. Sou:



E isto talvez seja o princípio de um caminho.

4 comentários:

Luisa disse...

O cinema piorou para chegar a todos, a entendidos e a menos entendidos. A literatura saiu do pedestal para chegar a todos, a cultos e a menos cultos. O ensino facilitou-se para dar oportunidades a todos, a inteligentes e a bestas.
A política tornou-se ordinária, porque se encheu de gajos provenientes da digna democratização da cultura e da ciência, e arrebanhou os menos entendidos, os menos cultos e as bestas.
Como diria o Relvas: "Percebestes"?

Anónimo disse...

ora democracia significa "governo do povo".
com o 25.04 não era isso que mais queriam? agora que têm, queixam-se de quê?

Um Jeito Manso disse...

Luísa,


Ontem não tive tempo de responder aos comentários. Peço desculpa.

Concordo totalmente consigo.

Tudo fraquinho demais, fomos baixando as expectativas, fomos aceitando tudo e agora estamos nisto.

É que nem falar sabem, tem toda a razão.

Um Jeito Manso disse...

Caro Anónimo,

Não é bem isso. O 25 de Abril teve a sua razão de ser e ainda bem que aconteceu.

O percurso que se seguiu é que degenerou um pouco, lá isso é verdade.

Mas democracia e liberdade são bens indiscutíveis.