Já aqui confessei que sou leitora assídua do Expresso. Hoje vou referir-me, em particular, ao caderno Actual.
É também sabido que sou apreciadora do estilo de Pedro Mexia - e que este statement fique já à laia de declaração de interesses.
Na sequência da polémica desencadeada pelo ataque brutal que Ana Cristina Leonardo (ACL) desferiu em Eduardo Pitta e sobre o qual já aqui já me pronunciei, vou hoje fazer um exercício - passar da teoria à prática.
Ou seja, mais concretamente, vou referir-me à recensão crítica que ACL escreveu na edição deste sábado sobre 'Nas trevas exteriores' de Cormac McCarthy e a que deu 5 estrelas, fazendo um contraponto com a recensão sobre o 'Quarto Livro de Crónicas' de António Lobo Antunes, escrita por Pedro Mexia que lhe deu 4 estrelas.
Sobre o livro de Cormac McCarthy não poderei pronunciar-me mas o do António Lobo Antunes já li e aliás, quando o comprei, em Abril, falei do livro e do autor. Ou seja, posso aferir a justeza das apreciações de Pedro Mexia enquanto não tenho termo de calibragem quanto ao texto de ACL.
Ana Cristina Leonardo |
O que sei é que a referida recensão de ACL, apesar de bem escrita, não é apelativa. Há um excesso de citações que interrompem o seu raciocínio, não acrescentando muito à sua compreensão pois, não apenas algumas são excessivamente longas como, ao ser o texto descontextualizado, aparece-nos perdido, desenquadrado no meio do texto de ACL. Outras citações, as que não são retiradas do livro, aparecem-nos de forma algo forçada, como se houvesse uma preocupação de enxertar no texto, amplamente adjectivado, alguma erudição.
Ou seja, chegamos ao fim do texto e não nos sentimos municiados com os argumentos favoráveis que nos conduzam à leitura do livro, não houve empatia entre nós e a escrita de ACL, não percebemos bem porque lhe atribuíu ela as ***** nem isso, de resto, nos interessa muito.
É um texto mal escrito? Não, de forma alguma. Mas é um palavreado que nos deixa pouco mais que indiferentes.
Pelo contrário, peguemos no texto de Pedro Mexia.
Pedro Mexia |
Numa escrita corrida, fluida, bem estruturada, empática, transporta-nos para o mundo das crónicas de Lobo Antunes. Toda a ternura, todo o espanto, toda a humildade, toda a vaidade, todas as contradições, todos os retratos do quotidiano das pessoas comuns que habitam as ruas e a vida do escritor, se encontram plasmados na recensão de Pedro Mexia. Não precisou de implantar no seu texto longas citações do livro sobre o qual escreveu para nos transmitir, com matemática precisão, o ambiente, o tom, a toada, o feeling, que o livro transmite ao leitor.
[E, num à parte, quero dizer que fiquei agradada pelo desprendimento, revelador de bom carácter, de Pedro Mexia ao escrever tão favoravelmente sobre este livro de António Lobo Antunes depois do desaguisado que há algum tempo houve entre eles]
Ou seja, e agora voltando a Ana Cristina Leonardo: enfureceu-se com o critério, o rigor, a escrita de Eduardo Pitta mas esqueceu-se que não basta ter lido atentamente, ter um gosto apurado, ter um critério exigente. É preciso saber transmiti-lo de forma simples, directa, eficaz, empática.
Por isso, e apesar de ser leiga na matéria, permita que, como cliente do jornal para o qual escreve, lhe transmita um sincero conselho: leia, com humildade, o texto de Pedro Mexia e tente tirar daí ensinamentos para a sua própria escrita.
Não entenda este conselho como destinado ao seu enriquecimento pessoal: não, escrevo-o por puro egoísmo, na qualidade de leitora do Expresso - prefiro ler textos mais escorreitos, mais focados, que consigam, de uma forma mais estruturada, dar-nos uma visão clara da obra sobre a qual versam.
5 comentários:
Duas notas, já que sou citado.
1. Ninguém tem que «tirar ensinamentos» dos textos alheios; um trabalho honesto não é uma competição.
2. Ainda que tenha ou tivesse algum «desaguisado» com alguém, eu escrevo sobre livros, não sobre pessoas.
Ena!...
Se isto é ser 'muito rural', eu quero ser só um bocadinho! :)
Estupendo.
Por acaso (ou talvez não) tenho basicamente todos os livro do Pedro e as suas crónicas e escritos avultos por aí também são imprescindíveis para ver e pensar o mundo (interior, sobretudo) por outro prisma.
A definição da sua escrita está soberba.
Quanto ao estilo da ACL, é um género que durante algum tempo fez furor (sobretudo em blogues femininos): a agressividade desdenhosa, talvez para provarem ser tão ou mais aguerridas do que os críticos seus pares (sabe-se lá o o que lhes vai nas "cabecinhas pensadoiras"...).
Deixei de ler o 'Expresso' antes de se ter convertido à treta do 'A.O.' (só tinha tempo para ler 'as gordas' e pouco mais), por isso nem conhecia a senhora.
O seu blogue também só recentemente me foi 'apresentado' (a blogosfera é um mundo...), por isso, esta troca de análises e razões foi interessante.
Agora, depois disto, veja lá se do grupo Impresa a convidam para a função! :)
Eu convidava!
Excelso Pedro,
de facto, ninguém tem de tirar ensinamentos dos textos alheios, mas, que bom que assim suceda, se isso tiver méritos.
É porque existem neurónios e um coração sadio.
Eu gosto de aprender e contigo (permite, já que nos conhecemos 'de outros carnavais') aprendo de uma forma que até tira o fôlego.
Nada disso tem que ver com a honestidade ou falta dela, ou com competitividade, mas, tão-somente, com "escola". De pensamento, de estilo, de ética e de nobreza, até.
Lá está: escrever sobre livros, não sobre pessoas.
:)
Tudo dito.
Caro Pedro Mexia,
Obrigada pelo seu comentário.
1. Permita-me, contudo, que lhe refira que a comparação, se a fiz, não foi como competição ou para estimular qualquer forma de emulação que, na escrita, me parecem absurdas.
Foi, sim, para que Ana Cristina Leonardo, que atirou contra outro colega de profissão como se, do alto das suas certezas inquestionáveis pudesse reduzir a pó o trabalho do colega, perceba que o trabalho dela bem como as análises comparativas são, em si, também passíveis de serem questionadas.
Como cliente de um produto (no caso, as recensões literárias que ambos escrevem para o Expresso), referir o que mais me agrada, enunciar os pontos fortes e os fracos, deve ser visto como um contributo positivo para aproximar mais a oferta da procura.
[Perdoe-me o economicismo do argumento - que certamente irritará muita gente - mas é disso que se trata: quem paga para ter um produto, quer que o mesmo lhe agrade (no caso, se leio um texto, quero que ele seja bem escrito, honesto, elucidativo, escorreito). E, como cliente, tenho o direito de me pronunciar sobre o que consumo, coisa que os fornecedores costumam apreciar.]
E, portanto, se a análise comparativa que fiz entre o texto de Ana Cristina Leonardo e o seu, se deveu ao que acima expliquei e não a qualquer disparatada pretensão de colocá-la ao despique consigo, já a sua primeira afirmação merece a minha discordância.
'Ninguém tem que tirar ensinamentos de textos alheios'?!
Mas como isso você destrói a razão de ser de todos os cursos de filologia, de literatura...!
Claro que se aprende com a obra alheia, claro que sim. Todos os escritores (salvo raríssimas e quase inexplicaveis excepções) são influenciados pela obra alheia.
Ora eu, ao sugerir uma influência a Ana Cristina Leonardo, apontei-lhe uma que, em minha opinião, beneficiará a sua escrita.
2. Também o seu ponto 2 me merece um ligeiro reparo. Escreve sobre livros e também sobre pessoas e, em minha opinião, fá-lo bem feito, com isenção e objectividade.
O que me parece é que, no exercício da escrita, não é movido por simpatias ou antipatias pessoais relativamente àqueles sobre quem escreve. E isso é parte do seu mérito.
Cumprimentos.
Cara Estrela N.,
Muito obrigada pelas suas palavras.
Concordo, claro, com o que diz.
... excepto quanto ao Grupo Impresa me contratar. Era ironia, claro, mas, já agora permita que refira uma vez mais que sou leiga em matérias que têm a ver com a ciência literária. O facto de gostar de ler e de escrever apenas me dá mais respeito por quem o faz com mestria.
Se há coisa que me revolva as entranhas é ver que não há cão nem gato que não se ache à altura de publicar um livro.
Estrela, volte sempre!
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